Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0217c.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 10/23/05 13:55:28
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - ALFÂNDEGA
Alfândega, através dos séculos (3)

Terceira do Brasil, foi fundada em 1550

Leva para a página anterior

Para atender às necessidades de controle das mercadorias entradas no território brasileiro e dele saídas, o serviço de Alfândega foi implantado no Brasil logo nos primórdios da colonização, e Santos foi considerada uma localização importante, tanto que a terceira alfândega do Brasil surgiu nesta cidade, ocupando diversos prédios até chegar ao atual, na Praça da República.

Essa história foi contada na edição especial do jornal santista A Tribuna (no acervo do historiador Waldir Rueda) comemorativa do 1º centenário da elevação de Santos a Cidade, em 26 de janeiro de 1939 (a grafia foi atualizada nesta transcrição):

Clique na imagem para ampliá-la
A vila de Santos em 1765
Imagem publicada com o texto. Clique na imagem para ampliá-la

Casas da Alfândega

Júlio Pereira Caldas

Esta planta localiza as áreas que têm servido de Alfândega desde a primitiva até a atual, excetuando-se, apenas, o armazém externo n. XV da Companhia Docas de Santos que está fora do perímetro abrangido pela mesma, cujo local era mar até 1910.

Tomé de Sousa, ao aportar a São Vicente, em fevereiro de 1553, já achou estabelecida a Alfândega construída por Braz Cubas, no local assinalado na planta com a letra S. Nesse mesmo local foi reedificada uma outra, por ordem do provedor-mor Antonio de Barros, conforme provisão que abaixo se transcreve:

"Título de Registro das Provisões, que se passaram de serviço de El-Rei, Nosso Senhor, que tocam a Fazenda de Sua Alteza.

67. - A dezesseis de fevereiro de mil quinhentos e cinquenta e três, passou o provedor-mor uma sua Provisão, por que fazia saber a Braz Cubas, provedor das capitanias de São Vicente e Santo Amaro, que sua Alteza lhe mandavam em seu Regimento, que quando corresse as capitanias desta Costa mandasse fazer em cada uma delas casa para Alfândega, e Contos, e que porver que na dita Capitania de São Vicente era necessário havê-la pela muita necessidade que disso havia, lhe mandava, que a mandasse fazer na Vila e Porto de Santos no lugar e sítio onde já estava, a que então servia da dita Alfândega, as quais serão por essa maneira, a saber: seriam duas casas por baixo da largura de trinta palmos de largo cada uma, e quarenta de comprido cada uma delas, e da mesma compridão e largura seriam também outras duas por cima assobradadas; todas cobertas de telha, e bem emadeiradas, as quais seriam de pedra, e cal, com um tavoleiro entre as ditas casas, e o mar da compridão das ditas casas à maneira de cais, donde se fosse necessário por-se nele artilharia o pudessem fazer, e se faria uma varanda coberta sobre o dito tavoleiro, debaixo da qual pudesse estar a artilharia coberta d'água, e do sol, e que se contratassem os pedreiros à sua avença, e a deles, e não em pregão por serem dois, e parceiros, que havia na dita Capitania, e que o pagamento mandasse fazer das rendas de Sua Alteza, e que por ela mandava ao feitor, e almoxarife do dito senhor, que por mandados do dito provedor, e conhecimentos dos ditos pedreiros fizesse os ditos pagamentos do que lhe fossem obrigados dar pela dita obra, e que os contadores lhe levassem tudo o que assim desse em conta; e que a dita Provisão se registrasse no Livro dos Registros da dita Feitoria para em tempo se saber, como o assim tinha mandado." (Documentos Históricos publicados pela Biblioteca Nacional, vol. XXIV da Série e XII dos Documentos, pág. 423).

O Valongo, por se achar mais próximo do Caminho do Mar, tornou-se o empório comercial da vila de Santos, e para ali mudaram-se o porto e a Alfândega, ficando os Quartéis em completo abandono comercial, residindo num lugar apenas os soldados e alguns sitiantes. A Alfândega passou a funcionar no casarão levantado na praia, em frente ao Beco da Alfândega Velha (letra O); beco que mudando a sua denominação passou a chamar-se Travessa da Banca do Peixe, Rua 11 de Junho e, hoje, Rua Riachuelo, no local onde se acha a Praça Azevedo Júnior.

Mais tarde, a Alfândega foi transferida para um barracão, posteriormente conhecido pela denominação popular do "Consulado" e que era situada na Rua da Praia, a qual, com a mudança da Alfândega para ali, passou a chamar-se Rua da Alfândega Nova, Rua da Alfândega, e depois, Travessa da Alfândega Velha, Rua do Consulado, Beco do Inferno e hoje Rua Frei Gaspar. Estava situada no local onde hoje se acha o Telegrafo Submarino, em frente ao largo Senador Vergueiro (Letra P). Ali funcionou até que se passou para o antigo colégio dos Jesuítas (Letra I).

Contígua à Casa do Conselho havia o padre José de Anchieta mandado construir uma casa para residência dos padres jesuítas.

Mais tarde, não possuindo estes terreno próximo, para aumentar o seu convento, lhes foi doada, em 1585, aquela velha casa e eles aí construíram o Colégio, sob a invocação de São Miguel, o qual teve começo em 26 de maio de 1585.


A antiga matriz e o abandonado Colégio dos extintos Jesuítas,
onde funcionou a Alfândega, desde 1804 até 1877
Imagem publicada com o texto

Tendo sido os jesuítas expulsos do Brasil, foram os seus bens confiscados e incorporados ao domínio do Estado, em virtude da Carta Régia de 19 de janeiro de 1759 e dos alvarás de 25 de fevereiro de 1761 e 28 de agosto de 1767.

O governador Antonio José da Franca e Horta, que foi capitão-general, de 10 de dezembro de 1802 a 11 de outubro de 1811, quando desembarcou na Vila de Santos, procurou conhecê-la e ver o que lhe era necessário fazer, em virtude do seu alto cargo de governador, antes de seguir para São Paulo, sede do seu governo.

Eis o que ele diz sobre a Alfândega: "...achei servir de Alfandega huns Armazens de humas pequenas cazas de aluguer, q'alem de não ter capacidade para o recebimento das fazendas, e sua acomodação, havião habitantes por cima do q'resulta não só o perigo total de algum incendio, como deterioração das fazendas por causa de alguns descuidados dos referidos habitantes, e comtudo se paga de aluguer setenta e seis mil e oitocentos réis annuos...

"Achei q'estava pagando cento e dous mil e quatrocentos réis annuos por aluguer de dous Armazens para o Sal da Fazenda Real. Tudo isto me obrigou a hir com Officiaes averiguar o Collegio dos Extinctos Jezuitas, e combinar com a sua Capacidade estes dous objectos, a cuja averiguação me acompanharão o Juiz de Fóra de Santos, e Administrador do Sal, sendo o resultado o seguinte:

"Acharão-se todas as paredes perfeitamente boas, q'hum lado do mesmo Collegio está com telhados capazes de alguns annos de duração; que os outros dous porem pelo abandono em q'tem estado necessitão madeiras, e nova destribuição nas Cazas superiores, o q'não hé objecto de concideração pela comodidade das mesmas madeiras, e modo de construir neste Paiz as divizoens. Que a Igreja á qual falta telhado, feito q'este seja, com tres gigantes encostados a parede exterior, pode-se sem risco algum assobradar-se, e deste modo haver huma Alfandega excellente, tanto para o tempo prezente, como para o futuro, por mais q'cresça o Comercio.

"Que nelle havião Armazens muito em abundancia para toda a porção de Sal da Fazenda Real q'viesse. Que o Local hé o mais proprio pela sua situação, pois q'de bordo das Embarcaçõens por huma pequena ponte pode rolar para os Armazens, todo e qualquer pezo, q'se haja de Conduzir. Alem do beneficio q'se consegue para a Fazenda Real na acomodação da Alfandega, e Armazens Reaes para o Sal, alcança-se o obviar a ruina daquelle Edificio, como tambem o continuar a haver Armazens para farinhas da tropa, Quarteis para os Generaes poderem estar ali alguns dias sem vexame de algum Snr de Caza, lugar certamente onde acho em razão de Officio se deve rezidir alguns dias para animar, e remediar hum Porto tão digno de ser protegido..." (Ofício do general Franca e Horta a d. Rodrigo de Sousa Coutinho, datado de S. Paulo, em 18 de fevereiro de 1803. Copiado às pág. 11 do Livro 108. Arquivo Público do Estado de São Paulo).

Ainda de Franca e Horta, dirigido a Luís de Vasconcellos, em 26 de outubro de 1804, há no mesmo livro 108, pág. 172, um longo ofício em que se refere às vantagens que apresentava aquele edifício, estando muito bem localizado, à beira d'água, com base suficiente para as embarcações descarregarem à prancha, tendo à sua frente uma praça e ainda uma pedreira dentro, que forneceria a pedra necessária para a obra, deixando lugar para várias acomodações etc. e termina com o seguinte trecho: "A Alfandega fica por todo o mez q'vem acabada, e parte dos Armazens p.a o Sal, achando-se tambem já fora d'agua huma parte do Caes q'foi indispensavel fazer-se, e com grande adiantamento o Hospital p.a os Generaes; alem de m.tos materiaes, madeiras, e ferragens q'se achão prontas e Compradas, pelo q'tenho todo o fundamento de Supor, q'com mais dois até tres Contos de reis de despeza se acabará de completar toda a obra."

Por iniciativa, pois, de Franca e Horta, e sob a direção do coronel João da Costa Ferreira, auxiliado pelo tenente Rufino José Felizardo da Costa, foi o abandonado Colégio dos Jesuítas aproveitado e adaptado aos fins a que fora por Horta destinado.

Assim, a Alfândega foi instalada na parte que fora a Igreja e no restante do edifício foram instalados o Hospital Militar, da Banda de Leste; o Palacete dos Governadores, na ala ocidental e os Armazéns de Sal, provavelmente nos baixos do edifício.

***

Para melhor localizar os referidos departamentos vou transcrever algo sobre os mesmos:

HOSPITAL MILITAR - "Este Hospital está situado em hum plano horisontal q'hé o mesmo plano da Villa. Dista pouco mais ou menos da borda do Rio sessenta passos. Elle hé huma parte do Convento q'foi dos Jezuitas e duas partes mais são ocupadas, huma pela Alfandega e outra pelo Palacio ou Cazas em q'rezidem os Generaes da Capitania quando alli se achão. Pela parte da leste está o Quartel do Regimento e fica de intervalo o Pateo do mesmo Quartel, q'terá pouco mais ou menos sessenta passos de largo. Este Pateo hé todo aberto para a parte do Rio, e no lado oposto fica hum lado da Matriz, q'forma dous Beccos, hum formado pela parte posterior da Matriz e parte da face interior do Quartel, o qual sae para o campo, e o outro hé formado pela parte lateral da Matriz e parte da face interior do Hospital. Elle tem duas entradas, huma, q'hé a principal, fica no Pateo da Matriz olhando para o Sul e outra para o Pateo do Quartel. Naquelle lado do Pateo, todo aberto da parte do Rio, ha um pequeno Forte onde está a Guarda Principal desta Praça. A porta principal hé a mesma q'servia de portaria aos ditos Padres..." (Relatório dos hospitais apresentado em 16 de abril de 1811 ao sr. conde de Linhares, pelo físico-mór das tropas desta Capitania, João Álvares Tragozo. Pgs. 319 a 322 do vol. XXXI dos Documentos interessantes).

Este hospital, mais tarde, foi anexado à Alfândega, conforme se verifica de um ofício do inspetor desta Alfândega, sr. Antonio Candido Xavier de Carvalho e Sousa, dirigido, em 26 de setembro de 1838, ao dr. José da Costa, inspetor interino da Fazenda Nacional dessa Província, no qual pedia autorização para reparar assoalho de um dos salões da Alfândega, o qual tinha sido do extinto Hospital Militar.

PALACETE - Na ala esquerda era o Palácio dos Governadores, vulgarmente denominado "O Palacete". Na relação dos próprios nacionais enviados ao inspetor da Tesouraria da Fazenda pelo inspetor desta Alfândega, em 24 de setembro de 1838, consta sobre ele o seguinte: "Huma caza de Sobrado denominada palacete com 10 janellas de frente contigua a Alfandega. - Acha-se a 2 annos arrendado a Jeremias Luis da Silva".

Neste palacete estiveram hospedados os dois vultos mais proeminentes da nossa emancipação política: d. Pedro I e Pedro II.

Na madrugada de 5 de setembro de 1822, desceu d. Pedro I de S. Paulo à vila de Santos. Chegado ao porto do Cubatão, onde era aguardado pelas altas autoridades, e várias pessoas da elite santista, tomou as lanchas e às 4 horas da tarde desembarcou no largo da Alfândega Velha, perto do antigo barracão do Consulado; daí, sempre acompanhado do povo que em massa o saudava, seguiu para o palacete, onde foi hospedado. Na manhã do dia 7 regressou a S. Paulo, e, já no alto da colina do Ipiranga, teve o gesto sublime de dar o brado "Independência ou Morte".

O Gabinete Santista de Leitura esteve no palacete até que foi exigido e ataviado para a hospedagem do imperador d. Pedro II, por ocasião de sua primeira visita a Santos, em 18 de fevereiro de 1846, e de então, até 14 de julho de 1848, se conservou a cargo do comandante militar ou destacamento da cidade. Constava o Palacete de pequenos quartos com janelas de grades de pau, dando para a área comum, servindo acidentalmente para hospedar altas autoridades quando se dirigiam à capital, ou regressavam para a Corte. Foi este, por fim, adaptado à Alfândega, cujas obras foram concluídas em janeiro de 1850.

Assim, em 1580, foi todo o antigo edifício do Colégio dos Jesuítas ocupado pelas várias dependências da Alfândega.

O governo imperial firmou contrato, em 1857, com o sr. tenente coronel Candido Annunciado Dias de Albuquerque, pela quantia de 97:461$000, para a construção de uma ponte flutuante para as descargas, bem como para a execução de diversas outras obras no interior e exterior da mesma Alfândega, cujo termo do contrato foi assinado na Diretoria Geral do Contencioso, em 24 de novembro de 1857.

As obras dividiam-se em duas partes. A primeira compreendia a ponte flutuante e a de comunicação com a terra, e dos dois pegões guiadores. A segunda consistia de certas adições ao cais, uma muralha de cercar defronte da Alfândega, o aterro do espaço assim cercado, um rancho para o escaler do guarda-mor, os trilhos de ferro com suas mesas girantes na Alfândega e na ponte, as aberturas nas paredes da Alfândega para a passagem dos trilhos e, finalmente, a demolição do armazém da Alfândega pegado à Fortaleza (provavelmente a Alfândega construída por Braz Cubas) e da ponte velha, tudo conforme os desenhos e plantas delineadas pelo engenheiro Charles Neate.

***

O exercício de 1876-1877 trouxe grandes iniciativas de melhoramentos para o porto de Santos. Assim é que, às 5 horas da tarde do dia 21 de junho de 1876, chegou a este porto o vapor de guerra Lamego, sob o comando do capitão-de-fragata barão de Tefé, fundeando junto à laje submarina dos Outeirinhos.

Trazia o barão de Teffé a incumbência de arrasar dita laje, que era o terror dos comandantes dos navios que demandavam este porto.

Foram consumidos nesse trabalho 160 dias, conforme consta do diário anexo ao relatório apresentado. "A rocha foi perfurada em várias rodadas, conforme a sua elevação, constando as maiores brocas de um metro de profundidade e produzindo os 156 dias de trabalho 98 minas, que, sendo carregadas com pólvora granulosa de artilharia raiada em tubos apropriados, fizeram explosão pela eletricidade. Além das pedras que rolavam para o fundo, foram suspensas 339 lingadas de lajedos e blocos e mais 244 caixões de fragmentos, o que aproximadamente dá, pelas tábuas de Opperman, um peso total de 750 toneladas de pedra extraída".

Foi empregado nesse serviço pela primeira vez o sino hidráulico, o qual, com os demais aparelhos destinados ao arrasamento, foram montados no casco de um iate. O arrasamento completo dessa laje foi executado pela Companhia Docas de Santos, que, para tal fim, inaugurou o sino hidráulico de sua propriedade, em 21 de setembro de 1903. Depois de colocado no local o aparelho, os engenheiros drs. G. Weinschenck, Ulrico Mursa, Victor de Lamare e Gama Lobo fizeram uma descida ao fundo do mar pelo referido aparelho, numa profundidade de 8 m, bebendo uma taça de champanha em regozijo pela instalação do mesmo.


Aspecto da ponte de carga e descarga da S. Paulo Railway Co., 
demolida para a construção do cais da Cia. Docas de Santos
Imagem publicada com o texto, com a mesma cena pintada por Calixto (note-se as pequenas diferenças entre esta imagem a a tela, especialmente a posição da nau no centro, ao fundo)

A 12 de outubro de 1876, as destruidoras picaretas da civilização entraram a demolir o vetusto casarão do colégio dos Jesuítas que, desde o começo daquele século, vinha servindo de casa de Alfândega deste porto.

O governo imperial celebrou contrato com o engenheiro dr. Luís Manoel de Albuquerque Galvão, em 7 de julho de 1876, pela quantia de 730:000$000, para a construção do novo edifício destinado à Alfândega, cujos trabalhos foram iniciados naquele dia.

Em relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa, em aditamento ao de 5 de janeiro de 1877, pelo ministro da Fazenda, barão de Cotegipe, referindo-se à Alfândega de Santos, diz ele o seguinte: "...Progridem as obras do novo edifício para esta repartição. Já estão levantadas as paredes principais, e como para o prosseguimento das mesmas obras tornou-se indispensável transferir o expediente para outro lugar, por indicação do respectivo inspetor, pedi e acabo de obter do ministério da Guerra o seu consentimento para instalar a Alfândega provisoriamente no prédio que serve de quartel militar naquela cidade; obrigando-se o ministério a meu cargo a dar cômodo ao comandante e praças respectivas em outro ponto, ou no mesmo prédio, se tiver para isso proporções." (D. O. nº 134, de 13-6-1877).

No Quartel Militar (letra K), portanto, foi instalada a Alfândega, onde funcionou até que se passou para o novo edifício, conforme o ofício que se transcreve:

"N. ...4 (N.E.: trecho inicial do número ilegível por falha de impressão). Alfândega de Santos, 15 de dezembro de 1880.

Ilmo. sr.

Em solução à Portaria dessa Thesouraria, n. 1.349, de 13 do corrente, communico a v. s. que nesta data foi removido para o novo edifício da Alfandega o serviço de expediente e archivo desta repartição.

Deus guarde a v. s.

O inspector
A. L. Mesquita Neves

(Á Thesouraria)."

Essa Alfândega era de estilo moderno, tendo uma linda fachada para o lado do mar, e outra de bonitas proporções e bastante gosto para o lado da Matriz, onde era a entrada geral para os armazéns e repartições. Tinha, ao todo, sete armazéns para depósitos dos gêneros de importação, um grande salão para as diversas seções do expediente, um arquivo, gabinete da inspetoria, casa forte etc.

A guardamoria funcionava num velho armazém construído sobre os alicerces do antigo Forte de Nossa Senhora do Monte Serrate, o qual foi reformado em 1881, passando esta para o Quartel, de onde se tinha transferido a Alfândega, conforme se depreende dos ofícios ns. 189 e 195, do inspetor da Alfândega, Antonio Ignácio de Mesquita Neves, de 19 e 26 de janeiro de 1881, à Tesouraria da Fazenda, em São Paulo.

O referido Quartel, já reconstruído em 1857, enfrentava para a Rua Braz Cubas, tendo do lado oposto da rua os fundos da Igreja Matriz e o lado esquerdo da Alfândega. Ocupava a área de terreno compreendida desde a Rua Visconde do Rio Branco até a Rua Xavier da Silveira. Era um edifício de tamanho regular, assobradado, com janelas e um portão de entrada no meio, ladeado por dois grandes lampiões, e uma grande área nos fundos.

Além dos armazéns e ponte da Alfândega, havia grande número de pontes e trapiches particulares, mas tudo isso foi se tornando insuficiente, tanto assim que, do relatório apresentado pelo Inspetor desta Alfândega, sr. Leopoldo Leonel de Alencar, ao exmo. sr. dr. Felisberllo Freire, ministro da Fazenda, em 1893, já ele referindo-se às condições do porto, assim se exprime:

"Não existe no Brasil um porto mais curioso do que o de Santos; o recém-chegado, ao entrar no ancoradouro, sente-se, por bem dizer, deslumbrado à vista de tantas embarcações, fundeadas em baía tão pequena para comportá-las; nunca menos de cento e cinquenta navios afigura-se-lhe estar contemplando ao largo, além dos que interceptam a perspectiva da cidade, atracados às pontes e aos cais.

Mais tarde, depois de afazer-se à terra, compreende a causa do seu deslumbramento e apercebe-se de quanto efêmera ela fora; para mais de cem pontões, fundeados aqui e ali, pelo meio das embarcações ativas, como verdadeiros espantalhos, que para nada servem.

Extinta a época durante a qual produziram resultados fabulosos, ficaram ancorados na baía, dificultando a navegabilidade aos navios regulares, procurando uma ou outra vez os respectivos mestres servir de intermediários a contrabandos mais ou menos rendosos, que por felicidade raros chegam a efetuar-se.

Estes pontões são, no mar, um incontestável empecilho ao serviço de fiscalização, visto como interceptam a livre observação do ancoradouro; pode remover-se parte deles para além da ponte da São Paulo Railway Company, mas a maioria, meio submergidos alguns, permanecem em ponto de franquia, sem que a Alfândega possa providenciar a respeito.

Mandá-los para o lugar a que aludi, além da ponte, é impossível por falta de área; enviá-los para o ancoradouro de quarentena fora vedar a entrada do porto às embarcações que demandam-no. O certo é que o limite da franquia ficaria sobremodo aliviado se fossem destruídos os imprestáveis, que são muitos; à Alfândega, porém, não compete providenciar nesse sentido, a não ser que pretenda imiscuir-se nas atribuições da Capitania do Porto.

Antes de assumir eu a inspetoria, esses veículos tinham, além da inutilidade de que mais adiante tratarei, a de servir de residência a famílias inteiras, que permutavam visitas, recebiam-nas de terra, retribuíam a estas quando e às horas que lhes pareciam, gozavam a bordo de todos os confortos, pois dispunham de mobília, fâmulos e criações; eram as famílias dos mestres.

Aos sábados, realizavam elas ruidosas festas, danças - tudo sem que a Alfândega desse a mínima permissão, que não se incomodavam de solicitar; mas, estando os veículos como estavam quase sempre, carregados, com as escotilhas fechadas que era impossível à repartição aduaneira fazê-los revistar diariamente, é óbvio que nas idas e vindas de passeantes conduziriam para terra o que lhes convinha, lesando a seu bel-prazer o fisco e roubando desassombradamente o importador.

Uma das minhas primeiras providências foi pôr termo à moradia de famílias a bordo, só permitindo a dos respectivos mestres, exclusivamente.

Contudo, ao passo que a fiscalização do mar é dificultada pela aglomeração de pontões, em terra ela se torna também difícil, por causa das condições do litoral. Este desenvolve-se na extensão aproximada de dois quilômetros; nas circunvizinhanças da guarda-moria, em distância de seiscentos metros, com ele defrontam pequenas casas comerciais, o que exige duplicada vigilância por parte dos empregados do fisco; para além, segue-se um descampado, ermo de casas com uma ou outra chácara em intercadências, pelo qual, o não merecerem máximo zelo os interesses fiscais, àqueles que têm o dever de defendê-los, fácil será dar passagem a muitos volumes contrabandeados."

Ainda, em 1896, servia de depósito de inflamáveis o pontão Golconda, barco velho e imprestável, tanto assim que, na gestão do inspetor Turíbio Guerra, foram alfandegados os armazéns de propriedade de Benedicto da Silva Carmo, sitos no Itapema, para depósito de inflamáveis, cujas mercadorias ali começaram a ser depositadas em 1º de junho de 1896.

Para se poder avaliar a grande irregularidade por que passou esse importante porto naquela época, basta ler o Relatório do Comissário do Governo, na Alfândega de São Paulo, Luiz R. Cavalcanti de Albuquerque, apresentado ao sr. ministro da Fazenda, em 30 de março de 1896, do qual se transcreve das páginas 52 e 53 o seguinte: "É de pública notoriedade quanto tem ocorrido na Alfândega de Santos, desde 1891, acerca de irregularidades de despachos de mercadorias importadas, e os consideráveis prejuízos ocasionados à Fazenda Nacional, como ao comércio, na época exatamente em que a importação e navegação de longo curso tomaram, inopinadamente, enormes proporções, conforme a estatística de 1890/1893 bem demonstra.

Desarmada inteiramente a Alfândega de Santos para dar vazão ao serviço extraordinário que a surpreendera, por isso que o quadro do seu pessoal era reduzido e os seus recursos materiais se limitavam a acanhados armazéns e recursos compatíveis com o movimento do seu porto, antes disso observado; jamais se poderia prever até onde chegariam as conseqüências do excesso de especulações mercantis e industriais de toda natureza, que se observou naquela época em todo o país como já disse, e tanto se acentuou na praça de Santos, o entreposto do grande e próspero Estado de S. Paulo.

As embarcações de toda classe que afluíram àquele porto, carregadas de mercadorias de diversas procedências, ali permaneceram por longo tempo, perdendo-se algumas, abandonando os carregamentos outras ou descarregando as mercadorias onde bem lhes convinha e as circunstâncias de atualidade permitiam, de sorte que a mais completa desorganização, em todos os ramos do serviço aduaneiro e fiscal, salientou-se de modo digno de nota, registrado nos relatórios oficiais, nos da Associação Comercial e nas publicações da imprensa diária do Estado de São Paulo, e determinaram as diligências pessoais do próprio ministro da Fazenda e funcionários superiores da administração que, a esse tempo, visitaram a Alfândega de Santos, e autorizaram medidas de ocasião, mas de resultado mínimo; pois, era materialmente impossível improvisar recursos que anulassem completamente as dificuldades de toda ordem que surpreenderam a administração pública e o próprio comércio, e deram ensanchas (N.E.: = liberdade, ensejo) aos reclamos em prol da Companhia Docas de Santos.

De outro lado, era impossível dar destino, pela única via de transporte, que liga Santos ao interior, a S. Paulo Railway Co., a tão exagerada quantidade de mercadorias que chegavam ao porto de Santos em grande número de embarcações, algumas das quais variavam de porto por especulações comerciais."

Para obviar, de pronto, tal anomalia e em caráter provisório, mandou o exmo. sr. dr. Ruy Barbosa, então ministro da Fazenda, construir dois armazéns externos.

Para tal fim foi demolido o Quartel da Polícia, em 1891, e na edificação dos armazéns foram tomados, com consentimento da Câmara Municipal, dois pequenos trechos das ruas Braz Cubas e Xavier da Silveira, até o mar, no alinhamento do edifício da Alfândega, sendo a Municipalidade compensada dos dois pequenos trechos de ruas com a outra parte do terreno do referido quartel e dos de duas pequenas casas, que foram desapropriadas pelo governo da União, de onde se formou a praça existente em frente aos ditos armazéns, que mais tarde foi denominada Praça Ladislau, hoje, Praça Antonio Telles, e que com aquela construção teve comunicação com a Rua Xavier da Silveira, pela travessa hoje denominada Antonio Telles.

Em 1895, o armazém n. 2 externo era ocupado parte pelo serviço de bagagens e parte pelo serviço de desinfecção do Governo Estadual.

Em 1º de agosto de 1899, foi aprovado, na Câmara dos Deputados, o projeto mandando demolir esses armazéns para, em uma parte do terreno por eles ocupado, ser construído o edifício da Mesa de Rendas Estadual, que atualmente ainda nele se acha, e em outra ser aberta a Rua Braz Cubas, que fora antes por eles fechada.

A demolição desses dois armazéns foi autorizada pelo decreto n. 615, de 3 de outubro de 1899.

E o comércio deste porto, para o qual Franca e Horta julgava que a Igreja do Convento dos Jesuítas dava "Huma Alfandega excellente, tanto para o tempo presente, como para o futuro, por mais q'cresça o Commercio", foi crescendo tanto, como prognosticou Bernardo José de Lorena, que já não lhe bastavam os nove armazéns da Alfândega, os trapiches particulares e os vários pontões espalhados pela sua baía, para acomodar tanta mercadoria que entrava e saía, diariamente; por isso veio em seu socorro a Companhia Docas de Santos, cujas obras de engrandecimento não só do porto, como da própria cidade aí estão a se manifestar aos olhos de todos.

Convém, porém, notar que esta Companhia, organizada em virtude do decreto 9.970, de 12 de julho de 1888, venceu grandes dificuldades para chegar ao ponto em que se acha. No início de suas obras teve de lutar por falta de braços, e os poucos operários que conseguia obter custavam-lhe muitíssimo caro, isto devido à epidemia da febre amarela que naqueles anos grassava em Santos.

Quando já em condições de funcionamento é inaugurada, em 15 de novembro de 1895, a Alfândega de São Paulo, que grandes prejuízos lhe teriam ocasionado, se não tivesse sido o seu funcionamento de pouca duração. Descrever a Companhia Docas de Santos é obra de grande vulto que não cabe neste resumo, por isso deixo de o fazer, mesmo porque já há vários trabalhos de técnicos que a engrandecem, como merece, sem haver nisso o menor favor.

Em agosto de 1924 foi a Alfândega transferida para o armazém externo n. XVI, atual XV, da Cia. Docas de Santos, por estar ameaçando ruínas o velho edifício, onde vinha funcionando a repartição desde 1880.

Pelo decreto n. 18.284, de 16 de junho de 1928, foi a Cia. Docas de Santos autorizada a construir o novo edifício para a Alfândega.

Em 19 de março de 1930 foi solenemente colocada a pedra fundamental para o novo edifício, tendo a cerimônia sido presidida pelo exmo. sr. ministro da Fazenda.

Em abril do mesmo ano foram iniciadas as obras com a demolição do edifício antigo e a regularização dos alinhamentos e nivelamento da Praça da República e ruas Senador Feijó e Braz Cubas.

Em seguida, foram feitas as escavações para a fundação do edifício a ser construído, o qual repousa todo em rocha viva, parte diretamente em blocos de concreto armado e um terço do edifício por meio de estacas também de concreto armado, com comprimento entre 5,14 metros.

Este imponente edifício foi inaugurado, em 19 de novembro de 1934, com a presença do dr. Arthur de Sousa Costa, ministro da Fazenda; dr. Marques dos Reis, ministro da Viação; dr. Oscar Weinschenk, diretor da Cia. Docas de Santos, e altas autoridades federais, estaduais e municipais.


A gravura nos mostra a antiga Matriz e o prédio onde funcionou a Alfândega de Santos,
desde 1880 até 1924
Imagem publicada com o texto

O prédio, que ocupa uma área de 2.400 metros quadrados, tem cinco pavimentos, por onde se distribuem as diversas seções da repartição, e está situado na quadra compreendida pela Praça da República e ruas Senador Feijó, Braz Cubas e Antonio Prado.

No subsolo acham-se instalados: o alojamento de marinheiros, o arquivo morto da Alfândega, a casa forte da tesouraria, toda de concreto armado, com vergalhões Pichet de aço manganês; a subestação elétrica do edifício, a garagem, uma dependência do laboratório destinado ao armazenamento de ácidos, máquinas etc.; o compartimento para guarda de objetos apreendidos como contrabando e outros para diversos fins.

Quer do lado da praça da República, quer do lado do mar, Rua Antonio Prado, estão localizadas as duas grandes escadarias que conduzem aos dois vestíbulos de entrada, ligadas ao grande hall central, onde se encontram quatro elevadores e a grande escadaria que dá acesso aos andares superiores.

Atravessando o segundo, terceiro e quarto pavimentos há um grande hall central, de onde partem quatro galerias, duas à direita e duas à esquerda de cada um dos pavimentos.

Do lado direito de cada um destes pavimentos, junto ao hall, estão instalados os quatro elevadores, de fabricação nacional, fornecidos pela firma Pirie, Villares e Cia., de S. Paulo, e em seguida as baterias de instalações sanitárias.

As galerias do segundo pavimento conduzem: - a primeira do lado direito, à Portaria e às dependências da Guardamoria, a da esquerda ao Arquivo; - a segunda da direita, à sala dos Conferentes e à Guardamoria, a da esquerda, ao Protocolo Geral e à Seção Hollerith.

Do lado direito, na parte fronteira à Praça da República, estão instaladas as dependências da Guardamoria; e na parte central do edifício, a sala do expediente da mesma Guardamoria.

O Laboratório Nacional de Análises, inaugurado no dia 27 de dezembro de 1938, está instalado ao lado da Rua Antonio Prado. Consiste ele de um salão com 114 metros quadrados de área e dos gabinetes dos químicos e chefe do Laboratório. O salão do Laboratório se comunica com a parte instalada no rés do chão, por meio de uma escada de mármore.

Do lado esquerdo, com frente para as ruas Antonio Prado e Senador Feijó, acha-se a Seção Hollerith, em salão com área de 204 metros quadrados, junto ao qual se encontram duas pequenas salas, instalações sanitárias e toilette, destinadas às moças que trabalham na referida seção; e, com frente para a Praça da República e Rua Senador Feijó, o salão do Arquivo, com área de 493 metros quadrados, ligado por uma escada de mármore ao arquivo morto.

No terceiro pavimento, ao lado direito do grande hall, em único salão, ficam as 1ª e 2ª Seções e Tesouraria, com elevador para a casa forte; no centro, com frente para a Rua Braz Cubas, o gabinete do assistente do inspetor.

Neste pavimento há uma grande galeria, ao lado da qual estão dois salões de espera para o público, um dando frente para a Praça da República e outro para a Rua Antonio Prado.

Estes salões são revestidos de lambris de imbuia artisticamente pintados, e o piso revestido com tacos de madeira do Pará, formando artísticos desenhos.

Do lado esquerdo deste pavimento, aos lados da grande escadaria de mármore, seguem duas galerias que conduzem: - a primeira, ao Serviço de Isenção, Subcontadoria, sala dos agentes fiscais do imposto de consumo, sala dos despachantes aduaneiros e grande bar e café, com as respectivas instalações de copa e cozinha; - a segunda, à sala de espera e gabinete do inspetor, gabinete do secretário e secretaria, com instalações sanitárias próprias.

No quarto pavimento, ao lado direito do grande hall, encontra-se um grande salão reservado ao futuro desenvolvimento da repartição, e, do lado esquerdo, a primeira galeria conduz às dependências da Comissão de Tarifa.

Segue um grande salão, onde se acha instalada a Seção do Imposto da Renda, e uma escada de mármore ligando esse pavimento ao terraço do último.

O apartamento, onde reside o porteiro da repartição, é composto de sala de espera, sala de jantar, três quartos, cozinha e banheiro, e se encontra junto à grande galeria do hall do quarto pavimento, ao lado esquerdo.

O último pavimento é constituído pelos terraços e por quatro grandes salões, um deles ocupado, atualmente, pela Associação Beneficente dos Funcionários da Alfândega e outro pelo Almoxarifado da repartição, e mais a grande cúpula central, recobrindo o vitral que serve de cobertura ao grande hall central do edifício.

Duas grandes áreas centrais fornecem luz e ventilação ao edifício em toda a sua altura.

Nas instalações elétricas de todo o edifício foram empregados 28 quilômetros de fios condutores; 750 focos de luz com os respectivos globos, que se destinam à iluminação interna de todo o edifício.

Todas as dependências da Alfândega são servidas por uma rede de telefones internos, com uma central telefônica automática, instalada na subestação transformadora.

O mobiliário de madeira foi, em grande parte, feito pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo.

Os móveis de aço, tais como armários, arquivos, fichários e mostruários, com o peso total de 122 toneladas, foram construídos e fornecidos pela casa Byington e Cia., de São Paulo.

Leva para a página seguinte da série