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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Igrejas - Irmandades
As irmandades religiosas (2)

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Em 2019, o professor e pesquisador de História santista Francisco Carballa elaborou esta monografia sobre a presença das organizações religiosas em Santos e em várias cidades da Região Metropolitana da Baixada Santista, cedida para publicação em Novo Milênio:
 


Frente de sacrário em madeira, do século XVIII, pertencente à extinta Irmandade do Santíssimo Sacramento de Santos
Foto: Francisco Carballa, cedida a Novo Milênio em 2/7/2019

Ordens, irmandades, confrarias e associações em Santos/SP

Francisco Carballa

A mais antiga informação da presença de algo referente a uma ordem, irmandade, confraria ou associação religiosa [01] que existe na nossa região santista é o relato de um assassinato ocorrido em 1523 na área continental de Santos, quando dois frades foram mortos pelos nativos no local conhecido atualmente como Rio dos Frades, nome dado após sua morte.

Devido à falta de informações, acredita-se que seriam dois irmãos terceiros, possivelmente franciscanos, mas igualmente sem sede ou irmandade instituída na Vila de Santos. Note-se que o nome frade pode se referir a confrades de confraria ou de Ordem Terceira, mas a falta de mais detalhes permite a dúvida, até que seja encontrado algum documento que esclareça o ocorrido. Mesmo assim, não eram de uma associação religiosa reconhecida na região, pois elas ainda não existiam por aqui.

Sabemos que ataques de nativos, piratas, outros humanos, incêndios, insetos (e tudo o mais que possa afetar um arquivo) causram a perda de documentos em câmaras, cartórios, bibliotecas e igrejas. A primeira irmandade reconhecida como funcionando oficialmente em Santos - por haver documentos comprobatórios disso - é a de Nossa Senhora da Misericórdia [02], fundada pelo capitão-mor Braz Cubas e com sua sede instalada em 1543, sendo a igreja e hospital da Misericórdia um importante amparo aos enfermos, desvalidos, condenados e finados.

Ocorre com frequência um grande equívoco quando se acredita que as datas de fundação que as irmandades festejam atualmente sejam as de seu início ou surgimento. Na verdade, elas se referem à reforma no Compromisso ou ao reconhecimento em cartório e por autoridade religiosa no caso do bispo e da Cúria, assim se tornando instituição jurídica com direitos civis. Tal exigência foi feita a partir da criação da Diocese de São Paulo em 1745, pelo papa Bento XIV, através da bula Candor Lucis Aeternae, quando foi nomeado como primeiro bispo dom Bernardo Rodrigues Nogueira.

Esse bispo, no intuito de organizar melhor sua diocese e ter uma espécie de recenseamento, deu ordem para que todas as igrejas de sua diocese fossem reformadas, reconstruídas, restauradas ou definitivamente concluídas, sabendo-se com certeza da dificuldade de cada local em levar a cabo essa ordem, pela falta de recursos ou de um controle mais cuidadoso do que possuíam. As irmandades passaram a existir juridicamente por registro em cartório.

O jornal A Tribuna, em 26 de janeiro de 1939, relata terem existido na antiga Matriz santista a Irmandade de Nossa Senhora da Piedade, cuja imagem do século XVI ainda está em veneração na Igreja do Rosário dos Pretos; a Irmandade de São Miguel Arcanjo, cuja imagem do final do século XVII acredita-se ser a mesma que está na Igreja de Santo António do Valongo; Irmandade de Santo António no Embaré do século XIX; Liga de Santo António do Valongo; Associação das Mães Cristãs da Matriz de Santos; Corte de São José na Catedral de Santos e outras, das quais existem apenas menções.

Tais irmandades nunca tiveram quadra sepulcral no cemitério público ou decidiram pelo seu cessamento, por motivos que desconhecemos. Talvez seja esse o motivo de haver tantas cruzes de procissão do período colonial mantidas nas igrejas ou atualmente no Museu de Arte Sacra de Santos, assim como diziam haver nos anos 1940 e 50 uma irmandade de São Jorge cujos irmãos usavam opas verdes e nunca chegaram a ser reconhecidos como tal.

Em outra época, as irmandades tiveram grande influência na vida das pessoas ligadas a elas como irmãos, que tinham firmas de negócios, conheciam outros negociantes e tinham certo destaque na política ou no comércio. Era comum concederem cartas de recomendação para alguém conseguir emprego, abrir um comércio ou ser aceito pela sociedade da época. Entre todas, a irmandade mais influente foi a da Irmandade da Misericórdia ou Santa Casa, devido ao seu apoio durante epidemias ou como última esperança em caso de grave enfermidade.

As irmandades tiveram um nobre papel em meio à comunidade cristã. Entre suas ações temos:

1 - Gerar uma família artificial para alguns de seus membros, que de outra forma nenhuma família teriam, como ainda ocorre no templo ou local onde existe uma dessas instituições.

2 - Dar uma ocupação ou função aos membros nos afazeres onde estão sediadas responsabilizando-os por tarefas simples, desde a organização de cerimônias onde todos tomam parte.

3 – Instruir seus membros no evangelho, na doutrina cristã e na devoção ao nome de sua irmandade.

4 – Promover a devoção para a qual a irmandade foi instituída e a comunhão eucarística, das missas compromissais.

5 – Promover a caridade entre os menos favorecidos da paróquia, comunidade ou própria irmandade, assim organizando jantares, almoços ou lanches pró-caridade etc.

6 - Organizar igualmente atividades voltadas ao lazer fora do local religioso, como passeios, festividades de outras irmandades ou paróquias. Temos o exemplo da Irmandade do Santíssimo Sacramento do Marapé, que realizava essas peregrinações que chamamos hoje de excursões, quando os membros se reuniam e participavam de festas em outras cidades como ainda ocorre: existem registros da irmandade de São Benedito de Santos recordando que seus membros participavam nas peregrinações das igrejas santistas em Itanhaém, Guarujá, São Vicente e até Iguape - e demais cidades entre Rio de Janeiro e São Paulo.

7 – Dar sepultura aos membros, sendo a função mais marcante e esperada para com os seus membros, independente da condição social, rezando pelo sufrágio de sua alma e sua memória na missa compromissal instituída pela mesma instituição.


Anúncio da Irmandade do Santíssimo Sacramento convida os irmãos para que participem da festa celebrada pela Irmandade de Nossa Senhora do Amparo, na igreja Matriz, em 17 de abril de 1887
Publicado no jornal Diário de Santos, em 15 de abril de 1887, página 2
Imagem: Hemeroteca da Biblioteca Nacional - Rio de Janeiro/RJ

QUADRAS E INUMAÇÕES

Outrora, independente das posses em vida, os corpos dos membros falecidos eram conduzidos ao local disponível para inumação de todos os membros (ricos ou pobres), com o direito ao enterro no espaço pertencente à irmandade.

Esse espaço geralmente era um túmulo retangular identificado por um número e lápides iguais para todos, feitas em madeira ou pedra, das quais temos referências de Jean Batista Debret no Rio de Janeiro: isso era igual em todo o Brasil até 1851, quando começaram a se cumprir as ordens públicas de saneamento que partiram da capital do Império. Desde então, essa prática foi transposta de dentro dos templos onde estavam sediadas para o cemitério público recém-inaugurado.

A primeira irmandade a ocupar uma quadra no campo santo no Município foi a Ordem Terceira do Carmo de Santos - o que não impediu que ela mantivesse até cerca de 1910 o seu próprio cemitério, semelhante em tamanho, nos fundos das duas igrejas da Ordem Primeira e Terceira.

A ideia se ser inumada uma pessoa em um cemitério público era combatida pelo costume que vinha desde o início do Cristianismo. Nem todas as irmandades se preocuparam em ter um lote dentro do cemitério público para inumar seus membros, motivo pelo qual muitas delas acabaram por desaparecer em Santos, sendo possível mencionar várias que remontam aos séculos XVI a XIX.

Percebemos também, relacionado a essa resistência de ir para um cemitério público, o apego ao corpo como se este sentisse as sensações ou emoções dos vivos, acusando-se de impróprias as sepulturas, pelos seus materiais, pela exposição às intempéries ou raízes das plantas, pela presença de animais que povoam os cemitérios, profanações etc. Coube ao clero um trabalho que demorou a desmistificar essas ideias no meio da população, pois o status social de ser inumado dentro de uma igreja ainda era muito forte.

Com a ocupação do cemitério ocorreu uma produção de monumentos sepulcrais que modificaram a visão do campo santo repleto de obras de arte em mármore claro e depois em bronze e mármores escuros. Nas igrejas, passou-se a produzir lápides trabalhadas com desenhos de baixo relevo, cujos remanescentes ainda hoje podem ser apreciados na Matriz de São Vicente e no claustro do Convento do Carmo.

Infelizmente, existiu um mercado lucrativo de sepultamentos quando os mesmos eram controlados pelas irmandades, de forma a surgirem até escândalos públicos como o não sepultamento de uma pessoa de outra crença, o que forçou a criação de um cemitério protestante em 1843 pros lados do Paquetá ou quando ocorreu a morte de uma senhora que hoje repousa na quadra da Ordem Terceira do Carmo e que fora recusada pela Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte na primeira década do século XX o que os forçou a pedir desculpas publicamente, também registradas em suas atas, principalmente quando a família, com muitas posses, lhe fez um túmulo luxuoso - o que demonstra que muita gente enriqueceu com a exploração da morte e sua emoção, sejam os que cediam quadras para sepultamento, fabricavam os monumentos fúnebres ou ainda vendiam os itens na cultura que havia do enterro.

Outro caso conhecido por documentação se refere à exumação do benemérito santista João Octávio dos Santos cuja obra da Escola Escolástica Rosa em 1908 é conhecida em nossa cidade. Apesar disso, a permanência dos ossos na campa desde 1900 ao monumento em 1907 teve um embate entre a Irmandade da Santa Casa e Irmandade do Rosário Aparecida da Matriz, sendo trocadas cartas entre as duas instituições com as seguintes etapas:

- 7 de julho de 1906 - a Irmandade do Rosário Aparecida envia carta para a Irmandade da Santa Casa sobre o vencimento da campa, havendo necessidade de renovar a ocupação ou exumar, por haver apenas duas campas vencidas, sendo que a de Nº 65 era onde estava enterrado João Octávio.

- 19 de julho de 1906 - a Irmandade da Santa Casa pede a permanência por mais algum tempo, até a conclusão do monumento que está no pátio da escola e abrigaria os seus restos mortais.

- 23 de julho de 1906 - a Irmandade do Rosário Aparecida avisa que precisa de 250$000 para o aforamento por mais algum tempo. Assim se houvesse algum óbito, teriam como pagar (comprar) uma campa da outra irmandade.

- 30 de julho de 1906 - a Irmandade da Santa Casa decide exumar e guardar os ossos, como foi feito em 1º de agosto de 1906. Em 20 de outubro de 1907 a urna é colocada dentro do monumento na instituição.

Ainda existe esse mercado, embora fadado ao desaparecimento pelo fim agonizante das irmandades e confrarias, recordando-se que as únicas irmandades que ocupam o cemitério público do Paquetá com a devida documentação são as Ordens Terceiras do Carmo e do Valongo, seguidas pela grande quadra da Irmandade de Nosso Senhor dos Passos e a da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, que comprou uma parte do espaço para seu uso, bem ao lado esquerdo, ao fundo do cemitério.

Já as demais não puderam apresentar ou perderam as atas do final do século XIX para a atualidade, devido à intromissão de pessoas, clérigos ou mesmo pela ação dos cupins, acentuada gravemente entre a década de 1990 e a de 2000. Nesse período, houve uma limpeza de objetos e as atas das irmandades acabaram sendo desprezados, jogadas no lixo, sem que alguém se ativesse à sua importância. A concessão pela Prefeitura das quadras do cemitério do Paquetá pode ser revogada segundo a necessidade do espaço de sepultamento, cada vez menor numa Cidade que aumenta de população.

Outro ponto importante seria que essa concessão ocorreu no governo imperial de Dom Pedro II. Desde então, algumas das irmandades foram extintas, entre elas a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (da qual sou o último irmão), a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário Aparecida (antiga dos Brancos), a Irmandade do Santíssimo Sacramento e a Confraria de Nossa Senhora de Fátima (que nunca teve quadra no cemitério, por ter sido fundada no século XX). Com o seu final, ficam também sem efeito os espaços do cemitério cedidos para essas antigas instituições pela Câmara, mesmo sendo o novo dono a Cúria [03].

Também é necessário salientar que nem todos estavam preocupados com os lucros relativos aos enterros, mas também podemos observar que nunca enterravam um estranho gratuitamente.

A única que aceitava todos os corpos - principalmente dos pobres, escravos, estrangeiros e dos condenados (com a famosa Procissão dos Ossos [04] prescrita em seu Compromisso desde os tempos de Braz Cubas, seu nobre fundador) - e lhes dava sepultura era a Irmandade da Misericórdia ou Santa Casa, paga pela Prefeitura pora cada enterramento feito.

Esse é um motivo pelo qual ela teve um cemitério na sua primeira sede (onde hoje é a Praça da República), na segunda sede (onde hoje fica a Praça Mauá) e em sua terceira sede (onde é a saída do túnel Rubens Ferreira Maratins), ficando esse serviço de sepultamentos confiado à Prefeitura em 1854, quando os falecidos no hospital ou a ele abandonados eram conduzidos para o cemitério novo.

Quando foram realizadas obras públicas na Praça da República e na Praça Mauá, foram encontradas ossadas dessas inumações; já onde se localizou a terceira sede da instituição pode ter ocorrido uma exumação, como se fez antes da demolição da Igreja de Jesus, Maria e José, não se encontrando nada ali, a não ser fragmentos de ossos vistos nos anos 1970 e 80, mas sem identificação da sua origem.


A querela entre as irmandades da Santa Casa e do Rosário, sobre os despojos de João Otávio, no livro Monographia do Instituto Dona Escholastica Rosa, de Júlio Conceição
Obra cedida para reprodução por Novo Milênio pelo prof. Francisco Carballa, em janeiro de 2020

OPAS E VELEIROS DAS IRMANDADES E INSÍGNIAS DAS ASSOCIAÇÕES:

As irmandades sempre foram distinguidas segundo a cor do seu adereço conhecido como opa ou uma espécie de avental acompanhado de uma pequena capa a musseta tendo algumas para o homem e apenas a musseta para a mulher, com o pingente que fechava sobre a roupa variando de cor, desde o amarelo, branco, preto ao dourado. Esse mesmo adereço sofreu mudanças através dos séculos, sendo diminuído e em alguns casos perdendo até as meias mangas.

São poucas as irmandades que ainda os usam, ficando algo secularizado, relacionado com um simples broche como na Irmandade de S. Benedito, uma camiseta como na Irmandade de Nossa Senhora do Terço ou outra identificação menos ligada a uma antiga tradição e distinção religiosa, trocada por algo vulgar e indiferente.

Para a entrega do hábito de terceiro ou da opa havia uma cerimônia após a missa, onde o membro se apresentava, como eu fiz na irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte de Santos em 1989: no primeiro domingo de agosto, após a missa, segurando a opa junto com outras pessoas que iam ingressar naquele dia, fizemos o juramento e frei Rafael (falecido em 1998) nos abençoou e às nossas opas, seguido do provedor que nos deu um broche; colocamos então a nossa insígnia religiosa branca e roxa, que ainda guardo com carinho.

Na procissão levávamos o veleiro nas mãos de forma a formar uma ala de divisão entre o povo e o andor, sempre enfileirados, também na porta da Catedral quando chegava a procissão do Santo Enterro do Senhor a gente ia aos poucos fechando um enorme círculo, separando o andor e esquife do povo, até que os religiosos entrassem e os irmãos com os veleiros também, na mais perfeita ordem.

O tempo passou e veio o Concílio que secularizou a igreja e suas instituições; esses adereços começaram a ser relegados ao esquecimento, ignorando-se o seu significado religioso e de distinção de uma pessoa em meio às outras em um evento ou procissão.

Quando se usavam esses símbolos feitos de tecido, havia um sentimento de pertencimento e irmandade, devido à presença de um irmão ou irmã com a opa da mesma irmandade, e quando todas tomavam parte na procissão do Sacramento da Catedral de Santos (até meados dos anos 1970) isso nos mostrava uma igreja unida e devota.

Segue-se uma descrição de como cada uma dessas ordens se identificava e assim elas se reuniam em grupos ordenados em filas para acompanhar o cortejo mais importante da Catedral de Santos. Era feita a organização dias antes entre os provedores para se saber quem iria para que local atrás da cruz de procissão e em alguns casos seu estandarte:

Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (extinta) - Musseta azul claro bordado, o brasão da mesma com bege na opa e pingente azul claro, as mulheres com musseta igual e véu, veleiro cabo branco com espermacete azul claro.

Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Brancos - Opa vermelha com musseta vermelha e as letras bordadas identificando a mesma, além de pingente amarelo, as mulheres usavam musseta vermelha e véu.

Irmandade de Nossa Senhora do Amparo (extinta) - Opa branca com museta vermelha e mulheres com musseta vermelha e véu.

Irmandade do Santíssimo Sacramento (extinta) - Opa vermelha ou maravilha sem a musseta onde se via a custódia bordada e opingente dourado; as mulheres iam de musseta vermelha ou maravilha e véu com veleiro de cabo branco e espermacete vermelho.

Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte - Opa branca com musseta roxa e pingente roxo e mulheres com musseta roxa e véu, veleiro de cabo bege claro e espermacete roxo.

Irmandade de São Benedito - Opa bege com musseta marrom e pingente marrom e mulheres com musseta marrom e véu, veleiro de cabo branco e espermacete marrom.

Irmandade de Nossa Senhora do Terço - Opa negra com musseta preta bordadas as letras N.S.T. e mulheres com musseta preta e véu, veleiro de cabo branco e espermacete preto.

Confraria ou Irmandade de Nossa Senhora de Fátima - Opa branca com as letras bordadas I.N.S.F. para os homens com o pingente amarelo e musseta branca para as mulheres com véu, veleiro de cabo e espermacete branco.

Irmandade da Ordem Terceira de São Francisco da Penitencia - Hábito negro e cordão franciscano branco para homens e mulheres que deveriam estar com a cabeça coberta, ambos usando um terço daqueles vindos de Guaratinguetá veleiro de cabo e espermacete perto.

Irmandade da Ordem Terceira Carmelitana - Hábito marrom com o escapulário e capa, para homens e mulheres que deveriam estar com a cabeça coberta, ambos usando um terço pendente e o veleiro de cabo bege e espermacete com um copo de vidro.

Irmandade de Nosso Senhor dos Passos - Opa com a musseta roxa com um brasão bordado e pingente roxo e as mulheres musseta roxa e véu na cabeça.

Apostolado da Oração - Todos os homens e as mulheres com seus véus com roupas decentes para o evento portando a fita vermelha com o dístico da instituição e a medalha em forma de cruz. Houve mudança no traje: as roupas, que eram pretas e azuis, foram trocadas por camisetas. Estão sediados em várias igrejas.

Filhas de Maria – Usavam roupas bem compridas com um terço nas mãos, fita azul com o medalhão pendurado e véu sobre a cabeça; sediadas em várias igrejas.

Congregados Marianos - Todos com fita azul com o medalhão pendente e roupas tradicionais, apenas os padres usavam a fita da congregação com um filete dourado como distinção; sediados em várias igrejas.

Adoração Perpétua - Todos com a fita branca com o medalhão oval pendente e roupas próprias do evento; sediadas no Convento do Carmo.

Corte de São José (extinta) - Todos com a fita amarela e medalhão pendente e roupas próprias para o evento; sediadas na Catedral.

Terezitas - Todas com a fita marrom e branca com medalhão pendente, roupas próprias para o evento; eram sediadas no Convento do Carmo.

Oficinas de Caridade de Santa Rita - Todas com suas fitas roxas ou vermelhas e o medalhão pendente e o véu (não chegaram a tomar parte nesse imponente cortejo).


Anúncio da Festa de Nossa Senhora do Carmo, animada pela orquestra do maestro Oscar Ferreira, com a oportunidade dos fiéis lucrarem uma indulgência plenária aplicável às almas do purgatório, "tantas vezes quantas visitarem a igreja do Carmo", podendo inclusive ser admitidos na Confraria de S. Escapulário
Publicado no jornal Diário de Santos, em 14 de julho de 1907, página 3

Imagem: Hemeroteca da Biblioteca Nacional - Rio de Janeiro/RJ

PROCISSÕES E SUA ORGANIZAÇÃO

As irmandades eram responsáveis pela festa de seu orago ou oraga como ainda ocorre hoje, com muitas delas remanescentes como a Irmandade de São Benedito com a festa e procissão do orago no primeiro domingo de maio, Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte com a festa da oraga e procissão no domingo mais próximo do dia 15 de agosto, Irmandade de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém com a festa e procissão da oraga no dia 8 de dezembro.

Recordamos que em Itanhaém ainda se mantém hinos coloniais durante o tríduo e tradições há muito perdidas nas igrejas de outras cidades, pela falta de apoio de sacerdotes, como já vem sendo registrado em Itanhaém e ocorreu na festa de São Lourenço de Bertioga (onde a litania em Latim foi recentemente suprimida pelo pároco da Matriz por achar antiga: realmente, era uma forma de cantar a ladainha mariana que vinha desde o tempo colonial no litoral paulista, talvez de origem até jesuítica - eu a ouvi entre os anos de 1983 e 1991).

A procissão tem uma ordem estabelecida:

- Cruz processional (que deve ir à frente de todos por ter vindo Jesus Cristo, adiante de todos nós cristãos), sempre em haste mais alta que as cabeças humanas, pela sua importância, ladeada de dois veleiros ou lanternas como sinal de respeito e iluminação em locais mais escuros.

A presença do dossel - ou, como alguns dizem, 'saia', colocada abaixo da cruz - tem for finalidade identificar a festa, com as cores preta ou roxa para o Santo Enterro, vermelho para os mártires ou Domingo de Ramos, branco para festividades diversas, dourado para o Santíssimo ou festa de pompa, raramente se vendo o azul claro para Nossa Senhora (quase sempre é usado o branco).

- Turiferários são comumente vistos logo após a cruz de procissão, ou antes dela, pois sua localização no cortejo varia conforme o costume do lugar.

- Estandarte processional, identificando com um brasão de quem é a festa. Era costume saírem na procissão de Corpus Christi os estandartes disponíveis, deixando aos poucos de participar: um dos últimos foi o grande guião de São Benedito. Ainda se usam na festa da padroeira.

- Irmandades convidadas e demais pessoas atuantes na igreja, todas em ordem por fila.

- Pároco ou clero na frente do andor.

- Relíquia, se houver, segue na frente do andor como ocorre com São Benedito na sua paróquia ou Santo António no Embaré, sempre coberta por um pálio de 4 ou 6 varas; se não existir o pálio, emprega-se uma umbela, sendo sua falta de uso um desrespeito. Quando for a festa do Santíssimo Sacramento, deve ser coberto por um pálio sempre ladeado por lanternas ou veleiros, se não houver condições a cobertura será uma umbela, devendo ser evitado sair sem essa dignidade; também os tapetes devem ser deixados para serem pisados somente quando o sacerdote passar com a custódia.

- Andor, recordando que se saírem mais andores todos irão adiante, pois o titular da festa vem por último.

- Fiéis em duas filas a partir da cruz de procissão ou em aglomeração após o andor, como se costuma ver.

- Quando chegar à igreja, se for o orago, este entra de costas para a porta como forma de saudar e se despedir do povo; se for uma festa devocional do lugar entra de frente. Assim era feito com Nossa Senhora do Monte Serrat até os anos 80.

As procissões eram acompanhadas por uma banda executando hinos sacros muito conhecidos, havendo a da Polícia Militar em Santos e a Banda Municipal Carlos Gomes. Estas duas, por motivos ligados a outras religiões de seus membros ou de organização das paróquias, pararam de tomar parte nos cortejos sagrados.

Agora se usa um carro de som como os encontrados em eventos carnavalescos, comícios, eventos em geral, sempre com muita potência no som, que em alguns casos incomoda os fiéis - detalhe que precisa ser revisado pelos organizadores das procissões nas igrejas.


Anúncio da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário Aparecida convidando os membros para que compareçam às procissões do Enterro e da Ressurreição em abril de 1887
Publicado no jornal Diário de Santos, em 7 de abril de 1887, página 2
Imagem: Hemeroteca da Biblioteca Nacional - Rio de Janeiro/RJ

PATRIMÔNIO SACRO DAS IRMANDADES

Usando como exemplo uma foto muito antiga da qual me presentearam uma cópia, aparecem itens semelhantes que também podem ser da sacristia da Matriz vicentina, devido ao seu sacrário que vemos nessa foto:

01 - Sacrário - Pertence à velha Matriz de São Vicente e, após o incêndio no prédio colonial, restaram fragmentos. Já o sacrário que foi da nossa Matriz se encontra no museu de São Paulo e seu trabalho é muito assemelhado ao que existiu no convento do Carmo e foi retirado no início do século XX (recordando que foi o mesmo artista que fez os dois retábulos o do convento e o da Matriz no final do século XVIII, totalmente diferente do que existiu intacto até o incêndio na Matriz de São Vicente considerado um trabalho jesuítico de alta qualidade). Já o fragmento do retábulo ou altar-mor santista estava em poder da Irmandade do Santíssimo e durante sua suspensão foi levado para o Museu de Arte Sacra de São Paulo pelo arcebispo, como forma de preservá-lo; o da Matriz vicentina está apenas mantido em fragmentos que se podem comparar como idênticos, indicando não serem os mesmos o artista e a época.

O antigo retábulo da nossa Matriz em muito recordava o que ainda existe no Convento do Carmo Ordem Primeira, concluído em 1770 mas muito mais espaçoso, de forma a ter duas devoções em peanhas de cada lado do trono. É assim possível imaginar que o sacrário fora reaproveitado do retábulo antigo que seguiria o estilo semelhante como também a mesa eucarística da qual fez parte.

02 - Cruz processional que pertenceu à Matriz, feita em prata no estilo do século XVI, possivelmente vinda de Portugal, podendo se destacar (no medalhão central que une as quatro partes como adorno) a custódia do Santíssimo Sacramento no estilo do século XV que foi usado até meados do século XIX, com base em forma de globo, hoje no Museu de Arte Sacra de Santos por estar danificada sua vara ou mastro de madeira; ainda se conserva na Catedral de Santos e pode ser vista ao lado esquerdo da foto, em madeira escura, essa cruz repousa hoje no acervo do Museu de Arte Sacra de Santos, desde 1988.

03 – Cálice e patena no estilo do século XVII, possivelmente em prata como era de uso; esse cálice possuía uma custódia que se encaixava em cima, sendo colocado em uma placa de mármore de cor clara sustentada por quatro anjinhos de metal e ficavndo assim exposto para adoração dos fiéis Jesus Sacramentado antes de sair a procissão de Corpus Cristi da Catedral, ainda nos anos 1960.

04 – Uma custódia do Santíssimo Sacramento seguindo o estilo do século XVIII, possivelmente em prata, semelhante à que se usava nas grandes procissões do Santíssimo Sacramento, podendo se verificar atrás da mesma a caixa de madeira que a guardaria em armário.

05 – Vaso para os Santos Óleos de Batismo com a concha de deitar a água batismal sobre o batizando que ao seu lado identificando o uso dos mesmos itens, tem aparência simples; pelo escurecimento, possivelmente são esses objetos de prata.

06 - Caldeirinha de água benta com seu aspersor tendo características do século XVI devido à simplicidade do trabalho e feito em prata ou metal prateado devido ao escurecimento do isôpo. 

07 – Turíbulo que pode ser um dos que foi recolhido ao Museu de Arte Sacra de São Paulo.

08 – Naveta em forma de nau típica do século XVI que foi recolhida ao Museu de Arte Sacra paulistano, havendo um assemelhado na Matriz de São Vicente Mártir.

09 – Ponteira de estandarte em forma de cruz simples. possivelmente em metal e outra em estilo greco-romana, mais escurecida atrás.

10 – Urna do Santíssimo Sacramento típica do século XVIII, onde seriam guardadas na Quinta-feira Santa as partículas ou hóstias e ainda se pode ver na Catedral. Nos anos 1960 fora transformada em cofre de esmolas que ficava na sacristia motivo pelo qual tem um corte feito na tampa. Atualmente é conservada na sacristia do clero, na Catedral.

11 – Um pequeno vaso possivelmente colocado no lado esquerdo, feito de porcelana para flores naturais ou madeira para flores de seda, como era comum e ainda se podiam ver alguns nos anos 1960 em residências de pessoas muito idosas, colocando água abaixo se distribuíam as flores pelos vários tubos em forma de bambu e assim se fazia o enfeite.

12 – Uma toalha com a renda recordando corações sobrepostos como visto em frisos de sinos, sendo ela em tecido branco.

13 - Vemos duas caixas à direita da foto que possuiriam itens sacros, não se sabe quais.

14 - Vemos ainda do lado direito documentos envoltos por uma opa de irmandade possivelmente do Santíssimo Sacramento pela cor pode ser a maravilha ou a vermelha.


Objetos da Matriz Velha de São Vicente, atingida por um incêndio por volta de 1920 e restaurada às pressas logo depois. O sacrário ainda está em uso nessa igreja vicentina. A frente da naveta é um adorno tipo a pena da deusa Math do Egito. A cruz processional (levada para o Museu de Arte Sacra de Santos) e a Urna do Santíssimo da Quinta-feira Santa, que chegaram a ser identificadas (pela semelhança) como sendo da Matriz santista, pertencem de fato à Matriz vicentina. A custódia também é da Matriz de São Vicente, conforme confirmado pelo seu pároco
Foto: acervo do prof. Francisco Carballa, enviada a Novo Milênio em 24/1/2020

O que foi acima relatado nos mostra o motivo da preocupação do arcebispo de São Paulo. Saindo dessa histórica fotografia, temos ainda o harmônio citado na listagem que se conserva na Igreja do Rosário e que quase foi vendido em meados dos anos 1990 para um homem que andava a incomodar os responsáveis pelas igrejas para comprar antiguidades, das quais era mercador.

Recordo de sua condução (um veículo Volkswagen Kombi), com a qual havia, em anos anteriores, comprado objetos, imagens e móveis do provedor Nelson da Igreja Nossa Senhora do Rosário, de um frade do Valongo e de algumas igrejas como as das paróquias da Nova Cintra e da Santa Cruz, e de particulares, mas fora rechaçado pelo frei Rafael no Convento do Carmo. Ele então decidiu retornar mais uma vez e não encontrou seus vendedores e sim outras pessoas no lugar.

Ainda se conservam na igreja:

1 - Harmônio mantido no andar que dá acesso ao coro, seria o mesmo que veio da velha Matriz e seu destino possivelmente é o M.A.S.S. por não funcionar mais, a menos que seja restaurado.

2 - Sinos que ainda estão na torre da Igreja do Rosário e estiveram na torre da velha Matriz até 1906. São estes os quatro sinos:

2A - Jesus Eucarístico - Com 65 cm de altura, possuindo em alto relevo o brasão do Império em um lado e a custódia do Santíssimo Sacramento no outro, com a inscrição: "Câmara Municipal da Cidade de Santos, 1862".

2B - Nossa Senhora da Conceição - Com 59 cm de altura, possui em alto relevo a Virgem Imaculada de um lado e uma cruz adornada do outro, com a seguinte inscrição "Fundição de A. Sydow, 1886".

2C - Santíssimo Sacramento - Com 65 cm de altura, possui em alto relevo Nossa Senhora do Rosário de um lado e a custódia do Santíssimo do outro, com a inscrição "Fundição de A. Sydow, 1886".

2D - Nossa Senhora do Rosário - Com 86 cm de altura, possui em alto relevo Nossa Senhora do Rosário de um lado e um crucifixo do outro, com a inscrição "F. Amaro S. Paulo, 1903".

Parece ter existido um quinto sino, que Portugal doara para a Matriz em 1906 pela família que mandou gravar seu nome e o da cidade (Surrinha – Castanhede - 1906), mas não foi localizado até o momento, visto que na data em que o enviaram para Santos a Matriz já estava em processo de demolição e os sinos da Catedral foram colocados muito tempo depois.

3 – Nossa Senhora da Piedade – Imagem do século XVI, devido ao material usado, tamanho e estilo possivelmente de origem portuguesa em barro queimado. Seria usada na Sexta Feira Santa, no Santo Enterro. Estava em um altar lateral do presbitério do lado da Epístola de frente ao povo na velha Matriz, mas não foi reconduzida para a Catedral.

4 – Santa Catarina de Alexandria – Imagem feita em madeira no estilo de transição do século XVI para o XVII e que ficou no lugar da que o pirata havia atirado ao mar em 1592 sendo novamente substituída pela original, que fora pescada e hoje está no Museu de Arte Sacra de Santos, por algum motivo ficou sob a guarda da Irmandade do Rosário dos Pretos.

5 – Custódia do Divino Espírito Santo, esculpida em madeira procedente da Matriz e mantida no Rosário, até ser levada para o Museu de Arte Sacra de Santos.

6 – Uma grande pia de água benta esculpida em pedra semelhante às que existiam no século XVI e ficavam na entrada das igrejas sendo uma ou duas; foi confundida com uma pia batismal, sendo que a da matriz seria semelhante à da Matriz de São Vicente ou da Matriz de Itanhaém.

Acredita-se que o antigo retábulo da Matriz pode ter sido levado para outro local, assim como seus altares laterais se estivessem bem conservados, sem cupins, carunchos ou apodrecimento causado pela umidade, mas não temos relato algum devido ao desaparecimento das atas pela falta de cuidado das pessoas da época.

Muitas irmandades perderam seus documentos, bens de culto, imagens, móveis ou imóveis, justamente após o Concílio Vaticano II devido a certas interpretações errôneas de sua aplicação, como o diziam os irmãos mais idosos do Rosário dos Pretos e pessoas de outras irmandades e confrarias, quando sacerdotes jovens jogaram fora esses objetos como algo inútil e não como parte da história dos santistas e da Igreja.

Parte do patrimônio das igrejas na verdade pertencia às irmandades, o que era muitas vezes confundido pelas pessoas; assim, temos essas alfaias e objetos litúrgicos em grande quantidade nos templos.

PATRIMÔNIO DAS IRMANDADES

Muitas das irmandades possuíam até os anos 1980 muitos bens móveis e imóveis em seu patrimônio, doados por irmãos falecidos, como ocorreu com a Santa Casa de Santos que recebeu muitas doações de imóveis dos quais ainda hoje tira algum provento para a manutenção do hospital - que desde 1543 é a única esperança em socorro de boa parte da Baixada Santista. Dinheirom como o fez um de seus irmãos e provedor por duas vezes, o senhor João Octávio dos Santos em 1900, através de testamento, conforme se lê em sua monografia:

“O primeiro prédio que adquiriu, em 1855, à Rua Santo António Nº 27. Legou como recordação, com mais 80:000$000 em dinheiro, à Santa Casa de Misericórdia desta cidade, cuja instituição era seu desvelo, verdadeiro ídolo, que denominava – minha filha.”

Mobílias muito antigas que pertenceram aos seus irmãos e provedores fazem parte desse patrimônio o qual durante uma greve na década de 1980, instigados pelos sindicatos os funcionários foram induzidos a destruir, mas devido à boa conversa do provedor Carvalho com os funcionários revoltados esse patrimônio foi preservado, sendo apenas um quadro da enorme galeria do corredor danificado na parte da tela por um rasgo. Depois de dias, o hospital voltou a funcionar.

Outra irmandade como a de Nossa Senhora do Rosário (dos Pretos de Santos), possuía vários imóveis, mas infelizmente em estado ruinoso pela falta de cuidado por parte da instituição e manutenção pelos inquilinos. Fazendo parte da Mesa, recordo-me que, em reunião, decidiu o provedor pela venda de uma loja de comércio que havia na Rua General Câmara, a qual estava sem alugar e já ameaçando desabar e assim foi votado pela sua venda cujo valor apresentado foi colocado na conta bancária da irmandade - que ficou livre de impostos e demais contas que a oneravam por não haver rendimentos do mesmo imóvel.

Eram comuns essas recordações póstumas, quando o doador pedia um favor de prece ou havia alcançado alguma graça pela intercessão do orago ou simplesmente benemerência, sendo que esse imóvel garantiria um aluguel e assim algum dinheiro para a manutenção do templo, altar, culto e em caso de muita necessidade um dinheiro para o seu auxílio; igualmente imóveis comerciais, residenciais ou terrenos fizeram parte desse patrimônio e em muitos casos, devido à falta de manutenção. ficaram danificados ou obsoletos, mas ainda fazem parte do patrimônio de muitas delas.

PATRIMÔNIO DE JOIAS OU ADEREÇOS  DAS IRMANDADES OU IGREJAS

Entre as joias, muito comuns nas doações, estão as que chegaram aos nossos dias, as que foram negociadas ou têm seu paradeiro ignorado. Podemos contar as que foram mencionas por clérigos, moradores ou irmãos antigos paroquianos da cidade. Temos:

01Igreja de Nossa Senhora do Carmo da igreja e convento da Ordem Primeira, cujos frades estão em nossa cidade desde 1589, sabemos que por devoção havia muitas joias que os santistas doaram para a Virgem com o passar dos séculos e em 1785, obedecendo às ordens reais e superiores, foram os carmelitas retirados para o Rio de Janeiro e assim temos este trecho transcrito do inventário referente a essas joias de ouro e pedrarias que foram levadas, narrado no jornal A Tribuna de 31 de março de 1925.

Nessa lista pode-se apreciar o que havia: um rosicler de diamantes com um afogador de aljofares (pérolas) com 9 peças de diamantes, em ouro; brincos de diamantes, brincos com pedras brancas; broche de ouro de filigrana com várias pedras encastoadas de várias cores; broche de ouro fundido, cravado de diamantes antigos; uma enfiadura de aljofares de 2 fios com 7 cabecinhas e ouro; um Santo Lenho em seu relicário de prata e dentro custódia de ouro e vidro por fora; um anel de ouro com um topázio em folha encarnada e 2 diamantes dos lados, e inúmeras joias mais, de ouro e diamantes.

Com o retorno dos Carmelitas, nenhum desses itens voltou para o convento santista. Há muitos anos, perguntando a um frade carmelita carioca, este não podia me dar informações de sua existência e paradeiro, isso me levou a acreditar que tudo já se perdeu ou o frade era desinformado.

Ainda no final do século XX, possuía Nossa Senhora do Carmo brincos, correntes de ouro, um colar de pérolas verdadeiras na sua imagem de vestir (que antes figurava no nicho central e dali foi removida recentemente); foram essas joias vendidas pelo então prior Frei Rafael M. Marinho (falecido em 1998) para usar o dinheiro da negociação do restauro do convento antes da festa dos 400 anos da presença carmelitana em Santos.

02Matriz de São Vicente Mártir, a imagem de São Sebastião ali presente desde o século XVI com seu resplendor, um lunar de prata de alferes no pescoço, várias flechas, mas a que era inteira e atravessava seu braço junto com a comenda da Santa Cruz da Ordem de Cristo em forma de medalhão oval desapareceram depois do incêndio do ano 2000, esteve custodiado no Museu de Arte Sacra de Santos até o ano de 2006, retornando sem esses itens e sem o restauro pelo qual deveria passar.

03Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, onde a Virgem Maria está presente desde 1560, com o passar do tempo ganhou para prender o manto um grande broche, brincos e coroa de ouro, constando outra coroa menor de ouro que muito se assemelha a um bracelete a qual perdeu 7 das estrelas de cinco pontas ficando somente com 5, antes ostentava os brincos de desenho colonial feito de crisólitas que os usou até cerca da década de 50 do século XX, mas foram recolhidos ao Museu de Arte Sacra de São Paulo onde se encontram em exposição.

Essa mesma coroa, broche e brincos de ouro, hoje estão em poder do Bispado, mas temos o relato de Benedito de Calisto de Jesus de que esses mesmos pertences, junto com joias, vasos litúrgicos e coisas de valor, foram levados pelo guardião do convento que viera do Rio de Janeiro, frei João de Santo Aleixo, em 1835, quando o negro Roque viu o franciscano colocando os bens do convento em sua bagagem, acreditando ser algo errado, rapidamente saiu do convento e desceu por outro caminho na parte detrás do morro do Itaguaçu e foi relatar o acontecido ao povo.

O sargento de milícias Francisco Mariano Soares tomou a iniciativa e falou com o juiz de paz António Luiz de Andrade, que lhe deu um mandado de busca; visto que o frade não estava mais na vila, foram no seu encalço, alcançando-o no distrito de São Vicente perto do porto de Piaçabuçu, onde o frade entregou os pertences da Virgem Senhora oraga do convento.

Atualmente até talhas barrocas têm valor de ouro e foram retiradas dos altares da epistola e do evangelho e desapareceram nas reformas do início do século XXI.

Consta que havia na Matriz de Sant’Ana um resplendor de Nossa Senhora das Dores que era mantido na cabeça da imagem furtada da oraga Santa Ana Mestra da igreja e outro com uma pedra vermelha da cabeça de Santa Luzia de 1603, ambas as imagens e resplendores estão desaparecidos por furto.

04Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat de Santos, presente na sua ermida desde 1602, possuía duas coroas de ouro antigas referentes à Virgem e ao Infante Divino, que foram levadas pelos beneditinos quando se retiraram do mosteiro de Santos e por serem de patrimônio deles, foram vendidas pelo prior em Vinhedo pelo peso do ouro, por não terem serventia naquele novo mosteiro.

uma foto muito antiga, datada de 1902, onde podemos contemplar a Santíssima Virgem com uma coroa antiga encimada pelo Espírito Santo sobre sua cabeça, uma coroa e um solar na cabeça do menino Jesus, uma comenda ou terço muito antigo (pelo formato) colocado no pescoço da Santa que vemos ainda em santinhos antigos. Dessas joias não temos notícia do paradeiro, podendo ser as mesmas que pertenciam aos monges de São Bento.

Estão em poder do Museu de Arte Sacra duas coroas da padroeira e de seu filho Jesus, feitas de filigrana em prata ao estilo português, perdeu a coroa da Mãe Celeste, o Espírito Santo que teria encimando a mesma, vendo-se apenas o local onde um dia estiveram suas patas.

Existem ainda outras duas coroas de ouro datadas de 1955, quando foi reconhecida como padroeira da cidade, e que ainda se preservam na nossa cidade.

Cerca do ano de 2005, quando foi comemorado o 50º aniversário da sua coroação, coube a honra ao ourives da cidade Celso Dória confeccionar outra coroa para a Virgem Maria.

Consta ainda o manto oficial antigo de veludo cristal azul que deixou de ser usado por Nossa Senhora do Monte Serrat, encastoado com pedras semipreciosas e caixilhos de ouro para serem costuradas no tecido sendo ametistas, águas-marinhas, topázios, algumas na cor verde, recebeu no ano de 1987 várias ametistas em forma de lágrimas para serem colocadas no seu manto, mas não foram utilizadas, estavam presas por um alfinete em penca sendo muitas.

05Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos - devoção com referência em 1652 possuía correntes, alianças, anéis e os enormes brincos de ouro hoje com paradeiro desconhecido, mas ainda se admira uma corrente de prata marroquina e um medalhão de metal banhado em prata em estilo colonial da antiga irmandade do Santíssimo Sacramento de Santos e que ainda se vê em Nossa Senhora do Rosário.

Quanto aos seus brincos se dizia que foram dados por uma “negra” que alcançou a alforria não ficando claro se foi uma nativa (negra da terra) ou africana (negra da Mina), mas o fato relatado foi ocorrido certamente antes de 1888, eram com formato elíptico muito grande com filigranas, com um sistema diferente para o encaixe das orelhas da imagem que era muito antigo, esses brincos foram retirados tão logo à irmandade foi declarada extinta, mas podem ser vistos em fotos, não ficando claro o que foi feito deles.

06Igreja de Santo António do Valongo - devoção com igreja desde 1640, com uma cruz e um grande coração de prata, que ficavam no peito, hoje estão desaparecidos, ainda podemos admirar a famosa bengala do Visconde do Embaré, dada durante o milagre de 1860, e um espadim militar.

07Nossa Senhora do Rosário da Catedral - devoção reconhecida em 1652 que possuía guardados em seu consistório, correntes de ouro, brincos sendo um par deles em forma de laço e pendente oval com pedrinhas, pingentes e demais adornos em ouro com paradeiro hoje desconhecido recordando que a irmandade foi extinta.

08 Convento de Santo Antonio do Valongo – seus frades eram zeladores e divulgadores da devoção de Nossa Senhora da Conceição, figura esta de invocação mariana e antiga imagem sacra no nicho central do altar latral do Evangelho, quando a missa é celebrada no rito extraordinário ou tridentina – para nós seria o lado esquerdo de quem olha de frente para a parede antes do presbitério onde se venera a santa. Teria um broche e brincos de ouro, negociados pelos franciscanos no século XIX para reverter o dinheiro para n manutenção do convento. Possuía essa imagem uma grande coroa de prata que foi furtada em 1985 ou 1986: o frade da época, mesmo alertado pelo senhor Ribela, pegou o resplendor de prata que se usava em festas na cabeça de Nosso Senhor Bom Jesus da Cana Verde e o colocou na cabeça da Santa, resultando que passados alguns dias também foi furtado.

09 Irmandade de Nossa Senhora do Amparo, desde 1746 presente na cidade de Santos, teve - segundo os antigos diziam - na década de 1970, joias e uma rosa de metal precioso, não ficando claro se a usaria continuamente ou apenas em dia de festa, porque em fotos posteriores aparece uma rosa simples de produção popular. Nada se sabe desses adereços. Usava em seu altar a coroa de prata maior que havia na Cidade e na década de 1980 furtaram primeiro a grande coroa da Virgem, depois furtaram a do menino Jesus que havia sido colocada na cabeça da sua Mãe.

Possivelmente no final do século XIX, cerca de 1880, como o fez a irmandade do Rosário dos Pretos, adquiriu uma imagem de menor tamanho para as procissões e que ficasse reservada no consistório; podemos observar a enorme semelhança que existe entre as duas, por diferença foram encastoadas pedrarias com ouro no formato de brincos antigos que enfeitavam a imagem em sua túnica esculpida, atualmente restam poucas dessas pedras e sua base de ouro.

A imagem do altar mor recebeu, de um devoto, uma rosa de metal e uma coroa de metal maior.

10Irmandade de São Benedito - devoção com altar próprio desde 1780, tem ainda um resplendor de ouro, terço e outros itens, incluindo um resplendor de prata.

11Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte no Convento do Carmo - de fundação anterior, mas sediada ali desde 1793, tinha uma grande quantidade de joias doadas em testamento em meados do século XX por uma irmã da Confraria para lhe fazerem um resplendor de ouro o que nunca foi feito e nem as joias mantidas em poder da confraria.

12Igreja do Sagrado Coração de Jesus - na igreja inaugurada em 1902, havendo menções de quando estava ainda na igreja demolida em 1967 era adornada no dia da festa com joias de ouro, sendo cordões, pingentes, anéis, cetro e grande coração de ouro usado para cobrir o que tem na grande imagem francesa que atualmente está na igreja nova da Ponta da Praia, sendo o mesmo vendido com os demais itens pelo sacerdote que negociou o terreno da igreja em 1967, segundo se dizia levou em um carro aberto dentro de uma caixa essas peças de ouro até a relojoaria Zenit que se localizava na Rua Visconde de São Leopoldo.

13Confraria de Nossa Senhora de Fátima da Catedral de Santos - com devoção em altar próprio desde 1947, com sua coroa e seu rosário (com os Três Mistérios) de ouro que usava no dia da festa e durante o tríduo usava uma coroa de filigranas e outro rosário com os Três Mistérios de prata.

14Igreja de Nossa Senhora da Assunção do Morro de São Bento - ali presente oficialmente em 1954, sendo a devoção mantida pelos ilhéus em anos anteriores sem templo, ganhou uma boa quantidade de correntes, pingentes, brincos e demais joias de ouro doadas pelos madeirenses e que passaram a pertencer a Nossa Senhora - que as usava na festa da padroeira, em agosto.

15Paróquia de Santo António do Embaré - muitas vezes, as pessoas acreditam que certos adornos são de ouro, mas não o são e sim de metal inferior, apenas adaptado para parecer precioso, o que gera muitas lendas ou falatórios, como a auréola de Santo Antônio do Embaré, que se via na imagem do altar-mor e se afirmava ser de ouro. Posteriormente foram restaurar a imagem e para surpresa não era ouro e sim um pedaço de lata antiga de óleo de cozinha onde se via a marca e apenas um dourado falso.

16Igreja da Ordem Terceira do Carmo - existe o lampadário de 1886 ofertado pelo Império, 6 solares de prata estilo século XVIII com os raios sinuosos da cabeça das imagens dos passos da Paixão dos quais dois foram furtados na década de 1980, o solar na cabeça de Nosso Senhor Crucificado, a coroa da oraga, os resplendores de Santa Tereza D’Ávila e São João da Cruz, adaga de Nossa Senhora das Dores da qual o resplendor tem o paradeiro ignorado, assim como a cruz processional antiga; dos objetos litúrgicos não tenho conhecimento para poder mencioná-los.

Aqui, menciono apenas joias e adereços de ouro ou mais significativos em prata dos quais tomei conhecimento ou vi, havendo ainda muitos bens no patrimônio de várias irmandades, sejam joias, adereços ou objetos de prata ou ouro.

Irmandades santistas

IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DA MISERICÓRDIA (1543)

Ereta em Portugal aos moldes da mesma que existe em Lisboa, pelo empenho do capitão-mor Braz Cubas, para funcionar no povoamento do Enguaguaçu que se chamaria mais tarde Santos devido à importância da mesma em ser um ou o único hospital na época. Nossa Senhora da Misericórdia ou das Mercês teve sede desde 1543 no local conhecido como Igreja e Hospital da Misericórdia, confirmada pelo Rei Dom João III no dia de São Francisco de Paula em 2 de abril de 1551, com os mesmos privilégios das Irmandades de Misericórdia de Portugal, inclusive o ato de jogar a bandeira sobre os condenados pedindo clemência e a Procissão dos Ossos.

Recordemos que a imagem da oraga, que era de roca, se manteve em um altar lateral até a demolição da Matriz em 1906, tendo o seu paradeiro ignorado a partir de seu desaparecimento, havendo a suspeita de que a imagem tenha sido alterada, sendo transformada em outra devoção.

A irmandade, já em sua quarta sede, preferiu se desvencilhar do compromisso de submissão à Igreja, tornando-se secularizada, justamente para poder dispor de seu patrimônio sem estar subjugada a uma ordem religiosa ou seus bens poderem ser pegos a qualquer momento por alguma autoridade da Igreja - motivo que levou ao fim de sua existência como associação sacra: atualmente é apenas temporal, voltada para a área da saúde; realmente, muitas outras irmandades antigas foram dissolvidas e seus bens usados pelos religiosos para outros fins, mas a antiga Misericórdia passou incólume por essa ação.

A primeira sede da Igreja da Irmandade de Nossa Senhora da Misericórdia ou Mercês em 1543 se localizou onde é atualmente a Praça da República, sendo sua igreja ocupada pelo clero secular e a imagem da oraga mantida em um altar lateral como foi mencionado em livros ou se viu em fotos antigas - acervo até o momento disperso.

Temos a referência de João Luiz Promessa que em 1930 escreveu no seu livro Reminiscências de Santos 1543-1870, que os irmãos da Misericórdia, devido ao uso de sua igreja para as funções de uma paróquia, recorreram ao rei de Portugal. Este determinou que a primeira sede ficasse como matriz na vila e eles fizessem outra, como assim o realizaram e levaram seus bens para sua nova igreja, conhecida como de Santa Izabel. Essa decisão pode ter ocorrido após a morte de Braz Cubas, pois ele na certa reverteria a situação, construindo outra matriz e mantendo o hospital.

A segunda sede da Igreja da Irmandade de Nossa Senhora da Misericórdia se localizou no século XVII no lugar que manteve o nome antigo de Campo da Misericórdia. Há menção de ter sido abrigada ali a Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte, instalada em 1652 e com existência até aproximadamente 1840, quando a igreja dedicada a Santa Izabel vestindo o seu hábito de terceira é levada para a nova Santa Casa (da qual é protetora), deixando o templo ruinoso para ser demolido. Estava instalada onde hoje fica a Praça Mauá, bem na localização do sanitário público mandado construir pelo prefeito Osvaldo Justo e onde se encontraram muitas ossadas humanas, das inumações feitas por essas irmandades.

A terceira sede da Igreja da Irmandade de Nossa Senhora da Misericórdia se localizou no início do século XIX entre as encostas do Monte Serrat justamente onde começavam o antigo caminho de subida e o morro de São Bento, tendo existido na sua entrada o "túmulo dos enforcados", descrito como uma pedra velha, quebrada e desgastada pelo tempo, com um nó de forca ainda visível.

Segundo se dizia então, existia um cemitério antigo na encosta do morro sem constar a localização exata desse campo de inumações, identificando ou afirmando a sua existência. Supõe-se que justamente nesse local estariam instalados quando se inaugurou o primeiro cemitério público, tirando da irmandade essa responsabilidade para que pudesse se dedicar mais à saúde. Pertencendo como tantas pessoas a essa irmandade, João Octávio dos Santos deixou a ela 5:000$000 em testamento.

A quarta sede da Igreja da Irmandade de Nossa Senhora da Misericórdia se localiza a partir de 1947 próxima de onde existiu o Quilombo do Jabaquara e ainda pode ser vista; sua capela foi ereta nos anos 1960 e segundo a saudosa irmã Melita a missa ocorria no salão do 3º andar, onde ficaram as irmãs instaladas provisoriamente.

Devido à falta de maior atividade por parte da ordem dos camilianos que faziam o trabalho de curar a capela do Hospital e também a igreja de sua sede, quase que a mesma é transformada em ecumênica em 2017 - mas foi acordado entre o novo bispo e a instituição manter sua identidade católica, só não sabemos até quando.

Sempre realizaram a festa de Santa Isabel - rainha de Portugal e co-fundadora da primeira Santa Casa - curiosamente em 2 de julho, o dia da fundação em 1543 da Santa Casa de Santos; sua festa ocorria nesse dia até cerca de 2017, quando passou para o dia 3 e depois o dia 4 de julho, mais de acordo com o calendário cristão.

Muitos detalhes dessa festa já se perderam como o balão dos presos na Cadeia Velha, solto quando a procissão passava no lugar, os grupos de portugueses como o Pastoreio de Fátima, que tomavam parte no cortejo com a cruz, veleiros, estandarte e a imagem da Rainha Santa com muitas joias de ouro colocadas por um fiel.

Em muitos casos houve uma mudança do horário da festa que até meados da década de 1980 ocorria de noite, depois foi mudado para cerca de 18h00 e finalmente para as 17h00, sendo o percurso da procissão encurtado, pois dava a volta ao jardim interno saindo na avenida e se dirigindo para a rua da igreja onde ocorria a missa festiva; atualmente, o percurso ainda é realizado pela via interna do jardim, saindo na rua e indo para a capela.

Houve um ano em que a chuva foi tanta que apenas eu e uma repórter fomos até o lugar, entrando pela parte dos fundos, onde acabamos por ir parar na sala onde ficavam os falecidos, passando finalmente para a igreja, onde estava a Santa em seu andor e a irmã Melita guardando os objetos litúrgicos, pois a missa fora suspensa.

Em outro ano, o provedor Antonio Manuel de Carvalho (o ex-prefeito Carvalhinho) teve um infarto justo no início da procissão e festividade religiosa, o que chocou a muita gente como a irmã Zefinha, que começou a chorar copiosamente e fazer preces. Em silêncio, levaram Santa Izabel pelos corredores internos descendo ao térreo e indo pelo corredor A e o H em direção da capela, onde houve a missa e benção das rosas conforme era todo o ritual cristão. Foi o óbito do provedor, anunciado no dia 11 de julho de 1987, que salvou a instituição da falência, pois a partir de então se formou na cidade um movimento que levou seu nome, para ajudar na recuperação financeira do hospital.


Reforma na fachada do prédio que abriga a Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, no complexo da Igreja de Santo Antônio do Valongom em outubro de 2016
Fotos cedidas a Novo Milênio pelo prof. Francisco Carballa, em 30/10/2016

ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO DA PENITÊNCIA (1641)

Ereta na igreja de Santo António do Valongo, com as bênçãos do frei Francisco de Coimbra em 20 de outubro de 1641, devido às necessidades sua capela só em 1689 foi iniciada, sendo benzida em 24 de março de 1691 e ainda lá se encontra. Curiosamente, no ano da fundação do Valongo em 1640, chegava ao fim a União Ibérica e saiam os Jesuítas do Brasil e essa lacuna foi preenchida pelos franciscanos.

A Ordem tem magnífico retábulo, do qual alguns itens foram retirados nos anos 1970 pelo zelador senhor Ribela, a pedido do prior da mesma Ordem, podendo ser vistos com as imagens de roca de São Francisco recebendo as chagas, que era usada na missa do trânsito, em que a imagem do santo era preparada como um defunto para veneração, em celebração que ocorreu até cerca dos anos 1980. Também fazia parte do acervo o enorme crucifixo recordando um anjo serafim pelas seis asas, como era comum na época, sendo tais imagens de tamanho natural usadas na procissão das cinzas.

Dessa procissão restou um conjunto de imagens em tamanho natural que incluía São Luiz Rei de França, Santo António de Catigeró, Santa Izabel da Hungria, Santo Ivo o Advogado e outro crucificado com o São Francisco, mais uma imagem de Jesus em pé e ainda outra de São Francisco em pé que foram emprestadas para a cidade de Itu e nunca retornaram, permanecendo em uma capela na Igreja de São Bendito nessa cidade.

Atualmente se contemplam - além da aparição do serafim a São Francisco quando recebeu as chagas no Monte Alverne (de que existiu uma pintura atrás da figura no espaço do altar-mor) - as imagens de São Domingos de Gusmam (o fundador dominicano) e Santa Rosa de Lima, que são exemplares muito antigos, e também as de Santo António de Catigeró e Santa Clara, todas em roca.

Nos anos 1980, por determinação da secularização das ordens, os irmãos terceiros de S. Francisco deixaram de usar sua enorme túnica de cor negra e as irmãs o véu que cobria a cabeça e todos com o cordão e terço.

IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO DOS BRANCOS (1652)

Existia a princípio apenas uma irmandade do Rosário, cuja fundação pode remontar ao tempo dos jesuítas no século XVI. Contavam os antigos uma história ocorrida antes de 1652 sobre uma grave discussão entre portugueses, nativos e africanos sobre o horário da procissão da Virgem do Rosário, sepultamentos e outros assuntos. Coube ao bispo responsável pela região, que ficava na Bahia (em Salvador) resolver a pendenga.

Ele determinou que a imagem nova vinda do Reino ficaria com os brancos e se chamaria Irmandade de Nossa Senhora dos Homens Brancos, a imagem antiga de roca que alguns afirmam ter sido esculpida aqui [05] em nossa terra ficaria com os negros da terra (nativos ou nhandeva) e os negros da costa da África, e se chamaria de Irmandade de Nossa Senhora dos Homens Pretos.

Até ai tudo bem, mas “o mais oprimido sempre será o maior opressor” e assim as duas irmandades não aceitavam os mestiços e novamente o caso foi parar no bispo que determinou que a imagem do consistório ficasse com os pardos ou mestiços e se chamaria de Nossa Senhora do Terço, havendo uma procissão pela manhã, uma de tarde e outra de noite, para alegria das beatas. Fica assim a questão, se foi realmente essa a origem das três irmandades, mas muitas histórias se perderam pelo desaparecimento da documentação, seja por destruição do tempo, cupins ou ação humana.

A imagem esculpida em madeira e vinda de Portugal, que está no presbitério, foi reencarnada ou restaurada no início do século XX, possivelmente para a inauguração da Catedral, que com a perda do altar-mor também perdeu os anjos pintados que a rodeavam voando ao seu redor; essa mesma imagem foi recentemente repintada e perdeu as antigas cores características do barroco.

Ocorreu um problema administrativo entre a Cúria de São Paulo e a mesma irmandade que foi dissolvida e, ao se reorganizar em 1853, deixou de se chamar de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Brancos e passou a se chamar de Nossa Senhora do Rosário Aparecida - o que ainda confunde pessoas que acreditam ser a Virgem Maria do Santuário de Aparecida de 1717. Recentemente a irmandade foi extinta, ficando apenas Nossa Senhora, com esse título, a oraga da nossa Catedral e protetora da diocese.


Placa de 1902 afixada pela Mesa Administrativa da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, comemorativa da fundação da entidade em 1º de outubro de 1652, em Santos
Foto cedida a Novo Milênio pelo prof. Francisco Carballa, em 11 de janeiro de 2019

IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO DOS PRETOS (1652)

Consta ter sido fundada em 1652 devido ao desentendimento acima mencionado, adquiriu terreno por compra e iniciou a construção de sua sede em 1756, sendo a torre a última parte erguida. O sino ficava pendurado fora da igreja e foi furtado, sendo os quatro sinos atuais de sua torre pertencentes à velha matriz demolida em 1906 quando a igreja do Largo do Rosário, atual Praça Rui Barbosa, se tornou a matriz temporária - título que quase foi instalado no Convento do Carmo, segundo se pode ler nas atas da Irmandade do Rosário dos Pretos.

Em fotos de 1865 percebemos a falta da torre na igreja e nas fotos registradas a partir de 1892 a segunda torre já é vista, pois a primeira ruíra. Finalmente, a fachada foi demolida em 1930, quando houve um alinhamento da Rua do Rosário hoje conhecida como Rua João Pessoa. Ainda nesse ano foram demolidos os altares laterais e o retábulo de madeira que se assemelhava ao da Ordem Terceira do Carmo de Santos. Até a proibição de inumações dentro de igrejas em 1851 e o fim da velha matriz, os irmãos do Rosário dos Pretos mantiveram ali alguns lóculos e até sua extinção tinham sua quadra no cemitério do Paquetá.

Houve a transferência dos objetos de culto da sacristia da matriz que entraria em demolição em julho de 1906, ocupando a sala ao lado do presbitério que até então era usada como sacristia, ao lado da escola - que sairia dali e seria remodelada com a reconstrução da lateral do prédio. Percebemos assim que muitos itens usados em missa na verdade pertenciam às irmandades até então responsáveis pelo culto e pela festa de cada uma e assim foi até os anos 1990. Entre aqueles itens consta na ata e aqui transcrevo essa parte que mais nos interessa:

...Objetos da paróquia recolhidos à igreja do rosário conforme consta em lista fornecida pelo monsenhor vigário da paróquia: 22 toalhas, 9 alvas, 5 roquetes, 5 cíngulos, 2 turíbulos, 2 confessionários, 1 púlpito, duas mesas, 11 cadeiras, 1 sofá, 6 bancos, duas escarradeiras, 3 pares de galhetas, duas navetas, 4 cálices, 1 caldeirinha, 3 campainhas, duas capas de asperges, 1 harmônio, 3 batinas para coroinhas e 5 roquetes, 23 paramentos para missa, 3 missais e 2 rituais, 1 armário com 50 livros e diversos papeis pertencentes ao arquivo da paróquia, 2 genuflexórios e 4 estalas. - Consistório da Irmandade de N. S. do Rosário de Santos, 27 de junho de 1906”. (ata da Irmandade do Rosário dos Pretos de 1906).


Anúncio da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, convidando os membros para participarem na procissão do Glorioso São Benedito, que ocorreria em 24 de abril, um domingo
Publicado no jornal Diário de Santos, em 23 de abril de 1887, página 2
Imagem: Hemeroteca da Biblioteca Nacional - Rio de Janeiro/RJ

IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DO AMPARO (1746)

Essa imagem com características espanholas do século XVIII um dia teve a própria capela na velha Matriz, do lado esquerdo da nave, semelhante à capela dos Irmãos Terceiros do Valongo. Pelo que se percebe, sua localização era atrás do consistório da Irmandade do Santíssimo Sacramento.

Quando foi feita a nova Matriz a irmandade ganhou local para seu altar no mesmo lado esquerdo da nave, como foi por muitos séculos sua localização na velha Matriz, nele havendo uma placa de mármore onde podemos ler:

Altar de Nossa Senhora do Amparo mandado erigir pelas mesas administrativas de 1930 a 1932 e inaugurado solenemente por sua excelência. D. José Maria Parreira Lara, D.D. Bispo Diocesano, em 17 de agosto de 1932” - curiosamente, isso está escrito em letra cursiva. Logo acima se lê “Arquiteto Ernesto Berrend (nome ilegível), São Paulo” e abaixo se lê “Executado pela marmoraria Monte Serrat - Severino Bossi - Santos”.

Nesse altar, vemos a Virgem Maria sempre grandiosa com sua rosa vermelha na mão direita e o Divino Mestre sustentado no lado esquerdo; nas duas laterais foram colocados os anjos adoradores do altar do Santíssimo Sacramento o que não é correto: deveria a Santíssima Senhora ter duas devoções.

Possuía Nossa Senhora a maior coroa de prata antiga comum ao modelo existente na Baixada Santista naqueles tempos, mas foi essa coroa furtada logo após o restauro por que passou nos anos 1980: primeiro furtaram a coroa da Virgem Maria, pegaram a do Menino (que era grande) e colocaram na cabeça da mãe e outra mais simples no Menino; na época, frei Rafael M. Marinho disse que avisara o pároco da Catedral e que se fizesse como no Convento do Carmo ou quando esteve ele em Itu, quando mandou retirar o pino de encaixe e parafusou as coroas na cabeça das Santas, mas o ladrão voltou e furtou essa outra coroa.

A imagem recebeu uma coroa nova e digna, com uma rosa de metal, por minha doação em maio de 2017.

Marcos Lamouche foi um restaurador que - ao contrário de muitos que apenas repintam as imagens - buscava a tinta original existente debaixo de muitas camadas de repintura e refazia as partes que faltavam. Assim aplicou sua técnica na imagem da Senhora do Amparo nos anos 1980. Por desconhecerem a devoção, algum tempo depois tiraram a rosa que empunhava na sua delicada mão, voltando a ter uma de metal.

Havia uma curiosidade entre as crianças do catecismo para ver quem acharia o rosto de Nossa Senhora e de Jesus Cristo que tem no altar do Amparo. Como se dizia, depois de muita observação e certa dificuldade é que a maioria ainda hoje acha essas duas figuras ali entalhadas.

Durante a sua festa em novembro havia a benção de rosas vermelhas (o símbolo do amparo da Santíssima Virgem, muito antigo). A origem desse costume eu nunca soube, nem por que a rosa vermelha teria tal significado, mas a missa da irmandade era concorrida, para se conseguir uma flor que era levada para casa por muita gente como um sacramental, sendo suas pétalas usadas em chás como remédio espiritual aos enfermos, ministrado com os remédios dos médicos.

Cantávamos esta jaculatória de origem portuguesa em várias festas marianas e também no dia da benção das rosas vermelhas:

     “Formoso botão de rosa;
     Que nasce ao romper do dia;
     Ó pura cheia de graça;
     Eu vos saúdo ó Maria”.

ORDEM TERCEIRA DO CARMO (1764)

Consta que já existia, em uma referência documental de 1709.

Mas nos perguntamos: por que Ordem Terceira do Carmo? Isso nos faz pensar em Ordens Segunda e Primeira, que surgiram com o empenho do Beato João Soreth quando, em 1 de outubro de 1452, através da Bula Cum nulla do Papa Nicolau V aprovou que houvessem as irmãs ou monjas, ficando a Primeira para os homens consagrados que chegaram a Santos em 1589, a Segunda para as mulheres consagradas ou freiras carmelitas (que chegaram a esta Cidade em 1948) e a Terceira para os leigos, conforme temos em Santos e em outros locais agregando homens e mulheres.

Erigiram sua igreja em 1756, motivo pelo qual recebeu essa data. A igreja da Ordem Primeira, por ter sido concluído o conjunto do Carmo, foi benzida em 1760, todos os detalhes e documentos referentes a esse processo se perderam no incêndio que ocorreu em 1787 na casa de António José de Carvalho onde estavam guardados seus documentos.

Foi o antigo cemitério dos Terceiros situado dentro da igreja e atrás de sua sede; esse espaço atualmente é usado de forma comum como lugar para irmãos e irmãs se servirem do tradicional café e chá oferecido após a missa compromissal ou demais festividades.

O cemitério que havia ali (e é visto em foto de Marc Ferrez) fora removido no início do século XX e em seu lugar colocado um jardim, onde estavam várias estátuas pintadas de branco que se suspeitava serem de antigas sepulturas; em seu centro, uma estrutura que recordava um poço, com uma pérgula acima para plantas e dentro a Virgem do Carmo rodeada de água e plantas aquáticas do tipo Santa Luzia (Pystia stratiotis) ate que em uma reforma retiraram tudo para aproveitar como local de festas.

Encostada à parede do presbitério, próxima de uma antiga janela da sacristia, existe uma cruz de pedra que um dia deu referência ao logradouro. Depois, num mapa de 1798 produzido pelo capitão José Corrêa Rangel de Bulhoens, aparece como Rua e Beco de trás do Carmo.

IRMANDADE DE NOSSO SENHOR DOS PASSOS (1760)

Instalou-se na Igreja da Ordem Primeira do Carmo em 1º de junho de 1760, fixando aí a devoção da Procissão do Encontro, que foi memorável em tempos passados, quando todos aqueles bairros eram populosos e não comerciais, atraindo muitos fiéis, na Semana Santa.

Os irmãos compraram a imagem grande do Senhor dos Passos com a cruz em 1850, passando esta a figurar nas procissões do Encontro, ocupando um altar do presbitério. Antes disso, provavelmente usavam a imagem do mesmo título que se venera no altar do 6º Passo da Paixão, na igreja dos Terceiros Carmelitas, sendo a única que havia na região até aquele tempo.

Em 1900, adquiriram a imagem de Nossa Senhora das Dores. Segundo afirmações da época, primeiro compraram a menor e - por não ser adequada em tamanho ao Senhor - acabaram adquirindo a maior, ocupando o outro altar do presbitério da igreja conventual. Possivelmente a Irmandade não tinha posse das duas imagens, do Senhor dos Passos e de Nossa Senhora das Dores; se as tinha, trocou por imagens novas, mas não temos referência disso até o momento.

Possivelmente, a Virgem Dolorosa que se venera no Valongo é que tomava parte no sacro cortejo e se encontrava com Jesus carregando a cruz antes dessa época e da inauguração da igreja dos Terceiros Carmelitas que tinham em seu patrimônio sacro uma imagem de roca da Virgem dessa devoção, que ainda pode ser vista na capela funerária ali existente, segundo consta no livro Santos Noutros Tempos.

Hoje sabemos que o andor da Senhora saía da igreja de Santo António do Valongo e o do Senhor dos Passos partia da igreja da Ordem Primeira do Carmo, ambos se encontrando na frente da capela da Graça. Com a sua demolição, o encontro foi transferido para a frente da Igreja do Rosário dos Pretos. Acreditamos que a procissão da Virgem Dolorosa saía da igreja do Valongo, o que nos leva a supor que era a imagem do século XVIII dos franciscanos a usada no Encontro, ou a imagem dos Terceiros Carmelitas que se encontra na igreja ao lado da Ordem Primeira do Carmo.

Para tirar tal dúvida, seria necessário pesquisar as atas de ambas ordens. Posteriormente, os membros da Irmandade do Senhor dos Passos adquiriram suas próprias imagens, entre elas a do Senhor (em meados do século XIX) e da Senhora (no final daquele século), terminando a necessidade do empréstimo de qualquer uma das duas.

A Ordem possui dois jazigos no cemitério do Paquetá, com muitas sepulturas e algumas monumentais, tendo vendido parte do terreno que adquiriu para a Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte em meados do século XX.

Existe referência da saída da irmandade em 1956 devido a causas somente por eles conhecidas na época. Os irmãos saíram das dependências do Convento do Carmo e passaram a ter seu consistório em uma sala alugada no prédio da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio.

Com a perda do seu consistório na igreja, para ceder em 1922 o espaço destinado à construção do Panteão dos Andradas, a Prefeitura resolveu o problema doando um terreno na praça em 14 de setembro de 1962 onde iniciaram a construção de sua igreja sede no bairro do Boqueirão, que foi elevada a paróquia em 4 de março de 1966 sendo usado o salão abaixo da nave e presbitério da grande igreja, constando sua conclusão, inauguração e decerto benção em 1971. Finalmente, doaram a igreja para a Cúria Diocesana de Santos.

Suas lanternas de procissão, cruz, roupa do Senhor em veludo roxo bordado com fio de prata, andores e demais objetos paraliturgicos ficaram custodiados no Museu de Arte Sacra de Santos até retornarem para a Igreja onde estão expostos menos a roupa antiga com ametistas encastoadas: estas se perderam e a roupa se estragou com a falta de cuidados.


Anúncio da Irmandade do Senhor dos Passos em 28 de fevereiro de 1887, chamando os membros para a procissão do dia 4 de março
Publicado no jornal Diário de Santos, em 1º de março de 1887, página 3
Imagem: Hemeroteca da Biblioteca Nacional - Rio de Janeiro/RJ

IRMANDADE DE SÃO BENEDITO (1780)

Na paróquia do mesmo nome, em Santos, está a Irmandade de São Benedito, ereta na igreja Matriz em 1780 para atender a evangelização dos africanos da região; passaram a inumar seus mortos no Paquetá em 1870 quando saíram para o Valongo em 1887 devido às afinidades com os franciscanos e seu patrono e ficaram até 1930 quando ocuparam por pedido e licença concedida a Igreja de Santa Cruz, que, segundo referências do clero ali instalado, foi construída em 1902.

Ainda hoje podemos visitar na Avenida Senador Feijó nº 444 - onde é mantida, em memória e por pedido dos comerciantes do lugar -, uma imagem do santo em um nicho lateral. A Irmandade teria saído de lá devido a uma pendenga de sacristia que ocorreu entre os irmãos e os padres camilianos quando quiseram comandar os sepultamentos e favorecer benfeitores da Ordem e tomar posse dos bens da Irmandade nos anos 1950.

A questão culminou em 1956 com a saída da irmandade de lá: eles tiveram por destino um terreno doado na Avenida Afonso Pena nº 350, onde permanecem até hoje, tendo a pedra fundamental da igreja ali ereta sido benzida em 1957. Hoje, é a Paróquia de São Benedito.

Sobre o dia do traslado da irmandade, conta o senhor Clóvis Benedito de Almeida, que na época era atuante na Irmandade. Ele e sua família não acompanharam a procissão de traslado, mas ficou com o pai e irmãos próximo da igreja (onde depois foi instalada a loja H.Quintas), "pois estava muito cheio de gente e não se conseguia chegar até a igreja".

Ele recorda ainda que, nesse dia, os bondes pararam de passar em frente ao local. A procissão saiu à tarde, lá pelas 15 horas, devido ao povo que se aglomerava no local, mas era para sair uma hora antes. Junto às irmandades convidadas foi o bispo de carro, seguindo pela Rua Senador Feijó até a Carvalho de Mendonça, onde a procissão virou para a Avenida Washington Luís; daí Clóvis voltou pra casa com seus pais, pois estava garoando.

Os comerciantes choravam, assim como os moradores que não queriam que o São Bendito saísse dali. Foi uma portuguesa que doou o terreno na Avenida Afonso Pena, onde fizeram uma capela de madeira (chamada de barracão pelo povo), ali colocando a imagem do santo. Clóvis recorda que um provedor, de sobrenome Trindade, "muito lutou pelo ideal de terem sua própria sede em 1956".

A procissão sempre ocorreu no primeiro domingo de maio, havendo um intervalo de alguns anos em que foi realizada no domingo mais próximo do dia 13 de outubro (o dia de São Benedito assim figura em calendário organizado pelo papa João Paulo II, pois sua festa era móvel ocorrendo na terça feira de Páscoa justamente no dia do seu falecimento - que no entender da fé seria o dia em que nasceu para a vida verdadeira no céu).

Ainda hoje ocorre uma cerimônia idêntica aos anos anteriores, em que as Irmandades de São Benedito  de outros locais (na maioria integrantes da CONISB) são recebidas e todos fazem uma prece de agradecimento, em seguida tomando um farto café comunitário, sempre antes da missa da manhã, para a qual outras irmandades da cidade também são convidadas.

Ocorre a missa festiva da tarde, que antes era às 18 horas, depois às 17 horas e mais recentemente passou para as 16 horas; assim, as irmandades visitantes retornam mais cedo ao seu lugar de origem.

Após a missa sai a procissão, ao toque dos pequenos sinos da igreja: na frente vão as irmandades com suas opas, seus estandartes e as insígnias, vindo a seguir uma relíquia levada pelo pároco debaixo de um pálio de seis varas branco, depois um carro que leva o pesado andor de São Benedito (com a imagem adquirida no final dos anos 1950 para não usar a original, que é colonial e de madeira), e finalmente vem o povo em massa, embora no passado fosse a banda que fechava o cortejo.

Segue a procissão pela Avenida Afonso Pena e pelas ruas atrás da igreja até retornar à mesma, e em sua porta ocorre uma grande queima de fogos. Depois, ao som da banda e dos sinos, a imagem é recolhida para o interior da Igreja - entrando de costas conforme o ritual, pois assim, na cultura popular, o santo se despede do povo.

Havia um grande estandarte chamado de guião que, até o início dos anos 1970 (aproximadamente 1974), era usado pela irmandade, tendo cerca de três metros de altura. Segundo Clóvis Benedito de Almeida, a peça era confeccionada em tecido gorgorão branco, enfeitado com galões dourados e terminado nas duas pontas e nos dois cordões com borlas douradas. No centro do guião, a figura bordada (em estilo bem antigo) de São Benedito segurando uma cesta de flores, para recordar o milagre das flores, inclusive cantado em um hino. Para conduzir aquele grande estandarte era necessário um grupo de cinco pessoas.

Outro costume que se manteve até o início dos anos 1970 foi o levante do mastro que na ponta tinha uma chapa bem dura onde estava pintada a figura de São Benedito segurando a criança do milagre. Consta que a irmandade usava opa branca com a musseta negra, cor também aplicada aos veleiros, mas na metade dos anos 70 um pároco muito ligado à Teologia da Libertação jogou fora lanternas, veleiros e o famoso guião, para tristeza dos irmãos daquela Ordem, atualmente foi bordado o desenho da antiga bandeira e feita em menor tamanho.

Consta que existiu uma capela na Rua Visconde do Embaré defronte para a Rua Alexandre Rodrigues [06] em um terreno com casas que pertenceu aos irmãos de São Benedito e já na metade do século XX ela foi demolida devido à venda do terreno possivelmente para auxiliar a construção da paróquia que hoje existe na Avenida Afonso Pena.

IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DA BOA MORTE (1793)

Consta que a Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte se instalou em 1652 na segunda igreja da Misericórdia, em edificação existente até aproximadamente 1840, quando a Santa Izabel, vestindo hábito de terceira, foi levada para a terceira Santa Casa da qual é protetora, sendo demolido o templo ruinoso. A confraria foi reconhecida em cartório em 1791, mas sua fundação é anterior, com notícias de sua existência no século XVII [07] .

No princípio era uma irmandade que abrigava muitos escravos nativos negros da terra e depois os africanos e também muitos colonos devotos seus, com os jesuítas fazendo sua difusão pela vila de Santos e por todo o Brasil até 1759. Os irmãos da Boa Morte se instalaram na Igreja do Hospital da Misericórdia em 1652. Com a ruína do prédio, passaram ao Convento do Carmo em 1750; a confraria foi oficialmente reconhecida e registrada en 1793, em cartório e na Cúria Diocesana, com sede em São Paulo, seguindo ordem do bispo.

Já verifiquei as atas da irmandade e me chamaram a atenção duas menções: uma delas, à missa fúnebre realizada pela Irmandade num domingo de 1906, pelo 12º bispo de São Paulo, Dom José de Camargo Barros, morto no desastre do navio Sirius, que afundou ao retornar da Itália em 4 de agosto daquele ano, dando sua bóia para um religioso mais jovem e absolvendo até o fim as pessoas segundo registrado em desenho de Benedito Calixto que está em São Paulo. O outro trecho que chamou minha atenção foi a suspensão de missas e festejos por ocasião da epidemia de gripe espanhola em 1918.

Os irmãos compraram, no início do século XX, parte da grande quadra da Irmandade do Senhor dos Passos ao fundo do cemitério do Paquetá (lado esquerdo), tornando-se possuidores de muitas campas.

Houve necessidade de comprarem lanternas de procissão, pois no início do século XX os irmãos do Senhor dos Passos não as queriam emprestar. Foram assim adquiridas lanternas grandes e pequenas que ainda estão em seu patrimônio, e a cruz processional do inicio do século XVIII ainda é usada.

Foi deixado em custódia no MASS o esquife de Nossa Senhora da Boa Morte com seus dois pequenos cavaletes, duas lanternas de procissão em estilo manuelino, a vara do provedor, um tablado feito em madeira bruta envernizada de amparar a cruz e lanternas (com local para a vara que até então ficava no canto do consistório) e quatro almofadas de ombros roxos que estavam no esquife, assim se evitando que tais peças de se perderem por falta de cuidado, havendo um recibo na confraria, um no Museu de Arte Sacra de Santos e outro comigo, que intermediei a negociação entre as duas partes.

Pertenci à confraria por devoção, entrei em 6 de agosto de 1989 e saí em 1999 da Irmandade por não concordar com alguns itens apresentados, entre eles o desprezo da instituição por seus bens custodiados no Museu Arte Sacra de Santos.

Para a comemoração dos 200 anos (1793/1993) nas festividades da irmandade, fui nomeado festeiro junto com o Irmão Terceiro Waldemar Tavares Jr. (falecido em 2017), sendoi organizada exposição de objetos antigos, tríduo, missa festiva e procissão.

Ainda se canta na missa e nas festas um hino muito antigo de forma simples da Virgem da Boa Morte, sem o estilo barroco com o qual era entoado, como recordavam antigos irmãos e irmãs.


Trono de Corpus Christi, defronte à igreja de Nossa Senhora do Rosário da Praça Rui Barbosa, significando que nesse momento - posterior a 1930 - ela cumpria novamente o papel de matriz provisória de Santos, devido a uma das reformas da Catedral. Os castiçais metálicos eram da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário Aparecida, que funcionava na Catedral
Foto cedida a Novo Milênio pelo professor e pesquisador Francisco Carballa

IRMANDADE DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO (1852)

Houve outras irmandades do Santíssimo Sacramento na região do Bispado de Santos responsáveis pela aquisição de pálios, lanternas, cruzes, turíbulos, cálices, custódias e tudo o que se refere ao culto de Nosso Senhor Jesus Cristo presente na Eucaristia, entre elas as da Matriz de Nossa Senhora da Lapa de Cubatão, Matriz de São Vicente Mártir em São Vicente, Matriz de Santo Amaro e Nossa Senhora de Fátima do Guarujá, Paróquia de São João Batista da Nova Cintra, e ainda na Catedral de Santos e na paróquia de São Judas Tadeu de Santos sendo estas duas últimas as únicas ainda existentes. Daquelas todas, apenas a ligada à Matriz teve quadra para sepultar seus irmanados no cemitério de Santos.

Fundada junto com a vila e sua Matriz. teve como todas as demais o necessário reconhecimento em cartório no século XVIII, por ordem do bispo de São Paulo. Mais tarde, um desentendimento entre a Cúria e a Irmandade culminou na sua suspensão, retornando somente em 1852 - a data exposta até hoje como sendo a de sua fundação.

Foi tão importante que acabaram por construir um prédio ao lado esquerdo da Matriz demolida em 1906, seguindo o estilo semelhante à construção que ali existia, sendo seus fundos a capela de Nossa Senhora do Amparo e sua entrada semelhante à de uma igreja, mas sem ter uma cruz no frontão, o que indicava prédio comum e não templo. Diziam antigos irmãos, já avançados em idade nos anos 1960, que ali era o consistório e até eleições importantes para quem representaria politicamente a Cidade eram feitas ali, em suas dependências.

Por um desentendimento com o arcebispo Dom Duarte Leopoldo e Silva, esta Irmandade foi suspensa em 1909 quando atuava na Igreja do Rosário dos Pretos, sendo restituída às suas funções em 1925, quando a sede da Matriz já estava na atual Catedral de Santos. Nesse ínterim, objetos da irmandade passaram a fazer parte do acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo, onde estão atualmente.

Coube ao bispo Dom José Maria Parreira Lara acolher a irmandade, que em seu patrimônio inclui a quadra no cemitério do Paquetá e exibe ainda objetos litúrgicos e paralitúrgicos antigos.

Foi a irmandade finalmente extinta oficialmente pelo pároco da Catedral e entregou seus bens para a Igreja; porém, os poucos irmãos remanescentes ainda frequentam as instalações e participam de suas cerimônias.

A procissão do dia de Corpus Christi unia toda a Cidade em um único e majestoso cortejo, que chegou até os anos 1980, antes de inventarem modernidades que tiraram sua unidade e seu sentido.

Todas as irmandades tomavam parte nessa grande prociFssão, principalmente a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário (INSR) da Praça Rui Barbosa, quando foi sede do Bispado, sendo que nessa época a Benção do Santíssimo era dada em magnífico altar montado - ao lado direito da porta principal da Igreja do Rosário - pelos irmãos da INSR, como podemos ver na foto acima. Para dar conhecimento aos mais novos e lembranças aos mais idosos, vou relatar como foi a ordem da procissão e seu percurso daquele dia 9 de junho de 1966. Os mais antigos hão de recordar a beleza dessa festa, que tinha sua programação elaborada depois de demorada reunião entre o clero e a Irmandade do Santíssimo Sacramento, que passava as coordenadas às demais.

As ruas eram atapetadas com pétalas e flores, espadas-de-São-Jorge e Santa Bárbara e São Benedito, serragem colorida, areia, tampinhas com papéis coloridos. Inclusive recebiam enfeites os trilhos do bonde, que cessavam seu trajeto horas antes para o povo poder enfeitar o caminho para Jesus Sacramentado. Os postes eram igualmente enfeitados com folhagens, prevalecendo o melindro, antúrio e flores amarradas até a altura de uma pessoa. Por todo o caminho, as pessoas enfeitavam janelas e sacadas com colchas, flores, velas e quadros religiosos.

A maior doadora de pétalas de flores, que eram guardadas em sua geladeira, era a senhora Paulina Freire (que faleceu em 1987, aos 73 anos), a qual possuía a Flora Paulina, na Praça José Bonifácio, 53/baixos. Pessoa caridosa e muito popular, cedia flores de graça para os enterros dos pobres e todos gostavam de ver seu presépio no Natal, o qual ocupava 5 metros da loja. Era a principal fornecedora de arranjos para as festas da Humanitária ou do Parque Balneário; inclusive, quando ocorreu a visita do presidente Craveiro Lopes, de Portugal (N. E.: em junho de 1957), foi ela a responsável pela decoração floral. Também vendia muitas rosas a preços baixos, que eram ofertadas e usadas para homenagear Nossa Senhora no mês de maio, durante a missa na Catedral.

Anunciavam a procissão os sinos da Catedral, o carrilhão era tocado com muita alegria. Muitas senhoras de preto, que eram de outros países, caiçaras, caipiras, beatas ou nordestinas rezavam com devoção o terço em grupos nas escadarias do Fórum ou nas esquinas, esperando o início da procissão.

Ela começava com a Banda Carlos Gomes, sobre a regência do maestro Jorge, português muito devoto, a executar o hino Glória a Jesus, rapidamente acompanhado pelo Apostolado da Oração.

Saía então o grande estandarte de São Benedito pela porta principal da igreja, levado pelos meninos vestidos de pajem, com seus chapéus emplumados e sapatos de fivela do tipo Anabela - eram do Colégio Santista (Marista), que todos os anos escolhia novos meninos para não haver favorecimentos, sendo que um segurava o grande estandarte sustentado no talabarte, dois as pontas das abas do mesmo (que recordava uma grande bandeirinha de São João branca), e outros dois os pingentes nas pontas dos cordões pendentes da barra.

Logo atrás seguiam os colégios católicos, todas as irmandades, cada uma com sua cruz alçada, sempre ladeada por duas lanternas de procissão, seguidas dos associados em fila, vestindo suas opas ou hábitos, quando se tratava das ordens terceiras, numa infinidade de veleiros de todas as cores e sempre em fila.

A Irmandade do Rosário (INSR) usava opa bege com museta azul claro e seu brasão e veleiros pintados da cor branca e azul claro, com suas velas de cor amarelo escuro: eram todos levados pelos irmãos desde a sede da irmandade, na igreja, até a Catedral - ação que exigia o aviso na missa de compromisso anterior ao mês da festa, para de lá tomar parte na procissão sendo que a quantidade de irmãos significava muita dedicação cristã.

Depois de todas passarem, vinha atrás o pálio dourado com suas varas prateadas encimadas por pequenas cruzes, que era carregado primeiro por autoridades e depois pelos sacerdotes por ordem de Dom David Picão, ladeados por seis lanternas levadas pelos irmãos da Irmandade do Santíssimo Sacramento.

O bispo, paramentado como exige a cerimônia, com capa de asperges e véu umeral (naquela época ainda se usava cáligas), levava a Custódia, cujos rubis (ou pedras vermelhas) resplandeciam com o brilho do sol da tarde.

Eram precedidos de todos os padres, religiosos e freiras em fila, ladeados pelo Apostolado da Oração, Filhas de Maria, Congregação Mariana, Cruzadas da Eucaristia, Cruzada das Senhoras Católicas levando suas bandeiras, que tudo faziam para elevar os cânticos e as preces. Nesse meio ficava a Banda Municipal Carlos Gomes e, finalmente, o populacho.

A procissão saía sempre no período da tarde, entre 15h30 ou 16h00, percorrendo a Praça José Bonifácio, Avenida São Francisco, Avenida Conselheiro Nébias (cujo trecho até a Rua Bittencourt não era enfeitado - hoje compreendo que era para não atrapalhar o trafego dos bondes e o trânsito).

Sempre se esperava um grande tapete na frente da Cruzada das Senhoras Católicas e também na frente do Colégio Coelho Neto que ficava na esquina da Avenida Conselheiro Nébias com a Rua Sete de Setembro. As pessoas esperavam a passagem do Santíssimo para pegar as camélias brancas que tradicionalmente estavam estendidas pelo chão e eram colhidas dos pés dessa planta, abundantes naquela casa (seus moradores do passado eram abolicionistas, sendo a camélia branca seu emblema).

Seguia o cortejo até o canal da Av. Campos Sales onde, em uma casa, um casal sempre estendia uma pequena toalha branca e acendia duas velas num castiçal de porcelana azulada, repetindo o gesto em todas procissões (costume mantido mesmo quando morreu a esposa, o viúvo continuou fazendo aquele gesto de devoção).

Na Avenida Senador Feijó, parava em frente à Corporação de Bombeiros, onde todos os militares da guarnição estavam de prontidão em ordem no pequeno largo em frente ao quartel, igualmente os carros de combate ao fogo estavam enfileirados para a curiosidade do povo, preparados para receber a benção do Senhor Sacramentado que fazia sua parada em frente aos militares; nesse momento, acionavam todas as sirenes e, quase no mesmo instante, começavam os sinos da Catedral a tocar.

Seguia a procissão, contornando a Praça José Bonifácio pela Rua Amador Bueno, e finalmente chegava ao Fórum, onde era celebrada a missa e feita a Solene Benção Eucarística, em magnífico altar montado nas escadarias do Fórum.

Lembro-me que os mais velhos diziam: "Depois que a madre ajoelhar" as crianças poderiam sair para brincar na praça; evidentemente que era após a Benção do Santíssimo Sacramento. Essa era a festa do Santíssimo, que unia todos os movimentos da igreja na cidade de Santos, em uma festividade que também tinha o seu lado social.

Recordo-me de uma oração ou jaculatória antiga que a ouvi e depois vi escrita em um livro que dizia como uma pergunta e uma resposta, recordando o Manith do deserto com o qual o Senhor Yawé socorreu os judeus em marcha com a eucaristia, em uma prece contínua, mais ou menos assim:

     É o pão é o pão. Que veio do firmamento.
     É o pão é o pão. Nosso doce alimento.
     É o pão é o pão. O Santíssimo Sacramento.


Anúncio da Irmandade de Nossa Senhora do Terço, convidando os membros para a procissão da Ressurreiçãoo que se realizaria no domingo, 10/4/1887. Note-se que o anúncio é anterior à própria fundação da Irmandade
Publicado no jornal Diário de Santos, em 6 de abril de 1887, página 2
Imagem: Hemeroteca da Biblioteca Nacional - Rio de Janeiro/RJ

IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DO TERÇO (1888)

Esteve esta Irmandade sediada na antiga Matriz, onde mantinha a imagem de sua padroeira em um nicho do altar lateral e possivelmente campas diante desse altar até que se tornou a proprietária por doação da Capela do Carvalho ou Capela de Jesus Maria e José do final do século XIX, mas devido às péssimas condições do prédio, que poderia ser arrumado, preferiram os irmãos retornar para a matriz.

Ficaram então com o valor oferecido por firmas interessadas em ter armazéns próximos do cais; a capela foi comercializada e demolida em 1902 e seu terreno vendido à firma Zerrener Bulow e Cia. por escritura em 7 de abril de 1904 e logo ergueram ali um armazém que ostentava essa data e foi visto até aproximadamente 1984, quando toda aquela área foi derrubada para fazer um enorme recuo que se usa para estacionar caminhões.

Na quadra do cemitério, que é a menor de todas as que possuem as irmandades, pode-se ler a seguinte inscrição em uma placa de bronze: “Irmandade Nossa Senhora do Terço - Fundada em 1888 - Inaugurada em 1 de novembro de 1890 – Paróquia de São José Operário e Nossa Senhora do Terço”.

Essa placa trata por certo da oficialização da irmandade como pessoa jurídica e a data a seguir pode se referir à ocupação da Capela do Terço ou da quadra do cemitério, sendo necessário ter acesso às atas (se existirem) para aclarar essas informações, recordando que existe a história popular da contenda de 1652 que deu origem às três irmandades, além de uma referência a ela em 1746.

Ao retornar a Irmandade para a Matriz (onde permaneceu até a demolição da igreja em 1906) ficou com a imagem da padroeira no altar do lado da Epistola (N.E.: à direita do celebrante, quando ele está de frente para o altar mor; já o lado esquerdo é o do Evangelho), junto com a imagem de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (que não é a mesma que está no trono do retabulo da igreja existente na Praça Rui Barbosa), num altar lateral direito em estilo neogótico. O par desses altares foi depois levado para a igreja de Nossa Senhora das Graças do Itapema, onde permaneceu até os anos 1970, quando demoliram a velha igreja e fizeram a nova.

Finalmente, no Macuco foi construída em 1927 a igreja de São José Operário e Nossa Senhora do Terço, mas esse título é ignorado, ficando apenas o primeiro nome. Nesse templo foi feito um altar de mármore no braço esquerdo da cruz da igreja, seguindo o estilo neogótico, onde a imagem permaneceu até ser furtada em cerca de 1994, sendo colocada em seu lugar outra de gesso, sem muita arte.


Grande quermesse em benefício do Apostolado da Oração do Sagrado Coração de Jesus, realizada todas as noites com entrada franca no Recreio Familiar Santista, na confluência da Rua Visconde de S. Leopoldo com a Praça dos Andradas
Publicado no jornal Santos Commercial, em 7 de novembro de 1895, página 4
Imagem: Hemeroteca da Biblioteca Nacional - Rio de Janeiro/RJ

APOSTOLADO DA ORAÇÃO (1888)

Esta associação religiosa surgiu em 1844, no colégio da Companhia de Jesus dos Jesuítas na França. Apenas 44 anos passados, em 1888 foi fundada na igreja santista de Santo António do Valongo, dali se espalhando para todas as paróquias da cidade e cercanias. Ainda hoje está presente, principalmente nas festas da padroeira da Cidade e do orago da instituição.

Foram suas primeiras presidentes Amélia Rosa da Silva e Maria Carolina Hatschen, que em 1893 passou a presidência para Mariana Amberger; depois, duas integrantes do Apostolado, Mariana e Maria Gertrudes, foram as idealizadoras da igreja do Sagrado Coração de Jesus na Rua da Constituição, próxima do local onde a entidade se instalou (N.E.: na Rua Henrique Porchat, 45, em prédio para o qual obteve isenção do Imposto Predial em 13/7/1928).

Em julho de 1928 foi festejado no Valongo o jubileu do Apostolado da Oração, então presidido por Guisella C. Sousa. Novena, missa pela manhã e procissão a partir das 15 horas (animada pela banda do Corpo de Bombeiros), seguida de uma apreciada apresentação pública (pelas Filhas de Maria) de quadros sacros vivos, marcaram o domingo de 8 de julho, dia principal dos festejos.

Quando ocorreu a explosão do gasômetro em 1967, por morar próximo notei uma vizinha portuguesa correndo logo de manhã para ver o que havia ocorrido na igreja e dizia ela que apenas quebrara a mão da grande imagem, assim como correu à boca miúda na época que a venda ocorreu de forma furtiva quando um dos padres negociou o terreno aproveitando que o outro padre estava buscando recursos para restaurá-la. Tal imagem foi transferida para a sede do São Vicente de Paula e depois, nos anos 70, transferida em procissão tipo carreata, que acompanhei de bicicleta, para a nova igreja na Ponta da Praia (edificação que o mesmo padre, meio contrariado, dizia ser mais apropriada para um cinema do que igreja).

O benemérito João Octávio dos Santos deixou em testamento para o Apostolado a quantia de 5:000$000, o que pode indicar que ele foi membro dessa entidade.


Comemorações do Jubileu do Apostolado foram registradas na Imprensa santista
Publicado no jornal santtista A Tribuna em 11 de julho de 1928, página 5
Acervo na Hemeroteca da Biblioteca Nacional - Rio de Janeiro/RJ

CONGREGAÇÃO MARIANA DA ANUNCIAÇÃO (1916)

É o senhor Bruno Arena Inocêncio um membro desta instituição religiosa e cedeu gentilmente estas informações, começando com o fato de que foi fundada pelo jesuíta padre José Visconti, do Santuário do Coração de Jesus. A Congregação Mariana da Anunciação ostentava em Santos apenas o nome da instituição e não o titulo. Com a fundação de outros grupos, por ordem de data, temos:

01 - Igreja do Sagrado Coração de Jesus (em 1916). Congregação Mariana da Anunciação de Nossa Senhora e São Luiz Gonzaga.

02 - Paróquia de Santo António do Valongo (em 1929), com 18 jovens. Congregação Mariana Nossa Senhora da Conceição e São Geraldo Magella.

03 - Paróquia de São Paulo Apostolo (2018). Congregação Mariana Nossa Senhora de Fátima.

Existem outros grupos de congregados marianos, mas sem data conhecida de fundação:

04 - Catedral de Santos. Congregação Mariana Nossa Senhora Aparecida e São Paulo Apóstolo.

05 - Paróquia de Santo António do Embaré. Congregação Mariana Nossa Senhora Medianeira de Todas as Graças e Santo António.

06 - Paróquia do Imaculado Coração de Maria. Congregação Mariana Nossa Senhora Assunção e Beato Padre Antonio M. Claret.

07 - Paróquia de São José Operário. Congregação Mariana Nossa Senhora do Terço e São José.

08 - Paróquia Operários. (?) Congregação Mariana Nossa Senhora de Lourdes e São José.     

09 - Paróquia de Nossa Senhora Aparecida.

10 - Paróquia de Nossa Senhora da Pompéia.

11 - Instituto Dona Escolástica Rosa. Congregação Mariana Nossa Senhora da Conceição e São João Bosco.

12 – Capela de Nossa Senhora das Graças de Itapema. Congregação Mariana de Itapema.

Dessas associações religiosas, ainda existem os Congregados da Anunciação e de Fátima. A primeira delas começou a funcionar provisoriamente em um porão na Rua da Constituição e depois fizeram uma campanha com os corretores de café, empresários e comerciários, angariando fundos para a construção da sede e de uma escola conhecida como Santo Inácio, em 15 de novembro de 1921.

A escola funcionou no nº 370, até ser transferida para o nº 327 e ali esteve até 1981, no local que hoje seria entre os números 309 e 321, onde está o hotel, em frente da igreja do Sagrado Coração de Jesus. Era assim como me recordava dos tempos de criança, quando, após a missa das 9h00 e do catecismo, íamos brincar em duas gangorras, escorregador, carrossel e quatro balanços no fundo da instituição, de onde assistimos a demolição da igreja em 1967.            

Segundo informações contidas em jornais e confirmadas pelo membro da instituição, acabando o seu trabalho ali o prédio foi demolido ainda na década de 1970. Manteve-se o outro prédio - iniciado em 1941 no Gonzaga, denominado Escola Parque São Luiz - até meados de 1981, quando foi alugado e depois vendido pela metade do valor venal ao bispo Dom David para se tornar o salão paroquial e comunitário da Catedral, hoje conhecido como Casa João Paulo II, onde inclusive trabalharam em benemerência as irmãs Canocianas que estavam na nossa Matriz.

Existiram várias sedes dos congregados marianos que tinham esse cuidado. Uma delas é a sede da C. M. Anunciação. ao lado da nova igreja do Sagrado Coração de Jesus aberta em 1971 e que em 9 de junho de 1972 foi desmembrada da paróquia de Nossa Senhora Aparecida, tornando-se uma nova paróquia e funcionando precariamente nos serviços religiosos. Toda a função de templo ocorria no térreo, onde se casaram meus padrinhos Josefina Carballa Villar e Angelito 1975 enquanto ainda se erguia a construção que hoje é conhecida na Avenida Bartolomeu de Gusmão, foi aquela propriedade, também vendida logo depois de ser usada como pizzaria e bar.

Outra sede construída foi no terreno ao lado esquerdo da paróquia do Imaculado Coração de Maria onde os congregados promoveram festas, churrascadas e demais eventos para adquirir essa área e depois erguer seu prédio, sem precisar dispor das dependências da paróquia, e furtivamente foi negociado por um padre que viajou com o dinheiro para outra igreja de sua ordem, como reclama o senhor Luiz - que era Congregado na Igreja do Coração de Maria e andorista de Nossa Senhora do Monte Serrat de Santos.

PIA UNIÃO DAS FILHAS DE MARIA (1926)

A Associação Religiosa da Pia União das Filhas de Maria surgiu com Santa Catarina de Labouré quando, em 27 de novembro de 1830, Nossa Senhora apareceu e pediu que ela fundasse essa organização. Essa missão foi cumprida pelo abade Passeri, pároco da Igreja de Santa Inês em Roma, em 1864, com a devida aprovação do papa Pio IX.

Por esse motivo, onde houvesse esta associação, haveria também a imagem de Santa Inês, como exemplo, sendo esta a razão da presença dessa devoção em igrejas como Paróquia de São José Operário, Paróquia de Nossa Senhora da Pompeia, Paróquia Santo António do Valongo, Paróquia do Imaculado Coração de Maria, Paróquia de São Vicente Mártir.

O registro oficial da fundação de um grupo que compunha esta associação consta na Igreja de Santo António do Valongo, com data de abril de 1926. Temos raros registros em santinhos distribuídos por essas jovens e senhoras indicando sua presença como, por exemplo:
- 1926, dia 31 de maio, no Valongo.
- 1933, dia 21 de janeiro, na Catedral a festa de Santa Inês.
- 1938, (dia 31 de) maio, na Paróquia Imaculado Coração De Maria.
- 1942, na Igreja do Rosário dos Pretos.

Talvez por causa do título mariano, elas se uniram e realizaram uma missa festiva. na qual então o futuro padre José Cardoso decidiu seguir ao seminário e se tornar religioso, segundo sempre afirmou.

Na cidade de Santos sua presença pode se registrar de forma confiável no início do século XX devido às suas participações e aos santinhos remanescentes por elas distribuídos.

Devido ao número de membros, receberam por doação ou compraram uma casa na Avenida Conselheiro Nébias nº 722; haviam preservado o imóvel para abrigar até os últimos de seus membros que não tivessem família, mas não houve respeito pelo bispado a esse item das normas da instituição: as últimas cinco senhoras dessa associação, que ali permaneceram até meados dos anos 1980, foram retiradas do prédio pelo bispo Dom David Picão. Este religioso vendeu o imóvel para o grupo de instrução Objetivo, sendo ali instalado o Cursinho Joaquim Nabuco, depois o Colégio Objetivo, a Faculdade de Tecnologia e Processamento de Dados do Litoral (FTPDL) e a Universidade Paulista/Unip. O o dinheiro obtido com essa venda malfadada foi pelo bispo usado na Universidade Católica de Santos (Unisantos), cujo prédio foi demoliu mais tarde.

Ali, a associação religiosa mantinha uma simples e improvisada capela com as imagens de Nossa Senhora de Lourdes, Menino Jesus de Praha e do Sagrado Coração de Jesus, onde rezavam as senhoras abrigadas, que mal podiam se locomover. Quando as cinco remanescentes da instituição Pia União das Filhas de Maria foram transferidas para outra instituição, suas imagens e os livros da biblioteca - alguns do século XIX, como os quatro tomos do Ano Cristão - foram levados para o Museu de Arte Sacra de Santos e - como toda a biblioteca que ali existia, têm seu paradeiro atualmente ignorado.

As Filhas de Maria possuíam um grande estandarte com Nossa Senhora da Conceição tendo palmeiras bordadas de um lado e do outro uma estrela lançando um facho de luz do céu, algo referente ao seu hino, e tomavam parte nas procissões com véu branco, roupas recatadas e fita azul com o medalhão semelhante ao que Santa Maria Gorete recebeu no Hospital.

Devido ao Concílio Vaticano II, a importância que existia com essa instituição foi deixada de lado e não foi mais incentivado o ingresso de novos membros na instituição.

LIGA DE SANTO ANTÓNIO DO EMBARÉ (1935)

Foi essa associação fundada em 13 de junho de 1935 na igreja que tem o título de basílica. Seu estatuto foi aprovado em 29 de abril de 1936, pelo superior regional, frade capuchinho frei Manuel Serenhano, e pelo bispo diocesano, Dom Paulo. Sua missão era realizar a festa e o culto ao orago e promover obras de caridade, como assim o fizeram por muitos anos. Foram às senhoras desta Liga que produziram de forma artesanal os lírios e copos de leite em tecido para serem vendidos por preço módico aos fiéis no dia da festa, como recordação, sempre portando uma mensagem do santo português. Até hoje, ainda existe essa manufatura, mas em menor escala.

Foi responsabilidade da Liga, com o auxílio do povo devoto, o custeio para o monumento de Santo António colocado defronte ao templo cristão, em 14 de outubro de 1956, evocando o milagre dos peixes. Detalhe é que esses peixes, feitos de bronze, foram todos furtados, permanecendo só a imagem do santo casamenteiro - que também é alvo de brincadeiras conforme a posição em que o admirem.

Usavam os membros por identificação uma fita marrom com a medalha em forma de cruz pendente, recordando-se que o formato dessa cruz se assemelha ao símbolo do grão-vizir da antiga Suméria, pois as cruzes fazem parte de várias culturas através dos tempos, apenas depois do evento do cristianismo passou a representar a Redenção que nela se passou.

Uma imagem de Santo António, esculpido em madeira pelo artista Escópuli, ainda é usada em procissão, mas registra-se que os bombeiros haviam presenteado um carrinho de metal com quatro rodas munidas de pneus, no qual era transportado pelas ruas o padroeiro do bairro do Embaré. Esse carrinho era todo adornado com flores e lírios brancos além de possuir uma armação de metal em estilo neogótico com pequenas lâmpadas; também era todo cercado de um cortinado de veludo, depois se usando um novo feito em madeira.

Porém, um frade simplesmente o deu a um carreteiro de ferro-velho que, mais à frente, por qualquer quantia o vendeu. Assim, a peça acabou servindo ao transporte de comida de porcos em uma pocilga.

Possuía também a Liga enorme estandarte feito à moda antiga, com veludo e tendo no seu interior pano de saca usada no transporte de café. Essa particularidade dos estandartes antigos do litoral os deixava imunes às investidas do vento, mantendo-os sempre abertos, mas por outro lado pesavam bastante. Por muitos anos (de 1985 até cerca de 2003) levei essa bandeira, que não tem sido mais usada.

Pelo Embaré passaram muitos frades, uns deixando história, outros saudades e outros ações menos louváveis como o pároco; justamente por isso, por volta de 2008 a Liga foi suspensa, sendo essa a triste marca deixada por esse frade sem muita ligação com nossa cidade e suas tradições.

Existem menções de uma irmandade de Santo António que funcionou na época da viscondessa do Embaré, mas no início do século XX ela deixou de existir, por razões que serão um dia aclaradas.


Inscrição de Mariah de Castro Pereira como associada da Liga de Santo Antonio, em 11 de junho de 1939
Reprodução cedida a Novo Milênio pelo prof. Francisco Carballa, em 17 de maio de 2017

VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO DO EMBARÉ (1937)

Foi a ordem fundada ou ereta em 18 abril de 1937. Os terceiros tiveram suas regras reconhecidas pelo bispado em 24 de novembro de 1938, quando passou a ter respaldo jurídico. Mas, como todas ordens assim intituladas pararam de usar a túnica negra com o cordão e terço que os distinguiam. Suas regras e compromisso são semelhantes às da mesma Ordem Terceira do Valongo.

Não possuíram quadra para inumações no cemitério do Paquetá, pelo mesmo estar todo ocupado e alargado até os fundos, passando da capela.

CONFRARIA DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA (1946)

A Confraria de Nossa Senhora de Fátima da Catedral de Santos foi ereta em 1946 pela grande quantidade de portugueses existentes na cidade. Até a reforma do calendário brasileiro, o dia 13 de maio era feriado. Assim, a procissão de Nossa Senhora de Fátima da Catedral era muito tradicional na cidade de Santos, havendo um tríduo e no dia principal a festa.

Nossa Senhora era colocada em uma carrocinha dessas que ainda hoje se usam no ferro velho. Contava o maestro Oscar, da Banda Carlos Gomes, que antigamente a carrocinha era puxada por um cavalo branco adornado com flores e penacho na cabeça; no meu tempo já eram pessoas puxando a peça.

Havia uma espécie de base colocada no carrinho, sobre a qual a Virgem ficava em seu arco de luz, o andor ricamente adornado com flores do tipo mosquito, crisântemos delicados e rosas e palmas cor-de-rosa; duas fitas enormes de tafetá chamalote na cor azul pendiam da Virgem até o povo, que as beijava com devoção.

Ficava em frente à capela, onde a Senhora fica o ano inteiro esperando para atender as orações dos filhos de Deus; no dia da festa, Nossa Senhora usava em suas mãos um rosário de ouro e outro de prata e, no lugar da coroa de filigrana portuguesa feita de prata, usava uma coroa de ouro, guardada pelo provedor, o senhor Vicente Mateus, natural de Portugal.

Ocorria um tríduo antes do dia da festa; depois de cada dia de oração, era servido um lanche à moda antiga para os devotos, no consistório da Irmandade de Nossa Senhora do Amparo, com salgadinhos, doces, refrescos e copinhos com vinho do Porto para os adultos.

No dia da festa, depois da missa das 18 horas, saía o cortejo esperado pela população, que aguardava sentada nas escadarias do Fórum e na Rua Braz Cubas, totalmente iluminadas por cordões de lâmpadas dos dois lados e repletas de cristãos.

A Banda Carlos Gomes, ao ouvir os sinos da Catedral, começava a executar o hino Ave da Azinheira. Logo o senhor Basílio (apelidado de Turco) começava a cantar a música em seu tradicional megafone, carregado por três pessoas; diante da procissão ia o cruciferário ladeado por duas lanternas de procissão, sendo todos confrades com suas opas brancas; seguia-se a fila de homens e mulheres portando os veleiros processionais na cor branca, que era a oficial da Confraria de Nossa Senhora de Fátima da Catedral de Santos.

Vinham então o grande estandarte e o Rancho Português do Verde Gaio (do Centro Português de Santos), tendo seus componentes vestidos à moda de Viana do Castelo (as mulheres com seus trajes coloridos e floridos e os homens com camisas bordadas em ponto cruz, colete, terno e chapéu lusitano); o clero com o bispo dom David Picão vestindo sua capa de asperge, na frente da carrocinha que, para descer as escadarias do templo, era sustentada por uma leva de senhores que ajudavam a baixá-la sobre duas ripas de madeira nos degraus. A banda fechava a procissão, seguida pelo povo.

O percurso tradicional era Praça José Bonifácio, Avenida São Francisco (de Paula), Avenida Conselheiro Nébias, canal de Campos Sales, Avenida Senador Feijó ladeando a praça e voltando à Catedral, onde a procissão era recebida pelo repicar festivo dos sinos.

Em meados dos anos 1970, a procissão passou a seguir pela Rua Marechal Pêgo Júnior para encurtar o percurso, e no nº 125, onde havia uma antiga residência com a frente reconstruída desde a explosão do gasômetro, estava sempre um lindo tapete de flores feito com pétalas brancas, rosas e palmas brancas esperando a passagem da Virgem Maria, preparado pela família do senhor Américo, que ali residia.

Com o fim do feriado do dia 13 de maio, a procissão passou a ser feita no domingo mais próximo do dia, mas aos poucos foi deixado o uso da carrocinha, dos veleiros, da banda e finalmente ficou muito simplificada, bem mais ao gosto minimalista de algumas pessoas.

Vale recordar que quando recebemos a visita de Nossa Senhora vinda de Portugal, a imagem lusitana ficou no altar de Nossa Senhora do Amparo, ocupando o nicho central, sendo colocada na famosa carrocinha para sair na procissão; naquele dia, os vários grupos folclóricos ficaram ali ostentando flâmulas e bandeiras, entre elas as de Portugal e do Brasil; após a procissão, a enorme fita de tafetá chamalote azul era esticada e as pessoas beijavam a mesma, sem poder se achegar ao andor.

No dia 14 de maio, todas as flores do andor eram retiradas, após uma missa da confraria pela manhã, sendo distribuídas aos devotos. A imagem da Senhora era retirada com muita cautela e solenidade e recolocada no nicho do altar, onde ficaria até o ano seguinte.

Contavam os confrades que o andor teria pertencido à Irmandade de Nossa Senhora do Amparo, e talvez isso explique o seu formato característico do século XIX, com seus artísticos entalhes.

Havia uma missa compromissal pelas manhãs de todo dia 13 de cada mês nessa capela, para os confrades e devotos. Já nos últimos anos, o andor de Santo António de Pádua passou a fazer parte da procissão e a Virgem não foi mais levada em sua carrocinha e sim em uma caminhonete, quando não no carro de bombeiros, e finalmente nos ombros dos seus devotos.

Devido à decadência do bairro, as pessoas preferem acompanhar essa festa no Bairro do Santa Maria, onde existe uma igreja dedicada à Senhora, na paróquia de Nossa Senhora Aparecida, com a festa dos romeiros do cais do porto de Santos ou em outras igrejas que realizam a comemoração, o que vem determinando o fim da festa da Catedral.

Em 1972, recordo que enquanto a banda tocava o Ave Mãe Celestial, minha irmã tropeçou em uma macumba com frango na esquina da Rua Sete de Setembro com a Av. Conselheiro Nébias, para riso de muita gente e assombro dela. Algumas senhoras negras e morenas da confraria participaram da Segunda Grande Guerra, motivo pelo qual desfilavam com orgulho no dia 7 de setembro naquele grupo e também na Escola de Samba X9 na ala das baianas; não eram de falar muito, ficavam separadas em grupo, sérias na igreja e sempre rezando seus terços.

Cantavam rindo uma curiosa paródia do Hino Nacional: “Laranja da china, laranja da china, laranja da china,/ caqui abacate abacaxi, /quando eu morrer me enterre numa cova bem funda,/ pro urubu não vir bicar a minha...........” e assim ia o hino, só não sei se o aprenderam na Itália ou Brasil.

Em 1995 passou a tomar parte no cortejo a imagem de Santo António de Pádua, devido ao Ano Antoniano, até o final da festa, saindo pela última vez em 2004 e sendo a irmandade extinta pelo pároco em 2017 devido a pendengas de sacristia entre ele e as demais irmandades da Catedral.

Em 2019, depois de 15 anos, voltou a ser realizada a festa com o seu pesado andor (apelidado de “Bolo de Noiva”)m que foi repintado de branco e assim conduzido por dentro do templo devido às chuvas que ocorreram no dia da festividade de 19 de maio de 2019 sendo o terceiro domingo de maio como se passou a realizar a mesma para não confrontar o Dia das Mães e outras festividades locais.

ADORAÇÃO PERPÉTUA (1956)

A obra diocesana da Adoração Perpétua do Convento do Carmo de Santos foi ereta em 1956 e muito frequentada enquanto o bairro do Centro não ficou totalmente deserto de moradores.

Durante a exposição do Santíssimo, a eucaristia era deixada na grande custódia e por vezes era colocada na frente da mesma uma pequena bandeira, toda bordada com delicadas flores pelo frei Rafael (que era exímio bordador); assim evitava profanações diárias que poderiam ocorrer se fosse velado por esse pequeno estandarte retirado algumas horas antes ou poucos minutos antes de se realizar a benção diária do Santíssimo.

Era marcado para cada membro um horário para ficar em prece constante, para isso havia atrás da porta de acesso ao claustro uma pequena caixa onde ficava a ficha de cada uma das pessoas que se propunham a fazer guarda para Nosso Senhor. No passado, isso começava muito cedo; com o tempo, começou a ser das 8h00 até as 18h00, quando era retirado o Santíssimo Sacramento da custódia no nicho do retábulo e levado até o altar onde havia o Tantum Ergo, cantado em latim e outras vezes em português; depois, a benção diária era seguida de missa, ficando assim os adoradores de Jesus Eucarístico livres de fazer a guarda devida por não estar mais exposto.

Foi em um desses momentos que Dona Conceição passou pela mística experiência que a levou a custear a construção da capela do Senhor dos Passos [08].

IRMANDADE DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO SÃO JUDAS TADEU (1963)

Foi fundada algum tempo depois da igreja ter iniciado sua construção. Nesta época, foi relegada ao grande retângulo formado pela entrada da atual igreja, onde se via o altar mor do lado esquerdo, passando-se na frente do orago e depois de removida a estrutura se passava pelo lado de trás da grande imagem.

A irmandade foi responsável pelas cerimônias das quais tomou parte na Semana Santa, em Corpus Christis e São Judas Tadeu. Hoje, com outros movimentos atuando na paróquia, esta irmandade ficou relegada a segundo plano, mas ainda toma parte nas festas com suas opas e veleiros.

Da listagem de provedores temos:

01 - Pedro Rodriguez - de 1962 até 15 de fevereiro de 1971
02 - Wilson José Martins - de 1971 a 3 de novembro de 1974
03 - José Oliveira - de 1974 a agosto de 1979
04 - Eugênio Ferreira Frasão - de setembro de 1979 a novembro de 1984
05 - José Fernandes Pereira - de dezembro de 1984 a fevereiro de 1995
06 - Luiz Pereira do Nascimento - de março de 1995 a dezembro de 2002
07 - Maria Rosa Severo da Costa - de janeiro de 2003 a março de 2006
08 - Luiz Pereira do Nascimento - de abril de 2006 a fevereiro de 2008
09 - Luiz Pereira do Nascimento - de março de 2008 a fevereiro de 2010
10 - Luiz Pereira do Nascimento - de março de 2010 até atualmente

OFICINAS DE CARIDADE DE SANTA RITA 1976

O culto dessa santa teve inicio na região central santista, na Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, segundo afirmava frei Rafael Marinho da O.C. (Ordem do Carmo), dizendo que era uma imagem de roca que havia em um altar no lado esquerdo da igreja.

Em 1901 o padre Salvador Font, da ordem dos Agostinianos, fundou a Sociedade das Obras de Caridade de Santa Rita, que se difundiu pela França e Itália e chegou a São Paulo como um desmembramento da associação existente na capital e de lá, em 1976, vindo para Santos com o apoio do padre António Olivieri (falecido em 7 de outubro de 2002) onde ficou conhecida como Oficinas de Caridade de Santa Rita, ocupadas em socorrer pobres para que se ocupam na confecção roupas e adquirir outros itens para os desvalidos, em sua sede na Rua Xavier Pinheiro nº 238.

No início, junto ao padre Antônio se acolhiam moças gestantes abandonadas, mas com a ação da Ordem da Toca de Assis passaram a acudir idosos abandonados, tendo sempre a assistência do bispo emérito Dom Manuel Pestana. Passou a ser na Catedral a festa de Santa Rita de Cássia (mas sem procissão), motivo pelo qual sua capela, curada pelos capuchinhos do Embaré, atrai muitos devotos que antes frequentavam a Catedral.

Recordo que o padre António Olivieri, que dava o apoio espiritual a esse grupo, uma vez disse na missa das Oficinas: "Vamos fazer uma capelinha para Santa Rita?" O povo, reunido como em grande hoste, respondeu: "Sim" - e a capela hoje está feita.

No dia da santa, a missa festiva ainda é realizada, mas com menor público; as pessoas levam rosas para serem abençoadas e distribuídas, havendo uma troca em que o cristão leva rosas e ganha outras, sendo todas abençoadas pelo sacerdote e tornando-se um sacramental (algo que porta uma benção).

Nesse dia se reuniam às senhoras devotadas à caridade de Santa Rita, com cores distintas nas fitas que usavam (fitas vermelhas com a medalha pendente para todas as mulheres que ingressavam e fitas roxas para as viúvas).

Um dos carismas delas é o local de costura de roupas para doação, o amparo aos velhos abandonados e possuírem um bazar de pechinchas muito procurado por ter roupas e calçados baratos. Passaram há muitos anos a realizar uma festa na Catedral, dia 22 de maio, dedicada à Santa dos Impossíveis, não sabendo se é anterior ou posterior ao ano de 1976: havia tal missa, mas sempre foi promovida pela Associação das Oficinas de Caridade de Santa Rita de Cássia, que tem sede na casa conhecida como Centro de Recuperação Dona Adelaide, na Rua Xavier Pinheiro, 238, na Vila Matias.

Ali está o espaço que - com a morte do bom padre - foi cedido para a Toca de Assis continuar a obra de padre António Olivieri, que ali instalou um lugar para acolher mães solteiras abandonadas nas ruas (hoje são acolhidos os idosos).

A santa era colocada em um altar improvisado perto da capela do Santíssimo Sacramento, agora fica no presbitério ao lado direito e a missa não é tão concorrida, pois a santa tem capela na Rua Nabuco de Araujo, 51 e o povo prefere o local por ser bairro residencial, havendo tríduo preparatório, procissão e quermesse.

ASSOCIAÇÃO DAS TEREZITAS

Não tenho referência sobre o surgimento desta associação religiosa que existiu no Convento do Carmo de Santos, sendo quase certo que foi organizada depois de 1925 quando foi oficialmente canonizada (ou reconhecida com o título de Santa), mas nunca me deram maiores informações por mais que eu perguntasse sobre sua origem.

Seu culto se popularizou e foi bem difundido pelo Brasil e na cidade de Santos ganhou até capela e seu nome passou a identificar um dos morros.

Essa associação das Terezitas é um grupo de mulheres que usam roupas comuns e uma fita ao pescoço na cor marrom e branca com a medalha da Santa francesa, sendo que nos anos 90 frei Rafael concedeu à diretora da associação uma relíquia de Santa Terezinha de Liseux. Eram as responsáveis pela missa festiva dedicada à sua oraga e a distribuição de rosas cor de rosa aos devotos, além de entoarem o hino 'Do teu belo jardim Terezinha', acompanhadas pela comunidade.

No dia dedicado à santa ou mensalmente havia a missa e o altar estava bem adornado.

Também participavam na organização da festa que ocorria na paróquia de São Paulo Apóstolo, culminando com a procissão, já que a capela do morro de Santa Terezinha sempre foi inacessível e estava quase sempre fechada.


Coroa de ouro e broche, com esmeraldas, de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém. Levada para a Cúria Diocesana antes da pandemia de Covid-19
Foto: Francisco Carballa, cedida a Novo Milênio em 30/8/2019

IRMANDADES DAS CIDADES VIZINHAS

IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE ITANHAÉM (1533)

Aqui cito uma Irmandade da qual sou membro há muitos anos, está em uma cidade próxima de Santos e como as nossas tem sua origem na colonização, sendo a primeira no Brasil com esse título.

Ereta, segundo a informação disponível, em 1553 - ano em que encomendaram a imagem da oraga para ocupar o altar da igreja (sediada no outeiro do Itaguaçú). A capela passou por várias modificações, sendo a igreja curada pelos jesuítas, franciscanos e finalmente os seculares, tendo as irmãs de Jesus Cristo Sacerdote ali presentes desde a década de 1970 até o final dos anos 1990.

Foi fundado o convento ao lado da igrejinha em 1654 e entregue para ser curado pelos franciscanos que se serviam, junto com o povo, de 83 degraus para acesso ao seu topo, até 1752. Depois do incêndio de 1833, a irmandade de Nossa Senhora da Conceição tomou posse do prédio (em 1862).

A imagem da Virgem Santíssima foi motivo de calorosas pregações por parte do nosso apóstolo do Brasil, padre São José de Anchieta, não raro com informações de milagres, inclusive da forma como foi levada para lá, sendo uma imagem de 1560 fundida em São Vicente pelo artista João Gonçalo Fernandes quando estava preso e esperando seu enforcamento. Ele fez três imagens, uma delas a da santa; próximo da condenação, veio o esclarecimento e a libertação, assim quem a transporta para seu destino é outro homem de nome João Gonçalves. Há outras curiosidades:

1 – A liberdade e privação da forca de seu fundidor João Gonçalo Fernandes foi por ele considerada um milagre de salvação da sua vida.

2 - No momento de ser levada por João Gonçalves para sua santa morada houve um equivoco nas caixas e justamente a imagem de Nossa Senhora da Graça foi para lá e a imagem de Nossa Senhora da Conceição ficou em São Vicente, venerada como Nossa Senhora da Assunção, na igreja que hoje se chama de Matriz de São Vicente Mártir.

3 - Ainda tem a história sobrenatural do próprio devoto que a levou até lá e após subir a encosta acabou por adormecer encostado às paredes do templo e foi acordado por um sacerdote que o atendeu, ao qual lhe disse que tivera um sonho onde via um enterro trazendo um esquife. Ao indagar quem levavam, disseram o nome dele. Acabou se confessando e finalmente ali faleceu, sendo inumado. Na hora em que tiraram a santa imagem do seu embrulho se depararam com a Senhora com o Divino Infante no colo. Ao que se sabe, pela proximidade da festa de 8 de dezembro, teriam usado essa imagem neste evento, como era comum por todo o Brasil.

4 - Tentaram mandar vir outra do Reino, mas a embarcação foi interceptada por piratas; os marinheiros jogaram toda a carga sacra no mar e lá se foi a imagem da Senhora e em outra caixa a famosa imagem que acabou sendo vista por Ilhabela sendo anunciado de forma milagrosa o toque da Garapocáia ou Pedra do Sino, encalhando em 1647 onde hoje é Iguape.

5 - Outra tentativa de trazer uma imagem do Reino no século XVII causou a perda da mesma para a população do Porto, de onde o navio não conseguia sair devido a tempestades; assim os cristãos a levaram festivamente para sua igreja.

6 - Inconformado, um sacerdote tira a Virgem de seu nicho e está pronto para serrar o Menino, transformando aquela imagem religiosa, quando é atacado por espasmos. Algumas pessoas que contavam esse fato mostravam existir um dano em um dos dedos da imagem, finalmente permaneceu representando a Divina Senhora por quatro séculos naquele local.

7 – Em 1610, o padre Banhos da Companhia de Jesus, foi curado nessa igreja após 20 anos de enfermidade.

8 – Também foi nessa igreja que ocorreu em 1563 o armistício entre os Tamoios e os Tupys, trazendo a paz a toda a região.

9 – Todos os que ousam tirar a efígie santa de seu nicho sempre encontram problemas relacionados aos seus próprios erros. Fica assim o aviso: apenas quem a colocava no andor para a procissão seria abençoado, mas quem a tirava por outros motivos seria punido por Deus.

Temos o histórico de - quando deixou de curar a igreja - a ordem dos franciscanos levou coroa, broche e demais joias de ouro da Virgem Maria, mas o povo caiçara os interceptou próximo da ponte e lhes exigiu as joias da Senhora protetora de Itanhaém: essa coroa foi recentemente levada para ficar em poder do Bispado.

Entre seus mesários consta o nome importante de Benedito Calixto, o famoso pintor. A irmandade não tem um estudo demonstrando que, como outras igrejas serviu algum dia para inumações de seus fiéis [09]. Aliás, apesar da menção de ter sido sepultado pelos frades o próprio devoto que em 1560 levou a imagem da Santa para essa igreja, não é conhecido o local para onde os esquifes eram levados e ficavam esperando na sacristia o próximo transportado, como se dizia.

Quando foi fundado o cemitério público de Itanhaém foi reservado em doação para aquela irmandade do terreno para seus sepultamentos, mas nunca foi feita a demarcação de uma quadra específica para a inumação de seus membros, visto haver ali famílias tradicionais com suas tumbas presentes nesse campo santo - que para a cidade já é pequeno.

Esta irmandade tem opas feitas em tecido de tafetá branco, com museta azul escura e medalhão oval em tecido para adicionar o broche que ainda é usado; as mulheres usam musseta de cor igual, os veleiros tem esparmacetes trabalhados e cabo branco. Seu provedor, Fellipe Moscatello, enfrenta dificuldades para preservar esse patrimônio paulista e brasileiro.

IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA DO GUARUJÁ (1975)

Sediada na Matriz de Guarujá, é a responsável pela festa da padroeira e assim se vê sua presença na novena e procissão. Seus membros usam opa branca com gola azul clara e pingente amarelo, as mulheres usam musseta da mesma cor, não possuem veleiros de mão e se os possuíram já se perderam.

Organizam há muitos anos a festa da padroeira no ultimo domingo do mês de maio; antes na procissão, tomavam parte os andores de Santo Amaro (o padroeiro da cidade) e Santo António. Em alguns anos era usado um andor com a forma de barco onde era levada Nossa Senhora Aparecida, antecedida de crianças vestidas à moda de Viana do Castelo, com uma grande rede onde se viam os peixes artificiais.

Depois do sacro cortejo, o curioso andor (que recordava, ao ser fechado, uma mesa de baiana), com seu arco de luzes, se vê ainda as três crianças santificadas aos pés da Santíssima, ficava no lado esquerdo do palanque e ali havia a coroação da Virgem Maria por crianças vestidas de anjo.

Essa festa era realizada regularmente antes de a irmandade ser oficializada. Prova disso é o antigo estandarte (vindo de Portugal) que receberam como doação, onde se lê em seu verso 'Oferta dos Mordomos - 1968'.

No final da década de 1980, essa bandeira foi levada por menores e deixada na bica que existe na entrada da cidade pela via que parte do ferry-boat. Em decorrência da umidade nesse local, sua pintura foi estragada.

Na época, o provedor falou comigo e lhe passei o endereço do artista plástico Vicente Ferreira Neto (falecido em janeiro de 2019); trouxeram o estandarte à residência dele para uma avaliação, mas o provedor recusou pagar o valor orçado para o restauro. Quando alguém despreparado se ofereceu para fazer o trabalho, acabou apenas aplicando tinta branca sobre a parte danificada, tampando a cena das crianças e o cenário e refazendo o corpo de Nossa Senhora, que ficou grosseiramente disforme.  

Um membro da irmandade, Caio Cesar, fez contato comigo e explicou o problema. Recorrendo-se às minhas fotos da década de 1980 - foi possível recuperar a peça no final de abril de 2017, cabendo tal tarefa ao professor e artista plástico José Marques de O. Neto, que restaurou a figura com a máxima exatidão possível, fazendo com que recobrasse sua beleza primitiva.


O estandarte da padroeira de Guarujá, em maio de 1988
Foto: Francisco Carballa

IRMANDADE DE SÃO BENEDITO DE ITANHAÉM

Hoje está extinta, não havendo nenhuma referência sua, a não ser a imagem do padroeiro que teria vindo da Itália no século XVIII, um estandarte processional ainda conservado no convento e fotos da festa que ocorria no dia 27 de dezembro.


NOTAS:

[01] Os dois nomes dessas associações sacras têm a mesma finalidade no caso ao que representam um grupo religioso: IRMANDADE já tem a finalidade dessa comunidade viver em paz, na mesma comunhão; CONFRARIA é um associação com fins religiosos, de pessoas que têm o mesmo pensamento ou devoção, unidas pelo mesmo pensamento.

[02] É a única irmandade que tem a data de fundação oficial, devido a ter registros e reconhecimento em Portugal quando Braz Cubas trouxe o seu Compromisso, semelhante ao de Lisboa.

[03] – Muitas irmandades tinham em seu Compromisso um item especificando que, ao seu fim, deveria ser seu patrimônio repartido entre as irmandades existentes. Mas isso foi ignorado ou desconhecido por alguns clérigos.

[04] - A Procissão dos Ossos, conforme foi apelidada, está no Compromisso da Irmandade da Misericórdia trazido por Braz Cubas, sendo o nome alcunhado no Rio de Janeiro, onde também ocorria. Como em todos os locais onde houvesse os irmãos da Misericórdia e seu hospital, no dia 1º de novembro iam encapuzados como farricocos (possivelmente devido ao mau cheiro) buscar os restos mortais dos enforcados ali presentes desde o dia 2 de novembro do ano anterior. Dizia-se que em Santos havia um tumulo na entrada da Igreja de São Francisco de Paula onde se via desgastado, entalhado na pedra, o nó da forca, sem detalhe sobre estar em alto ou baixo relevo. Segundo a informação do senhor Clovis Farias Benedito de Almeida (falecido em 2015), que frequentou a capela, estava essa lápide partida, o que indica que seu conteúdo há muito fora removido para o cemitério público e assim não se usava mais por não haver mais enforcamentos no Brasil: esse cortejo desapareceu por não ser mais necessário.

[05] A mesma Virgem tem um diadema sobre a cabeça e características de imagem italiana ou espanhola: possuía um par de brincos muito antigos dourados que pareciam ser de ouro com formato biconvexo, como se pode ver em antigas fotos. Existia um curioso encaixe nas orelhas, diziam os mais velhos que fora uma irmã negra alforriada que lh'os presenteou, não se sabendo se seria uma nativa chamada de negra da terra ou uma africana chamada negra da Mina, apenas que isso foi depois de 1652. Porém, o clérigo responsável pela Catedral os retirou cerca do ano 2010, depois de estarem ali desde tempos antigos.

[06] Falava muito e de forma saudosa sobre essa capela o senhor Clóvis Farias Benedito de Almeida (falecido em 2015), membro da Irmandade de São Benedito e seu devoto. Ele descrevia como sendo pequena, no fundo das casas, em um enorme quintal com bananeiras, com uma única porta neoclássica cuja bandeira tinha uma cruz; sua fachada era terminada em forma de triângulo encimado por uma cruz onde um português mandou colocar a figura do Divino Espírito Santo descendo do céu. Dentro, havia uma pequena imagem de São Benedito que ainda está mantida nas dependências da irmandade; uma imagem de São Roque (que chegou a ser venerado na Igreja de Santa Cruz) e uma imagem de Santo Onofre com uma cornucópia nos pés (símbolo de fartura e protetor das meretrizes que ali acorriam para rezar). Ainda se conservam fotos da lateral dessa capela, seu altar móvel em dia de festa, e do quintal. Se um dia pensaram em fazer ali uma igreja, o projeto não foi adiante.

[07] – A devoção da Virgem da Boa Morte, foi divulgada pelos jesuítas por todo o Brasil inclusive em São Paulo tem a igreja com este nome, mas antes de constituírem igreja, ocorreu uma investigação pelas autoridades durante a expulsão dos padres da companhia de Jesus e os confrades mostraram apenas as orações às quais faziam para Nossa Senhora diariamente e uma vez explicadas, assim permaneceram ali em paz, por algum motivo as irmandades da Senhora da Boa Morte figuravam entre as irmandades de homens negros.

[08] – Ocorre que uma senhora portuguesa muito devota (dona Conceição, membro da Adoração Perpétua) lá estava mergulhada em preces na hora em que a igreja ficava fechada e escutou alguém dizer com uma voz diferente das que conhecia:
- Eu quero ir lá para baixo!

Olhou para um lado e outro e voltou às suas preces; novamente a voz, mais forte:
- Eu quero ir lá para baixo! Depois de averiguar nos dois confessionários e no claustro, voltou à sua prece e desta vez o apelo foi mais alto. Direcionando o olhar para o coro, escutou a voz vindo dele:
- Eu quero ir lá para baixo!
Em desespero, chamou frei Rafael - que descansava após o almoço - e lhe contou a história. Crédulo, permitiu que a capela fosse feita às expensas de dona Conceição e a imagem fosse trazida para baixo, como está até o momento.

[09] Todas as igrejas cristãs eram locais de inumações até que na Europa pararam de fazê-lo e posteriormente isso aconteceu em outros países por questões de higiene, do mau cheiro da decomposição dos cadáveres - que chega a causar enfermidades, entre outros problemas. Assim, em 1851 foi feito um cemitério público no Rio de Janeiro por ordem do imperador e foi entendido que isso se aplicaria a todo o Império, com os devidos protestos dos padres e provedores de irmandades, que muito lucravam com isso - coisa que não mudou quando se constituíram os cemitérios públicos.


BIBLIOGRAFIA:

 Atas da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos - 1898/1924.
 Jornal 'A Tribuna' em 26/1/1939, 3/3/1925, 1/9/1945, 31/12/1978, 2/1/1981, 2-3/1/1982, 18/2/1998, 12/2/2009.
 ÁLVARO, Guilherme – A Campanha Sanitária de Santos – 1919
 BARBOSA, Gino Caldatto - Santos e seus Arrabaldes - fotos do álbum de Militão Augusto de Azevedo - Magma Cultural e Editora Ltda  - 2004
 CALIXTO DE JESUS, Benedito – A Villa de Itanhaém – Santos - 1895
 COARACY, Vivaldo – Memórias da Cidade do Rio de Janeiro – Livraria José Olympio Editora - 1965 – vol. 3.
 FRANCO, Jaime - Santos Noutros Tempos - 1953 - págs. 226/227
 LEMOS, Carlos A. C.; MARINO, João; MOUTINHO, José Geraldo Nogueira - O Museu de Arte Sacra de São Paulo - Banco Safra S.A. – 1983.
 PIMENTEL Mendes, Carlos – Jornal Eletrônico Novo Milênio (novomilenio.inf.br).
 PROMESSA, João Luiz - Reminiscências de Santos - 1543-1870.
 SANTOS, Francisco Martins – Lendas e Tradições de uma velha cidade do Brasil – 1940 – Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais SP.
 SOBRINHO, Costa e Silva – Santos Noutros Tempos - 1953.
 SOUSA, Alberto – Os Andradas – 1922 – Tomo Iº.
 Museu de Arte Sacra de Santos.
 Pesquisa com famílias ligadas às irmandades ou que as frequentavam.
 Pesquisas de campo.
 Site na Web da Diocese de Santos (diocesedesantos.com.br).


Duas custódias da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição ou da Matriz de Itanhaém, uma do século XVI com cálice e relicário da hóstia e outra mais popular, do século XVIII, ambas atualmente consideradas como desaparecidas
Foto: Francisco Carballa, cedida a Novo Milênio em 30/8/2019

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