Igreja Matriz de São Vicente Mártir, em 1979
Foto publicada no periódico vicentino S. Vicente Jornal em 21 de janeiro de 1979
Matriz de S. Vicente Mártir do Litoral Paulista
Sempre que participei da procissão do padroeiro [01] da cidade vizinha de Santos, ouvia das pessoas, daqueles longevos anos 1970, histórias sobre a igreja e suas imagens ali existentes, algumas ainda conservadas e outras já
desaparecidas.
É São Vicente o cristão mártir pelo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo no ano 305 d. C, em Saragoça, Espanha onde era diácono, seu nome em latim é Vicentibus
e se traduz como Vitorioso ou Vencedor. Por algum motivo aqui se recebeu esse nome, seja por algum devoto ou sendo os primeiros moradores de algum povoado ou cidade onde é orago na Europa ou simplesmente por ser o dia em que a pessoa
que deu esse nome aqui chegou.
Do martírio do Santo até o século XIV temos então um monte de referências pesquisadas pelo senhor Armando Areias
[02].
1343 – Antes dessa data, o navegador Sancho Brandam chega ao Brasil, que julga ser uma terra equivocadamente chamada de ilha e leva pra Europa o pau-brasil que dará nome ao local, que passará a figurar em mapas.
1360 – Mapa Mundi de Ranulf Nyggeder que se conserva no British Museum da Inglaterra onde se
assinala a posição da Insula Brasil.
1375 – O rei da França, Carlos V, manda ao Vaticano um cartógrafo de máxima capacidade e confiança para essa missão que faz uma cópia desse mapa.
1436 – Mapa de Andréia Bianco insinua em uma inscrição que tal ilha está a cerca de 500 milhas imprecisas do Cabo Verde.
1448 – É uma cópia desse mapa.
1476 - Em outro mapa da Universidade de Genebra, feito por Andreas Beni Casas, podemos ler as mesmas informações.
Mostrou nessa pesquisa o senhor Armando, que a existência da Ilha do Pau Brasa ou Insula de Brandam é mais antiga do que se pensa, seja pela falta de pesquisa ou acomodação dos responsáveis por isso.
Temos o relato do navegante português que esteve por essas terras e delas levou o pau-brasil para Portugal
em 1343 d. C.. Assim, Portugal passou a ter o produto, sem oferecer pistas ou mapas da localização de tal jazida de madeira preciosa para os europeus. Em obediência à sua fé, o rei dom Afonso IV informou o papa Clemente VI da descoberta, com uma
cópia do mapa onde se via a Insula de Brandan ou Brasil.
Em 1500, Pedro Alvarez Gouveia retorna a Portugal com sua missão cumprida, ganha o reconhecimento do rei lusitano e o sobrenome de Cabral, como reconhecimento de seu pai. Ele assim passou a pertencer à família, na qual não era reconhecido, e por
motivo incerto começou a ter escrito seu nome inteiro após o retorno a Portugal, segundo o que dizem vários historiadores.
Agora São Vicente era propriedade oficial da coroa portuguesa, conforme o costume dos achamentos (como se diz na Europa) ou
descobrimentos (como se diz no Brasil), dos quais futuramente ainda se revelará muita coisa.
Em 1502 temos a primeira referência de São Vicente por Américo Vespúcio e depois em um mapa de 1507 [03], quando na Europa foi apresentado o mapa da América do Sul com o nome do mártir cristão em uma povoação já existente, o que talvez se explique por ter sido feita uma capela em seu louvor ao se fundar essa povoação, ou esta foi
criada no dia consagrado ao santo, 22 de janeiro.
Mas, para fazer um mapa, era necessário percorrer toda a costa e depois recriar o mapa calculando o espaço físico. Isso, em
navio de madeira, levaria cerca de três a quatro anos. Assim retroagimos a cerca de 1499 ou talvez 1500, quando Pedro Alvarez Gouveia [04], estando em missão de reconhecimento pela costa brasileira, deixou os degredados e possivelmente homens da tripulação - recolhidos devido ao naufrágio de vários navios da esquadra durante essa empreitada, sem esquecer que
essa seria uma atitude esperada por todos daquela época, quando o consumo de lenha, água e mantimentos já haviam diminuído o peso das embarcações.
Outra situação que se tem muito comentado é que aqui foi deixado como degredado, sendo marinheiro nas naus de Américo Vespúcio, o bacharel Cosme Fernandes, que - com outro, de nome Gonçalo Monteiro - ficou nessa região, onde mantinha um entreposto
para comercio dos escravos nativos sequestrados e vendidos para os espanhóis - o que de certa forma onerava o reino lusitano.
Mas, como era ele um degredado, não poderia fundar uma vila, sendo essa missão confiada a um nobre como Martim Afonso de Souza, que mandou erigir uma matriz dedicada a Nossa Senhora da Assunção em 1532.
Já existia ou estava sendo feita uma igreja anterior a essa - possivelmente a de Nossa Senhora da Conceição mencionada por
frei Gaspar, convicção reforçada por um trecho da carta de um navegante (Alonso de Santa Cruz, em 1530, na armada de Sebastiano Caboto) que descreve a vila, mas não a igreja que decerto existia: "Dentro del puerto de San Vicente, ay dos vilas grandes habitadas de índios y en la mas oriental, a la parte occidental de elha, isto vimos mas de um mez surtos. Em la occidental tienem los portugueses um
pueblo dicho de S. Vicente de hasta diez a doce cazas y una hecha de piedra com sus telhados, y una torre para se defender de los índios em tiempos de necessidad. Estan providas de gallinas y puercos de las de Espaza en mucha abundancia y mucha
hortaliza".
Confirmando que aqui já havia muitos moradores cristãos, também seria o local curado por um bispo segundo as normas da igreja, mesmo que ele por aqui não residisse. Assim, em 12 de junho de 1514, o Brasil passa a fazer parte do Bispado da
Ilha da Madeira, criado em Funchal pelo papa Leão X (1475-1521), onde São Vicente é o padroeiro, pela bula Pro Excellenti.
Acredito que nos arquivos da Cúria madeirense se encontrarão trechos de nossa história muito bem conservados. Possivelmente nesse período
existissem capelinhas com os protetores em vários locais, onde até uma imagem simples e pequena ocuparia o nicho devocional.
Pela necessidade de pertencer ao bispado, onde era registrada toda a vida dos cristãos com seus nascimentos, mortes, casamentos e batismos, teriam de ser sujeitos a uma diocese, pois havia muita gente por estas bandas: como sabemos, já era um local
habitado por muitos europeus cristãos que trataram de fazer suas capelas, como o oratório de São Jerônimo no sopé do monte que daria o nome ao Morro da Vigia e depois Monte Serrat
de Santos, construção que foi aumentada no início do século XIX e se tornou a igreja de São Francisco de Paulo da Santa Casa velha.
Em 30 de junho de 1535 foi criada a Paróquia de São Vicente, sendo a primeira da Capitania e tendo como pároco o padre Gonçalo Monteiro, vindo
com esquadra de Martim Afonso de Sousa em 1532.
Também temos a menção de frei Gaspar, no seu livro Memórias para a Capitania de São Vicente [05], que afirma ter Martim Afonso encontrado o povoado vicentino, mais uma vez se poderá tirar muitas dúvidas e datas no leito marinho onde essa povoação repousa atualmente.
Durando aproximadamente oito anos, tanto a vila reconhecida por foral como seus prédios públicos, existiu próspera até que submergiram em 1541, devido a um maremoto que devastou aquela pequena localidade.
Assim se afirma que a mesma vila estaria a cinco metros de profundidade na proximidade do local que passou a ser chamado de "Garganta do Diabo", depois "Porta do Sol". Frei Gaspar da Madre de Deus [06] nos dá uma referência do ocorrido, inclusive relata a existência de outras duas igrejas: a de Santo António e a de
Nossa Senhora da Conceição, onde se reuniria o conselho da vila.
Entendemos que havia mais plantações, casas e capelas espalhadas pela redondeza, sendo o núcleo apenas o mais protegido e local de referência e
comércio. A submersão que ocorreu em São Vicente nos remete a algo semelhante no dia 7 de junho de 1692, quando boa parte de Port Royal na Jamaica submergiu, sendo hoje um campo de arqueologia marinha, onde se
podem ver seus edifícios de pedra e ruínas submersas, assim como se coletam materiais de uso diário - o que não ocorre em São Vicente devido à falta de interesse. Possivelmente estejam no leito marinho placas funerárias com datas e inscrições
comuns aos prédios públicos daquelas épocas e até mesmo o marco de fundação, que não se encontra em local algum conhecido, podendo estar ali submerso ou entre escombros.
Tais marcos atualmente são raros, sabendo da existência de um que está dentro da Igreja de São Sebastião da Tijuca no Rio de Janeiro e outro em Porto Seguro, na Bahia, que inclusive foi retirado do mar onde estaria jogado.
Na descrição de Tomé de Souza, temos a referência a uma igreja, possivelmente a de Nossa Senhora da Conceição, mas devido à época ainda sem a imagem de mestre Gonçalo, pois o comum era haver imagens vindas com os colonos em suas bagagens, ou as de
pequeno porte, como é o caso do São Gonçalo da capela do mesmo nome na cidade de São Sebastião (litoral Norte de São Paulo).
A Matriz, em princípios do século XX
Foto no acervo do Instituto Histórico e Geográfico de São Vicente (reprodução por Carlos Pimentel Mendes em
19/10/2016)
1552 - O governador geral do Brasil, em 20 de julho deste ano, nos diz: "A igreja é a mais devota que há nesta costa. A capela é mui bem forrada e formosa, e um terço da igreja por causa dos altares é também forrada". Quando se refere a São
Vicente, ele diz: "Huã igreja muito honrada e honradas casas de pedra e cal com um colégio dos Irmãos de Jesus".
Ou seja, uma igreja completa e de bom acabamento, própria para os serviços religiosos, onde deve ter sido benzida a imagem de São Sebastião que foi levada para o Rio de Janeiro durante sua fundação. Mas recordemos que a ordem da reconstrução da
Matriz seria somente dois anos depois da partida do governador e que a pedra com a data se refere a exatamente seis anos após sua descrição, assim podemos supor que ele se referia à igreja de Nossa Senhora da Assunção.
A ordem final para a reconstrução tem, segundo um relato, o início em 1555, o que nos dá 4 anos até a sua inauguração.
Começou então a reconstrução da nova Matriz em local mais afastado. Segundo alguns, foram reaproveitados a localização e a estrutura da igreja ali existente, possivelmente a de Nossa Senhora da Conceição, recordando que aqui no
litoral, para defesa contra os ataques de índios ou piratas, as construções eram sólidas como castelos, com janelas semelhantes a seteiras como as do convento de Itanhaém. O que nos dá essa pista seria a mesma imagem fundida em 1560 desse título
mariano que permaneceu no trono do altar mor da Matriz até sua reforma - quando se decidiu pela entronização da nova imagem de São Vicente Mártir, feita em madeira e vinda da Espanha, e que ainda se venera atualmente no local
[07].
Era Pedro Colaço Vilela o procurador da Vila. Assim, mandou erigir a nova Matriz (em 1555), possivelmente no lugar da igreja de Nossa Senhora da Conceição, pois era muito comum reaproveitar um local sagrado, principalmente quando ali havia
inumações de moradores dispostos a investir em algum lugar onde havia algo ligado a eles como os corpos de seus parentes - o que o tornaria mais apropriado à construção da igreja.
Assim se afirma devido à pedra gravada que pertenceu a essa igreja, onde se lê: "Jesus. Pedro Colaço Vilela me mandou fazer em
1559" [08], deixando uma dúvida, pois o nome do Salvador do Mundo figura antes do início da frase, onde lemos
claramente JeSUS - o que nos deixa uma dúvida se não faltaria uma parte da mesma pedra onde poderíamos ler Cia de JeSUS. Isso carece de estudos, visto que os jesuítas já andavam por essa região desde 1549, vindos com o governador
geral do Brasil Tomé de Souza, e seguindo o carisma da ordem pregavam o Tupã Nhengá ou Palavra de Deus, para evangelizar os nativos.
Fica a dúvida se não reaproveitaram a placa de outra igreja, com sua estranha inscrição com letras corridas, continuas, entroncadas e desenhadas, bem ao gosto da época, e por isso com dificuldade lemos o que está escrito.
Fato semelhante aconteceu com o alemão Hans Staden [09] que - ao chegar com seu navio em 26 de novembro de 1550 perto de Santa Catarina - achou uma cruz apoiada por pedras e em um barril onde havia uma inscrição entalhada ao
fundo que demorou dias para ser decifrada ("Se viene porventura aquí la armada de su majestad, tirem um tiro, ahí habrán recado") pelo modo
como foi escrita, que seria semelhante à da pedra vicentina [10].
Também a linguagem usada, acreditaram se tratar de castelhano, mas na verdade é galo-lusitano. Inscrição semelhante ainda pode ser vista nas
cataratas no lugar conhecido como Pedras de Lelala do Zaire, onde os lusitanos de Diogo Cão deixaram, cerca do ano de 1485, muitas gravações que no estilo recordam a pedra vicentina, pois a escrita pouco mudou de um século para o outro, perdendo
apenas um pouco das características de arte gótica.
Navegando mais adiante, Hans Staden naufragou em 1553 nas proximidades de Itanhaém e foi acudido pelos moradores.
Como era necessário dividir o campo da igreja em vários bispados para administrar melhor, finalmente em 25 de fevereiro de 1551 o papa Júlio III cria a diocese de São Salvador, nomeando como bispo dom Pero Fernandes Sardinha (pela bula Super
Specula Militantis Eclesiae). Isso se deve ao problema de distância entre a Cúria e o Brasil, bem como à quantidade de cristãos e igrejas existentes em nosso território.
No século XVI tínhamos como casas de oração em São Vicente a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Assunção, Igreja ou capela de Nossa Senhora da Conceição, Igreja ou capela de Santo António de Pádua, Capela de São Jorge dos Erasmos, Igreja de Santa
Ana do Acaraú e demais capelas espalhadas pela região.
Em Santos, a Igreja da Misericórdia que se tornou do Rosário, Capela de Nossa Senhora da Graça, Capela de São Jerônimo [11] anterior à fundação da Vila e posterior Santa Casa, Convento do Carmo em construção, Capela de Nossa Senhora do Desterro (futuro mosteiro), Capela de Nossa Senhora do Monte Serrat, Capela de São José do
Jurubatuba [12] na região antes pertencente a uma fazenda de Braz Cubas.
Existe o relato que a vila foi atacada pelos tamoios em 1560, e podemos deduzir que a igreja serviu como abrigo para a população que conseguiu
ali se refugiar.
Também no ano de 1591 (havendo quem afirme que foi em 1592), atacou as vilas de Santos e São Vicente o pirata Thomas Cavendish, que pilhou e
incendiou várias igrejas, entre elas decerto a Matriz.
Ao menos ao que se pode observar na xilogravura de Francis Drake, a Vila de São Vicente foi pilhada e a igreja por sua vez também, sendo incendiada, mas os moradores trataram de fazer mais uma vez obras de reconstrução.
A igreja está de costas para o mar, o que pelo costume não é certo; também não está de frente para o Oriente (de onde vem a Luz Verdadeira), como muitas igrejas conhecidas, de forma que no final do dia o sol entre e ilumine o altar como no convento
do Carmo de Santos.
Em vez disso, foi feita de frente para uma praça e na outra extremidade estaria a capela de Santo António. Assim, havia um grande logradouro na
frente da Matriz como vemos em Itanhaém, Santos na antiga Iguape, São Paulo na antiga Sé, Itu etc. Há ainda quem afirme que essa igreja foi construída de costas para o mar por causa do maremoto, e os supersticiosos afirmam que a matriz (ao ficar de
costas para o mar) atrai o atraso sobre a cidade.
Uma história que assustava os europeus (e por muitos foi usada para que os mesmos colonos temessem vir para estas terras, por coroas interessadas
em usurpá-las) é a do Ipupiara ou o mostro vicentino. Esse mamífero marinho grande apareceu em 1564 e foi morto por Baltazar Ferreira a golpes de espada no peito e finalmente na cabeça, depois foi arrastado até a Vila - ou
seja, o lugar defronte ao principal ponto dela, que é a Matriz, onde existia uma praça. Existem relatos sem comprovação de que o animal foi queimado devido à supertição do povo.
Também existem descrições da estranha criatura, que teria até três metros de altura, pés em forma de barbatanas, cabeça de leão, dentes de
elefante, ou seja uma morsa. São as morsas ou Odobaenus rosmaru animais do Ártico e como uma delas chegou às praias de São Vicente não há explicação, a não ser que tenha viajado em um grande bloco de gelo que chegou até a localidade. O que
se conta é que em 1564 um mostro apareceu nas praias de São Vicente.
Vale recordar que esse mesmo Baltazar (que matou o bicho) seria o irmão de Jerônimo que foi devorado pelo nativos à vista de Hans Staden, sendo esse episódio relatado em seu livro nos capítulos 42 e 45.
Outra história que envolve a Matriz em uma de suas cerimônias religiosas é o caso em que um morador se envolveu com a Inquisição depois de uma
procissão dos Passos ou do Encontro, mostrando que a igreja estava bem arraigada em seu papel e tendo a participação do povo em suas procissões.
Contavam os mais antigos da Matriz que essa procissão, no início da colonização, era feita com os personagens representados não por imagens, mas por humanos porque a vila não dispunha das imagens. Justamente em uma delas ocorreu um incidente
durante a Procissão dos Passos, possivelmente em 1591, quando o responsável por colocar confeitos recebidos pelos Irmãos da Misericórdia na boca do "Senhor dos Passos" era um mestre açucareiro ou alguém que entendia de dar o ponto ao pão de açúcar
para que fosse comercializado com Portugal. É que ele preferiu dar os confeitos aos verdugos que o fustigavam pelo caminho, o que causou um processo da Inquisição local, em que foi acusado pelo padre jesuíta Luiz de Grã.
Ao comparecer diante do tribunal instalado em nestas terras, o indiciado pelo clero como marrano explicou que havia uma querela entre ele e o colono que representava Nosso Senhor; assim, preferiu agradar quem era de sua querência. Até onde
se sabe, suas desculpas foram aceitas pelo clero, mas sobre o motivo de sua inimizade não temos conhecimento.
Vale recordar que por não ser mais a igreja principal da região, a procissão de Corpus Christi era celebrada na sexta feira, pois assim o povo poderia ir para Santos onde está a matriz da Diocese; basta ler os jornais que vamos encontrar essa
referência da festa.
1600 - Temos um ataque de piratas em 1614 pela tradição da igreja e 1615 pelos relatos do próprio pirata que atacou a Capitania de São
Vicente e causou consequentemente muitos danos em casas e prédios públicos, entre eles as igrejas da região.
Em 16 de novembro de 1676 surge a diocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, criada pelo papa Inocêncio XI pela bula Romani Pontificis pastoralis sollicitudo, sendo seu primeiro bispo dom José de Barros Alarcão. Mais uma vez, toda a
documentação referente à região ainda pode ser encontrada nos arquivos da Cúria carioca, agora estando o nosso litoral ligado a uma diocese mais próxima.
1700 - Em 1745 surge a diocese de São Paulo, criada pelo papa Bento XIV através da bula Candor Lucis Aeternae, sendo nomeado como primeiro bispo dom Bernardo Rodrigues Nogueira. Nesse momento, aparecem as oficializações das irmandades
e a construção ou reconstrução de muitas igrejas por toda a Capitania.
O novo bispo de São Paulo, ciente dos problemas da igreja, manda reconstruir a matriz em 1757 sobre as ruínas da anterior - entendemos que se usou o velho prédio com seus alicerces para se refazer mais uma vez a matriz
adequada ao seu tempo, com alguns adereços, mas pelas características atuais muitos especialistas afirmam se tratar da igreja quinhentista. Inclusive, o pároco, padre Paulo Horneaux, mandou colocar uma placa de mármore com a data de 1532 sobre a
data da trave da porta onde se lê 1757, sendo a mesma retirada após a reforma.
Também é nesse momento que a pedra lapidada foi enterrada ao solo da Matriz junto com outras coisas consideradas sem valor naqueles tempos, sendo apenas entulhos para nivelar o chão.
1800 - Em reformas ocorridas no ano de 1880 se encontra a pedra lapidada com o nome de Pedro Colaço Villela, a mesma que seria enviada para o Museu do Ipiranga no século XX. Nesse período se retiram (ao que se entende) as sepulturas que
havia ao redor do templo, ou simplesmente são aterradas - motivo pelo qual muitas ossadas são ainda encontradas ao seu redor. Também continuam a ser inumadas na igreja as pessoas importantes da cidade ou das irmandades que ali existiam.
1900 - Ocorre novamente a necessidade de se desmembrar mais ainda o bispado, com a Diocese de Santos criada pelo papa Pio XI através da bula Ubi Praesules.
No início daquele século a igreja passa por uma grande reforma, quando perde os altares de madeira, ficando apenas as duas peanhas, o baldaquino
do antigo altar e sua mesa.
Em 1917 o pintor e historiador Benedito Calixto encaminha a pedra da matriz para o Museu do Ipiranga, em São Paulo, onde está até hoje, exceto o raro momento em que a trouxeram da USP para uma exposição em 2011.
A Matriz sofreu outra reforma, possivelmente por essa época, quando o primeiro bispo (1925/1934) indo até lá no dia da inauguração e vendo os altares de madeira e demais mudanças ocorridas na igreja, teria dito: "Está muito bom para um açougue". O
bispo se referia à mudança que foi feita e, pela sua surpresa, mostrou que não sabia do que estava acontecendo quando fizeram as mudanças.
Em 1999 ameaçava ruir o teto da igreja por falta dos cuidados que esses prédios exigem, sendo interditada e a missa passando a ocorrer no salão de festas, para onde levaram uma mesa e um sacrário. Ali ficava em um nicho a imagem de gesso do
padroeiro usada na procissão.
2000 - A Matriz de São Vicente passa por uma estranha reforma, depois do sinistro de 6 de dezembro de 2000, quando - segundo os relatos das pessoas na época - ouviu-se uma vidraça sendo quebrada, justamente a do lado esquerdo do presbitério,
e logo começaram as labaredas. Não foi dada atenção a esse relato, que assim ficou como uma narração remota. Foram iniciadas as reformas, só terminadas em 2006.
A Matriz vicentina, em foto de cartão postal da empresa Ambrosiana, do início do século XXI
Imagem: acervo do professor e pesquisador santista Francisco Carballa
Altares de madeira
O antigo altar do presbitério, segundo uma foto antiga que vi, recordava o da Ordem Terceira do Carmo de Santos, mas com poucos entalhes, com o trono jesuítico ao centro, um pouco atrás e acima do sacrário,
fazendo frente ao nicho central aberto no meio do mesmo, sustentado por quatro colunas ricamente trabalhadas.
Elas sustentavam o lindo baldaquino que, na parte de baixo, exibia como que um sol refulgente com seus raios retos alternados com torneados. Na
parte de cima, o formato semi arqueado nos cantos e uma linda cruz no cimo dele - características do século XVI. Devemos destacar que essa parte seria muito antiga, dizendo-se que seria jesuítica, visto que não combinaria com a outra parte do
retabulo, sendo ela possivelmente do século XVIII.
Havia duas peanhas para essas imagens ainda hoje veneradas, de São Brás e São Sebastião. Ainda estão lá as suas bases, sendo isso o que restou do retabulo antigo.
A mesma mesa eucarística ou uma semelhante a ela pegou fogo em 2000: era retangular, com os entalhes da barca e o corvo e outro símbolo de que não me recordo.
Com colunas simples e suas bases, essa enorme estrutura dividia parte do presbitério (possivelmente a terça parte). Na parte posterior, dentro do trono jesuítico, via-se a Virgem da Conceição de mestre Gonçalo, sobre o baldaquino, tendo logo à
frente e abaixo a porta do sacrário. Não percebi ali as tradicionais portas que por costume eram colocadas nas duas laterais abaixo da estrutura, mas havia uma cartela bem no meio e em cima do nicho na cimalha do retabulo.
Após o arco divisor, seguindo para a nave, eram vistos dois altares laterais, de canto, entre a parede do presbitério e a da nave, semelhantes na
posição ao que se vê no Valongo, onde estavam às imagens do Sagrado Coração de Jesus à direita (Jesus está à direita do Pai Celeste) e Sagrado Coração de Maria à esquerda, ocupando o antigo lugar do Senhor dos
Passos e da Senhora das Dores.
Por algum motivo, eles foram retirados, não ficando claro se estariam infestados por insetos que gostam de madeira antiga, seca e, portanto fácil de atacar, ou se quiseram renovar o templo ao gosto da época. Também não sabemos se os mesmos foram
levados para outro local, como tem ocorrido em muitas épocas (por exemplo, em Ilhabela, na Matriz de Nossa Senhora da Ajuda, o altar que ali está na verdade veio de outro local, pois o da igreja já havia se deteriorado).
Infelizmente, nas fotos não me agraciaram com o resto das imagens da igreja. Elas estavam na Cúria de Santos em um álbum só da Matriz, sendo usado pelo arquiteto que reformou a Matriz após o incêndio. Quando perguntei por esse álbum, nada me
informaram ou não sabiam do seu paradeiro.
Altares de mármore
Eram quatro altares, sendo dois de cada lado, com mármore muito branco semelhante ao Carrara da cor de açúcar, vistos com adornos em mármore rosa.
Do lado direito, o altar com Nossa Senhora das Dores, tendo na mesa entalhes referentes às dores de Nossa Senhora, e o altar do Coração de Maria tendo na mesa o coração de Maria com flores.
Do lado esquerdo havia o altar próximo do presbitério com o Sagrado Coração de Jesus e na mesa em mármore rosa o sagrado coração com adornos, bem como o altar de Nossa Senhora do Rosário e na respectiva mesa adornos em forma de rosas, em alusão ao
rosário, e o "AM" (Ave Maria) entrecruzados.
Durante a reforma, foram marretados e destruídos sem piedade, valorizando-se poucos túmulos semidestruídos em vez de respeitar o acréscimo do tempo como se faz na Europa. Essas sepulturas foram abertas sem o estudo e o cuidado necessário para isso
conforme apareceu em reportagens na televisão.
São Vicente Mártir, em foto de cartão postal da empresa Ambrosiana, do início do século XXI
Imagem: acervo do professor e pesquisador santista Francisco Carballa
Imaginária religiosa
Santo Antônio de Lisboa - Eduardo Etzel publicou inúmeros livros sobre arte sacra e, num deles, mostrou a imagem de Santo António da Matriz vicentina e a outra imagem de Portugal na qual o artista se inspirou, pelo fato de conhecer as mesmas
há muito tempo. Assim foi a imagem fundida em 1560 pelo mesmo cristão João Gonçalo Fernandez que fez a da Virgem da Conceição e a padroeira de Itanhaém, havendo entre todas elas semelhanças no rosto, nos olhos e no tamanho.
Curiosamente, o santo estende a mão direita espalmada, que foi erradamente restaurada, retirando a curvatura dos dedos. Também exibia na
parte de trás os buracos do cozimento, que estavam tampados por um pedaço de madeira pintada na mesma cor - motivo pelo qual erradamente chegaram a pensar que se tratasse de uma imagem semelhante ao "santo do pau oco" dos traficantes de pedras
preciosas - o que não é o caso, nem a época ou o lugar.
Quando se observa a imagem de Santo António de Covões em Portugal, feita pelo mestre João de Roão em 1558, pode-se notar a semelhança. Aliás,
várias imagens desse escultor têm semelhança com as fundidas pelo artista em São Vicente, que teria se tornado jesuíta e morrido em 1581 na Bahia, conforme já foi dito por estudiosos do assunto, sendo o mestre português quem ensinou a João Gonçalo
a arte sacra. Pela época, sabemos que foi venerada e contemplada pelo padre José de Anchieta. Sua festa é em 13 de junho.
Jean de Rouen - ou, de forma aportuguesada (como era o costume) João de Ruão, nasceu em 1500 em Ruão (Rouen), na França, falecendo em Portugal em
1580. Consta que, sendo escultor, foi mestre de João Gonçalo; vendo suas imagens esculpidas em pedra, notamos uma incrível semelhança com as imagens do santeiro que viveu no Brasil.
Nossa Senhora da Conceição – Obra em barro cozido do ceramista mestre João Gonçalo Fernandes dos anos de 1560, que teria sido feita para o convento do mesmo nome de Itanhaém onde ela é padroeira. A pessoa que a levou para lá, por seu próprio
esforço e promessa, pegou um dos embrulhos - que eram idênticos -, ocorrendo a troca: para lá foi a imagem de Nossa Senhora da Graça, segundo a iconografia vista atualmente, sendo confundida com a Virgem do Rosário, mas com características da
devoção muito conhecida na região até a demolição da capelinha em 1903. Assim ficou essa imagem de Nossa Senhora em São Vicente, sendo que em fotos antigas pode-se ver a mesma Virgem (debaixo do baldaquino que um dia ficou sobre o sacrário)
venerada como Nossa Senhora da Assunção, até que decidiram trocar pela imagem do padroeiro que trouxeram da Espanha no início do século XX.
Nossa Senhora da Conceição a Nova – Foi benta na antiga Matriz de Santos e levada em procissão de carroças até a Matriz de São Vicente por volta de 1904, ficando assim para o uso na cidade, visto que a
outra imagem, feita em madeira, era muito grande e pesada para ser levada no andor. Mais recentemente, algum devoto mais exaltado e desinformado danificou a serpente da qual a Senhora pisa a cabeça na forma descrita no livro do Apocalipse, capítulo
12.
Nossa Senhora do Rosário a Velha – Imagem de madeira de porte médio com características do século XVI, seguindo o estilo de João de Ruão onde a Virgem Senhora, em posição bem ereta, segura o infante no colo e ostenta com a mão esquerda um
cetro ou um rosário. Notamos que a imagem deve ter tido brincos, coroa e demais adornos típicos da época. Percebe-se também muitas camadas de repintura, tendo recebido mais uma recentemente, que esconde as cores originais; as mãos do menino Jesus
foram refeitas com massa, mantendo-se ainda as características sérias das imagens desse período.
Esteve em um nicho da sacristia por muitos anos, até ser entronizada de novo no lado esquerdo da nave com o presbitério. Parece que existiu uma irmandade com esse nome, pois havia uma bandeira processional muito grande com a Virgem de Pompéia tendo
de um lado São Domingo e do outro Santa Catarina de Sena.
Nossa Senhora do Rosário a Nova – Imagem de grande porte. De qual material e feitio, nunca consegui apurar. Ficava em seu altar, onde se viam rosas esculpidas em mármore cor de rosa e o símbolo mariano "Ave Maria". Típica imagem de igreja,
com seu porte e iconografia comum, hoje está guardada, mas fora colocada no lugar a imagem menor no início do século XX quando reformaram a igreja.
Nossa Senhora das Dores – Imagem em roca com características do século XVI, sempre teve roupas delicadas e "olhos de passarinho" [13], estando um deles desviado e dando uma aparência de estrabismo. Para solucionar o problema, o restaurador - que pelo visto não demonstrou ser muito especialista no assunto - apenas pintou os mesmos para
parecer uma visão normal. Outra intervenção foi que da cintura para baixo a imagem recebeu um corpo, pois eram os tradicionais sarrafos que a sustentavam. Ainda usa um resplendor simples que perdeu a estrela central, assim como seu rico punhal está
desaparecido e ela recebeu um novo.
Diziam os antigos que a mesma fora venerada pelo padre São José de Anchieta. Seu andor era muito diferente e delicado, com tecidos adamascados
roxos e detalhes dourados, recortados, franjados, e borlões dourados de cortina, muito bonitos. Nesse mesmo andor saia o padroeiro, mas com as cores vermelhas.
Nossa Senhora da Assunção – Mandada fazer pelo padre Paulo Horneaux de Moura, logo que soube que a igreja teria esse titulo mariano, mas como não encontrou a mesma imagem, mandou fazer uma em madeira cujo artista colocou
crianças da atualidade no rosto dos anjos como se pode verificar. Na época dele, era muito usada nas festas [14].
São Brás Bispo e Mártir – A imagem do bispo, segundo o que dizia padre Paulo Horneaux (falecido em 23 de janeiro de 2012, aos 86 anos) teria sido retirada da frente de uma embarcação homônima (onde ocupava o lugar da carranca). O barco
chegou ao porto no mesmo dia do Santo (3 de fevereiro), motivo pelo qual trataram os padres de entrar em acordo com o responsável pelo navio. Este, a contragosto, permitiu a retirada de seu protetor, mas confiando na benção sacerdotal. Assim, ela
foi cedida para a igreja, onde está até hoje - mas já não se realiza mais a sua procissão. Podíamos notar inclusive o desbaste abaloado que existe atrás da imagem, sem o acabamento mais abaixo onde apareceriam os paramentos da mitra, e o detalhe
pendurado da capa de asperges, tão comum aos santos bispos e encobertos por camadas de tinta das repinturas por que passou.
Recentemente, no ano de 2014, alguém corrigiu esse desbaste, que foi repintado mais uma vez e não devidamente restaurado, sendo a imagem retirada, junto
com São Sebastião, do Museu de Arte Sacra de Santos, onde ambas permaneciam guardadas desde os tempos do incêndio da Matriz. Têm algumas pessoas
confundido esta imagem com uma obra em barro do mestre Gonçalo, mas se equivocam com o material da qual é feita, sendo de um estilo quase medieval antes da influência do barroco, o que indica um artista do período da transição.
São Sebastião Soldado e Mártir – Imagem esculpida em madeira, com características do século XVIII, que ostentava flechas de prata, uma comenda da Ordem de Cristo em forma de medalhão dentro de uma oval branca com a cruz vermelha dentro, em
metal e esmalte. Também tinha uma patente militar em forma de lua com a estrela de cinco pontas no meio, feita em prata, que era usada por militares no pescoço e assim estava na imagem. Igualmente tinha um rico resplendor de prata. A maioria dessas
peças foi perdida pela falta de cuidado dos responsáveis, após o incêndio e ser levada para o Museu de Arte Sacra de Santos logo após o sinistro. Repintada ou apenas limpa a imagem do santo apresenta atualmente uma cor mais escurecida.
Sagrado Coração de Jesus – Imagem de porte grande, ao que parece feita em gesso por ser uma iconografia comum, assim colocada no início do século XX, mas não posso precisar se foi em par com a do Sagrado Coração de Maria, pois as duas
imagens parecem ter o mesmo fabricante. Também não é possível até o momento precisar se foi junto para ocupar o altar antigo de madeira que existia em pendant com o outro, situado no lado direito. Quando a igreja foi reformada, foi
finalmente entronizado, ocupando um altar de mármore onde se via o coração de Jesus esculpido na parte debaixo, no mesmo material mas com cor diferente, sendo uma devoção com a presença do Apostolado da Oração. Possuía um estandarte que exibia o
Sagrado Coração de Jesus em alto relevo bordado, muito grande, com os dizeres do apostolado, parece-me que era vermelho.
Sagrado Coração de Maria – Imagem de porte grande, ao que parece de gesso, por ser uma iconografia comum, assim também colocada no início do século XX, antes da igreja ser reformada. Ocupava um altar que ficava de canto semelhante aos de
Itanhaém no lado esquerdo de quem olha para o presbitério, fazendo par com o Sagrado Coração de Jesus. Quando fizeram os novos altares em mármore, era possível se ver o seu Sagrado Coração esculpido nesses materiais com as simbologias tradicionais.
Possuía um estandarte mostrando o coração bordado em alto relevo com o punhal ou espada também em alto relevo transpassando o coração da
Santíssima Virgem. Era grande e pesado, sendo forrado com tecido de saco de café, parece-me que era azul.
Senhor dos Passos – Imagem de vestir com características do século XIX (mas que, segundo se afirma, seria do século XVIII). Por ser careca, usa uma peruca para dar realismo, e tem o corpo esculpido em madeira, com um joelho encostado no chão
e outro em ato de levantar. as duas mãos seguram o madeiro. Para a procissão era colocada uma das quatorze cruzes usadas na Via Sacra e na procissão do enterro. Vestindo túnicas com cordões dourados (segundo os antigos, no passado era de cor vinho,
passando depois a roxa por ser mais fácil encontrá-la no mercado). Chegou a ter um lindo solar de prata, que desapareceu.
Senhor Morto – Vi essa imagem lá pelos idos dos anos 1970. Ficava guardada na subida da torre, num esquife assemelhado a uma tumba, comprido e adornado com quadrados em alto relevo. Na verdade, tal esquife substituiu um mais antigo que se
perdeu. Segundo o que disseram, essa imagem foi danificada pelo incêndio, mas fica a dúvida: como poderia ocorrer isso se estava distante do local afetado pelas chamas? Ou: onde estava depositada tal imagem naquele momento?
Crucifixo de altar – Muito bonito, com uma cruz roliça e trabalhada, o Cristo com características do século XVIII. Não foi possível perceber de que material era feito, podendo até ser de marfim. Tinha um rico resplendor, com uma pedra
semipreciosa encastoada num solar logo acima da cabeça de Jesus.
Esse crucifixo estava na igreja, no nicho maior da sacristia, aos pés do Senhor dos Passos que então ali ficava (até o final dos anos 1990);
depois, não se viu mais. Também não pude perceber se esse seria o mesmo crucifixo doado em testamento para a Matriz pelo padre Loureiro.
Santa Ana Mestra – Imagem de bom porte esculpida em madeira que ostentava brincos e correntes preciosas, mostra a Virgem Maria menina no colo de sua mãe que está em pé, o que não é muito comum. Pelo recortado da roupa, chegou aproximadamente
ao século XVII. Segundo se conta, ela estava na capela que existiu no Acaraú e pertenceu à família de frei Gaspar da Madre de Deus, sob os cuidados do padre Manuel Gomes Loureiro até o seu falecimento no final do século XVIII, quando este a doou em
testamento à Matriz da qual foi pároco por 53 anos. Por estar assim mencionada em testamento, é possível que existisse uma disputa pela sua posse, não havendo até o momento qualquer menção de como o falecido sacerdote teve acesso a essa peça.
Existe semelhança com algumas imagens antigas, inclusive com uma pequena e parecida que existiu na antiga capela de São Pedro Pescador,
recordando a da Matriz Vicentina. Ainda no Brasil estará uma imagem semelhante à Santa em pé com a menina no colo, exposta à veneração ao lado direito no retabulo do Mosteiro da Luz (na capital paulista), no altar mor.
Outra imagem de que tenho conhecimento está numa coleção particular no Recife, pertencente a um senhor conhecido por José Santeiro. Mais uma, em
tamanho e semelhança, está no Museu Abelardo Rodrigues de Pernambuco. Eu vi em 1997 e revi em 2014 uma imagem de Santa Ana Mestra com a Virgem Maria no colo, na capela do Santo Cristo ou Nazareno na cidade de Pontevedra da Galícia, ficando a mesma
do lado esquerdo do sacrário de quem contempla o Senhor. Com o tempo prevaleceu a figura de Santa Ana tipo matrona sentada, mas com o advento da indústria em gesso a Santa voltou a ficar de pé, com a Virgem Maria igualmente em pé ao lado.
São Vicente Diácono e Mártir - Esta imagem - que caracteriza o nome dado à igreja, sendo o orago -, pelo que diziam os antigos veio da Espanha no início do século XX, para ocupar o nicho que um dia pertenceu à Senhora da Conceição. Foi ainda
providenciada outra imagem de gesso, idêntica, para uso em procissão como é feito até hoje, sendo distinguidas apenas pelo sapato direito que sairia um pouco da base (pois se quebrou durante uma arrumação de andor).
Essas duas imagens têm resplendores que não pertenciam a elas. A de madeira usava o resplendor de Santo António e a da procissão também usava o
de outra devoção. Ambas ostentam palmas de prata ricamente trabalhadas, de outras devoções, sendo a maior colocada na mão direita da imagem que está no altar e a menor colocada nas mãos da imagem processional - seria a mesma colocada aos pés de São
Sebastião segundo conta uma senhora (dona Lourdes) que morava nas cercanias da igreja, mas isso nunca foi comprovado recordando-se que ali havia uma Santa Luzia antiga e a palma poderia ser de sua mão.
Santa Luzia Virgem e Mártir - Falava o pároco padre Paulo Horneaux dessa imagem de Santa Luzia, cujas mãos foram copiadas por uma artista plástica que as achou de porte majestoso e delicado. Essa imagem, em barro, foi furtada pelos idos de
1940/50, não sendo encontrada qualquer foto para compar, mas o padre José Cardoso (falecido em 7 de dezembro de 2013) fez a comparação entre várias fotos de imagens antigas da região apontando a semelhante que havia no Museu de Arte Sacra de Santos
que foi furtada em 1994, apenas resaltando, como o pároco vicentino, que a mão era bem saliente do corpo segurando a palma e a salva com os olhos.
Prédio
Fachada – Na fachada da igreja, muito simples, dentro do estilo em voga no século XVII, mais do que para o século XVIII, quando ocorreu a reconstrução ordenada pelo bispo de São Paulo responsável pela região. Há um registro de todos os
templos cristãos, daí se afirmar que usaram partes antigas do prédio. Chega-se a uma suposição que a parte principal é a mesma, pois podemos ver semelhanças entre igrejas do período colonial do século XVI e a matriz vicentina, sendo simples e
pesado. Agora vemos a data gravada no arco, de 1757, e esse tipo de solução sempre foi comum em reconstruções, como forma de se dizer que era nova, ou em importantes momentos ligados a ela.
Para justificar isso, cito que o Convento do Carmo de Santos teve sua construção iniciada em 1599, sendo que na Igreja da Ordem
Terceira podemos observar ao lado direito de quem entra, esculpida em pedra, a pesada pia de água benta [15] (que
alguns afirmam ser batismal, mas que não tem a separação das duas águas) com a data gravada de 1711, ou seja, anterior à data (1756) exposta na fachada sobre seu arco, dando a entender que o objetivo era informar que a obra foi concluída, segundo
os planos iniciais do final do século XVI.
Outro exemplo de mudança de datas e reaproveitamento de uma obra pública é a famosa bica de São Bento que um dia alimentou o ribeiro do mesmo nome, canalizado em 1892 [16]. Vemos a inscrição "D.P.II 1846" e ao mesmo tempo 1845, ou seja, para agradar ao imperador dom Pedro II simplesmente tamparam a data
anterior do chafariz que ali existia e gravaram uma nova, supondo-se que tivesse adornos para ocultar a outra data.
Igrejas barrocas do século XVI tendem a ter apenas o óculo no alto da fachada, a porta muito grande e duas janelas. Temos como exemplos a Capela de Santa Catarina de Alexandria de 1540 (vista apenas em desenhos de Benedito Calixto), a do Monte
Serrat de 1598, a do Mosteiro de São Bento de 1650, de Jesus Maria e José de 1765 (data do registro, portanto anterior a ela), e da Igreja Matriz Sant’Ana de Itanhaém de 1761 (data apresentada no arco da entrada principal do templo, iniciado no
século XVII), mostrando que o uso de duas janelas na fachada era um costume muito comum, ao invés das três janelas que se tornaram muito mais comuns em igrejas construídas ou reformadas a partir do século XVIII.
Presbitério - Situado pouco acima do piso da nave, numa das várias reformas foi elevado o piso do presbitério, deixando-o quase igualado. Com o tempo, perdeu o supedâneo ou o degrau do altar mor localizado na frente da mesa ou sarcófago que
sustentava o sacrário. Quando o prédio entrou em reforma, esse piso foi retirado, ficando novamente o desnível acentuado do passado.
Carece porém de explicação o motivo de na época usarem os restos do antigo altar sem haver certa coerência, pois de um lado ficaram peças de
madeira de um lado e do outro na nave os quatro altares de mármores ricamente trabalhados: por certo fariam tudo em mármore combinando e, portanto, novo. Ainda são mantidos os restos desse antigo altar que escaparam do incêndio, reduzidas quase a
carvão, depois do restauro, as duas peanhas que um dia estavam no antigo altar mor.
Nave – Teve o piso removido na reforma recente, quando se retirou dois pisos antigos até chegar ao primitivo feito em madeira. No começo eram vistas as lajotinhas vermelhas colocadas em certa época, sendo que a cor imprópria para o piso de
uma igreja ser vermelha se explicaria por ser a cor dos mártires.
De qualquer forma, recolocaram um piso de madeira sem as medidas que existiriam antigamente, pois árvores de grande porte são
raras hoje. Outro problema é a falta da manutenção diária, tão comum nos tempos antigos e hoje ignorada por quem não conhece tanto a história das moradias como a das antigas embarcações [17].
Coro – Havia uma estrutura escura e simples de madeira muito grossa, possivelmente antiga, com tábuas compridas sustentadas por um degrau vazado, e carinhosamente chamada de poleiro pelos que compunham o coral da igreja. Tive a chance de
assistir missa no dia do padroeiro nos anos 1970 nesse local e me sentar na mesma peça, que dava certo ar de liberdade e altura.
Porta principal – Como em toda igreja barroca do período, nos deparamos com uma porta com um arco barbacã, muito em voga no Brasil.
Notamos agora também degraus para entrar na igreja, mas até a reforma verificada entre 2000 e 2006 existia ali uma rampa, para que carros conduzissem as noivas até ali ou os fiéis subirem sem problemas. Por que isso?
Se escavarem o asfalto da rua perto da matriz vão encontrar as pedras antigas da rua. Ali se encontra, cerca de um metro abaixo, o antigo leito
da rua, o que fazia de São Vicente algo semelhante à cidade de Paraty (RJ), pois permitia que as águas das marés limpassem a cidade com certa frequência.
Essa solução de certa forma causaria a inundação nas partes mais baixas dos túmulos antigos que um dia existiram dentro da matriz, os mesmos que
fossem enterrados no nível da rua, visto que as irmandades inumavam mais de uma pessoa na mesma sepultura, uns sobre os outros, como ainda se faz hoje no Paquetá e em outros locais.
Outra curiosidade é que o padre Paulo, quando foi pároco, teve como uma das primeiras iniciativas colocar uma placa de mármore com a data 1532
sobre a data do século XVIII, de forma a identificar equivocadamente a matriz construída por Martim Afonso de Souza; essa placa foi retirada durante as reformas após o incêndio.
Torre – Muito característica das igrejas do século XVI sendo possível que a reaproveitaram e reforçaram. Até o ano 2000, tinha uma cruz de
ferro feita nas fabricas brasileiras do século XIX, mas que foi retirada da ponta da torre e colocada num catavento de galo de qualidade muito baixa, visto que esses marcadores do vento geralmente eram feitos em bronze e de tamanho considerável,
para serem bem vistos de vários locais.
Batistério – Possui uma enorme pia batismal a moda do século XVI, mas algumas pessoas dizem não se tratar da original, que fora trocada.
Assim, tenho poucas referências disso, a não ser a pia que se pode ver ali atualmente. O batistério, à moda das igrejas antigas, está localizado na parte inferior da torre.
Sacristia – Ou "lugar do sacristão" - Antes da reforma era ampla e na parede que faz parte do presbitério podiam ser vistas, nos três nichos da sacristia as imagens de Nossa Senhora da Conceição (de barro, do século XVI, venerada com o
título da Assunção), a imagem de Nossa Senhora do Rosário colonial (em madeira) e Santa Ana Mestra de Acarau (em pé, com a Virgem Maria ao colo, que hoje também se encontra no MASS).
Num canto, ficava a imagem do Senhor dos Passos, ainda hoje usada na Procissão do Encontro no domingo de Ramos; entre todas essas belas obras
antigas eram vistos um crucifixo de altar muito lindo, do século XVIII, que chamava a atenção pela palidez da pele e pelo resplendor com uma pedra. Ainda se vê o "Lavabo da Sacristia" que apresenta uma carranca de bica à moda do século XVI, ficando
uma dúvida se não seria da primitiva matriz ou da construção de 1559. Ainda se vê na sacristia essa graciosa peça com ares misturados, entre renascença e barroco.
Pinturas
No presbitério estavam representados os números (em algarismos romanos) do Decálogo, em tábuas acinzentadas com seu desenho característico, distribuídas pelo forro e no meio os instrumentos do martírio - entre eles as unhas de ferro, os archotes, o
látego, a assadeira e finalmente o corvo em cima de uma embarcação (em referência ao milagre desses pássaros, que ficaram sobre o corpo de São Vicente no manguezal, evitando que outros animais chegassem perto, até este ser recolhido e sepultado
pela comunidade cristã de Saragoça).
Também durante a administração do padre Paulo, recebeu sobre a parede do presbitério uma folhagem colorida semelhante aos desenhos das igrejas românicas, que foi retirada durante essa ultima reforma.
Uma representação em tecido aplicado tomava o teto inteiro da nave, que depois do restauro voltou a ter o madeiramento curvo. Até então, era
possível ver de fora, pelas janelas, uma pintura gigante do mártir com sua dalmática vermelha, tendo nas mãos a palma e a representação da embarcação com o corvo. Ao seu lado direito estava a assadeira romana de carneiros e porcos (usada no
martírio) e aos seus pés os demais objetos de tormento. Triunfante, ele olhava para frente com certa confiança e sorriso, como uma mensagem positiva para os fiéis, sendo o santo muito procurado em casos de fraturas e luxações (para cuja cura recebe
os pedidos de intercessão por parte dos fiéis, o que está associado aos seus ossos - quebrados no cavalete devido à sua recusa em renegar Jesus Cristo e sua fé em Deus).
Depois do incêndio da década de 1990, desapareceram essas pinturas em tecido: do presbitério, danificadas durante o incêndio, e a do mártir, na restauração. Alguns moradores da área afirmaram que elas foram retiradas através de cortes sendo então
totalmente destruídas, sem se levar em consideração o trabalho do artista e o empenho do povo que pagou pela obra encomendada pelos clérigos.
Uma suposição não comprovada ainda é que tal pintura teria sido feita por descendentes de Benedito Calixto.
Objetos de culto
Cruz processional – Com características do século XVI, em prata e de origem possivelmente portuguesa (pois de lá vinham todos os objetos de culto no período colonial), ainda uma remanescente das muitas que existiam referentes a suas
irmandades da igreja, sabendo-se apenas da Irmandade do Rosário e Irmandade do Santíssimo. Essas outras cruzes de procissão estão agora no Museu de Arte Sacra de São Paulo, constando em seu catálogo de exposição. Ainda se via uma cruz de procissão
característica do inicio do século XX, semelhante à que existe na Ordem Terceira do Carmo de Santos, feita em bronze e pendurada na parede da torre.
Quatorze cruzes referentes às estações da Via Crucis – Feitas de madeira e não muito grandes, eram pintadas de preto e usadas na procissão de Sexta Feira Santa, sendo que uma delas (a que teria o número dois em algarismos romanos) é a que o
Senhor dos Passos usava na procissão do encontro.
Relicário de São Vicente – Muito comum, a peça em bronze, segundo o que se diz, substituiu outra mais antiga que havia na igreja. No dia do padroeiro, ficava numa pequena armação com baldaquino feita com tecidos adamascados vermelhos e
franja dourada. Depois de algum tempo, esse tecido foi substituído.
Naveta em forma de barco do século XVII – Típica peça colonial, era vista no dia de festa durante a oferta de incenso do altar e da imagem da procissão ou na rua; tinha um formato lindo de navio antigo, toda em prata.
Estandartes processionais – Eram três, sendo um dedicado a Nossa Senhora de Rosário (com a imagem da Virgem de Pompéia, com Santa Catarina de Sena e São Domingos ladeando a santa). havia o do Sagrado Coração de Jesus com a figura do coração
em alto relevo ao centro, além do Sagrado Coração de Maria com o coração igualmente em alto relevo e um punhal. Foram jogados fora por ordem do pároco Chiquinho quando lá esteve.
Alguns outros objetos eram vistos em dias de festa, mas foram se perdendo um após o outro, de forma que hoje poucos se recordam deles, só quem os viu de perto ou frequentou a igreja vai recordá-los ou descobrir que existiram ao ver fotos que o
comprovem.
Festas principais da Matriz
São Vicente Mártir - Entre as principais festas realizadas, o dia do padroeiro era festejado junto com o assinalado como sendo da fundação ou do reconhecimento oficial da fundação da Vila.
Devido a muitos problemas relacionados às constantes mudanças pelas quais a região passou, tornando-se um polo de turismo e tendo assim muito
trânsito, bem os horários impostos para se realizar a festa, a participação de autoridades e sua aversão a tudo ao que for cristianismo católico (quando são protestantes), tudo isso tem tornado a festa adiada ou ignorada, sendo assim a comemoração
se resume agora a uma missa festiva.
Festas litúrgicas móveis – O dia Corpus Christi ocorria tradicionalmente, até que em determinado momento - mais propriamente quando foi criada a Diocese de Santos - passou a ser realizada um dia depois da procissão da Catedral, pela
importância e fama que possuía em toda região principalmente por ser a sede da Diocese. Com o tempo, a festa em Santos desapareceu e assim a vicentina voltou a ser no dia fixado pelo calendário oficial no tempo do padre e monsenhor Geraldo Borowski
(falecido em 16 de setembro de 1988).
Igualmente nas demais cidades do Brasil havia a tradição de se enfeitar as ruas e postes, assim como janelas, com flores dos quintais ou
compradas para isso. Com o crescimento do trânsito essa prática foi desaparecendo e o costume acabando.
Nos anos 1980 passou a residir em São Vicente a devota família Missé, que faz questão de fazer os tapetes
[18]. Eu me recordo que prevalecendo um desenho da matriz quase em frente a ela e antes a do padroeiro, pelo caminho haviam
quadrados e retângulos compridos, adornados com serragem, pétalas de flores e flores inteiras. Para tanto, o jovem ficaria a noite inteira fazendo a maior parte dos enfeites, junto com os demais paroquianos interessados em fazer essa tradição
cristã antiga. Hoje esses tapetes desapareceram, mas a procissão minguada ainda existe.
Procissões - como a de Domingo de Ramos, do Encontro, do Santo Enterro e até a da Ressurreição - ainda são realizadas, mesmo que com modificações impostas pela Prefeitura ou por partidos políticos integrados por grupos religiosos que não respeitam
os 500 anos de cristianismo na região.
Procissões que deixaram de ser realizadas
Durante o tempo em que o padre Paulo esteve à frente da Matriz, passou a realizar a procissão de Nossa Senhora da Assunção, por conhecer a tradição local e pelo que realmente viveu e aprendeu com os mais velhos.
Em tempos antigos, havia a procissão da Virgem da Assunção, mas no andor saía a Nossa Senhora da Conceição de 1560, até que a substituíram pela imagem menor e mais leve feita em madeira, mas continuando a ser de Nossa Senhora da Conceição - que
ainda é vista na igreja. Com o tempo, essa festa foi extinta.
Essa representação de Nossa Senhora da Assunção ainda é comum em alguns locais onde é vista a Virgem de mãos postas em oração, igual à
iconografia da Virgem da Conceição. até que prevaleça a iconografia de Nossa Senhora com as mãos estendidas para o céu.
Quando se tornou pároco da Matriz, o padre Paulo, sabendo da antiga festa, encomendou uma imagem de madeira da Virgem da Assunção com os braços
abertos ao céu. Como gostava de efeitos especiais, em uma festa de Nossa Senhora da Assunção, logo que a imagem chegou à igreja, depois da procissão, os fiéis puderam recordar que a Virgem Maria se elevou ao céu. Com o auxílio de um guindaste de
construção e ao toque de sinos. a imagem subiu, devidamente presa em uma base, ante os olhos dos devotos. Mas quando o padre saiu da Matriz a festa mais uma vez foi suprimida, ficando somente a liturgia.
Sepultamentos dentro das igrejas
Sepultar os mortos nas igrejas era um costume dos tempos da igreja paleocristã, mantido no Brasil desde os primórdios de colonização lusitana. Assim, existiram igrejas que já cumpriam essa tarefa antes da chegada de Martim Afonso de Souza, até que
foi ereta a primeira matriz. Esta decerto recebeu - devido ao status social, por predileção - os corpos de cristãos que falecerem entre 1532 e 1541. Como foi escrito, se ali existirem tais inumações, seus ossos estarão preservados,
enterrados no leito marinho. Da mesma forma devem estar preservadas ali as lápides de pedra, comuns naqueles tempos. Mas, se estas forem de madeira, será muita sorte se ainda estiverem ali.
Sabemos que Pedro Colaço pagou ao mergulhador Jorge para retirar itens caros, mas se algum morador quis resgatar alguma lápide, não o sabemos ou não existem tais registros, sendo até possível que algo tocante ao assunto possa ser encontrado.
Lápides em madeira entalhada poderiam ser feitas de modo semelhante ao que foi lido em pela tripulação de Hans Staden [09], comprovado que em terras brasileiras se entalhavam inscrições em madeira. Por certo, dentro da nova Matriz foram reiniciadas as inumações a partir de 1559 e decerto receberiam pequenas lápides de pedra, das quais temos exemplares
remanescentes expostos nas paredes da igreja do mosteiro de São Bento de Santos, atual Museu de Arte Sacra, onde foram resgatadas do abandono que se encontravam ao redor da igreja. Caso semelhante pode ter ocorrido em São Vicente.
Mesmo com a proibição de sepultamentos nas igrejas do Rio de Janeiro em 1851, que começou a ser aplicada em Santos em 1854, percebemos que em cidades pequenas como a vicentina essa ordem não foi cumprida e ainda se mantiveram inumações dentro da
Matriz, até que no final do século XIX foi construído o cemitério público - do qual ainda se poderia ver a data e em arco na entrada do mesmo, nos anos 1980.
Assim quando se aplicou a lei, as sepulturas se tornaram obsoletas e foram sendo retiradas, pelo que se percebe, ficando apenas algumas, sem um
motivo aparente que o justificasse.
Igreja Matriz de São Vicente e seu anexo, em 1935
Foto: acervo do Instituto Histórico e Geográfico de São Vicente,
publicada em seu perfil na rede social Facebook em 6/8/2016
Inscrições remanescentes:
TRIBUTO D’AMOR GRATIDÃO E RESPEITO
AQUI JAZ
O Pe MANUEL D’ASCENSÃO COSTA OQUAL
NASCIDO EM STos em 1871,
E ORDENADO PRESBITERO EM JULHO D1806
PAROCHIOU ESTA IGREJA COMO
COAD’or E VIGRº ENCOMMENDADO
POR ESPAÇO DE 32 As NAe FOI COLLDº
1838, APOSENTDº EM 1863
E FALLECEO AFINAL NESTA Vª EM 13 D’ABRIL
DE 1868
In Te domine esperavi,
No Confundar in aeternum
AQUI JAZ
O YNNOCENTE
B.T.VIANNA Fº
NÁSCEU A 18 DE Mcº
DE 1872
E FALLECEO Á 30 DE
JANRº DE 1873
AQUI JAZ
OS RESTOS MORTAES
DE
D.FLORISBELLA Mª FOGAÇA DE ARAUJO
NASCEU 31 DE OUTUBRO DE 1823
CASOU-SE NESTA VILLA DE S.VICENTE
EM 10 JUNHO DE 1840
AQUI FALLECEO EM
18 DE NOBEMBRO DE 1866
.............SUAS VIRTUDES
............SEU MARIDO
JOSÉ JOAQUIM DA SILVA ARAUJO
AQUI JAZ
O CHEFE DA ESQUADRA
PAOLO FREIre DE ANDRADE
NASCEO EM 1757
FALLECEO 1854
Existem outras duas apenas com a placa de mármore em branco sem nenhuma descrição.
AQUI JAZEM OS RESTOS MORÁTAES
DE
FRANCISCO D’ ASSIS CARVALHO
EXEMPLAR DE TODA A.....................
(está danificada faltando a parte inferior)
Fica aqui a minha observação de que a reforma deu valor a túmulos que já foram tampados por oferecerem riscos devido às suas pedras ou lápides
estarem danificadas. Sendo assim, o certo seria valorizar o acréscimo dos altares em mármore do inicio do século XX e não lápides que poderiam ser retiradas e colocadas em outro local, apenas assinalando que ali onde estavam um dia existiram em
registros. Mas em matéria de patrimônio, cada um faz o que quer e assim se perde a herança cultural.
Notas de rodapé
[01] Festa fixada há muito tempo no calendário da igreja como sendo em 22 de janeiro, referente ao
dia de seu martírio em Saragoça, ocorrendo em muitos locais em outros dias estipulados pelas igrejas, relacionados a aparições, milagres, vitórias em conflitos etc.
[02] Segundo Armando Areias, em sua crônica de 1998 em uma revista de Portugal, Sancho Brandam
navegou e descobriu umas terras muito além do Equador e trouxe o pau-brasil com o qual tingiam tecidos na cor vermelha (que eram os mais caros, pelo que se lê de diversos autores). Devido à presença de tal documentação na Torre do Tombo de
Portugal, sabemos que o Brasil passou a ser conhecido antes de 1343, quando o navegante retornou a Portugal. Isto quer dizer que sempre houve contato entre as pessoas da Europa e os naturais do Brasil, o que explica a receptividade dos nativos à
frota cabralina e a certeza de onde aportar para conseguir refresco para as embarcações remanescentes.
[03] Esse mapa,
pequeno, mostra a costa do Brasil por Martin Waldseemüller figurando a localização de São Vicente em 1507 onde se assinala como Portus S. Vincête em letras góticas.
[04] Sendo filho de dona Ana Gouveia, era
bastardo e sua mãe permitiu trocar o nome para Cabral que seria o próprio da família, assim seu pai traria a honra de cumprir a missão de posse da terra para o rei dom Manuel I e para o nome de família. Dessa forma, o navegante seria aceito na
corte, o que nunca ocorreu. Nesse caso, por não haver mudança na escrita do nome se inclinava o brasão da família. Igualmente sabemos que ele veio tomar posse das terras em nome do rei pelo trecho da carta que existe na torre do tombo onde um
trecho se Lê: "...em obediência à instrução de Vóssa Alteza navegamos no Ocidente e tomamos posse com padram. da terra de Vossa Alteza que os antigos chamavam de Brandam ou Brasil". Assim podemos ter certeza, segundo as informações do senhor
Armando Areias, de que o Brasil já era conhecido antes de 1500.
[05] Trecho do livro Memórias para a História
da Capitania de São Vicente escrito pelo frade da Ordem de São Bento do mosteiro de Santos SP, frei Gaspar. Lemos na edição original de 1797 na parte inferior da página 37, assim dividido por numerações: "60. ...foi porem muito breve a duração
dos seus edifícios, porque tudo levou o mar. 61. No anos de 1542 já não existia a Casa do Conselho, e a povoação se tinha mudado para o lugar onde hoje existe...". No alto da página 38, em continuação ao texto, podemos ver o nome da pessoa que
comandou a retirada do pelourinho e do sino do fundo do mar, conhecido como Jorge Mendes e tendo seu serviço pago pelo procurador da vila, Pedro Colaço.
[06] No livro Memórias para a História da
Capitania de São Vicente, escrito pelo frade da Ordem de São Bento do mosteiro de Santos, frei Gaspar, na edição original de 1797 na página 37, é claramente mencionada a reunião da Câmara em 1º de janeiro e 11 de março na igreja de Nossa
Senhora da Praia e na de Santo António em 1º de abril e 20 de maio no ano de 1542, segundo o que estaria escrito nessas atas, o que levou o frade a supor que fossem as reuniões nesses locais, pelo que apreciou nos documentos.
[07] A imagem e o fragmento do antigo altar mor
que seria o sarcófago, e os tronos em forma de baldaquino, sofreram com o incêndio que destruiu o presbitério, sendo transformados em carvão. Receberam uma camada de massa e foi refeito o desenho antigo, mas sua parte traseira ainda apresenta o
formato de carvão da queima que sofreu. Fica ai uma recomendação da igreja para que tais imagens sejam substituídas na veneração pública, o que não ocorreu na Matriz, que tem uma cópia exata em gesso do patrono. Altares sempre foram feitos em
semelhança, dependendo da moda, da época e do artista e demais entalhadores, como podemos ver na incrível semelhança que existe entre o altar mor da Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo de Santos onde os dois altares próximos do presbitério
são fixados nas paredes laterais da nave de forma que ficam rentes a essas paredes e de frente um para o outro. Já com o altar mor da Matriz de Nossa Senhora da Candelária de Itu esses dois altares laterais ficam de quina entre as paredes e podem
ser vistos quase de lado pelos fiéis na nave, já a foto que vi no instituto Histórico e Geográfico de Santos, do antigo altar da Matriz de Santos, mostra que os dois altares laterais ficavam fixos nas paredes entre o presbitério e a nave, vistos de
frente pelo povo. A semelhança também se explica pela necessidade que houve de reformar as igrejas tão logo se formou o Bispado de São Paulo.
[08] Pedro Colaço Vilela tem seu nome gravado em
uma pedra que está conservada no Museu do Ipiranga e que seria usada como trave na segunda Matriz, assim ele tem muita atuação tanto em Santos quanto em São Vicente.
[09] Hans Staden – Primeiros registros
escritos e ilustrados sobre o Brasil e seus habitantes. Cap. 9 p.46. 1999 ed. Terceiro Nome, São Paulo/SP.
[10] Esse tipo de inscrição é comum na Europa,
como na Igreja de Santa Eulália de Gombra, na Galícia, que apresenta uma pedra com o histórico da restauração do templo, ou no Brasil como na Matriz de Santa Ana de Itanhaém, onde se lê "SªANNA SUCCURRE MISERIS" (devido à limpeza aparecem riscos
que devem ser mais estudados pois podem ser letras truncadas, muito comuns nessa época), ou a pedra existente na Igreja de São Gonçalo de São Paulo, onde se lê JHS por ter pertencido ao colégio dos jesuítas.
[11] Pertenceu à igreja aos primeiros povoadores,
anteriores a Braz Cubas, que a chamavam de oratório e deu o nome ao morro de São Jerônimo, depois morro da Vigia e, após o milagre, de Monte Serrat.
[12] Havia uma capela, com outra finalidade que
não a religiosa, pois estava sem uso e arruinada, quando o local foi ocupado pelo depósito de grandes tambores de materiais infamáveis e se transformou em centro de administração da Ilha Barnabé. Em 2015 mais uma vez o local perdeu sua função.
Dizia frei Rafael Maria Marinho O. C. (falecido em1998), que as imagens de Santa Ana e São Joaquim que estão no convento teriam vindo de uma capela onde agora é a ilha Barnabé, sendo assim o relato vai de acordo com a existência dessas devoções na
referida capela antes dela cair em ruínas.
[13] Eram usados, para fabricar os olhos das
imagens, ovos de passarinhos - principalmente dos beija-flores - que, depois de pintados, recebiam uma camada de verniz ou vitrificação e assim pareciam olhos reais com a característica em imagens pequenas de terem apenas a córnea e não a íris, só
mais tarde
adicionada por artistas.
[14] Paulo Horneaux de Moura nasceu em São
Vicente em 15 de dezembro de 1925 e faleceu aos 86 anos em 23 de janeiro de 2013. Foi pároco da Matriz de São Vicente Mártir de 03 de março de 1990 a 2 de fevereiro de 2003, segundo os arquivos da Cúria de Santos. Naquele dia, durante a missa,
explicou no sermão que Assunção é quando a pessoa é levada ao céu ou arrebatada e Ascensão é quando se vai para o céu por vontade própria, como ocorreu com Jesus Cristo
[15] Frei Rafael Maria Marinho O. C. (Ordem do
Carmo), falecido em 1998, ao cuidar dos afazeres da igreja sempre batia a cabeça na mesma pia de água benta, até que pediu para frei Mário transferi-la da Ordem Primeira para a Ordem Terceira do Carmo, onde ainda permanece. Quando se referia a
isso, frei Rafael lamentava ter tomado tal atitude, mas nunca tirou a pia do novo local, onde ficou.
[16] Nessa pedra podemos ver a data de 1845 e
depois em um medalhão a data de 1846 e as iniciais D.P.II significando dom Pedro II. Diziam os antigos que existia um chafariz mais simples, que foi melhorado para que o imperador durante sua visita o inaugurasse como novo, agora de
sua estrutura nada restou a não ser a pedra e a água hoje estaria desviada dali, segundo disseram.
[17] Era comum que todos os dias as madeiras
fossem umedecidas todos os dias - para evitar que, devido ao seu tamanho e espessura, envergassem pela ação do calor -, com um pano úmido passado ao amanhecer ou em outro período. Dessa forma, era comum tal ação nas casas e nos navios, o que
muita gente confunde com limpeza diária mas na verdade é a forma de evitar danos à madeira.
[18] Originária de Pirapora do Bom Jesus, essa
família era integrada por dona Elza Missé que cantava como Verônica em sua cidade natal; sua filha e seu filho Rodolfo Missé, faziam doces para vender nas barracas da Biquinha. Foram brutalmente assassinados em 13 de maio de 1988, o Rodolfo em
Pirapora, onde fora ver qual o motivo pelo qual o aluguel da casa familiar não fora pago, e a mãe e filha no bairro do Caruara. Quando acharam seus corpos em decomposição, o assassino vingativo fugiu impune para
a região Norte do Brasil.
"Milagrosa e primitiva Imagem da Sra. da Conceição de Itanhaén deante da qual o Pe. Anchieta rezava a Missa"
Imagem: cartão postal no acervo do autor
BIBLIOGRAFIA
Site Novo Milênio/O Bonde.
Hemeroteca Municipal de Santos.
Hemeroteca do Jornal A Tribuna de Santos.
Mapas antigos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
As festas no Brasil Colonial, Editora 34, José Ramos Tinhorão pág. 68.
Memórias para a História da Capitania de São Vicente edição de 1797 de frei Gaspar da Madre de Deus, pag. 37/38.
Livros de Eduardo Etzel.
Arquivos da Torre do Tombo de Portugal.
Padre Paulo Horneaux de Moura, que contava detalhes ou histórias de São Vicente e da Matriz, durante visita do grupo da Unisantos em 1991 e nos dias da procissão do
padroeiro, Procissão do Encontro e outras festividades.
Relatos atuais e de antigos moradores.
Pesquisa de campo.
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