Trono de Corpus Christi, defronte à Igreja de Nossa Senhora do Rosário, significando que nesse momento - posterior a 1930 - ela cumpria novamente o papel de
matriz provisória de Santos, devido a uma das reformas da Catedral. Os castiçais metálicos eram da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário Aparecida, que funcionava na Catedral
Foto: acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa
Procissão de Corpus Christi em Santos
Francisco Carballa (*)
Todas as irmandades tomavam parte nessa grande procissão, entre elas a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário (INSR) da
Praça Rui Barbosa, principalmente quando foi sede do Bispado, sendo que nessa época a Benção do Santíssimo era dada em magnífico altar montado - ao lado direito da porta principal da Igreja do Rosário - pelos irmãos da
INSR, como podemos ver na foto acima.
Para dar conhecimento aos mais novos e lembranças aos mais velhos, vou relatar como foi a ordem da procissão e seu percurso naquele 9 de junho de 1966. Os mais velhos hão de recordar a
beleza dessa festa, que tinha sua programação elaborada depois de demorada reunião entre o clero e a Irmandade do Santíssimo Sacramento, que passava as coordenadas às demais.
As ruas eram atapetadas com pétalas e flores, espadas-de-São-Jorge e Santa Bárbara e São Benedito, serragem colorida, areia, tampinhas com papéis coloridos. Inclusive recebiam enfeites
os trilhos do bonde, que cessavam seu trajeto horas antes para o povo poder enfeitar o caminho para Jesus Sacramentado. Os postes eram igualmente enfeitados com folhagens, prevalecendo o melindro, antúrio e flores amarradas até a altura de uma
pessoa. Por todo o caminho, as pessoas enfeitavam janelas e sacadas com colchas, flores, velas e quadros religiosos.
A maior doadora de pétalas de flores, que eram guardadas em sua geladeira, era a Senhora Paulina Freire (que faleceu em 1987, aos 73 anos), a qual possuía a Flora Paulina, na
Praça José Bonifácio, 53/baixos.
Pessoa caridosa e muito popular, cedia flores de graça para os enterros dos pobres e todos gostavam de ver seu presépio no Natal, o qual ocupava 5 metros da loja. Era a principal fornecedora
de arranjos para as festas da Humanitária ou do Parque Balneário; inclusive, quando ocorreu a visita do presidente Craveiro Lopes, de Portugal (N. E.: em
junho de 1957), foi ela a responsável pela decoração floral. Também vendia muitas rosas a preços baixos, que eram ofertadas e usadas para homenagear Nossa Senhora no mês de maio, durante a missa
na Catedral.
Estandarte de São Benedito que abria as procissões de Corpus Christi em Santos
Foto: acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa
Anunciavam a procissão os sinos da Catedral, o carrilhão era tocado com muita alegria. Muitas senhoras de preto, que eram de outros países, caiçaras, caipiras, beatas ou nordestinas
rezavam com devoção o terço em grupos nas escadarias do Fórum ou nas esquinas, esperando o início da procissão.
Ela começava com a Banda Carlos Gomes, sobre a regência do maestro Jorge, português muito devoto, a executar o hino Glória a Jesus, rapidamente acompanhado pelo Apostolado da
Oração. Saía então o grande estandarte de São Benedito pela porta principal da igreja, levado pelos meninos vestidos de pajem, com seus chapéus emplumados e sapatos de fivela do tipo "Ana Bela" - eram do Colégio Santista
(Marista), que todos os anos escolhia novos meninos para não haver favorecimentos, sendo que um segurava o grande estandarte sustentado no talabarte, dois as pontas das abas do mesmo (que recordava uma grande bandeirinha de São João branca), e
outros dois os pingentes nas pontas dos cordões pendentes da barra.
Logo atrás seguiam os colégios católicos, todas as irmandades, cada uma com sua cruz alçada, sempre ladeada por duas lanternas de procissão, seguidas dos associados em fila, vestindo
suas opas ou hábitos, quando se tratava das ordens terceiras, numa infinidade de veleiros de todas as cores e sempre em fila.
A INSR usava opa bege com museta azul claro e seu brasão e veleiros pintados da cor branca e azul claro com suas velas de cor amarelo escuro: eram todos levados pelos irmãos desde a sede
da irmandade, na igreja, até a Catedral - ação que exigia o aviso na missa de compromisso anterior ao mês da festa, para de lá tomar parte na procissão sendo que a quantidade de irmãos significava muita dedicação cristã.
Depois de todas passarem, vinha atrás o pálio dourado com suas varas prateadas encimadas por uma pequena cruz, que era carregado pelos sacerdotes, ladeados por seis lanternas levadas
pelos irmãos da Irmandade do Santíssimo Sacramento. O senhor bispo, paramentado como exige a cerimônia, com capa de asperges e véu umeral (naquela época ainda se usava cáligas), levava a Custódia, cujos rubis (ou pedras vermelhas) resplandeciam com
o brilho do sol da tarde.
Eram precedidos de todos os padres, religiosos e freiras em fila, ladeados pelo Apostolado da Oração, Filhas de Maria, Congregação Mariana, Cruzadas da Eucaristia, Cruzada das Senhoras
Católicas levando suas bandeiras, que tudo faziam para elevar os cânticos e as preces. Nesse meio ficava a Banda Municipal Carlos Gomes, e finalmente o populacho.
A procissão saía sempre no período da tarde, entre 15h30 ou 16h00, percorrendo a Praça José Bonifácio, Avenida São Francisco, Avenida Conselheiro Nébias (cujo trecho até a Rua
Bittencourt não era enfeitado - hoje compreendo que era para não atrapalhar o trafego dos bondes e o trânsito).
Sempre se esperava um grande tapete na frente da Cruzada das Senhoras Católicas e também na frente do Colégio Coelho Neto que ficava na esquina da Avenida
Conselheiro Nébias com a Rua Sete de Setembro. As pessoas esperavam a passagem do Santíssimo para pegar as camélias brancas que tradicionalmente estavam estendidas pelo chão e eram colhidas dos pés dessa planta, abundantes naquela casa (seus
moradores do passado, eram abolicionistas sendo a camélia branca seu emblema).
Seguia o cortejo até o Canal da Av. Campos Sales onde, em uma casa, um casal sempre estendia uma pequena toalha branca e acendia duas velas num castiçal de porcelana azulada, repetindo o
gesto em todas procissões (costume mantido mesmo quando morreu a esposa, o viúvo continuou fazendo aquele gesto de devoção).
Na Avenida Senador Feijó, parava em frente à Corporação de Bombeiros, onde todos os militares da guarnição estavam de prontidão em ordem no pequeno largo em
frente ao quartel, igualmente os carros de combate ao fogo estavam enfileirados para a curiosidade do povo, preparados para receber a benção do Senhor Sacramentado que fazia sua parada em frente aos militares; nesse momento, acionavam todas as
sirenes e, quase no mesmo instante, começavam os sinos da Catedral a tocar.
Seguia a procissão, contornando a Praça José Bonifácio pela Rua Amador Bueno, e finalmente chegava ao Fórum, onde era celebrada a missa e feita a Solene Benção Eucarística, em magnífico
altar montado nas escadarias do Fórum.
Lembro-me que os mais velhos diziam: "Depois que a madre ajoelhar" as crianças podiam sair para brincar na praça; evidentemente que era após a Benção do Santíssimo Sacramento.
Essa era a festa do Santíssimo, que unia todas os movimentos da igreja na cidade de Santos, em uma festividade que também tinha o seu lado social.
(*) Francisco Carballa é professor e pesquisador em
Santos.
Procissão passando pela Avenida Afonso Pena, vendo-se à direita a então recém-construída Igreja de São Benedito, cerca de 1958
Foto: acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa
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