Cemitérios Santistas
Historiadora Eulâmpia Requejo Rocha
[...]
Dentro do Cemitério do Paquetá existe uma campa muito importante, que é onde estão os despojos dos estrangeiros de Santos. Essa campa resume o antigo Cemitério dos Estrangeiros, de que
falaremos a seguir, especificamente:
Cemitério dos Ingleses , em foto de Militão Augusto de Azevedo
(albúmen com 13,5 x 18,0 cm. Acervo Museu Paulista)
Imagem reproduzida no livro Santos e seus Arrabaldes - Álbum de Militão Augusto de Azevedo, de Gino Caldatto Barbosa (org.), Magma Editora Cultural, São Paulo/SP, 2004
CEMITÉRIO DOS ESTRANGEIROS OU DOS PROTESTANTES
Antigamente, os sepultamentos eram feitos nas paróquias, principalmente na Santo Antonio do Valongo. Em 1840, porém, em consequência de uma divergência religiosa local, que proibiu os
enterros de protestantes nas capelas, fundou-se o Cemitério dos Protestantes, que também ficou conhecido como "Cemitério dos Estrangeiros", porque aqueles fiéis advinham de uma colônia inglesa.
Em ata da Reunião da Câmara aos 13 de agosto de 1844, foi lido o requerimento de Frederico Fomm pedindo a permissão de estabelecer um cemitério para o enterramento dos protestantes e
concedido o alvará de licença, assinado pelos vereadores Montes Carmo Silva, Xavier Martins Sá Júnior, presidente Nébias, Ferreira Vergueiro e Carvalhaes, porém a Câmara aceitou a condição de que fosse construído fora dos limites urbanos.
Segundo a escritura de venda e compra, do 1º Cartório de Notas de Santos, "compareceram, no dia vinte e um de agosto de mil oitocentos e quarenta e
quatro, Frederico Fomm, na qualidade de administrador da Casa Falida de Aguiar, Viúva, Filhos e Cia., como vendedor e Gustavo Backeusen, como comprador, de um terreno situado ao pé da
Vila Nova, subúrbio desta cidade, às margens do Mar Salgado, e Ribeirão dos Salgados (N. E.: Ribeirão dos Soldados), com vinte braças de largura e dezoito de fundos, pela quantia de cincoenta mil réis, para nele se fazer um cemitério declarando que a dita compra do terreno é em nome de todos os interessados para o
estabelecimento do dito cemitério, figurando ele como um simples procurador de todos". Esta escritura foi registrada no 1º Cartório de Imóveis de Santos, no livro 3-C de transcrição nº 6.100, à folha 193, de 11
de junho de 1901.
Em primeiro de novembro de mil e oitocentos e cinquenta, Bárbara Fomm doa à Fundação ou Instituição do Cemitério dos Estrangeiros de Santos dez braças, um terreno contíguo ao antigo, já
pertencente a eles, segundo a escritura acima e no total ficou de frente para a Rua Henrique Dias e do outro lado para a Praça Iguatemy Martins - logo, o local desse cemitério seria vizinho onde hoje é o do Paquetá.
A 19 de janeiro de 1933, foi despachada pela Prefeitura ordem para transferir os cadáveres para o Cemitério do Paquetá, cujos despojos foram colocados na campa nº 358, porque a área
seria vendida para a Companhia Docas de Santos.
Segundo a escritura de venda e compra do 6º Cartório de Notas, compareceram no dia vinte e três de setembro de mil novecentos e trinta e seis, a saber: como vendedora a Fundação ou
Instituição do Cemitério dos Estrangeiros de Santos, representada pelo procurador Sr. R. A. Sandall, e como compradora a Companhia Docas de Santos, sede no Rio de Janeiro, do terreno acima, cuja transcrição continuou sendo nº 6.100.
Essa venda foi registrada no 2º Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Santos, no livro 3-B, folha 245, em 2 de outubro de 1936, cuja transcrição passou a ser o nº 3.247, cuja
venda foi feita pelo valor de trinta e cinco contos de réis.
O terreno que foi um dia ocupado então pelo Cemitério dos Estrangeiros e que hoje é ocupado pela Cia. Docas de Santos (N.E.: na verdade, já
em 7/11/1980 a antiga CDS havia transferido o porto para a empresa pública Companhia Docas do Estado de São Paulo - Codesp) tem as seguintes medidas e confrontações: um terreno em
forma e retângulo, com a área superficial de 738 m², mais ou menos, medindo 38,65 m na frente e nos fundos; e em cada lado, 19,10 m, confrontando de um lado com a Repartição do Saneamento e do outro e nos fundos com a própria Cia. Docas, sendo que,
da frente desse terreno, 18,45 m dão para a Rua Henrique Dias e 20,20 m para a Praça Iguatemy Martins. Essa área passou a integrar o patrimônio do Porto de Santos e, de acordo com a escritura acima, é bem público federal, isto é, pertencente à
União Federal e não ao Município.
A 19 de novembro de 1993, o sr. Antonio Otero Monteiro, R.G. 10.251.629, passou um abaixo-assinado, por vários meses, para pedir ao órgão do Condepasa o tombamento do
jazigo nº 358 do Cemitério do Paquetá. Para esse fim, esse cidadão pesquisou também o documento Alvará de Licença, que se encontra no Centro de Memória Cultural de Santos. Tal tombamento já está em andamento pelo Condepasa, juntamente com o
próprio Cemitério do Paquetá.
Transferência dos despojos do Cemitério dos Ingleses
Anúncio publicado em 27 de março de 1934 no jornal santista A Tribuna
[...] |
Em julho de 2012, o professor e pesquisador de História Francisco Carballa esteve no local, pesquisando
detalhes do Cemitério dos Ingleses para o artigo abaixo publicado, e pintou uma tela, entregue em outubro à Igreja Anglicana de Santos:
Entrega da tela por Francisco Carballa (E) ao reverendo Leandro Campos (D), da Igreja Anglicana
Foto divulgada por Francisco Carballa em 2/11/2012
A tela por Carballa, retratando a entrada do Cemitério dos Ingleses
Foto divulgada por Francisco Carballa em 2/11/2012
Cemitério dos Ingleses (1846 A 1935)
Existiu esse campo santo anglicano até 1935, quando, por motivos ligados à saúde pública, aproveitamento de áreas e pouca comunidade inglesa interessada em manter o
local, esse foi desativado, seu pequeno campo coberto de mato, sua capela arruinada e suas lápides - já semidestruídas por serem na maioria de material pouco nobre - foram removidas, sendo seus restos mortais transladados para uma única campa
adquirida no cemitério do Paquetá, e que já perdeu até a taça que possuía no cimo, feita em mármore branco. Um vizinho, sr. Oswaldo Gonçalves Campos (Av. São Francisco, 252-Altos), referiu que muito do que ali existia foi usado como aterro, sendo
possível que ali ainda hoje se encontre material.
Verifiquei que na parte dos fundos do antigo cemitério existe uma base feita de tijolos e alvenaria de 35 cm de altura, juntando com o aterro posterior de vários materiais que chega a 1,70 m para os lados da Rua Henrique Dias, o que indica uma
adequação do terreno para a construção da Intendência do Exército, prédio simples que poderia ser visto por todos os que faziam uso das catraias, até sua demolição no início dos anos 80, aproximadamente.
A Intendência do Exército funcionava num prédio construído sem muita arte, semelhante aos armazéns ali existentes, que pertenceu ao Exército. Era uma espécie de entreposto de comércio de abastecimento, onde se podia comprar lotes de jacas, bananas,
carnes variadas, cereais hoje desconhecidos como a lentilha chilena (muito grande), peixes como o Mulato Velho (pirarucu defumado de Manaus), bagres defumados (de São Paulo), bacalhau da Noruega, queijos diversos etc. - tudo o que era
comprado mais barato pelo Exército e que, por sobra, era revendido à população, segundo a ordem do presidente da República Getúlio Vargas, segundo a referência oral do senhor Clóvis Benedito de Almeida.
A primeira vez que escutei falar do tal cemitério foi da boca de dona Matilde das Neves, lá pelos anos de 1968; recordo bem por causa do gasômetro que explodiu no ano anterior. No seu modo simples de falar, ela disse que
"ali, antes era cemitério quinem o Paquetá, e que tiraram os defuntos para fazer um mercado, por isso dizem os funcionários que ainda tem fantasmas de noite..." - até ai era apenas uma história dos velhos. Contando que ela teria seus quase 30 anos
quando desativaram o mesmo cemitério, ela deve tê-lo conhecido e, como todos os que compravam no Mercado Municipal de Santos, deve ter visto por muitos anos, assim como eu, os casarões hoje desaparecidos.
Outra referência foi o marido de dona Rosário, o peixeiro italiano Genaro, que vendia peixes com seu carrinho típico e gostava de saudar a gente na língua
brasitaliana, com o famoso "Bom Giorno de la Matina". Eles tinham uma barraca de frutas no Mercado Municipal, logo na entrada. Também um bombeiro que trabalhou no tal prédio, o soldado PM José Roberto (conhecido pelo apelido de Pato
Loco), referiu-se às tais aparições do outro mundo.. Penso eu, "será que falavam em inglês?". Infelizmente, nunca perguntei.
Já o sr Clóvis Benedito de Almeida me contou que comprou muito no Mercado, mas que não viu o tal cemitério. Sabia que ele existia ali perto de onde seu pai, o famoso motorneiro Bacalhau, comprava os mantimentos para estocar no porão de sua
casa - e era o carroceiro alcunhado por Pé de Anjo (por ter os pés muito grandes), que fazia o transporte das mercadorias, por alguns réis.
Clóvis contou também que era costume de seu pai levar uma caixa com lona até o Matadouro: ali eles compravam carnes por 5.000 réis, que vinha desde carne de primeira, segunda, rins, fígado, miolos etc.; tudo era colocado
na caixa com a lona, para não sujar de sangue o reboque do bonde. Essas mesmas carnes eram então preparadas ou salgadas para servir à família. Quem mercadejava era o português açoriano sr. Tobias, mas, por ordem interna do próprio Matadouro, foi
proibido vender para não comerciantes e, assim, a família passou a comprar na Intendência do Exército - eram os anos 50 do século XX.
Protestantes, estrangeiros ou ingleses
A palavra protestante indica toda religião cristã que não seja católica; nesse caso estão as reformas ocorridas em países no século XVI - sejam na Inglaterra de Henrique VIII ou na Alemanha do ex-padre Martin Lutero. Hoje se usa um termo
novo, mas que não é bem empregado, pois são evangélicos ou evangélicas todas as crenças e seus fiéis que tenham o Evangelho em seu culto (do grego evagellos = mensagem), sendo assim são evangélicos os cristãos católicos, os cristãos
protestantes e os cristãos kardecistas - estes últimos em diferença dos dois primeiros por incluírem a reencarnação em sua doutrina.
Seria assim este Cemitério dos Protestantes o primeiro cemitério público em São Paulo com registro no Brasil antes da lei de 1851 [01], que tentou evitar as inumações dentro das igrejas, embora houvesse uma grande desobediência dessa ordem, havendo sepultamentos nas igrejas até 1910, aproximadamente, conforme os registros de enterros nos arquivos públicos e
campas remanescentes no Convento do Carmo de Santos.
Neste convento, confrontando as datas e os registros de sepultamentos, podemos ver claramente que se referindo ao Paquetá dizem simplesmente:
"quadra da ordem tal no cemitério público" ou referindo-se a sepultamentos nas igrejas, dizem: "jazigo do Carmo ou jazigo do Santíssimo Sacramento" etc., portanto referindo-se a velha Matriz [02].
Sepulturas remanescentes do Claustro do Carmo
Fotos pelo pesquisador
Francisco Carballa, em 13/12/2010
Registros do livro de óbitos do Paquetá, referentes às lapides remanescentes do Claustro do Convento do Carmo [03], sendo duas ao
lado direito da porta da sacristia e duas ao lado esquerdo da porta de acesso ao claustro:
01 - Aqui jaz Joaquim Teixeira de Carvalho nasceu á 16 de janeiro de 1840 falleceu á 16 de setembro de 1880 – Tributo De amor fraternal.
Não consta no livro de registros.
02 - Lilina filha de João da Sª Olivr Pinto, dezembro 23 de 1880.
1880 dezembro 23/ Nº sepultamento 445/Dª Izolina Augusta de Oliveira/ ½ /Hemorragia pulmonar/21 anos/solteira /Brasileira/jazigo 15 sepultura 23 (nome e sobrenome do apelido próximo do que está gravado na sepultura).
03 - Aqui jaz João do Prado Carvalho nasceu á 24 de maio de 1851 e falleceu á 8 de maio de 1887 – Tributo de amôr fraternal.
1887 maio 08 /Nº sepultamento 245/ João do Prado Carvalho/emoliente ½./Febre renitinta typhoidêa / 37 anos/solteiro/ brasileiro /jazigo 07 sepultura46
04 - Restos mortaes de Eliza Ferreira Requião falleceu a 7 de julho de 1893 amor conjugal.
1893 julho 08/Eliza Ferreira Requião /31 anos/ casada/ Brasil/ ilegível/Rua da Constituição Nº 167/Syncope cardíaca/ c.deobº (certidão de óbito)/jazigo 15 sepultura 20 [04].
Sepulturas remanescentes do Claustro do Carmo
Fotos pelo pesquisador
Francisco Carballa, em 13/12/2010
Não aparece nenhuma menção sobre exumação ou traslado para o claustro do Carmo nos livros públicos; se houver algum registro, estará nos livros de óbito ou atas
das irmandades que um dia administraram essas campas nas igrejas.
Constando em uma inscrição "restos mortais", o que recorda uma exumação, assim analisando os livros de obituário do Paquetá, percebi que em momento nenhum são citadas as pessoas acima como enterradas no interior das igrejas, mas apenas é relatado
seu falecimento e inumação, burlando as leis com papéis escritos para inglês ver.
Remanescentes de outra época, essas quatro sepulturas, que foram poupadas das reformas, demonstram bem que os ocupantes do prédio secular do Convento, ainda suportaram por mais tempo o cheiro pútrido de decomposição humana
[05], fazendo parte do que se chamava na época de miasmas, exalado pelas sepulturas, ao qual já estariam acostumados por séculos de enterramentos na igreja.
Essa forma de enterro caiu em desuso na Europa [06], mas havia uma persistência no Brasil, seja pelo lucro com o dinheiro cobrado
para inumar os mortos por parte de uns, por devoção de outros e pela humilhação em ser enterrado fora das igrejas. Seja como for, essa prática foi motivo de muitas reclamações dos médicos sanitaristas e de pessoas mais instruídas, mesmo depois da
proibição.
Ainda existe uma única sepultura na Igreja Santuário do Valongo, próximo ao altar da Senhora da Conceição, que segundo os mais velhos seria usado para colocar os hábitos dos frades franciscanos falecidos, como foi o caso
de frei Chico.
Igualmente, durante as reformas do piso da igreja Matriz de São Vicente Mártir, muitas sepulturas antigas foram encontradas, algumas mantidas por motivos desconhecidos de pessoas que faleceram já em meados do século XIX, e outras mais recentes, mas
fora da proibição de inumação dentro de templos cristãos e existindo o cemitério publico na cidade.
Cemitério dos Ingleses , em pormenor de foto de Militão Augusto de Azevedo
Pela foto de Militão Augusto de Azevedo, podemos perceber vários detalhes sobre sua localização.
Existe um sulco do caminho de rodas na rua em frente ao cemitério: isso ocorreria se carroças, carros de boi, charretes ou aranhas passassem com frequência por ali, indicando assim uma rua ou caminho conhecido pela população, passando em
frente ao cemitério anglicano e pelos fundos do cemitério do Paquetá, que teria a capela finalizando o limite interno do mesmo.
Existe a possibilidade de esta foto estar invertida na sua reprodução original, pois aparece ao fundo o braço ou canal do mar, ou desaguadouro do Rio dos Soldados que pode ser um grande charco, nesse caso da lagoa usada
pelas barcas para trazer mantimentos para o Mercado Municipal, que mais tarde com os aterros permaneceu apenas a bacia velha, pois essa entrada estaria entre a Rua São Francisco (de Paula) e a atual Henrique Dias. Assim, haveria ainda a outra
possibilidade de que a mesma entrada fotografada seria na esquina do Rio dos Soldados com a Rua Henrique Dias, mas pelos mapas apenas temos identificação do terreno e não da entrada.
A mesma foto nos mostra a entrada do cemitério feita em forma de pequena casa retangular. Fazendo uso das medidas usadas em muitos locais [07], calculando essas telhas teríamos aproximadamente 2,88 metros de comprimento por 3,08 metros de largura, sem medir as duas laterais que chegaria a quase 5,30 metros, medida aproximada somando a medida de telhas semelhantes às usadas
na época
Essa entrada sofreu um acréscimo após o ano de 1846, quando foi feita ou reaproveitada de um terreno murado anterior, pois é claro o contraste
de cores entre a parte mais antiga e a nova que já estava ali em 1865 quando a foto foi feita, sendo possível ver o gradil de ferro que abriria em duas folhas, embora esteja meio apagado, segue o padrão da época sem muita arte, grades retas e de
ferro forte importado de Inglaterra, cor negra e durável, como seus remanescentes - retirados da porta esquerda de acesso ao corredor do Convento do Carmo quando foi feita a capela de Nosso Senhor dos Passos
[08]. No caso da porta do cemitério, ela seria larga o bastante para passar um caixão ou esquife no momento do enterro.
Atualmente um recuo semelhante ao da entrada pode ser visto na esquina das Ruas São Francisco com Rua Henrique Dias, recordando a antiga entrada do cemitério, mas sem haver uma afirmação ou testemunha ocular, de que seja a mesma que um dia fez
parte da foto.
As muradas do cemitério são encimadas na sua parte superior por telhas de cumeeira, dessa forma ficaria a parte de cima da murada protegida das intempéries como se faz ainda hoje; suas divisões são visíveis analisando mais de perto a foto.
A cruz que encima o frontão do portão é semelhante em forma e tamanho à que estava na Capela da Graça.
Seguindo o costume Inglês desde sua cristianização pelos padres na Idade Antiga sendo preservado mesmo depois da reforma Anglicana, seria comum que no cemitério houvesse uma igreja ou capela para congregar os Anglicanos desta região que seriam um
número considerável principalmente com a construção da ferrovia no Valongo, comércio e bancos, assim além de suas casas ou salões improvisados, onde se reuniriam antes da construção da Igreja que está no orquidário?
Observando o prédio remanescente, existente na localidade do antigo cemitério, rapidamente associamos a uma capela de outros tempos que já aparece em fotos do início do século, não ficando claro se é da antiga Cia. de águas
ou a própria capela. Analisando a construção, seria o local central do cemitério, bem ao modo inglês ainda em uso naquele país, inclusive constando nos mapas antigos uma estrutura naquele local não muito bem definida.
A construção em questão não tem a cruz como formato do corpo da nave ou presbitério do templo. Havia uma igreja anglicana na entrada de Cubatão, a Bom Pastor, que mais tarde foi vendida, tornando-se uma garagem;
vendo essa igreja, que igualmente era construída em forma de retângulo e não de cruz, recordamos uma solução simples para ter um templo religioso.
Conforme o mapa de Jules Martins de 1878, o cemitério anglicano teria um lugar confuso, pois este o situa entre a Rua Sete de Setembro e a Rua Bittencourt, o que não poderia ser, visto que a bacia do Mercado ocupa a maior
parte desse terreno, antes um grande charco, conforme fotos antigas mostram; igualmente aparece uma travessa entre a Rua Aguiar de Andrade e Rua Doutor Cocrane vizinha da Rua General Câmara (antiga Rua Áurea), inexistente
pelo menos nos dias de hoje; igualmente ele omitiu os antigos ribeiros canalizados segundo a Comissão Sanitária de Santos em 1895, portanto dezessete anos depois. Outro detalhe que desabona essa localização seria a
inexistência do Beco do Loureiro no final da Rua Conselheiro Nébias (Rua da Independência ou Caminho da Barra), da Rua Conde D’Eu, leito do Rio São Jerônimo ou o beco existente no final da Rua Frei Gaspar (antiga do Consulado).
Em outras épocas, um templo de outra religião que não fosse do cristianismo em voga no Brasil, seria muito rivalizado pelo povo menos instruído, sendo respeitado o cemitério por questões de superstição com os falecidos.
Instituído em 1846, esse Campo Santo, surgiu por vários motivos:
01 - Da falta de caridade por parte de quem deveria enterrar os mortos;
02 - Da falta de entendimento entre os responsáveis pelo defunto e as irmandades que controlavam as sepulturas nas igrejas, seja por valores monetários ou crença;
03 - Da falta de bom senso da época em inumar logo o defunto para evitar doenças contagiosas;
04 - Da falta de cemitérios públicos antes de 1851, quando a lei imperial proibiu tais inumações dentro das igrejas seguindo padrões de outros países;
05 – Da falta de humanidade se alegrando com a decomposição de uma pessoa de outro país e religião sem sepultura.
06 – Da possível visão de um bom negócio concorrendo com as irmandades pelos sepultamentos e seu lucro.
07 – Da necessidade de um local próprio para realiza as cerimônias de sepultamento dentro do rito protestante sem interferência dos cristãos católicos.
Sabemos que ocorreu uma confusão ou desentendimento para inumar um cadáver logicamente de uma pessoa que não era católica, o que forçou os estrangeiros a buscarem um local somente seu para inumar corpos, sem exploração financeira ou discriminação
religiosa.
Independente da crença, na Inglaterra todos receberiam sepultura, mas no Brasil da primeira metade do século XIX não seria assim para uma pessoa não confessora da fé Católica Romana; já foi encontrada em todo o Brasil a
localização de antigos cemitérios no meio urbano, destinados ao que se considerava "a pior ralé" [09]. Era comum que os esqueletos desenterrados
apresentassem curiosa distinção: nos sepultamentos de africanos não convertidos ao cristianismo fora da nave das igrejas, apresentavam-se com as mãos estendidas, quando na condição de cristãos tinham as mãos cruzadas sobre o peito, mas nesse caso
dentro das igrejas sob o cuidado de alguma confraria ou irmandade.
Em Santos, haveria um local para a quarentena dos escravos, quando chegados da África, para engordarem e se refazerem da dura travessia, havendo uma menção que seria no Sítio das Neves.
Logicamente nossa região teve um cemitério aos moldes do Rio de Janeiro para os Pretos Novos, não sendo nenhuma novidade que muitos morreriam aqui logo depois do desembarque, seja pelos maus tratos ou o famoso banzo, recordando que no
Rio de Janeiro em 1996 no bairro da Gamboa, ao reformarem uma residência na Rua Pedro Ernesto nº 36, os pedreiros se depararam com restos mortais humanos onde seria o antigo cemitério dos negros que, vindos nos navios tumbeiros, teriam falecido
durante sua quarentena, fazendo parte do número de vítimas do tráfico humano seriam inumados ali.
Basta recordar o filme brasileiro Vida de Menina (direção de Helena Solberg, lançado em 2004), que conta a história registrada em no diário de uma menina de Diamantina/MG no final do século XIX, onde Helena Morley, neta de um inglês que
possivelmente seria anglicano, reclama para sua avó o fato dele ter sido sepultado no meio da rua em frente ao cemitério; sendo baseado numa vida real, temos ai um exemplo do que ocorria com o sepultamento de estrangeiros no Brasil.
Quanto às lápides que um dia devem ter existido no cemitério dos ingleses, teria seguido o costume daquele país no seu formato ou simplesmente teriam uma cruz identificando o lugar. Infelizmente, fotos assim, devido ao preconceito com sepultamentos
ao ar livre ou de outra religião, hoje são raras e com um pouco de sorte haverá uma litografia, desenho ou foto que um dia sejam descobertos.
As inumações de estrangeiros eram feitas normalmente no cemitério público do Paquetá, visto que constam alemães, suecos, ingleses e norte-americanos nos registros do livro de sepultamento do Paquetá, durante as epidemias ou normalmente durante o
ano:
1882 abril 29 /Nº161/Frederico Alberto Scheminolt/ cirrose hepatite/ 40 anos/ viúvo/ alemão/ ilegível/ jazigo 03 sepultura 43.
1889 abril 06/ Oscar Nielseng/ ½. Taxa de emolientes 0 /Febre amarela/ 33 anos/ casado/ Sueco/ Capm d’navio/jazigo e sepultura sem Nº (Possivelmente coletiva, pois constam muitos sem número nesse tempo de epidemia de febre amarela).
Ou seja, protestantes e estrangeiros seriam inumados no Paquetá sem os problemas de 1846, quando a maioria dos sepultamentos ainda ocorria dentro das igrejas;
sendo assim, o cemitério dos estrangeiros teve 7 anos de importante atividade e agora estaria funcionando mais como jazigo particular, longe da exploração das irmandades que cobravam caro para enterrar alguém em suas quadras ou jazigos, desde que
não houvesse vaga pública.
A riqueza dos túmulos várias vezes citados por historiadores e jornais, acabou dando para a necrópole uma aura de local de ricos, conforme afirma a história ocorrida nos anos 50 contada por dona Margareth de Paula
[10].
Segundo dona Eleodora ou dona Dorinha, ela residia nas proximidades do cemitério do Paquetá, lugar de gente rica, e era amiga de dona Lourdes, mãe de Margarete, que tinha seis anos então de idade e dentro das histórias ela contou esta:
Antigamente no bonde só entrava homem com paletó e um homem de poucos bens foi até uma senhora que conhecia e pediu um paletó emprestado, que ele precisava ir a um lugar importante e não o tinha, aí ele pediu pra essa senhora emprestado o terno do
falecido marido, ao que disse: "Eu tenho do meu marido, mas não vou dar nem emprestar!", ao que ele retrucou, apontando o cemitério: "A senhora tá vendo lá? O orgulho termina lá no cemitério, todo mundo orgulhoso morre e aí acaba tudo isso!" Para
não ficar por baixo ela respondeu: "Lá é só pra rico, sou rica e é pra lá que eu vou! O senhor vai pra cemitério de gente pobre!"
Ou seja, ela se referia ao cemitério do Saboó, sendo uma história muito antiga até para aquela senhora.
Até as crianças e os natimortos tinham seu registro:
1880 setembro15/ Nº355/João filho de José Carvalho de Oliveira Castro / 0/ tétano dos recém nascidos/ 08 dias/ solteiro/ Brasileiro/-/jazigo 10 sepultura 24.
Na morte também haveria distinções entre as pessoas negras livres e escravas assim podemos achar inumações de escravos, sendo negros e livres chamados de africanos:
1880 setembro 17 / Nº 359/José Congo escravo de Henrique Porchat/01/causa morte ilegível/46 anos/ solteiro/ trabalhador/jazigo 17 sepultura 34.
1880 setembro 25 /Nº 372/ Inácio escravo do Barão do Embaré/ S. Casa (local da morte)/01/lesão orgânica do coração/ 40 anos/ solteiro/ Brasileiro/ trabalhador/ jazigo 17 sepultura 39.
Quando não havia mais o problema de inumações em cemitérios públicos de pessoas de distintas crenças, direito garantido pela Constituição a todos os brasileiros e residentes, o pequeno terreno do cemitério dos estrangeiros perdeu sua função
principal e, devido a muitas causas que ainda devem ser apuradas, o mesmo teve seu fim decretado e seu terreno vendido. Para tanto, sairiam várias notas no jornal A Tribuna, alertando os parentes dos mortos ali inumados que seriam exumados,
sendo nos dias: 25 de março de 1935/página 8, 27 de março de 1935/página 6 e 29 de março de 1935/página 9.
Finalmente, foram os restos mortais inumados do antigo campo santo, transferidos para a campa que teriam adquirido dentro do cemitério do Paquetá, que já havia sido aumentando em até 100% os limites do seu terreno, sem, no entanto englobar o
Cemitério dos Estrangeiros, seu vizinho mais à direita.
Medida do terreno remanescente, que pode ter seus acréscimos:
Antiga entrada em desuso quando foi feito o muro = 5.35
Lado da Rua Henrique Dias = 50.10
Lado da Rua São Francisco = 68.70
Lado do Caís = 50.20
Lado fronteiro ao canal ou Rio dos Soldados = 38.60
Assim eu pude medir o terreno que ali existe ainda hoje e chegar próximo do que foi um dia o limite do cemitério dos Ingleses ou Protestantes.
Pesquisa:
Arrabaldes - Álbum de Militão de Azevedo
Site Novo Milênio/O Bonde.
Mapas antigos de Santos – Jules Martin 1878
Telhados Tradicionais – Jorge Eduardo Lucena Tinoco – Centro de estudos avançados da conservação integrada – Pernambuco – 2007.
Arquivo e Memória de Santos – Obituários de Santos entre 1878 a 1896.
Hemeroteca do Jornal A Tribuna - exemplares de fevereiro e março de 1935
Memórias da cidade do Rio de Janeiro
Relatos de populares recolhidos entre 1977/2012.
Notas:
[01] - Devido ao porto e seus negócios, a quantidade de estrangeiros que administravam tais formas de comércio eram muito grandes
por aqui assim como em todas as cidades de portos importantes no território Brasileiro.
[02] – Na foto de 1906 quando foi inaugurada a estátua de Braz Cubas, a mesma Matriz já está sem telhado, parte de seu frontão e
sem a cúpula da torre o que indica o processo de demolição anterior ao ano de 1908 como afirmam alguns, podendo ser entendido que essa seria a data em que o prédio da mesma igreja havia desaparecido por completo, o que seria muito tempo naquela
época onde um prédio seria demolido no máximo em menos de um ano.
[03] – Podem ser vistas com sua arte típica de baixo relevo em mármore branco do final do século XIX no claustro que tem
um cruzeiro do Convento.
[04] – Eram registrados da seguinte forma no obituário:
Ano / mês / dia / número da inumação/ nome / emolientes da fábrica / moléstia / idade / estado civil / naturalidade / profissão / número /jazigo /sepultura, posteriormente constará o endereço.
[05] – Após o falecimento da pessoa, o corpo entra em processo de decomposição, mesmo a vedação com cimento deixa passar um gás de
cheiro pútrido e forte que impregna todo o local - processo natural que pode ser visto ainda hoje nos cemitérios públicos, como pude presenciar um dia após o sepultamento de um parente em 1991.
[06] – Reclamações de monarcas, médicos, autoridades e pessoas ilustradas deixaram notificações sobre esses problemas de
sepultamento interno são registrados no Brasil e na Europa.
[07] - Medida característica de uma telha conhecida por calha, usada por muito tempo no Brasil, sendo apenas aqui um calculo
aproximado, pois para haver uma certeza eu teria que ter uma das telhas que um dia existiram na pequena estrutura.
Telha Calha - Boca parte maior 18 cm.
Telha Calha - Corpo comprimento 57 a 58 cm.
Telha Calha - Cauda parte menor 13 cm.
Temos assim, baseando-se na foto de 1865, 14 fileiras de telhas com as divisões mais as telhas intermediárias de 12 sulcos para segurar as telhas invertidas e canalizar as intempéries; teríamos uma medida aproximada que daria ao prédio 18 x 14 =
2,52 cm com o acréscimo de aproximadamente de 3 x 12 = 36 cm. Sendo assim 2,52 cm + 36 cm = 2.88 cm de comprimento. Já as telhas do frontão seriam 5 x 30 cm a 58 cm = 3,8 cm; contando com os encaixes, teríamos as medidas de 2,88 cm de
comprimento por 3,8 cm de largura.
[08] - Custeada por dona Conceição, membro da Confraria da Adoração Perpétua e autorizada pelo frei Mario Bastos no final dos anos
70, constando sua inauguração em notícia de jornal.
[09] – Ralé, designação preconceituosa para todos os membros da sociedade discriminados pela condição social, opção, religião etc.
[10] – Margarete de Paula Moreira da silva (caçapavense e santista - 52 anos) |