Às 16h45, início da procissão, na escadaria frontal do prédio hospitalar
Foto enviada a Novo Milênio pelo professor de História e pesquisador Francisco Carballa
Festa de Santa Isabel de Portugal
Dia 2 de julho
Francisco Carballa [*]
O dia de Santa Izabel de Portugal [01] festeja a padroeira, cofundadora e idealizadora da Santa Casa, sendo o Hospital de Santos o mais antigo das Américas
fundado por Braz Cubas em 2 de julho de 1543 com o nome de Santa Casa da Misericórdia de Todos os Santos, emprestando seu nome à cidade que resultaria da Vila do Enguaguaçu. Por isso, houve durante muito tempo certa querela
entre o bispo dom David e o hospital santista, pois o dia da Santa é 4 de julho.
Mas, pendengas de sacristia à parte, a festa ocorreu sempre, menos no ano em que faleceu o provedor justamente no horário da
procissão [02].
Quando a Santa Casa estava na terceira sede, a da Avenida de São Francisco (de Paula), o andor de Santa Isabel pela manhã era levado pelos corredores do hospital e depois da capela de São Francisco de
Paula saía pelas ruas próximas do local, segundo o que narra o senhor Clovis Benedito de Almeida (que frequentou o local com sua família e chegou a acompanhar a festividade). Conta ele que havia a procissão na parte da tarde, que saia da capela
de São Francisco de Paula, descia as escadarias e dava a volta ao prédio da Cadeia Velha, retornando para a capela; em algumas ocasiões havia uma missa na frente daquela detenção santista, e ali o
povo se aglomerava, sendo que - ao término da celebração eucarística - dentro do prédio, no pátio da cadeia, os presos soltavam o balão junino que era uma atração e tradição do local. Em alguns anos, era soltado mais de um
balão.
Também era e é costume que muitas inaugurações sejam feitas nesse dia, igualmente o almoço servido para os funcionários é muito especial no seu cardápio, havendo certa discussão quanto ao consumo dessa deliciosa comida
[03].
Antes, os refletores da Base Aérea nesse dia ficavam cortando o céu durante a noite e assim eram vistos de
pontos distantes de nossa cidade; recordo-me que no ano de 1967 pude ver os mesmos e depois constatei que era a festa da Santa. Hoje esse costume caiu em desuso.
Já faz muitos anos que os festejos começavam cerca de 19h00 com a tradicional saída pela escadaria de acesso onde está o busto de Braz Cubas, a imagem da Santa dali levada sempre por militares; a procissão se dirigia para a capela em um grande
espetáculo de velas, mas a partir do início dos anos 1990 mudaram o horário para 16h30, tendo meia hora de percurso, explicando que muita gente poderia tropeçar de noite e assim ficaria melhor que fosse mais cedo,
Podemos ver ainda hoje saindo pela alameda em frente ao hospital no sentido praia, vai desfilando até a Avenida Doutor Cláudio
Luis da Costa, virando na Avenida Francisco Manuel e finalmente se recolhendo na capela onde será celebrada a missa. Ali, depois da benção e distribuição das rosas que são sacramentais [04] para os devotos, ocorre uma farta distribuição de pedaços de um bolo cor de rosa e branco com o desenho da Santa, que é colocado em frente à porta da capela.
A procissão segue uma hierarquia de associações segundo sua fundação: Cruz processional abrindo o sacro cortejo, [05] levada pela Pastoral da Saúde e logo atrás o estandarte, seguem-se as Voluntárias da Santa Casa com sua tradicional cor amarela nos uniformes, depois vêm as Rosinhas da Associação de Santa Isabel de Combate ao
Câncer com seu uniforme cor-de-rosa, a Comissão de Controle de Qualidade da Santa Casa com seus uniformes brancos com verde, e finalmente o andor com o povo e os padres Camilianos. Todos vão cantando os hinos de procissão e rezando o terço, e
quem quiser recebe velas para usar na procissão.
Antes a banda militar acompanhava o pequeno percurso, mas depois ocorreu uma perda dessa tradição musical ficando apenas uma apresentação até a hora da procissão e assim se alterna entre a apresentação da banda do 6º Batalhão de
Polícia Militar, da Base Aérea ou da Banda Carlos Gomes [06].
A imagem de Santa Isabel era de grande porte, até quando trouxeram de Portugal (do convento das Clarissas de Coimbra) uma típica imagem da iconografia portuguesa, sendo a de Santos uma iconografia caipira muito popular do Brasil.
Essa imagem tem uma interessante história contada pela irmã Melita [07], dizendo ela que a outra peça teria se
danificado; sendo muito antiga, foi substituída por uma nova que os portugueses devotos foram buscar em São Paulo e a trouxeram no colo no carro que os transportou - descendo pela Serra do Mar com todas suas curvas; ao chegar a Santos, foi benzida
e entronizada na Santa Casa.
Até bem pouco tempo, a imagem ainda era enfeitada com correntes, adornos e pingentes de prata e ouro [08], durante a festa que teve a participação do Pastoreio de Fátima.
Quando a missa acabava, a Irmã Brígida fazia questão de colocar na vitrola o disco do antigo Coral da Santa
Casa, do qual ela foi a dirigente [09].
Em Portugal, como recordava o senhor Mateus [10] que muitas vezes visitou o corpo incorrupto venerado na igreja das irmãs Clarissas de Coimbra - a Santa Rainha Isabel está exposta em uma urna com cristais, por onde o povo passa e a contempla, havendo até
uma quadrinha para ela dedicada pelos estudantes da Universidade de Coimbra:
Quando a estudantada canta;
Canções sentimentais;
Dizem que a rainha Santa;
Vem ouvir junto aos vitrais.
HINO DE SANTA ISABEL DA SANTA CASA DE SANTOS
Em teu regaço gentil;
Santa Izabel protetora;
Dos hospitais do Brasil;
Guarda aprece imorredoura;
Que de nossos corações;
Entre sonhos e ilusões;
Se evola para o infinito;
Onde teu trono bendito;
Tem luz de constelações.
Mãe de amor e bondade;
A Santa Casa é teu templo;
Onde sempre a caridade;
Que nasceu do teu exemplo;
Será um círio a brilhar;
Como farol sobre o mar;
Como estrela matutina;
Que surgisse entre neblina;
Para o naufrago salvar.
Às 16h50, a procissão já na Avenida Dr. Cláudio Luiz da Costa, com a Pastoral da Saúde,
vendo-se o cruciferário, os lucernários e o estandarte
Foto enviada a Novo Milênio pelo professor de História e pesquisador Francisco Carballa
Notas:
[01] Embora seja conhecida como lusitana a Santa é espanhola, natural de
Saragoça (nascida em 1271 e falecida em 1336). Ainda jovem, foi dada em casamento a dom Dinis de Portugal, sendo que sua sogra dona Leonor fundara o primeiro hospital da Misericórdia. Uma vez na
responsabilidade de dona Izabel de Aragão, ela o estendeu a todo o reino, onde houvesse portugueses.
[02] Nesse dia 2 de julho, com a morte do "Carvalhinho" a procissão
desfilou pelos corredores térreos do hospital até a capela, onde ocorreu a missa, sem toda a cerimônia usual.
[03] Essa discussão ocorre por parte dos funcionários protestantes quanto a consumir ou não a
refeição servida no dia, que vai desde pernil assado com batatas até outros pratos mais caros, sendo que acusam a Santa idealizadora da instituição de ser uma entidade ou ídolo (palavra designada para uma divindade), o que não é apropriado para a
serva de Deus. Sendo assim, essa acalorada discussão não ocorre com o salário recebido pela mesma instituição.
[04] Sacramental é um objeto, palma, flor ou água benta que transporta uma benção. No caso das rosas,
elas são usadas pelos fiéis em forma de chá feito com suas pétalas.
[05] Mais alta que as cabeças humanas, nos recorda que Jesus veio antes de todos os cristãos.
[06] Segundo as beatas, o grande número de protestantes nessas instituições musicais seria a
verdadeira causa do fim da participação dessas bandas nas procissões, a despeito das várias desculpas apresentadas.
[07] A irmã Melita é muito conhecida: com a irmã Brígida, foram contemporâneas da fundadora de sua
Ordem a Santa Madre Paulina, havendo nos anos 1980, quando trabalhei no laboratório da Santa Casa, uma brincadeira de algumas enfermeiras que sem ela saber a chamavam de irmã coador, por causa da marca Melitta de coadores de café feitos de
papel branco.
[08] Costume da Espanha e Portugal, mantido também no Brasil até recentemente.
[09] Ainda hoje ela trabalha na capela. atendendo nas enfermarias os doentes, contando-se que, quando
ela foi responsável pela maternidade, se escutasse uma criança chorar, rapidamente corria para o local e chamava a atenção das enfermeiras. Ainda, no laboratório de Patologia Clinica, perguntava antes dos exames serem liberados, para os novos
patologistas, que se o exame fosse da genitora eles o liberariam. Mostrou assim grande responsabilidade para com o próximo.
[10] Foi o provedor nos anos 80 da Irmandade de Nossa Senhora de Fátima da Catedral, sendo natural
de Portugal. Contava que em certa ocasião uma mulher, fora de si, abraçou o corpo com força; ao tentarem tirá-la dali, ela se manteve abraçada, puxando o corpo para fora da urna, causando má impressão no povo presente. Por isso, as irmãs passaram a
ter certa cautela com as visitas dos devotos.
[*] Francisco Carballa é professor e pesquisador em Santos.
O estandarte em homenagem a Santa Isabel
Foto enviada a Novo Milênio pelo professor de História e pesquisador Francisco Carballa
O andor iluminado, com a imagem de Santa Isabel adornada com colares de ouro, transportado por soldados do Exército na procissão
Foto enviada a Novo Milênio pelo professor de História e pesquisador Francisco Carballa
Bandeira da Associação de Voluntários da Santa Casa (Avosc), na procissão
Foto enviada a Novo Milênio pelo professor de História e pesquisador Francisco Carballa
Bandeira da Associação Santa Isabel de Combate ao Câncer ("Rosinhas"), na procissão
Foto enviada a Novo Milênio pelo professor de História e pesquisador Francisco Carballa
Bandeira da Comissão de Controle da Qualidade da Santa Casa da Misericórdia, na procissão
Foto enviada a Novo Milênio pelo professor de História e pesquisador Francisco Carballa
Após o grupo dos voluntários (em amarelo e branco), passam (de acordo com a ordem cronológica de criação desses grupos), as "rosinhas" do combate ao câncer
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