Manoel
Joaquim Ferreira Netto
Imagem: GeneAll.net (consulta em 28/7/2012)
Manoel Joaquim Ferreira Netto
Francisco Carballa
Nasceu em Portugal em 17 de junho de 1808 na cidade do Porto na
casa de Rosende,
freguesia de São Pedro da Raimonda, Concelho de Paços de Ferreira,
distrito do Porto (N. E.: atualização feita em 22/5/2013 por seu sobrinho-trineto,
Rui Carneiro de Barros, professor na Universidade do Porto) sendo seu pai José
Ferreira Neto Leão de Rosende e sua mãe Maria Joaquina Coelho Rodrigues Camelo. Teria imigrado para o Brasil em 1838, tornando-se negociante no Rio de Janeiro, sendo possível que tenha residido lá ou apenas mantido negócios
ali por ser a capital do Império; e poderá ter sido 1855 o ano em que recebeu o título de comendador.
O título de comendador concedia o tratamento de "Senhoria" ao contemplado. Possivelmente, se aplica ao título de comendador de Manoel Joaquim Ferreira Neto a Ordem da Rosa, com a
qual Dom Pedro II, durante seu reinado, agraciou 14.284 cidadãos, entre eles os comerciantes bem sucedidos, como foi o caso dele.
Temos afirmações históricas que ele residiu em Santos, sendo conhecido como comerciante e construtor de imóveis comerciais e residenciais na região devido ao seu porto e comércio.
Assim, em um relato, temos esta afirmação: "Os velhos armazéns de sal foram sendo adquiridos pelo comendador Manoel Joaquim
Ferreira Netto, no início de 1860, como parte de um complexo imobiliário que o comerciante pretendia reunir no logradouro. Investimentos que se incorporavam à ponte sobre o mar, no prolongamento da Rua do Sal, para a ancoragem do navio Santista,
que o empreendedor encomendara aos estaleiros da Cidade do Porto, em Portugal" (citado no jornal santista Revista Comercial, em 30 de março de 1865, página 2; e em 10 de junho de 1865,
página 3).
O Valongo era então um bairro considerado da classe pobre, justo nessa época em que foi construída a Estação São Paulo Railway
ocorreu o famoso "milagre de Santo António", que atraiu a atenção do povo e conferiu à igreja o status de Santuário (lugar onde ocorre um milagre à vista de muitos fiéis cristãos e que
guarda algo importante).
O comendador trabalhou muito, permutando ou comprando os terrenos, velhos casarões e armazéns da região que teriam preço menor que a parte do Outeirinhos
e Matriz. Assim, foram construídas moradias de melhor qualidade para pessoas de melhor poder aquisitivo, o que ajudou muito a transformar toda a região do Valongo e Bairro
Chinês - isso demonstrou sua habilidade em fazer negócios.
Como todo cristão convicto da época, e de bom poder aquisitivo, tornou-se membro caridoso de uma instituição lusitana: já em 1855 fazia parte da Irmandade da
Santa Casa de Misericórdia, sendo provedor na cidade de Santos na sua terceira sede, que funcionava na Igreja de São Francisco de Paulo no sopé do
Monte Serrat, no ano de 1847 a 1848.
A antiga Rua do Sal, como era conhecida, hoje é chamada de Rua José Ricardo. Na confluência com a atual Rua do Comércio (antiga
Rua Santo António), edificaria ele sua residência, conhecida agora como Casa da Frontaria Azulejada, nos números 92 a 98.
Seria sua última residência: um casarão em estilo neoclássico com arcos muito usados no Segundo Império por todo o Brasil; era o ano de 1865, e aparece inclusive na foto do famoso
Militão de Azevedo no mesmo ano, com os andaimes de construção na fachada; quando se fala dessa construção logo se fala do comendador, pois os dois estão ligados à história de Santos.
Rua Santo Antônio, vista desde junto à Rua do Sal, em foto de Militão Augusto de Azevedo
Foto: coleção Arnaldo Aguiar Barbosa/IPHAN, reproduzida no livro
Santos e seus Arrabaldes - Álbum de Militão Augusto de Azevedo, de Gino Caldatto Barbosa (org.), Magma Editora Cultural, São Paulo/SP, 2004
Essa verdadeira mansão, com duas escadarias de acesso para o nível superior, tinha um grande vão na parte central, o que garantia muita ventilação e iluminação pelo sol. Havia nela
muita mobília de boa qualidade e um aparelho de som semelhante a uma enorme caixa de música com discos de metal perfurados e que segundo diziam havia pertencido ao comendador Netto. A construção possuía buzinotes ou pequenos canhões de bronze nas
sacadas para escoar águas pluviais.
Assim, seguindo o costume da época, tinha na parte superior um grande espaço para a família, afastando as pessoas das pestilências e umidades da rua, e na parte de baixo funcionava
um depósito, comércio ou armazém, constando que naquelas épocas diziam que ele negociava escravos nas partes do fundo da casa onde ainda hoje existem em um andar superior vários bancos de alvenaria numerados que se acredita servirem para sentar os
escravos recém-chegados da África que o mesmo comendador vendia em tempos em que tal comércio era proibido por haver a lei que proibia o tráfico negreiro.
Era comum - durante a passagem da procissão do Senhor Morto, na Sexta Feira Santa - os moradores do casarão aparecerem nas sacadas para fazer uma prece ou
simplesmente olhar o sagrado cortejo. Foi quando fiz amizade com moradores que frequentavam o Valongo e entrei na casa em 1978, quando era um cortiço, antes da edificação perder seu andar superior. Pude ver o enorme aparelho de música mecânica,
assim como uma cabine telefônica semelhante às da Inglaterra, alem do grande vão, as duas escadarias com seus balaustres grossos de madeira e as terminações do corrimão que eram encimadas por uma esfera de madeira.
Pude ver os famosos bancos numerados e a forma de U que a parte superior da casa possuía, havia ainda um enorme móvel tipo pechiché francês
(N. E.: móvel em estilo art déco, com grande espelho inclinável, para reflexão inteiriça. O nome vem do francês psyché. Vale notar que esse estilo se definiu em 1925 em Paris, com a
Exposition Internationale des Arts Décoratifs et Industriels Modernes, sendo antecedido pela coiffeuse (toucador, em português), com espelho menor, às vezes tríptico, e surgida por volta de 1700) com colunas salomônicas e um oratório jogado em um canto que diziam "ser do tempo do comendador".
A casa, depois de roubarem as calhas, começou a ruir pela destruição das intempéries, sendo abrigo de desocupados e posteriormente tendo toda sua estrutura interna derrubada; foi
nesse período que desapareceram os buzinotes do frontão e os que tinham debaixo das sacadas - que recordavam uma flauta, acabando em uma esfera de bronze com lindas folhas de café.
Os curiosos azulejos de alto relevo que encobrem parte da fachada são idênticos aos que se fabricavam e ainda existem na Espanha.
Segundo se diz, mas até agora não foi comprovado com escavações ou prospecções no solo, essa casa possuía um canal que a ligaria ao mar, sendo hoje entulhado e, portanto aterrado.
Sabemos que naqueles anos não havia o costão do cais do porto, existindo em seu lugar muitos trapiches; o comendador tinha posse de algum. Mas, se fosse como dizem, seria uma espécie de
marina particular por onde poderia desembarcar os negros do comércio proibido, inclusive pelos mesmos não cumprirem a quarentena exigida em tempos antigos, quando ficariam na Ilha das Neves até completar essa
exigência (que evitaria a difusão de doenças africanas ou apenas serviria para engordar os escravos, que vinham muito debilitados dos porões dos navios tumbeiros).
A Câmara Municipal, em 29 de maio de 1860, permutou com Manuel Joaquim Ferreira Neto um terreno no "Porto do Bispo" por outro que ele possuía ao lado do
Ribeiro de S. Jerônimo. Isso foi acertado e feito porque ele iria iniciar a construção mais alta da região, de frente à atual estação da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí,
quando finalmente surgiram os dois casarões do Valongo. Sendo assim, ele é o responsável pela idealização ou construção dos prédios conhecidos como casarões do Valongo - sendo um de 1867 e o outro de
1872, o que indica que o último ter sido terminado dentro do projeto por outras pessoas. De uma de suas sacadas, dom Pedro II cumprimentaria a população. A Câmara se mudou para lá em 1896, ali permanecendo até 1939.
O comendador era conhecido por sua benemerência, da qual teve muito apreço, o que não se aplica aos negros escravos. Participou da vida política na Câmara de Santos como vereador a
partir de 1865.
Faleceu no ano de 1868, sendo inumado no Paquetá onde um túmulo foi mandado fazer por sua viúva depois de seu sepultamento no cemitério então recentemente
construído (foi inaugurado em 1853). O famoso sepulcro em estilo neogótico que se encontra no lado esquerdo - encostado ao corredor interno que passa pela frente do Campo Santo na quadra da Ordem Terceira de Nossa Senhora do
Carmo - ainda permanece majestoso, mas sua cruz ponteira foi perdida durante uma tempestade quando um raio a teria atingido (em outra versão, teriam sido os galhos de uma árvore que estava apodrecendo).
Na grande lápide pode se ler esta inscrição em português imperial:
"A memória do Commendador Manoel Joaquim Ferreira Neto em signal de respeito e tributo de gratidão mandou erigir este mausoleo
sua viúva D. Thereza Luiza Centeno Netto. Orae por elle. Nasceu em 17 de junho de 1808 falleceu em 05 de abril de 1868.” Ao que consta ele não teve descendentes".
No Arquivo e Memória de Santos, pode ser visto o registro referente ao seu passamento com uma dúvida sobre a idade do finado, sendo apenas justificada por um possível equivoco
inclusive no que se refere à sua nacionalidade.
REGISTRO DO LIVRO DE ÓBITOS DO CEMITÉRIO DO PAQUETÁ DE SANTOS
(INÍCIO 01/I/1865 ATÉ 12/IX/1875)
Nesse livro, eram registrados na diagonal todos os dados dos enterramentos, de forma a ocupar uma linha única, escrita em caneta bico de pena. Assim, no verso da página 35 e na
frente da página 36, vigésima linha, lemos:
Nº de Sepultamento |
70 |
Anno |
1868 |
Mez |
abril |
Dias |
05 |
Nº dos sepultados |
70 |
Nome |
Manoel Joaquim Ferrª Netto |
Doenças |
Gangrena |
Idade |
58 |
Estado |
Casado |
Nacionalidade |
--\\-- |
Condição |
Livre |
Nº Jazigo |
3 |
Nº das sepulturas |
18 |
Obs:. Condição Livre ou escravo |
Quanto à origem, era comum que muitos portugueses, depois do dia 7 de setembro de 1822 - em que foi proclamada a Independência do Brasil por dom Pedro I (IV em Portugal) - evitassem
o uso da nacionalidade em seus documentos.
O "Nº dos sepultados" é o número da pessoa que foi inumada naquele cemitério, criando-se uma ordem crescente desde o dia 1 de janeiro de 1868.
A travessa que existe atrás dos dois sobradões que ele construiu no Valongo tem seu nome, sendo o local conhecido como Rua Comendador Neto.
Esse logradouro se inicia na Rua do Comércio e termina na Rua António Prado, tendo apenas uma quadra.
Pesquisa:
Site Novo Milênio/O Bonde.
Site Casa Imperial do Brasil (ordens).
Visita a casa de frontaria azulejada em 1978.
Fundação Arquivo e Memória de Santos.
Senhor
Rui Carneiro de Barros – parente em Portugal |