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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Igrejas
A antiga Igreja São Francisco de Paulo

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Artigo enviado a Novo Milênio pelo autor, o professor de História e pesquisador Francisco Carballa, em 7/10/2007:
 


Foto: álbum Exploração do Littoral - 1ª secção - Cidade de Santos á fronteira do Estado do Rio de Janeiro, da Commissão Geographica e Geologica do Estado de S. Paulo, impresso por Typographia Brazil de Rothschild Co., S. Paulo, 1915.

 Acervo da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio (SHEC) de Santos

São Francisco de Paulo da Santa Casa velha

Francisco Carballa

Existiam em sua capela as seguintes devoções, Menino Jesus, Santa Isabel com São João Batista Menino, São Zacarias, São José, São João de Deus, Santa Isabel de Portugal, o Crucificado e São Francisco de Paulo, cuja imagem que ficava no altar era de estatura quase natural, e embora vestisse túnica, usava roupas de verdade que eram confeccionadas pelo senhor Manuel Oliva, da Alfaiataria Oliva, que ficava na Rua Martim Afonso, nos anos 40 dos século XX.

Também a irmandade possuía outra imagem de menor porte, de barro, para as procissões. Essa imagem, hoje em dia, tem seu paradeiro ignorado, depois que foi arrematada em um leilão promovido no hospital da Santa Casa nos anos 70, quando a instituição santista enfrentou grande crise financeira, sendo suas antigüidades usadas para arrecadarem os fundos necessários, para salvá-la do desaparecimento.

Já a outra imagem, feita de madeira e revestida com massa, está em exposição no Museu de Arte Sacra de Santos (MASS), despojada de suas vestes religiosas, apenas usando uma túnica de cor marrom; comparando com a foto atual, é fácil perceber a semelhança dela com a antiga, inclusive por a mesma ser de tamanho natural. Quanto às mãos estarem em posição inversa à da foto, isso se explica porque a mesma imagem estava quebrada e foi restaurada, o que inverteu a posição antiga das mãos do santo (segundo Wilma Terezinha, vice-diretora do MASS). Não possui mais seu dístico de madeira com pintura onde se lia a palavra Charitas (caridade), e seu flamejante fogo pintado.

São Francisco de Paulo, nascido em 1416 na cidadela de Paulo da Calábria (Itália), dedicou toda sua vida a Deus, sem limites, e morreu aos 91 anos em 2 de abril de 1507; foram reconhecidos seus atos heróicos, como dignos de imitação e veneração, pelo Papa Júlio II, sendo ele beatificado pelo Papa Leão X em 7 de julho de 1513, e canonizado em 1º de maio de 1519.

Ele foi o titular orago da igreja da Santa Casa velha, e talvez tal devoção tenha surgido justamente quando, passados 44 anos de sua morte, no dia 2 de fevereiro de 1551 (dia em que o Santo é festejado) a instituição recém fundada em Santos recebeu o compromisso da Irmandade, que seria idêntico ao que fora instituído em Lisboa para todas as instituições da Misericórdia em 1498, por dona Leonor, rainha de Portugal e sua fundadora. Esse documento foi trazido por Pedro Cubas.

Consta no mapa feito com base em documentos antigos da Vila de Santos de 1765, e posteriormente em 1801, a existência da igreja de São Francisco de Paulo, sendo que esta planta não é da época e sim uma reconstituição, de documentos antigos.

Existe ainda um relato de que a dita igreja começou a ser erguida ou reconstruída por seus devotos - que não constituíram irmandade como seria o costume, pois eram responsabilidades dos associados a manutenção do templo, o enterramento dos irmãos falecidos e a devoção cristã. Igualmente, como ocorreria como as demais, constituindo - segundo o que disse um morador antigo da região, uma confraria.

Também existe uma referência anterior de que ali fora construída a capela de São Jerônimo, no pequeno monte que recebeu seu nome, sendo a subida para o cimo do Monte Serrat por ali. Não podemos esquecer que ali foi localizada uma das propriedades de Braz Cubas, e seria natural que, do fundador da Misericórdia, fosse a mesma beneficiada por tal terreno, ou que por questões óbvias de haver facilidade em se pedir a concessão do terreno, por questões de haver uma afinidade justificada entre o fundador e os suplicantes do terreno, já que no mesmo local havia morado Braz Cubas, e ali estariam os restos de uma de suas casas e capela.

É importante relembrar, e não podemos esquecer, que - por ser um descendente de cristãos novos (convertido à fé cristã) - precisaria demonstrar sua fé através de obras para retirar toda e qualquer dúvida de sua unção católica. Como o sítio de São Jerônimo ali já existia antes de 1532, das terras que recebeu por sesmaria seria natural que mantivesse a casa e capela com algumas melhorias. Muitos eram os cristãos novos, chamados de marranos, que possuíam um oratório em casa com imagens de santos e também lâminas (pinturas), geralmente judeus do Antigo Testamento, mas - sem a bisbilhotice dos vizinhos -, praticavam seus rituais semíticos em paz. O que podemos fazer seria uma investigação no seu testamento.

Sua imagem foi transladada da Matriz onde estava e entronizada por esta mesma irmandade em 1831, na antiga capela conhecida pelo nome de São Jerônimo (segundo alguns relatos), que passou por uma grande restauração, recebendo o título do Santo fundador dos Mínimos, sendo um dos carismas de sua ordem justamente o cuidado com os enfermos, pois ao lado dessa capela foi erguido o hospital, sendo esse a terceira sede da Misericórdia em Santos. Também será esta a origem da Rua de São Francisco de Paulo, hoje conhecida apenas como Avenida São Francisco.


Capela da Santa Casa de Misericórdia em 1902
Imagem: edição especial da Revista da Semana/Jornal do Brasil, janeiro de 1902, página 3
Publicação no acervo do historiador santista Waldir Rueda

Conheceu o sr. Clovis Benedito de Almeida muito bem essa capela, pois era onde sua família freqüentava para participar das missas e orações. Conta-nos ele que o corredor do primeiro andar, que ia na direção do Monte Serrat, era todo revestido com lindos azulejos azuis, que no meio possuíam uma flor semelhante a um crisântemo amarelo e em alto relevo. A parte de cima onde terminavam os azulejos estava toda arrematada por um lindo acabamento também de azulejos. Iinforma ainda ele que essas peças da parede eram muito cobiçadas por pessoas que as queriam comprar, talvez por sua antigüidade e procedência da Europa.

Também estavam nesse corredor os quadros que hoje se encontram no prédio atual. Sua mãe, dona Paulina Freire (nascida em Santos em 6 de junho de 1908 e falecida no Rio de Janeiro em 12 de fevereiro de 1987), era velha conhecida das freiras que do velho hospital foram para o novo, pois cedia flores para os defuntos pobres e indigentes como forma de caridade. Em 1951, devido à enfermidade de seu pai, o motorneiro João F. Almeida (o popular português Bacalhau), chegaram a conhecer esse hospital e as irmãs Brígida e Mellita, que ainda hoje estão trabalhando na capela do hospital e nas enfermarias.

Em 1955, a velha igreja do sopé do Monte Serrat já estava condenada ao desaparecimento, sendo sua proprietária a Caixa Econômica Estadual (do Governo do Estado). Mas, existe uma referência - nas atas da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos - de que recebera da Irmandade de São Francisco de Paulo uma solicitação para depositar seu orago que estava na velha matriz. Isto talvez se refira justamente aos membros de sua humilde confraria e que estivessem na Matriz, pois esta se encontrava no processo de demolição entre 1906/1907. Mas, em fotografia de 1922, o mesmo santo está na igreja da qual era orago, ficando assim essa referência à já citada imagem pequena de barro.

Quando foi ereta a capela do novo Hospital da Misericórdia no Jabaquara, o orago passou a ser a rainha Santa Izabel de Portugal e no vitral do presbitério a antiga padroeira da irmandade, Nossa Senhora da Visitação, mas um relato de uma religiosa afirmava que a mesma imagem do santo (usada nas procissões), ficou na escadaria do quarto andar das janelas de varanda com arcos, onde elas residiam, até o leilão que causou seu desaparecimento - talvez da referida imagem de pequeno porte.

Ficou o santo longe de seus devotos desde os anos 50, sendo que agora existe a possibilidade desta mesma irmandade resgatar tal devoção (para ela, histórica, pois ele é considerado o patrono dos provedores e aquele que provê as necessidades): uma imagem sua hoje se encontra na entrada da capela, recentemente doada por um devoto seu, e esta imagem chegou a confundir a religiosa irmã Brígida como sendo a antiga usada nas procissões, segundo sua afirmação, quando disse: "Já estava com saudades desse velho!"

Existe uma nova capela na quarta sede do Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Santos, e nela figura como oraga a rainha Santa Izabel de Portugal (nascida em 1271 na Espanha e falecida em 1325 em Portugal). Essa rainha, abraçando o projeto da rainha dona Leonor, idealizou estender a Casa de Misericórdia a todos os recantos onde existisse o povo português, motivo pela qual é padroeira dessas instituições.

O paradeiro de sua antiga imagem de barro, hoje é ignorado (pois teria caído do andor durante uma procissão na década de 60 do século XX, quebrando-se). Então, os portugueses devotos foram até a capital paulista, onde compraram uma imagem nova e de bom porte, seguindo a iconografia paulista da Santa Rainha, que foi trazida no colo dos que ocuparam os bancos de trás do carro que os conduziu até a capela, segundo informação da religiosa que cuida dessa capela (irmã Mellita). Até o ano de 2003 foi essa mesma imagem usada nas procissões do dia 2 de julho (sendo seu dia oficial no calendário da igreja 4 de julho), toda adornada com antigas jóias de ouro e prata, até ser trazida uma de menor porte do convento das Clarissas de Coimbra (cidade portuguesa onde repousa o corpo incorrupto da Rainha Santa).

Restam ainda, como lembranças fragmentadas dessa antiga igreja, a cruz do frontão que está nos jardins externos do hospital. Nos jardins internos que circulam a capela encontramos os sinos e a ponta esférica de pedra que foi o cimo da torre e suporte da ponteira da estrutura, além de algumas estátuas em alvenaria - que, segundo alguns, estavam na terceira sede do prédio - estarem espalhadas por ali.


A igreja e o hospital, em cartão postal possivelmente anterior à Primeira Guerra Mundial
Imagem: acervo do professor e pesquisador santista Francisco Carballa

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