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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - GREVE! - LIVROS
A Barcelona Brasileira (2)

Clique na imagem para voltar ao índiceEntre 1879 e 1927, Santos foi o centro de um dos três principais movimentos de reforma social no Brasil, tornando-se conhecida como a Barcelona Brasileira, em razão da chegada de grande contingente de imigrantes ibéricos, fortemente politizados, participantes ativos da corrente do anarco-sindicalismo. Santos tinha também uma imprensa engajada nas questões sindicais, com cerca de 120 jornais e revistas. Apesar disso, este período da história santista e brasileira foi muito pouco estudado.

Foi o que levou o jornalista e historiador Paulo Matos a produzir este material (que obteve o primeiro lugar do Concurso Estadual Faria Lima-Cepam/1986, da Secretaria de Estado do Interior de S. Paulo). Ampliado e revisado, para publicação em livro, tem agora sua edição pioneira em Novo Milênio:

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Santos Libertária!

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Imprensa e história da Barcelona Brasileira 1879-1927

PARTE I - SANTOS LIBERTÁRIA!

Introdução

Por quê falarmos deste período, que foi um marco histórico, entre 1879 e 1927, neste trabalho sobre a Barcelona Brasileira, quando Santos era assim intitulada mundialmente por sua expressão nas lutas sociais, comparada à tenacidade desta que é a Capital da Catalunha, na Espanha?

Porque esta fase concentra uma trajetória importante na transformação social, pela garantia dos direitos da maioria, que vai da derrubada da escravatura à luta pelo resgate dos direitos fundamentais e essenciais da pessoa humana, em diversas performances organizativas.

Estas performances começam aqui na vigorosa luta abolicionista, quando Santos era chamada Território Livre dos escravos. E depois, com a solidariedade expressa em entidades de apoio mútuo (a Humanitária, de 1879), que teve nela uma das três primeiras expressões brasileiras no setor de apoio aos trabalhadores - o mutualismo -, depois de Pernambuco (1841) e Rio de Janeiro (1853).

A chegada à radicalização da luta anarquista é resultado de uma série de contingências de ordem econômica e étnica, pois Santos era um porto privado, ao contrário do Rio de Janeiro, e os imigrantes vinham de regiões em conflito semelhante e com gênio forte, recusando a semi-escravidão, em face da ampliação das contradições impostas pela empresa sediada no Rio de Janeiro, a Docas. Ou da grave situação dos demais trabalhadores, uma herança da época escravagista, em que não houve uma mudança de mentalidade com o fim do escravagismo, mas de método de contratação, apenas.

Contamos esta história através dos jornais, relatando a trajetória da imprensa santista desde 1849, que ingressa em uma fase de apoio aos 'de baixo" trinta anos depois com O Caixeiro no ano de 1879, quando ocorre o lançamento de uma das primeiras entidades mutualistas do País, de que é porta-voz - que vem para assistir aos caixeiros de loja, balconistas, que trabalhavam em condições análogas aos escravos.

Isso até, anos depois, o jornal anarquista dos trabalhadores em hotéis e restaurantes A Verdade, de 1927, passando pela fase das ações dos socialistas acadêmicos (A Questão Social, de 1895), entre os demais reformistas sociais, que se manifestam em jornais como O Operário, de 1892, entre tantas histórias e estilos.

Falamos dos jornais da cidade ao início do trabalho, junto com a história da cidade, e analisamos mais profundamente no interior do livro os órgãos de imprensa ligados aos trabalhadores, seus sindicatos e às suas causas. Apenas o primeiro jornal O Caixeiro e o último, A Verdade, estão reportados nesta abertura, que relata de modo amplo os jornais existentes em Santos, detalhando os ligados ao movimento trabalhista.

Qual o resultado destas ações? Que mudanças provocaram? Afinal, as conquistas sociais reivindicadas vieram após o desmonte desta estrutura, basicamente no governo Vargas e antes. Mas vieram em face destas lutas, que somaram para o futuro. O registro e a análise desta história santista e nacional, que é mundial, mostram a modificação de um processo através da pressão dos contingentes envolvidos - que, organizados, fizeram acontecer.

Naquele tempo, em Santos...

Santos, nessa época, é uma cidade que se densifica: em 1872, eram 6,5 pessoas por casa, morando em cortiços. Em 1889, cem cortiços ainda estavam de pé e os projetos de construção de vilas operárias não abandonavam o papel e os discursos. Em 1893, a Intendência de Saúde contava 771 cortiços na cidade, dos quais 5.478 em péssimo estado de salubridade. Em 1913 eram 10,19 pessoas por casa. O jornal Diário de Santos publica editorial, em 20 de março de 1893, descrevendo o ambiente dos cortiços santistas, que expõe como "furnas", em grafia original:

"...é preciso ver, examinar de perto o que são estas furnas, para se ter uma idéia da existência dos que passam alli, numa promiscuidade repugnante, homens, mulheres e creanças que a falta de hygiene, a sordidez e o ar viciado dos cubículos em que moram tornam doentes e portanto aptos para contrahir os germes das moléstias infecto-contagiosas".

A cidade esteve em calamidade pública por causa das epidemias dos anos de 1889 a 1895, causada pela expansão populacional inundando de lixo e matéria orgânica os rios e riachos, proliferando mosquitos. São 7.855 habitantes em 1854, 9.151 em 1872 (N.E.: para esse ano, o Censo Imperial aponta 8.870 habitantes, mas ignora na soma a população cabocla - 239 pessoas -, com a qual o total ascenderia a 9.109 habitantes, afora 134 ausentes acidentalmente e 118 em trânsito), 15.505 em 1886 (N.E.: 15.605 segundo outra fonte), 13.012 em 1890 e 50.389 em 1900.

A realidade sinaliza modificações a partir de, por exemplo, maio de 1926 - a Constituição brasileira era modificada em face das infrações aos direitos dos trabalhadores, após intensos debates sobre a mensagem do então presidente Delfim Moreira, retirando dos Estados a competência de legislar sobre trabalho - atribuindo-o privativamente ao Congresso Nacional.

Era uma guinada na "Política dos Governadores" e na autonomia dos poderes provinciais, que se transformara em uma barreira da evolução social no campo legislativo, em face das pressões exercidas pela mobilização operária. O tratamento era o da ótica liberal, vago, dado ao trabalho na Constituição de 1891, era apenas "locação de serviços" e isso começa a se transformar nesta fase, resultado das pressões produzidas pelos movimentos sociais, que produzem as primeiras legislações na década de 20, como a Lei de Acidentes do Trabalho e a Lei Eloy Chaves de Aposentadorias e Pensões (1923) e a Lei de Férias (1926).

A imigração

O cenário da segunda metade do século XIX, onde começamos, é aquele que com a modificação das estruturas econômicas em termos de produção, os escravos deixam de ser lucrativos, tendo arrastado uma trajetória de rebeliões e assassinatos de patrões que tornava inviável a manutenção do sistema escravagista de três séculos e da grande acumulação de capital que proporcionou.

Foi então estimulada a imigração, notadamente pelos que expandiam suas lavouras de café em grande escala durante a década de 1870 em São Paulo. Existia ainda um apoio ao branqueamento do povo brasileiro com estas imigrações, opinião a que se juntaram intelectuais brasileiros.

Inicialmente, essa política visou atrair estrangeiros com capital, garantindo o acesso à propriedade da terra. Entretanto, a partir de 1850, com a cessação do tráfico internacional de escravos, os altos índices de mortalidade e os baixos índices de natalidade, mais os problemas apontados de rebeliões, obrigaram a que os capitalistas pensassem alternativas para o trabalho cativo, diante do receio de que a concentração de escravos na região Centro-Sul do país resultasse em conflitos revolucionários como a Guerra da Secessão norte-americana.

Os escravos eram de difícil controle, ainda mais quando importados de outras regiões. E a agricultura do café necessitava cada vez mais mão-de-obra. A atuação dos caifazes de Antonio Bento mostrava a face do Abolicionismo revolucionário a partir de 1880, com resgate de escravos pela violência.

As propostas de incorporação dos escravos como trabalhadores livres, arregimentação dos nacionais livres e pela imigração foram debatidas. Havia os que defendiam a busca de chineses e dos europeus, mas foram os italianos que entraram em massa a partir de 1880. Na meta, também, o branqueamento. Os traficantes de escravos se tornariam contratadores de trabalhadores europeus, como o senador Vergueiro. Para Santos não vieram trabalhadores engajados, com prestação obrigatória de serviços. E, sem técnicas especializadas, se engajaram na construção civil do porto.

Se no estado de São Paulo era esse o quadro, com a expansão do café, em outras regiões do País continuava-se a utilizá-los, embora em Santos fosse totalmente diferente essa conjuntura. Sem indústrias, não apenas não existiam muitos escravos, como a cidade se uniria em um vigoroso movimento anti-escravagista, recebendo cativos de todo o interior reunidos na "Vila da Redenção" - o Quilombo do Jabaquara que, existem informações, chegou a ter dez mil negros.

Em 1900, cerca de 90% dos trabalhadores de São Paulo eram imigrantes, o mesmo em Santos. Chegados junto, da Europa, os ideais anarquistas pelos militantes deportados, a que os governos europeus impuseram o êxodo, tornando-se mais forte o anarquismo no Brasil (e em Santos) do que o movimento socialista acadêmico que já vicejava - e que teve como um dos primeiros nomes do País o médico sergipano radicado em Santos, Silvério (Martins) Fontes, pai do também médico e poeta santista de renome.

Para o Brasil e para Santos vieram alemães, austríacos e poloneses, mas em grande número italianos (um milhão entre 1884 e 1903, cinco milhões até 1920, número superior a todos os outros juntos), portugueses e espanhóis. A maioria deles no Brasil era italiana, mas em Santos, por características do trabalho oferecido, a mão-de-obra na construção do porto, a partir de 1889, a atração se fez sobre os ibéricos das regiões mais atrasadas.

O estado de São Paulo subvencionava empresas de navegação para o transporte transatlântico dos imigrantes, ao mesmo tempo em que companhias italianas remuneravam agentes para convencer pessoas a embarcarem par "Canaã, a terra prometida", que se revelava trágica já na viagem em péssimas condições e nos maus-tratos impostos aos trabalhadores aqui. Contamos a história de sua prodigiosa imprensa e de suas entidades, seus conflitos, suas greves, suas reivindicações, enfim. Em 1902, o governo italiano, em face destas denúncias, proibiu a imigração gratuita, era o "Decreto Prinetti".

Segundo Rollie E. Poppino, em vista da realidade encontrada, muitos espanhóis e italianos pensaram em voltar para a terra natal ou escolher outro país, tendo sido de cerca de 30% o retorno à terra natal. É conhecida a história de Antonio Vacirca, que se elegeu deputado na Itália depois de ser deportado do Brasil e fazer uma campanha contra as imigrações.

1879-1927: O Caixeiro e A Verdade

Em fins de 1878, ano da fundação da Sociedade Auxiliadora da Instrução, que tantos e valiosos estímulos deu à infância e juventude locais em termos de alfabetização e ensino primário gratuito, teremos, a 22 de dezembro, a assembléia geral da Sociedade Portuguesa de Beneficência - fundada em 1859 para atender na saúde e na dificuldade a grande colônia instalada aqui. Ela elegia o conselho deliberativo para 1879, que em seis de janeiro desse ano se reunia para eleger a diretoria da entidade lusitana. A cidade vivia o clima de ter sido visitada por d. Pedro em 1876, pela segunda vez.

Neste ano inicial de nossa história, anterior mesmo à Abolição de 1888, luta que cresceria a partir de 1881, em um sete de setembro de 1879 aparecia no cenário da imprensa o jornal O Caixeiro, que - muito mais que um emissor de notícias - é a senha de articulação de uma entidade inédita de proteção aos direitos dos trabalhadores de loja e setores progressistas de então, preocupados com a face desumana das condições trabalhistas impostas à época.

O caráter revolucionário da Sociedade Humanitária, que seria fundada em 12 de outubro de 1879, está escrito nas páginas do livro de Jaime Franco, A Beneficência, editado em 1951, contando a situação dos caixeiros de loja, categoria que se pretendeu atender pela novel entidade:

"... Ninguém se condoia destes parias, nem patrões nem autoridades. Revoltaram-se contra a injustiça da sociedade, ante a desgraça de muitos companheiros, narrada na folha domingueira O Caixeiro, que circulava quase clandestinamente, de mão em mão dos comerciários, sob o pavor dos patrões sempre zelosos contra idéias subversivas, para manter a ordem constituída e a tradição dos costumes da praça".

É patente o caráter de transformação social promovido pelo jornal O Caixeiro e a sua Sociedade Humanitária, nesta primeira fase do movimento social. Seu surgimento representa um marco histórico da atenção aos "de baixo", anterior mesmo à imprensa abolicionista que foi intensa na cidade.

A Sociedade Humanitária foi uma das primeiras entidades do país a praticar o mutualismo, a ajuda no acidente e na doença aos caixeiros de loja, que na época não tinham nenhum direito social. A idéia do mutualismo chegou ao Brasil na leva dos imigrantes pobres, associados ou patrocinados pela empresa, como ocorreria com a Docas depois da greve de 1897.

No final do período analisado, o jornal dos garçons organizados em seu sindicato, intitulado "órgão anarquista dos trabalhadores em hotéis e restaurantes de Santos", o quinzenal A Verdade - editado a partir de 1º de janeiro de 1927. Nesta época, está desenhado o conflito entre os anarquistas e os comunistas, motivo deste jornal, para alguns a causa do desmonte dos sindicatos, muitos dos quais resistiriam para além destes tempos apoiando a Revolução da Aliança Nacional Libertadora de 1935, ainda 400 sindicatos livres no país.

A visão do filósofo alemão Karl Marx, expressa através do alfaiate G. Eccarius no congresso do encontro da Associação Internacional dos Trabalhadores, em 1868 - polemizando com Bakunin e afirmando a tese da transição pela manutenção do Estado - dividiu os socialistas, aqui, inclusive, entre anarquistas e comunistas. O jornal A Verdade foi editado para fazer oposição à chapa comunista na disputa das eleições de fevereiro de 1927, traduzindo-se vencedora nesse duelo, que marcará o debate no interior do movimento e será um dos responsáveis por sua dissolução, junto com a intensa repressão que sofreu.

O jornal O Caixeiro (1879), no início deste período, foi articulado por um conhecido farmacêutico, Floriano Manoel dos Santos Castro, tendo como redator Ramirez Esquivel. Lançado em setembro, a entidade que preconizava, a Humanitária, seria fundada a 12 de outubro desse ano. Um domingo, em sessão presidida pelo jovem comerciário Augusto Vieira, secretariado por Floriano dos Santos Castro, quando discursaram com entusiasmo, como escreve Jaime Franco em seu livro A Beneficência,

"...pela fundação de uma associação de classe, com o fim de socorrer os colegas nos momentos de enfermidade, morte ou falta de emprego".

Com 41 empregados no comércio, a maioria portugueses - muitos sócios e diretores da Beneficência Portuguesa -, foi eleita a diretoria provisória. Como relata Jaime Franco,

"Constituía-se a sociedade de classe para amparo do infeliz caixeiro, marçano ou guarda-livros. Naquela época, eles trabalhavam mais de 12 horas por dia. Só poderiam aspirar fugazes momentos de ócio ao desenvolvimento da inteligência, pelo estudo e pela leitura. Mal sobrava tempo para receber tratamento de saúde ou consultar o médico. Mas a Associação lhes daria hospital se adoecessem ou caixão mortuário e sepulcro quando falecessem, se não pertencessem a qualquer irmandade religiosa".

Este histórico de Santos descreve as condições de trabalho dos caixeiros de modo preciso, quando...

"...eram precárias e dolorosas" e que "... não sensibilizavam a alma mesquinha dos patrões". Conquanto usufruíssem, com dificuldades financeiras, os benefícios da higiene no vestuário obrigatório, "...porque ali ninguém entrava de camisa de meia e tamancos, o empregado no comércio não conhecia os direitos adquiridos pelos outros trabalhadores, a custa de imensos sacrifícios e dolorosas lutas, por meio de greves, para a conquista de 8 horas de trabalho e aumento de salários. Os empregados no comércio de Santos viviam como escravos", diz o texto.

E continua: "...Muitos até moravam com escravos de cor preta, para os quais havia a campanha de libertação, em fase de intensa propaganda, causando inveja àqueles, pela próxima visão de liberdade, e que por isso se recordavam, com saudades, do dr. Silveirinha, o poeta querido de Santos, falecido há cinco anos, dos seus comícios no Largo da Coroação, no Largo da Matriz, a favor de todos os oprimidos pelos oligarcas. Os escritórios funcionavam desde as sete horas da manhã até altas horas da noite. Não havia tempo marcado para as refeições, revezando-se uns com os outros, às pressas, nas casas de pasto, onde ingeriam alimentos mal cozidos e indigestos".

"Nos domingos e feriados, os empregados do comércio trabalhavam até o meio da tarde, conquanto só entrassem de manhã, depois da missa no Carmo, no Valongo, no Rosário e na Matriz, como obrigação, na companhia dos patrões. Os empregados do comércio não podiam contrair núpcias sem autorização do patrão, que marcava a época mais própria, em geral quando já tivessem as energias bem esgotadas do trabalho ininterrupto de muitos anos, sem descanso nem férias".

"Parte dos salários e gratificações ficava creditado em conta corrente, para, no futuro, se integrar ao capital da firma, como sócio, interessado ou solidário. Nestes casos, os patrões já tinham filhas ou sobrinhas disponíveis para estes caixeiros categorizados, a fim de que a fortuna não se dispersasse e ficasse na família para os herdeiros. Um pobre consorte, cumprida a missão de propagação da espécie, extinguia-se rapidamente em uma doença incurável, num colapso cardíaco, na epidemia de febre amarela ou varíola!"

O livro A Beneficência fala de uma Santos essencialmente comercial nesta época,

"... com ruas estreitas e casas baixas de largos beirais, sem calhas, sobressaindo-se um ou outro prédio de sobrado com paredes de azulejo português e janelas com varandas de grades de ferro. As praias, os lugares pitorescos para convescotes, distanciavam-se muito da cidade, e por falta de transportes e estradas, avenidas e ruas, não permitiam a freqüência assídua. O calor era intenso no centro urbano. Os escritórios e moradias, por falta de ventilação nos compartimentos acanhados e sem luz, sufocavam o coitado do empregado do comércio".

"Durante os constantes surtos de febre amarela e varíola, as outras classes possuíam benemerências, clubes, grêmios a protegê-las de calamidades. Os empregados do comércio equiparavam-se ao indigente, porque nas trágicas horas da epidemia eram esquecidos e abandonados à própria sorte. Se morriam de febre, sem alguém que lhes chegasse um pouco de água fresca à boca escaldante, vinham os funcionários do cemitério a recolhê-los como lixo, colocado à porta de sua casa, e sepultá-los aos montes nas valas comuns, embrulhados nos lençóis imundos nos catres".

O ano de 1879 foi também o da fundação da Associação do Teatro Guarani, que seria inaugurado em 1888, com apoio da elite econômica, com as 512 ações de 200$000 que foram logo tomadas. Construído pelo engenheiro Garcia Redondo, serviu como mestre-de-obras o arruador da Prefeitura, Tomas Antonio Alves Azevedo (que lideraria o movimento para criação da Sociedade União Operária e da Escola Operária em 1891).

O artista Benedito Calixto pintou o pano-de-boca do Guarani; antes do prazo estipulado, foi inaugurado o edifício em sete de dezembro de 1882, pela empresa de teatro que representou o drama Mário, de Eduardo Capendu. Logo depois foi levada à cena Lucrésia, comédia de um ato, em que Garcia Redondo e Benedito Calixto foram aplaudidos em cena aberta ao final. A Praça dos Andradas seria inaugurada três dias depois.