"O POVOADO DE ENGUAGUASSÚ EM 1533" - Início da cidade de Santos.
São as casas e roças de Luís de Góes, Braz Cubas, Paschoal Fernandes, Domingos Pires,
Mestre Bartholomeu Fernandes Gonçalves, e, ao centro, o Engenho de São João, dos irmãos José e Francisco Adorno (estudo de Almeida Carvalho)
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Primórdios da cidade hoje centenária
Início da povoação de Santos e seus continuadores até sua elevação a vila, de
1532 a 1546
Santos não teve, propriamente, uma fundação, porque o
seu aparecimento não foi predeliberado, como aconteceu com tantas cidades de hoje, nem sua existência dependeu ou começou do Hospital, fundado em
1542, como erroneamente se considerou durante muitos anos, por falta de um estudo aprofundado.
O aparecimento da História de Santos, do santista Francisco Martins dos Santos,
obra apreciada por Taunay, Pedro Calmon, Baptista Pereira, Max Flaiuss, conde de Affonso Celso, Evaristo de Moraes, Tristão de Athayde, Ulysses
Paranhos, Instituto Histórico da Bahia, Instituto Histórico do Espírito Santo e pela Câmara de Santos de 1937 e tantas outras autoridades, veio
trazer luz definitiva ao caso, mostrando, antes de mais nada, que o Hospital da Misericórdia era uma conseqüência do
povoado formado em dez anos e não o povoado uma conseqüência do hospital.
A verdade, pois, já consagrada pelos que, modernamente melhor podem proclamá-la, é
que, ao chegar Martim Afonso de Sousa à região, no ano de 1532, antes mesmo de preocupar-se com a criação da Vila de
S. Vicente, seu primeiro cuidado foi distribuir entre os homens que trazia, "de acordo com os seus merecimentos e nobreza", na forma das ordenações
reais, as terras vicentinas (principalmente as da atual Santos, como se viu depois).
Foi assim que, naquele mesmo ano da chegada, 1532, estabeleceram-se no lugar
denominado Enguaguassú (por ficar junto à enseada de tal nome), os colonizadores Paschoal Fernandes, Domingos Pires, Braz Cubas,
Luís de Góes, José e Francisco Adorno e Mestre Bartholomeu Fernandes Gonçalves; José e Francisco Adorno, nobres genoveses, e os demais todos
portugueses.
O lugar era excelente, porque possuía boas águas, nascidas dos morros adjacentes
(atuais Monte Serrate, Fontana, S. Bento,
Penha etc.), boas terras para o plantio de cana-de-açúcar, era abrigado dos índios, por ser isolado das grandes matas
pelo colar marítimo, e possuía excelente porto para embarcações de todo vulto.
Assim, Luís de Góes estabeleceu-se junto ao outeiro de Santa
Catarina; Paschoal Fernandes e Domingos Pires, em sociedade, estabeleceram-se junto à fonte de Itororó; Braz Cubas
estabeleceu-se junto ao Monte Serrate, ao sopé da baixada que este faz para ligar-se ao do Fontana (nomes atuais); mestre Bartholomeu estabeleceu-se
junto ao morro de São Bento, todos com roças de cana de açúcar; e, finalmente, os dois irmãos José e Francisco Adorno, que já tinham estado na ilha
da Madeira entre os usineiros de açúcar, estabeleceram-se ao centro da várzea, junto ao rio São Jerônimo (altura da atual
Praça Rui Barbosa), com o grande Engenho de São João, que em 1533 estava funcionando.
O povoamento de Santos - Secundando o trabalho destes colonizadores, aparecem,
como ocupantes da atual ilha Barnabé, naquele mesmo ano de 1532, o português Henrique Montes, que viera como prático da
Armada de Martim Afonso, como ocupante do atual Itapema, o nobre Jorge Ferreira (mais tarde genro de João
Ramalho), e como ocupante do sítio das Neves, em frente ao atual Valongo, o nobre Pero de Góes,
irmão de Luís de Góes, com o grande Engenho da Madre de Deus com capela na mesma invocação, engenho esse que foi o primeiro da Capitania. Mais
adiante, ocupando as terras do atual Cubatão, apareciam Francisco e Ruy Pinto, nobres portugueses, pai e filho.
Estes foram em 1532 e 1533 o primeiro e segundo planos do povoamento santista,
coincidindo-se, daí, que, por força da lavoura e da indústria localizadas no ponto mais oriental da ilha de São Vicente, o lugar onde surgiu Santos,
teria de 1532 a 1533 cerca de vinte ou trinta pequenas casas e ranchos e uma população (de senhores e agregados) de mais ou menos oitenta
indivíduos, entre os quais os nobres apontados, seus colonos, artífices pedreiros, carpinteiros e ferreiros (trazidos na Armada), e, certamente,
alguns homens de armas para sua garantia (dos muitos que trouxera Martim Afonso, como se sabe).
Esse foi, pois, indiscutivelmente, o início de Santos, ou seja o Povoado de
Enguaguassú, a que ligeiramente aludiu o Auto de Posse de Braz Cubas, de 1540, pouco depois, em 1541, denominado Porto de São Vicente, com a
transferência oficial do fundeadouro antigo da Ponta da Praia (N.E.: na época em que este artigo foi publicado,
acreditava-se que o primitivo fundeadouro vicentino fosse na Ponta da Praia, e não do outro lado da ilha, junto ao povoado de São Vicente, como foi
determinado em pesquisas posteriores), e mais tarde, de 1544 em diante, denominado Porto de Santos, devido à invocação
do Hospital, inaugurado em 1543 - Porto de Santos, que passou muito naturalmente ao povoado.
Os fundadores de Santos - Muitos são os autores antigos que atribuem a fundação
de Santos a Martim Afonso, e, entre os mais notáveis, citaremos Simão de Vasconcellos, o famoso jesuíta, autor da história de sua Ordem, que
conviveu com os filhos dos fundadores de Santos e que escreveu sua obra sobre os manuscritos de Manoel da Nóbrega; Rocha Pitta, o primeiro
historiador brasileiro, em sua História da América Portuguesa, obra aprovada pela Academia Real de História Portuguesa, que lhe valeu o
título de fidalgo; frei Antonio de Santa Maria Jaboatão, em sua Chronica dos Frades Menores da Província do Brasil, obra consagrada pelos
portugueses e mandada reimprimir no século passado (N. E.: século XIX) pelo Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro; frei Francisco de Santa Maria, em seu Santuário Mariano, frade do tempo de Jaboatão e uma das autoridades
contemporâneas.
O próprio documento em que todos os autores de 1839 para cá se basearam para tratar da
história de Santos e São Vicente - o famoso Diário da Navegação, de Pero Lopes de Sousa, cosmógrafo da Armada de Martim Afonso, acusa a
fundação pelo donatário de duas povoações no litoral vicentino (São Vicente e mais uma).
Ora, juntem-se esses depoimentos todos, descrição que fizemos do início santista,
início esse que foi todo presidido por Martim Afonso de Sousa, que só partiu, de volta a Portugal, a 22 de maio de 1532, e chegaremos realmente à
conclusão de que, por ser dono das terras santistas, por havê-las distribuído pessoalmente aos seus primeiros ocupantes e por haver assistido às
primeiras instalações, primeiras plantações e primeiros aproveitamentos industriais, animando a todos com a sua presença protetora e sua força
moral, ele foi de fato e de direito um dos fundadores de Santos, embora não fosse um de seus povoadores.
Justo é, pois, que, historicamente, juntemos aos nomes daqueles sete iniciadores de
Santos o nome venerável de Martim Afonso de Sousa, que, retirando-se para Portugal assim que viu tudo bem encaminhado nas duas colônias vicentinas,
deixou um capitão-mor em São Vicente e um fiscal em Enguaguassú, fiscal esse que foi Braz Cubas até 1536, quando este passou o posto a Rodrigo de
Lucena por ter de partir para a Europa.
O papel de Braz Cubas - Em 1536, o chão santista estava já tão povoado e
cultivado que Braz cubas, que naquela altura só possuía as terras acanhadas do Monte Serrate, na impossibilidade de se expandir ali mesmo ou de
adquirir mais terras em redor, partiu para Portugal em princípios daquele ano, a conseguir de d. Ana Pimentel, mulher e procuradora de Martim
Afonso, já então na Índia, a doação das terras de Jurubatuba e Ilha Pequena (Barnabé atual), vagas com a morte de Henrique Montes, ocorrida um ano
antes, conforme se vê na descrição da escritura de 25 de setembro de 1536, lavrada em Lisboa.
E se grande era a confusão que se fazia entre a fundação do Hospital da Misericórdia
com a fundação de Santos, menor não era o engano em se atribuir totalmente a Braz Cubas esta última, e tudo motivado, como dissemos, pela falta de
um estudo aprofundado do início santista. Só os fatos de Braz Cubas ter outros companheiros mais idosos e de maior nobreza, e de precisar conseguir
terras em 1536, por não ter mais lugar para onde se expandir, por força exatamente da presença de muitos outros colonizadores, demonstram que ele
não seria o único fundador, e sim um dos fundadores ou iniciadores.
Braz Cubas, como se vê na própria escritura de 25 de setembro de 1536, passada em seu
favor em Lisboa, era um dos servidores de Martim Afonso, espécie de escudeiro, e sabe-se - não só por isso como pelo fato de pertencer a uma família
de burgueses do Porto -, que não era nobre de nascimento, mas sabe-se também que conquistou o foro de nobreza pelos grandes serviços prestados à
Coroa em Santos, 16 anos depois da sua vinda com Martim Afonso, o que não diminui e pelo contrário o eleva, mas deve ser conhecido para evitar erros
de interpretação, uma vez que os merecimentos de sangue "de puritate et nobilitate probanda" eram importantíssimos para efeito de
distribuição dos favores reais.
A ligação tão íntima de Braz Cubas com Martim Afonso, por força de seu cargo, foi o
princípio de toda a sua projeção no Brasil, uma vez que, desde 1533, ele ficou como fiscal de Martim Afonso no povoado nascente de Enguaguassú.
Depois vieram os seus grandes trabalhos em prol do mesmo povoado, a sua grande dedicação ao desenvolvimento santista, a construção da Misericórdia,
idéia dele e dinheiro de todos, os seus serviços de exploração mineral e devassamento dos sertões, e em conseqüência a sua elevação a capitão-mor, a
provedor da Fazenda, a cavaleiro fidalgo etc., e Braz Cubas, o filho do burguês João Pires Cubas, cresceu, cresceu com o povoado que embalara e
ajudara a crescer, subiu, tornando-se a grande figura que indiscutivelmente tornou-se e que toda Santos venera.
A elevação a vila - Feito capitão-mor a 8 de junho de 1545, não saiu de Santos,
como para lhe aumentar a importância, e desde então, todos os capitães-mores abandonaram São Vicente, passando a residir também em Santos, o que a
tornou a cabeça moral da Capitania, uma vez que comercial e industrial já era.
Segundo notas de alguns historiadores, inclusive o barão do Rio Branco em suas
Ephemerides Brasileiras, já a 15 daquele mesmo mês e ano, dava Braz Cubas a Santos o foro de Vila, detalhe esse, porém, que sempre foi recebido
com reservas e nem pode deixar de se-lo, até que apareça um documento positivo a respeito, uma vez que nos livros de escrituras santistas,
compulsados por frei Gaspar, os escrivães só se referem à Vila de Santos em janeiro de 1547, quando ainda em novembro de 1546 ainda se
referiam a povoação.
Esta dúvida, aliás, e mais a dúvida que sempre houve sobre a data exata do
aparecimento santista, é que determinaram, pelo tempo adiante, a ausência de comemorações aos centenários de fundação, motivando por parte da
Câmara local, no princípio deste século (N.E.: século XX), a criação do Dia da Cidade,
que é o 26 de janeiro de cada ano, comemorativo como se sabe da elevação da antiga vila a cidade, a pretexto para a comemoração
conjunta da fundação santista, símbolo de toda uma história que só agora melhor se esclarece para a posteridade.
Aos santistas, pois, dedicamos este pequeno e verídico histórico de sua terra, desde o
seu início até sua elevação a vila, como parte da homenagem que hoje prestamos à nobre, fecunda e generosa cidade de Santos.
Estes brasões foram, com os dos irmãos Adornos, o pequeno grupo heráldico conseguido
pelos historiadores, denunciador da nobre origem santista, pois que se referem a três dos maiores colonizadores portugueses que, em Santos e em seus
arredores, estabeleceram arraiais, logo após a chegada de Martim Afonso de Sousa
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