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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SEU BAIRRO/mapa
Prosperidade e decadência, as duas faces do Valongo (1)

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Publicado em 27/1/1983 no jornal A Tribuna de Santos

 Leda Mondin (texto) e equipe de A Tribuna (fotos)

Quem vê o Valongo de agora, tão encardido e decadente, na certa não imagina que o bairro foi em outros tempos o mais próspero de Santos. O tradicional Porto do Bispo, que ficava onde é hoje o Largo Marquês de Monte Alegre, concentrava boa parte do movimento de carga e descarga de mercadorias dessa Santos que já figurava como um destacado centro comercial. No começo do século XX, a estreita Rua São Bento vivia congestionada por carroças puxadas a burro e pelas suas calçadas desfilava a elite cultural e administrativa.

Mas como as coisas mudaram! Aos poucos, o Valongo sofreu um esvaziamento financeiro e econômico. As famílias ricas partiram para os bairros mais distantes do cais e o comércio está mais decadente a cada dia que passa. Apenas a Farmácia São Bento, do popular seu Clóvis, ganhou novas instalações: deixou o prédio onde se lia pharmácia e funciona em outro bem mais amplo, na esquina da Rua São Bento com a Avenida Visconde de São Leopoldo.

Famílias muito carentes dividem os tradicionais sobradinhos, hoje tristes e deteriorados, e as crianças só deparam à sua volta com imagens que lembram abandono e falta de perspectivas. Não dispõem nem mesmo de um campinho ou parque para brincar, embora pudessem ser feitos em algum daqueles amplos terrenos abandonados pela Eletropaulo.

O célebre quadro de Benedito Calixto, mostrando barcos ancorados próximo à Igreja do Valongo, está aí para provar: antigamente, no hoje Largo Marquês de Monte Alegre, passava o ribeiro de São Bento, que desaguava no mar e formava o Porto do Bispo. E foi justamente esse porto que contribuiu para que o Valongo se tornasse um próspero núcleo comercial, muito procurado por famílias ricas. Hoje, o bairro está abandonado, sujo e esquecido. Virou depósito de produtos químicos e padece sob o peso de caminhões, que passam sacudindo tudo e deteriorando conjuntos arquitetônicos importantíssimos, como aquele formado pela Igreja do Valongo e Capela da Venerável Ordem 3ª de São Francisco da Penitência.


Hoje decadente, o Valongo foi o bairro mais próspero de Santos

Bons tempos aqueles para moradores e comerciantes do Valongo: o corso carnavalesco, com sua multidão de reis, príncipes, pierrôs, colombinas e mascarados de tudo quanto é tipo, seguia entusiasmado, deixando a Rua São Bento coberta de confetes e serpentinas. Só então levava sua alegria para ruas do Centro. Por último, depois das 21 horas, os blocos e escolas iam até a praia, onde um areão danado e quase intransponível os esperava.

Como a Freguesia do Valongo se agitava nos dias de Carnaval! Uma agitação diferente daquela que se constatava durante a semana, quando a estreita Rua São Bento ficava congestionada de carroças puxadas a burro. Os poucos caminhões - alemães, de pneus de borracha maciça -, não faziam concorrência aos carroceiros no transporte de café da ferrovia para o cais. E nem lhes tirava a preferência na hora de carregar tudo quanto é tipo de material que vinha das cidades servidas pela então São Paulo Railway.

A garotada, quando passava entre a estação e a então prefeitura, sempre esticava olhos arregalados para os lados do chafariz onde os animais matavam a sede antes de iniciar suas caminhadas. E olha que davam muitas caminhadas por dia nessa Santos, que se movimentava embalada por um comércio cada vez mais intenso.

A elite cultural e administrativa da Cidade caminhava empertigada, discutindo as manchetes dos jornais e apontando soluções para os problemas do mundo inteiro. Entre uma opinião e outra, os homens retiravam o relógio de ouro do bolso e o guardavam em seguida, embora não estivessem preocupados em saber as horas: apenas um gesto mecânico.

Mas gente miúda, como se dizia na época, também andava por aqueles lados. Quase sempre se via pescadores à procura de gêneros alimentícios ou ferramentas nas casas comerciais das imediações. Moravam em sítios, na outra margem do Estuário, e atracavam suas embarcações no cais do porto, que podia ser usado livremente.


O quadro de 1965 é considerado um dos melhores que o Barreiros já teve: 
entre outros, Costa, Cláudio, Nívio, Negreiros, Tamico e João Enguiça

O bairro chinês de outros tempos e as sessões no São Bento - À medida que Santos cresceu, o Valongo deixou de ser reduto de gente rica. As famílias de bem não quiseram mais conviver com as casas comerciais, o cais cada vez mais espichado e os equipamentos de suporte às suas atividades. As boas casas onde residiam passaram a ser ocupadas por gente mais simples, que chamava a Freguesia do Valongo de Bairro Chinês.

Até hoje, muitos santistas costumam dizer que nasceram ou moraram no Bairro Chinês. A denominação remonta à época em que imigrantes japoneses começaram a transformar o chamado Capinzal em chácaras: por terem olhos rasgados, foram confundidos com chineses, daí o aparecimento do nome popular.

Valongo ou Bairro Chinês, o certo é que as pessoas guardam muitas e boas recordações de lá. Coisas como as concorridas sessões do Cine São Bento, que sempre mantinha uma programação para agradar a todos os gostos.

A princípio, funcionava em uma sala apertada da Rua São Bento, cheia de bancos de madeira. Como o chão era todo no mesmo nível, quem se sentava atrás não conseguia ver nada e ainda saía com dor no pescoço. Mesmo assim, as matinês de domingo ficavam repletas; os moleques adoravam fazer bagunça batendo com seus tamancos contra o chão. A barulheira durava exatamente das 13 às 19 horas, período durante o qual eram apresentados dois seriados, desenhos e dois longas-metragens.

Mais tarde, o cinema ganhou novas instalações e se destacou como o primeiro de Santos a ter o piso irregular, de modo a permitir que a platéia visse a tela. O filme O Petróleo é Nosso, com Violeta Ferraz, fez o maior sucesso quando apresentado lá. E foi naquele cinema que o jornalista Áureo de Carvalho (e tantos outros santistas) assistiram pela primeira vez a um filme colorido: Ramona.

Tão famosa quanto o cinema era a casa Amado, a primeira loja de armas de Santos. Quando acontecia algum crime, a polícia corria lá para ver se descobria alguma pista. A partir disso, quase sempre ficava mais fácil desvendar o caso.

E, em cima da Casa Amado, por muitos anos funcionou a Vassourinha, gafieira daquelas bem animadas. O pessoal varava noites dançando, sem perceber que as horas avançavam e a madrugada se aproximava. Quantas saudades não deixou...

A primeira televisão e o Barreiros, time varzeano como poucos - Quem conheceu o Valongo de outros tempos, na certa também se lembra da Alfaiataria do seu Alvarez, que vestia os elegantes do bairro. E a Padaria União Paulista, com suas quilométricas filas para a compra de pão, durante a época de escassez determinada pela II Guerra?

Mas a padaria que durante muito tempo serviu ao bairro foi a São Bento, que ficava na Avenida Martins Fontes, no local hoje ocupado por um posto de gasolina. No meio da tarde, o padeiro percorria as ruas com seu triciclo cheio de bengalas ou pães de meio quilo. Passava, tocava a buzina e logo estava cercado por moleques com o dinheiro enroladinho na mão ou cadernetas de capas encardidas e folhas cheias de orelhas.

E qual não foi o espanto daquela gente de vidinha simples quando deparou com um aparelho muito estranho no bar do pai da Maria Ignês. A coisa tinha imagem feito um cinema e emitia sons como um rádio. Não deu outra: a primeira televisão do Valongo chegou cercada de um sucesso danado.

O dono do bar, esperto como ele só, não deixou por menos: estabeleceu consumação obrigatória, como um jeito de faturar aproveitando o interesse que o aparelhinho despertava. Mas os moleques, que de bobos não tinham nada, sentavam-se em uma mesa, pediam um guaraná e espichavam o olho para a telinha não muito nítida. Bebiam o refrigerante aos poucos para fazer hora e o proprietário não encontrava argumentos para mandá-los embora.

O pessoal também se divertia acompanhando o movimento de carros na Rua Visconde de Embaré, que durante muito tempo concentrou todo o trânsito proveniente de São Paulo. Tudo complicava por causa do Bonde 1: quando fazia suas paradas, em frente ao açougue da Laura, formava-se uma fila de carros atrás. Os meninos aproveitavam-se disso para criar uma brincadeira: o primeiro carro que parava atrás do bonde pertencia a um deles, o segundo a outro e assim por diante. As brigas começavam quando algum só ganhava calhambeques, enquanto outros se fartavam de bons carros.

Os rapazes, de sua parte, se entusiasmavam todos quando viam as moças bonitas do bairro, como a Nena, a Magnólia e a Trola. Não desgrudavam os olhos até que elas desapareciam numa curva qualquer ou ali para os lados do gasômetro, perto da hoje Praça Lions. Só mesmo grandes craques do Barreiros, entre eles Clodoaldo, Babi, Cláudio e Socó, conseguiam fazer a moçada vibrar tanto. Ah, o Barreiros! Poucos times de várzea em Santos ficaram famosos como ele. Até hoje alegra a torcida e é conhecido como Barreiros do Bairro Chinês.


No prédio, funcionaram Câmara e Prefeitura

Veja as partes [2], [3] e [4] desta matéria
Veja Bairros/Valongo

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