XIV
Passemos para uma pequenina série de
incêndios, e vejamos o da Camizaria Especial, à Rua 15 de Novembro n. 46. É escusado dizer que foi um incêndio como
muitos: ardeu tudo.
Terminado o incêndio da Camizaria Especial, para não dar muito trabalho ao
Corpo de Bombeiros, no Guarujá, dias depois, uma loja de fazendas foi vítima das
chamas.
Imaginem o pânico dos pacatos habitantes daquela ilha onde, quem pode, vai procurar
restabelecimento à saúde abalada. Devia ser um atropelo enorme, os habitantes dali, a braços com um incêndio e sem Corpo de Bombeiros!
Mal descansávamos do incêndio no Guarujá, e logo outro manifestava-se em Santos. Pelas caladas da
noite, o cabo da Guarda Cívica n. 644 e o soldado da mesma corporação, n. 664, que estavam de guarda no edifício da Alfândega,
viram que do telhado do Hotel dos Estrangeiros saíam grossos novelos de fumo. Não era decerto, aquela hora, própria
para fazer-se almoço e muito menos ceia. Averiguando bem, os dois militares chegaram à conclusão de que no citado hotel manifestava-se incêndio.
Lestos, deram alarme e comunicaram ao quartel do Corpo de Bombeiros.
Quando o Corpo de Bombeiros apresentou-se, já o incêndio havia tomado grandes proporções,
comunicando-se à casa de fumos União, de propriedade do sr. A. F. Coelho.
O Corpo de Bombeiros lutou a princípio com a falta de água. Enquanto os registros não vomitavam o
querido líquido, as chamas assolavam o prédio e ligavam-se aos vizinhos. Os heróicos soldados 664, 631, 536 e o cabo 644, revestidos de inaudita
coragem, penetraram no prédio em chamas e conseguiram salvar Cezario Mauá, velho, paralítico e cego; Maria Mauá e a menina Julieta, que se
embaraçavam no meio do fumo espesso, contando mais com a morte do que com a vida.
Ao serem postas na rua essas quase vítimas de morte horrorosa, os valentes soldados foram
vitoriados com aplausos que se desprendiam, delirantes, da multidão estacionada em frente ao Hotel dos Estrangeiros.
Nos escombros distinguiu-se em atividade o praça 523. Creio mesmo que foi ele quem descobriu o
sargento João Caetano de Souza, que lá estava soterrado. O praça João Isidoro dos Santos, perdendo os sentidos na faina da salvação, veio cair nos
braços de Santos Amorim, repórter do Diário de Santos, e nos do representante do
Correio Paulistano, sr. Juvenal do Amaral, que o socorreram. Militares e paisanos fundiram-se numa só alma, num só fim humanitário: acudiam uns
aos outros.
Não fora sucederem-se estas cenas lamentáveis, era o caso de dar-se parabéns ao elemento fogo,
que se incumbiu de destruir aquele monstrengo, representante da arquitetura antiga.
Não ficamos ainda aqui quanto a incêndios: o Club dos Políticos lembrou-se também de, na
noite de São João, transformar-se numa fogueira, iluminando parte da Rua General Câmara e reduzindo a cinzas toda a
política que lá reinava.
A Casa Azul mudou para casa vermelha, também na véspera do dia de São João, dado o
colorido das chamas que o fogo fez irromper pelas portas a fora.
Praça da República, antes de 1908, vendo-se a esquina com a Rua Senador
Feijó e, do lado esquerdo dessa rua, o prédio do Hotel Roma, que depois seria rebatizado como Hotel dos Estrangeiros e, após o incêndio de 1914,
ganharia o nome de Washington Hotel
Foto: Calendário de 1979 editado pela Prodesan - Progresso e
Desenvolvimento de Santos S.A.
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Passemos agora a assistir a inauguração do Pavilhão para Tuberculosos,
anexo ao edifício da Santa Casa de Misericórdia, e sobre sua construção. À tarde desse dia, grande era a
concorrência para os lados da Santa Casa.
Visitantes de toda a espécie subiam a encosta do morro do Fontana e
invadiam o Pavilhão, admirando a construção desse utilíssimo hospital e majestoso edifício que levou alguns anos a ser construído e hoje está
prestando os maiores benefícios aos infelizes atacados pela tuberculose e, portanto, necessitados dos recursos da ciência médica.
Em Santos, como por toda a parte, não só os governos como as associações filantrópicas se empenham
com todo o afinco em dar combate à tuberculose, moléstia insidiosa e terrível que tamanhos males tem causado, principalmente nos centros populosos,
pela facilidade do seu contágio.
Não obstante a iniciativa da construção do pavilhão para tuberculosos tivesse partido da
operosa mesa administrativa de 1909, as demais, que lhe sucederam, com a mesma dedicação se empenharam para que ficasse acabado o grande edifício
dentro do mais breve tempo possível.
Afinal, graças a esses esforços, daqueles que têm por objetivo como satisfação aos nobres
sentimentos altruísticos fazer o bem, foi naquele dia inaugurada mais essa obra de caridade que muito vem fazer em prol dos que sofrem.
Assim, Santos pôde orgulhar-se por acompanhar e pôr em prática todas as grandes iniciativas
em prol da cruzada do Bem que por toda a parte é o apanágio dos corações bem formados.
As obras do hospital para tuberculosos, desde o seu início, estiveram sob a competente
direção e regras da engenharia sanitária, estando de acordo com tudo durante a sua execução o competente corpo clínico da Santa Casa de
Misericórdia.
O edifício possui doze salões destinados a enfermarias, seis em cada ala, havendo higiênicos
e confortáveis aposentos para os empregados e gabinetes sanitários convenientemente montados, tanto no pavimento superior como no inferior; para
atenuar choques e evitar barulho, todo o hospital é forrado com linóleo.
O teto do pavimento superior, em vez de ser comum, de tábua, foi feito de cimento; possui
uma sotéia, isto é, uma varanda ampla e arejada em cima; todo o edifício tem as paredes revestidas de mosaicos, havendo dois ascensores para
transportar doentes e visitantes.
O médico assistente no pavilhão, e chefe clínico, é o doutor Soter de Araújo, a quem a Santa
Casa de há muitos anos deve inestimáveis serviços por ele prestados, sempre solícito, sempre carinhoso, atendendo com desvelo aos que ali vão
procurar alívio ao cruento mal.
Durante a visita, muitos e muitos lamentavam a falta de João Octavio
dos Santos, José
Caballero, do velho enfermeiro-mor - Joaquim da Santa Casa - como o chamavam - e também do sr. João Torquato de Souza Dias, que naquela casa de
caridade prestou serviços em diversos cargos, durante longos 37 anos, dali saindo para a Morada Eterna.
Ah! Se estes homens estivessem ainda vivos, que prazer para eles não seria verem hoje a Santa
Casa, esse hospital que João Octavio, cheio de si, chamava - "minha filha" - dotado agora com mais uma benemérita dependência para servir
exclusivamente a tuberculosos!
É enfim, o pavilhão para tuberculosos, um suntuoso palácio onde reside a soberana Morte, que se
diverte constantemente em enviar para a sepultura os seus submissos vassalos tísicos.
Um aspecto da inauguração do Pavilhão para Tuberculosos
Foto e legenda publicadas com o texto
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Deixando de lado a inauguração do pavilhão para tuberculosos,
vamos assistir a outra inauguração – a da ponte pênsil em S. Vicente.
As grandes obras de arte nas quais descobre-se a vasta inteligência dos que a constroem, são
para mim objeto de alta estima. E, neste firme propósito abalei-me até a vizinha cidade de S. Vicente, embarcando num auto em companhia de Antonio
Santos Amorim e Décio de Andrade.
Lá chegados, dirigimo-nos à Avenida Bartolomeu de Gusmão que dá entrada para a colossal
ponte.
S. Vicente nesse dia era toda festas: o mais humilde pescador lá estava também, boquiaberto,
diante da monumental obra, vendo pessoal que nunca viu, embasbacado, enfim, ao contemplar aquele movimento fidalgo, com todas as praxes de ato
oficial.
Antes, porém, da formalidade da abertura da ponte, que foi feita com uma tesoura cortando um cabo,
um reboliço qualquer fazia-se em uma curva da Avenida Bartolomeu. Já se vê: o povo afluiu em massa para aquele ponto.
A causa desse movimento era nada mais do que um desastre que vinha colorindo a festa com
rubras gotas de sangue! Um automóvel chocou-se com uma motocicleta montada por Sylvio Lambertti, que viera de S. Paulo expressamente para assistir a
inauguração.
Não quis ver mais nada. Voltei a Santos imediatamente, ficando lá o Amorim no seu encargo de
reportagem.
O inditoso Lamberti foi nesse mesmo dia para S. Paulo, com
o triste destino de falecer junto à sua família em conseqüência dos graves ferimentos que recebeu por ocasião do desastre!
A motocicleta de Lamberti sob as rodas do automóvel
Foto e legenda publicadas com o
texto
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