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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM... - BIBLIOTECA NM
1915 - por Carlos Victorino (13)

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Carlos Victorino apareceu na imprensa santista como tipógrafo no jornal Gazeta de Santos (de 1883) e reapareceu como revisor no Jornal da Noite, criado em 1920. Também escreveu para teatro e nos gêneros romance e comédia.

Suas lembranças de Santos, vivenciadas entre 1905 e 1915, foram reunidas na obra Santos (Reminiscências) 1905-1915, cujo Livro II (com 125 páginas) foi em 1915 impresso pela tipografia do jornal santista A Tarde (criado em 1º/8/1900). O Livro I, correspondente ao período 1876-1898, já estava com a edição esgotada quando surgiu a segunda parte.

Nesta transcrição integral do Livro II - baseada na 1ª edição existente na biblioteca da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos (SHEC) -, foi atualizada a ortografia:

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Santos (reminiscências) 1905-1915

Carlos Vitorino

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XIII

Voltemos um pouco atrás, para afastar o espírito das recordações pungentes.

Entreteremos alguns minutos retrospectando, ainda que unicamente pela imaginação, chamando assim, para o cérebro, o carnaval de 1913.

Não foi dos melhores e constou em sua maior parte de cordões desenxabidos, fazendo as sociedades de Vilões-Santos Dumont, Meia Lua e quejandas, durante os três dias da folia em honra ao grande boêmio Momo, uma espécie de sarilho no qual, ao som de sanfonas e violões, os cacetes eram os semi-deuses da festa, não se falando no ensurdecedor trilar de apitos marcando a cadência das bordoadas vibradas de pau a pau.

Pandeiros e adufos tomavam lugar saliente. Os foliões, trajando à marinheira, empregavam toda a elegância, meneando o corpo, dando saltos num só pé, suando a bom suar, desfazendo-se em galanteios, e só para dar uma cacetada puxada de "pé atrás" no cacete do companheiro de vis-a-vis...

Não houve um préstito carnavalesco digno de menção, porque começava a entrar nas algibeiras a tão falada senhora "crise", proibindo tudo, seqüestrando grandes diversões íntimas ou populares, implantando, enfim, em tudo e todos, uma economia forçada.

Mesmo assim, nesses dias de folguedos, o dinheiro achava uma brecha para sair das bolsas e embarafustar-se pelas portas dos estabelecimentos onde existiam à venda os lança-perfume, os confetti e as serpentinas...

O Coliseu não deixou de abrir os seus salões e neles fazer dançar a rapaziada que (quem sabe) quanta joiazinha não levou ao prego para com o seu reles produto, sujeito a juros, satisfazer as exigências do tríduo carnavalesco. E isto porque, obedecendo às arcaicas tradições, o Carnaval, seja de que modo for, custe o que custar, há de sempre ser festejado.

Nestes três dias, os folguedos dispensados a Momo e exibidos nas praças públicas tornam-se uma como que religião. Desde o mendigo até o milionário, a manifestação ao deus da troça é mais do que um sagrado dever. Conheçam eles ou não as tradições e a mitologia.

As sedas, os pingentes dourados, os guizos, o veludo e as flores, por mais caros que estejam no mercado, são sempre baratos: é só por três dias, não faz mal um sacrificiozinho...

Depois desses três dias, a reação, que abandona e expurga por um ano os enfeites e os desvarios momáticos, traz consigo uma soma de arrependimentos, um saldo de prejuízos: as algibeiras abaladas, o físico inerte! Tudo está saturado do éter do lança-perfume; os cabelos conservam ainda o pó dos confetti...

Os alegres pierrots de ontem são os rapazes macambúzios de hoje. Mas, uma aragem de alegria perpassa-lhes pelo cérebro: conservam a esperança de existirem até o ano vindouro, para na mesma época deixarem de ser os rapazes macambúzios de hoje, tornando-se, de novo, os alegres pierrots de amanhã...

Enquanto, porém, isso não se dá, vejamos, com os olhos da curiosidade, as três chinesas curandeiras, que passavam por entre nós vindas do Rio, e foram à capital exercer a profissão de tirar bichos dos olhos com dois pauzinhos...

Acompanhavam-nas nessa missão de afinar "vistas grossas" três filhos também do Celeste Império, três secretários que, naturalmente, andavam fazendo "vistas largas" no arame que caísse de cada uma consulta. (N.E.: arame, no início do século XX, era gíria significando dinheiro).

Parece-me que as curandeiras foram bem sucedidas, pois quem não quereria limpar a vista, se isso era apenas questão de "um pau por um olho"?

Dizem que, nessa operação, o paciente, em vez de "ver estrelas", via "cobras e lagartos"...

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Continuando na série de artifícios, Santos recebe um "Casino" estabelecido na Praça dos Andradas.

Estreou essa casa de diversões em uma noite mais ou menos fria, e a rapaziada aproveitou essa oportunidade para lá ir aquecer-se com o calor do recinto e dos aplausos que glorificavam as chanteuses e disenses vindas da Itália, de Paris, da Espanha, da Polônia...

Ali reinava a beleza das artistas empoadas a par da pornografia envolta em ondas sonoras que se desprendiam dos instrumentos de uma orquestra manquée. Por último, a orgia deu vasta entrada no "Casino", que foi obrigado a trancar as portas, recorrendo ao subterfúgio de "reforma geral".

Reabriu-se dias depois, mas, como "antes que o mal cresça, corta-se-lhe a cabeça", a polícia mandou fechar o "Casino" por uma vez.

Pois nem assim. Fechou-se o "Casino", e abriu-se na Rua Amador Bueno outra casa no mesmo gênero, com diferença de rótulo. Fechou também.

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Ainda mesmo que artificial, lamentemos também certos pontos da cinematografia:

Em Santos, como em toda a parte onde os films são projetados mostrando-nos na tela as façanhas dos perigosos gatunos e ardilezas de xerloques, os grandes crimes sensacionais, o modo porque são manejadas as gazuas e os punhais, deveriam essas exibições serem proibidas porque os freqüentadores dos cinematógrafos, quase que em sua maioria, são os meninos de tenra idade.

Naturalmente, devido ao cérebro não estar em completa conformação, sem a veia do siso, é muito fácil uma criança pender para o lado mau, julgando ser grande gáudio para si saber roubar sem ser pressentido e ter a poderosa arte de iludir a vigilância da polícia, após consumado o crime. E, no entanto, este perigo de má educação é o mais freqüente nas telas cinematográficas.

Não duvido que muita criança crie verdadeiro amor por esses personagens cinematografados, e queira mais tarde fazer o mesmo que viram-nos fazer... ali, na tela do Guarany, do Parisien ou do Coliseu. Há o grande perigo de possuirmos dentro da sociedade um regular número de ladrões e assassinos precoces.

As fitas cômicas, as fitas históricas, as fitas onde estão gravados gestos de nobreza e altruísmo, deveriam ser as preferidas. Acho também que as fitas, nas quais vamos ver as cenas horripilantes das grandes guerras, podiam ser abolidas.

Parecerá ao amável leitor que as minhas considerações nada têm com este breve histórico. Estas considerações prendem-se ao fato de que eu, indo ao Guarany para ver pela primeira vez a exibição do tão alardeado filme Máscara de cera, notei durante as projeções que desenvolviam ações de pirataria, roubos astuciosos e quejandas traquinagens de refinados bandidos, uma certa paixão e interesse que um rapazito, ao meu lado, mantinha pelos gatunos de casaca, chegando muitas vezes, absorto e empolgado pela tática do gatuno, a murmurar, risonho, prazenteiro:

- Assim é que vale a pena ser-se ladrão!...

E quando o ladrão conseguia, com hábeis artimanhas, fugir à ação da polícia, escapando por alçapões, portas falsas e escadas de cordas, o rapazito delirava de prazer, batendo as palmas e exclamando, nervoso, numa expressão de júbilo:

- Aí bonzão! Logrou a polícia!

Ao que estará reservado esse menino, continuando a apreciar fitas desse jaez?


Cine-teatro Cassino cerca de 1920, com o teto basculante (entre a edificação do 1º plano e a torre à direita), na edificação que, reformada, abrigaria depois o hotel Atlântico, no final da Av. Ana Costa
Foto: acervo do cartofilista Laire José Giraud