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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - MEDICINA
Santa Casa de Misericórdia (10)

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Este texto sobre João Octávio dos Santos - que foi também presidente da Câmara Municipal em 1886 - foi publicado na edição especial/comemorativa dos 460 anos da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos, publicada em 1º de novembro de 2003 pela entidade, em formato tablóide, com edição de José Eduardo Barbosa, textos dele e de colaboradores, revisão de Isabel Machado e editoração eletrônica de Marinilza Barroso Bueno (com impressão A Tribuna e patrocínio Unibanco):
 

João Octávio dos Santos
Foto: reprodução de quadro a óleo da Santa Casa, publicada com a matéria

Grandes Beneméritos: João Octávio dos Santos

Prof. Dr. Oswaldo Paulino (*)

Faleceu nesta cidade no dia 9 de julho de 1900, aos 70 anos de idade. É sem dúvida grande benemérito cuja memória deve ser reverenciada por todos e, em particular, pela Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos.

Foi provedor de 1875 a 1878 e de 1883 a 1896, quando a doença o afastou de suas atividades. Durante mais de 20 anos, sempre socorreu a Irmandade, a qual ele chamava de sua filha querida e a menina dos seus olhos.

Solteiro e dono de grande fortuna conseguida com muito trabalho e exemplo de honestidade, João Octávio era filho natural da humilde criatura Dona Escolástica Rosa de Oliveira e teve como seus padrinhos João Octávio Nébias e Dona Emerenciana Nébias, que o colocaram numa escola para alfabetizá-lo.

Autodidata e dono de uma inteligência privilegiada e força de vontade incomum, procurava aprimorar seus conhecimentos trabalhando inicialmente com a escrituração de firmas de vários comerciantes. Progredindo rapidamente, passou a dirigir seus próprios negócios no comércio de mercadorias, inclusive com a Argentina. Assim agiu por quase 50 anos e, muito comedido nos seus gastos, amealhou bens com a compra de imóveis em vários lugares da cidade, além de ações, sempre administrando cuidadosamente as suas rendas, até mesmo à véspera de sua morte.

O seu testamento é um modelo de amor filial e desejo de melhorar as condições de vida e a educação das crianças órfãs e carentes, que merece ser conhecido.

João Octávio dos Santos foi o criador, nessa região, da primeira Escola Profissionalizante e o lançador da semente da tão sonhada Universidade Pública. É justo e oportuno prestar homenagem ao grande benemérito João Octávio dos Santos. Exemplo de amor filial e dedicação à Santa Casa, mensageiro de benesses aos carentes e órfãos. Sua memória deve ser cultuada pelas gerações que aqui, nesta Santa Casa, praticam as lições do Apóstolo Paulo - A CARIDADE.

Testamento - Em Relatório assinado pelo então Provedor Júlio Conceição em 29 de junho de 1901, era publicado na íntegra o Testamento de João Octávio dos Santos, o qual transcrevemos a seguir na íntegra:

"Em nome de Deus. Amém. Eu, João Octávio dos Santos, domiciliado nesta cidade, achando-me doente, mas não de cama, no pleno gozo de minhas faculdades e de perfeito juízo como disposição justa e solemne de minha vontade resolvi fazer este meu testamento, livre e espontaneamente, sem coacção, suggestão, medo, violência, dolo ou endusimento, e passo a fazel-o pela forma e modo seguinte:

Declaro que tenho 69 annos de idade; que sou natural desta mesma cidade e filho natural de D. Escholastica Rosa de Oliveira, fallecida em 1858.

Declaro que sou solteiro e sem herdeiro algum necessário, descendente ou ascendente.

Que sendo-me livre o dispor de todos os meus bens patrimoniais, passo a fazel-o pela forma e modo seguinte:

Em primeiro lugar, declaro eu, sendo minha vontade perpetuar a memória de minha fallecida Mãe, é minha expressa vontade criar, como de facto crio, um instituto destinado à educação intellectual e profissional de meninos pobres, semelhante ao de D. Anna Rosa, existente na capital deste Estado, e que se denominará Instituto D. Escholastica Rosa.

Este instituto será erecto na chácara de minha actual residência no Ramal da Ponta da Praia ou onde melhor possa convir, devendo reger-se por estas seguintes Instrucções:

A sua direcção interna será exercida por um Director, que residirá no próprio instituto, com uma família, de nomeação do Provedor da Santa Casa de Misericórdia desta cidade.

Este Director, a cujo cargo estará a escripturação do instituto, apresentará no fim de cada mez à administração da mesma Santa Casa um balancete demonstrativo da receita e despesa do estabelecimento.

O instituto deverá ter tantos professores e mestres de officinas, quantos forem necessários para o seu bom funccionamento.

Destes professores deverão residir dentro do próprio instituto tantos quantos forem julgados necessários para auxiliares do Director na manutenção da boa ordem e disciplina.

A aula de música e as officinas deverão ser regidas por professores e mestres que residam fora do instituto.

Os alumnos que entrarem para o estabelecimento serão tratados com desvelo e carinho, nada lhes faltando, já em relação à boa alimentação, já em relação ao vestuário, calçado, lavagem e engomado de roupa, médico e medicamentos, quando necessários.

Em caso de moléstia grave, infecciosa ou contagiosa serão observadas as regras e prescripções hygienicas, avisando-se os Paes, tutores ou curadores para que retirem o doente, fornecendo o instituto à sua custa os meios de remoção e conducção para local conveniente.

Para a admissão no Instituto serão observadas as seguintes condições: 1ª) Que o menor seja orpham e filho de Paes pobres. 2ª) Que sendo filho natural prove a mãe não ter recursos e que o filho viva em sua companhia. 3ª) Que não sendo orpham mostrem os Paes viverem em pobreza. 4ª) Que o matriculando não seja menor de 9 annos nem maior de 14. 5ª) Que não sofra moléstia contagiosa, devendo ser logo vacinado se ainda o não tiver sido.

O alumno permanecerá no Instituto, ao menos por 4 annos, podendo este prazo ser espaçado se o alumno não conseguir habilitar-se e tenha provado boa conducta e manifestado vocação escolar ou artística.

O Curso de estudos será dividido em quatro séries: a primeira compreenderá o ensino de leitura e calligraphia; a segunda o de leitura corrente, calligraphia e primeiras noções de cálculo; a terceira o de analyse elementar, operações sobre números inteiros, noções de fracções ordinárias e decimaes e noções de cousas; a quarta, finalmente, comprehenderá, analyse grammatical e lógica, operações sobre fracções, systema métrico decimal, proporções, noções geraes de geographia, geographia do Brasil em particular, noções de cousas, educação, educação cívica e catechismo. A aula de música será freqüentada pelos alumnos que mostrarem-se com vocação para ella, devendo a banda ser constituída de 30 figuras, pelo menos.

Funccionarão no Instituto as oficinas que a juízo da Administração da Santa Casa de Misericórdia forem julgadas necessárias.

Todo o alumno será obrigado a freqüentar uma destas officinas, cuja escolha dependerá de sua vocação e consultará a sua constituição physica.

No fim de cada anno lectivo realisar-se-ão os exames geraes dos alumnos, comprehendendo todas as matérias estudadas.

Estes exames serão públicos e previamente annunciados pela imprensa.

No dia designado para elles o Instituto será franqueado aos visitantes. Em relação à distribuição de tempo para estudo, trabalho nas oficinas, refeição, descanço, exercícios corporaes e passeios ao ar livre, deixo a cargo da regulamentação interna do Instituto, que será confeccionada pelo Professor Diretor e approvada pelo Provedor da Santa Casa da Misericórdia.

Igual e semelhantemente se procederá em tudo mais que concernir com a disciplina interna do Instituto, ficando entendido que aos alumnos não se aplicarão castigos corporaes.

Aos que se distinguirem pelo seu bom comportamento, applicação e approveitamento, serão conferidos prêmios.

Declaro que a excepção dos legados inframencionados é minha expressa vontade legar, como lego, à Santa Casa de Misericórdia desta cidade todos os meus bens, direitos e acções constitutivos do meu patrimônio para serem especialmente applicados à erecção do Instituto D. Escholastica Rosa, que ora deixo creado, sua decente installação, seu custeio e sua manutenção perpetua.

A construccção ou acquisição do edifício fica a cargo exclusivo do meu testamenteiro Júlio Conceição que o entregará, quando concluído e completamente montado.

Concluído e montado o instituto, todo o remanescente dos meus bens legados à Santa Casa de Misericórdia desta cidade, com esta especial applicação, ficará constituído o patrimônio do mesmo Instituto, applicando-se os seus rendimentos na sua conservação perpetua e seu custeio.

É minha vontade que o meu testamenteiro, de accordo com a Administração da Santa Casa de Misericórdia, proveja em tudo o mais que for necessário, de modo a que o Instituto seja em tempo inaugurado sem que nada lhe venha a faltar, supprindo desta arte qualquer ommissão que por ventura tenha occorrido neste meu testamento a tal respeito.

Inaugurado o Instituto deverá o meu testamenteiro entregal-o à Santa Casa de Misericórdia desta cidade, a quem confio e rogo queira acceital-o como annexado ou como dependência da mesma Santa Casa, recebendo seu patrimônio e seus rendimentos e de tudo cuidando e zelando como de cousa sua que própria fosse.

Tendo assim por expressada esta minha vontade, passo em seguida a fazer mais estas outras minhas declarações:

Declaro que, sendo minha vontade, lego à mesma Santa Casa da Misericórdia, por amor que a ella tenho e à qual servi além de outras occasiões de seu Provedor por espaço de 20 annos, a quantia de 120 contos de réis, que destino para seu patrimônio.

Esta quantia poderá ser em bens ou em dinheiro, à vontade de sua Administração, devendo, porém, em qualquer dos casos, ser incluído nesse valor o prédio nº 27 da rua Santo Antonio, desta cidade, primeiro que adquiri em 1885 e onde actualmente funcciona a agencia do Banco de São Paulo.

Lego ao Asylo de Orphãos desta cidade, para augmento de seu patrimônio, a quantia de 20:000 $. Lego à Sociedade Humanitária dos Empregados no Commercio, desta mesma cidade, para seu patrimônio, a quantia de 10:000$000. Lego à União Operária desta mesma cidade, a quantia de 5:000$000. Lego à Egreja Matriz desta cidade, na qual fui baptisado e para seus paramentos, a quantia de 5:000$000. Lego à Sociedade Auxiliadora da Instrucção, desta mesma cidade, a quantia de 5:000$000. Lego ao Apostolado do Sagrado Coração de Jesus, desta mesma cidade, a quantia de 5:000$000. Lego à minha sobrinha Nologa, viúva de Manoel Bento de Andrade, as minhas casas da rua Santo Antonio ns. 84 e 86, desta mesma cidade, sob a condicção de usar e gozar durante sua vida, passando depois da sua morte a seus filhos. Lego à minha sobrinha Deoclecia de Oliveira Santos, filha de minha irmã Amanda, a minha casa do Largo da República nº 60, desta cidade.

Lego à minha sobrinha Amélia, filha da minha irmã Amélia, a minha casa da rua Amador Bueno nº 153, desta cidade. Lego à minha sobrinha Olinda, filha da minha irmã Amélia, a minha casa da rua Amador Bueno nº 11, desta cidade. Lego à minha sobrinha e afilhada Quita, casada com Francisco de Azevedo Rocha, a minha casa da rua São Francisco, nº 141, desta cidade. Lego à minha irmã Maria das Dores Carvalho, a minha casa da rua Marquez de Herval nº 31 e o meu sobradinho da travessa do mesmo nome nº 1, sob a condição de usar e gozar durante sua vida, passando por sua morte aos filhos do meu fallecido irmão Henrique Pedro de Oliveira. Lego a D. Maria da Gloria Nebias, filha solteira do meu padrinho João Octavio Nebias, a quantia de 10:000$000. Lego a meu sobrinho e afilhado Henrique, filho do meu fallecido irmão Henrique Pedro de Oliveira, a quantia de 10:000$000.

Lego a meu afilhado Oswaldo, filho do meu amigo e compadre Júlio Conceição, a quantia de 10:000$000. Lego à minha sobrinha Maria do Carmo, filha do meu fallecido irmão Henrique Pedro de Oliveira, a quantia de 5:000$000. Lego à menina Lydia, filha do meu amigo Júlio Conceição, a quantia de 5:000$000. Lego a Antonio, filho de minha sobrinha Deoclécia de Oliveira Santos, a quantia de 2:000$000. Lego a meu afilhado João, filho de Manoel José Ferreira, a quantia de 2:000$000. Lego a Etelvina, neta do fallecido Felisberto Borges Chaves, a quantia de 1:000$000. Lego a cada um dos filhos legítimos de meus sobrinhos Francisco e João, filhos de minha fallecida irmã Amelia, que existirem por occasião de minha morte, a quantia de 1:000$000.

Lego a meu afilhado Paulo, filho do finado Antonio Candido Silva, a quantia de 1:000$000. Lego a Domicio Bicudo, meu actual empregado, a quantia de 5:000$000; si ao tempo de minha morte não for elle meu empregado reverterá este legado a seus filhos. Lego a Maria Octavia, que foi creada em minha casa, a quantia de 5:000$000; si vier esta legatária a fallecer antes da minha morte, ficará este legado sem effeito, salvo se deixar ella filhos, porque neste caso reverterá o referido legado a favor destes. Lego a Henriqueta Bittencourt, minha actual creada, a quantia de 2:000$000, legado que ficará sem effeito si vier ella a fallecer antes de minha morte.

Declaro que todas as deixas e legados constantes deste meu testamento serão entregues a quem de direito, livres de quaesquer impostos, os quaes, bem como toda e qualquer despesa que fizer o meu testamenteiro, inclusive as que entender fazer com honorário de advogados, serão deduzidos do meu patrimônio.

Nomeio meu testamenteiro o meu amigo e compadre Júlio Conceição, a quem rogo queira acceitar este cargo com direito a vintena prolabore. Marco o prazo de 2 annos para cumprimento deste meu testamento e pelo qual revogo qualquer outro anteriormente feito.

É este o meu testamento e disposição de última vontade, o qual se cumpra inteiramente como testamento ou codicilho, rogando às Justiças deste País que o cumpram e façam cumprir. Este vae a meu rogo escripto por João Pedro de Jesus, pessoa de minha inteira confiança, e por mim datado e assignado, assignado também pelo escriptor deste, depois de ser tudo por mil lido com reflexão e calma e achado conforme meu desejo e vontade.

Santos, 12 de dezembro de 1899.

João Octávio dos Santos

(nota: approvação na mesma data pelo 1º Tabelião desta cidade, Cap. Joaquim Fernandes Pacheco).

(*) Professor-doutor Oswaldo Paulino, membro honorário do corpo clínico da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos.

Oswaldo Paulino
Foto publicada com a matéria

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