João Octávio dos Santos
Foto: reprodução de quadro a óleo da Santa Casa, publicada com a matéria
Grandes Beneméritos: João Octávio dos Santos
Prof. Dr. Oswaldo Paulino (*)
Faleceu nesta cidade no dia 9 de julho de 1900, aos 70
anos de idade. É sem dúvida grande benemérito cuja memória deve ser reverenciada por todos e, em particular, pela Irmandade da Santa Casa da
Misericórdia de Santos.
Foi provedor de 1875 a 1878 e de 1883 a 1896, quando a doença o afastou de suas
atividades. Durante mais de 20 anos, sempre socorreu a Irmandade, a qual ele chamava de sua filha querida e a menina dos seus olhos.
Solteiro e dono de grande fortuna conseguida com muito trabalho e exemplo de
honestidade, João Octávio era filho natural da humilde criatura Dona Escolástica Rosa de Oliveira e teve como seus padrinhos João Octávio Nébias e
Dona Emerenciana Nébias, que o colocaram numa escola para alfabetizá-lo.
Autodidata e dono de uma inteligência privilegiada e força de vontade incomum,
procurava aprimorar seus conhecimentos trabalhando inicialmente com a escrituração de firmas de vários comerciantes. Progredindo rapidamente, passou
a dirigir seus próprios negócios no comércio de mercadorias, inclusive com a Argentina. Assim agiu por quase 50 anos e, muito comedido nos seus
gastos, amealhou bens com a compra de imóveis em vários lugares da cidade, além de ações, sempre administrando cuidadosamente as suas rendas, até
mesmo à véspera de sua morte.
O seu testamento é um modelo de amor filial e desejo de melhorar as condições de vida
e a educação das crianças órfãs e carentes, que merece ser conhecido.
João Octávio dos Santos foi o criador, nessa região, da primeira
Escola Profissionalizante e o lançador da semente da tão sonhada Universidade Pública. É justo e oportuno prestar homenagem ao grande benemérito
João Octávio dos Santos. Exemplo de amor filial e dedicação à Santa Casa, mensageiro de benesses aos carentes e órfãos. Sua memória deve ser
cultuada pelas gerações que aqui, nesta Santa Casa, praticam as lições do Apóstolo Paulo - A CARIDADE.
Testamento - Em Relatório assinado pelo então Provedor Júlio Conceição em 29 de
junho de 1901, era publicado na íntegra o Testamento de João Octávio dos Santos, o qual transcrevemos a seguir na íntegra:
"Em nome de Deus. Amém. Eu, João Octávio dos Santos, domiciliado nesta cidade,
achando-me doente, mas não de cama, no pleno gozo de minhas faculdades e de perfeito juízo como disposição justa e solemne de minha vontade resolvi
fazer este meu testamento, livre e espontaneamente, sem coacção, suggestão, medo, violência, dolo ou endusimento, e passo a fazel-o pela forma e
modo seguinte:
Declaro que tenho 69 annos de idade; que sou natural desta mesma cidade e filho
natural de D. Escholastica Rosa de Oliveira, fallecida em 1858.
Declaro que sou solteiro e sem herdeiro algum necessário, descendente ou ascendente.
Que sendo-me livre o dispor de todos os meus bens patrimoniais, passo a fazel-o pela
forma e modo seguinte:
Em primeiro lugar, declaro eu, sendo minha vontade perpetuar a memória de minha
fallecida Mãe, é minha expressa vontade criar, como de facto crio, um instituto destinado à educação intellectual e profissional de meninos pobres,
semelhante ao de D. Anna Rosa, existente na capital deste Estado, e que se denominará Instituto D. Escholastica Rosa.
Este instituto será erecto na chácara de minha actual residência no Ramal da Ponta da
Praia ou onde melhor possa convir, devendo reger-se por estas seguintes Instrucções:
A sua direcção interna será exercida por um Director, que residirá no próprio
instituto, com uma família, de nomeação do Provedor da Santa Casa de Misericórdia desta cidade.
Este Director, a cujo cargo estará a escripturação do instituto, apresentará no fim de
cada mez à administração da mesma Santa Casa um balancete demonstrativo da receita e despesa do estabelecimento.
O instituto deverá ter tantos professores e mestres de officinas, quantos forem
necessários para o seu bom funccionamento.
Destes professores deverão residir dentro do próprio instituto tantos quantos forem
julgados necessários para auxiliares do Director na manutenção da boa ordem e disciplina.
A aula de música e as officinas deverão ser regidas por professores e mestres que
residam fora do instituto.
Os alumnos que entrarem para o estabelecimento serão tratados com desvelo e carinho,
nada lhes faltando, já em relação à boa alimentação, já em relação ao vestuário, calçado, lavagem e engomado de roupa, médico e medicamentos, quando
necessários.
Em caso de moléstia grave, infecciosa ou contagiosa serão observadas as regras e
prescripções hygienicas, avisando-se os Paes, tutores ou curadores para que retirem o doente, fornecendo o instituto à sua custa os meios de remoção
e conducção para local conveniente.
Para a admissão no Instituto serão observadas as seguintes condições: 1ª) Que o menor
seja orpham e filho de Paes pobres. 2ª) Que sendo filho natural prove a mãe não ter recursos e que o filho viva em sua companhia. 3ª) Que não sendo
orpham mostrem os Paes viverem em pobreza. 4ª) Que o matriculando não seja menor de 9 annos nem maior de 14. 5ª) Que não sofra moléstia contagiosa,
devendo ser logo vacinado se ainda o não tiver sido.
O alumno permanecerá no Instituto, ao menos por 4 annos, podendo este prazo ser
espaçado se o alumno não conseguir habilitar-se e tenha provado boa conducta e manifestado vocação escolar ou artística.
O Curso de estudos será dividido em quatro séries: a primeira compreenderá o ensino de
leitura e calligraphia; a segunda o de leitura corrente, calligraphia e primeiras noções de cálculo; a terceira o de analyse elementar, operações
sobre números inteiros, noções de fracções ordinárias e decimaes e noções de cousas; a quarta, finalmente, comprehenderá, analyse grammatical e
lógica, operações sobre fracções, systema métrico decimal, proporções, noções geraes de geographia, geographia do Brasil em particular, noções de
cousas, educação, educação cívica e catechismo. A aula de música será freqüentada pelos alumnos que mostrarem-se com vocação para ella, devendo a
banda ser constituída de 30 figuras, pelo menos.
Funccionarão no Instituto as oficinas que a juízo da Administração da Santa Casa de
Misericórdia forem julgadas necessárias.
Todo o alumno será obrigado a freqüentar uma destas officinas, cuja escolha dependerá
de sua vocação e consultará a sua constituição physica.
No fim de cada anno lectivo realisar-se-ão os exames geraes dos alumnos,
comprehendendo todas as matérias estudadas.
Estes exames serão públicos e previamente annunciados pela imprensa.
No dia designado para elles o Instituto será franqueado aos visitantes. Em relação à
distribuição de tempo para estudo, trabalho nas oficinas, refeição, descanço, exercícios corporaes e passeios ao ar livre, deixo a cargo da
regulamentação interna do Instituto, que será confeccionada pelo Professor Diretor e approvada pelo Provedor da Santa Casa da Misericórdia.
Igual e semelhantemente se procederá em tudo mais que concernir com a disciplina
interna do Instituto, ficando entendido que aos alumnos não se aplicarão castigos corporaes.
Aos que se distinguirem pelo seu bom comportamento, applicação e approveitamento,
serão conferidos prêmios.
Declaro que a excepção dos legados inframencionados é minha expressa vontade legar,
como lego, à Santa Casa de Misericórdia desta cidade todos os meus bens, direitos e acções constitutivos do meu patrimônio para serem especialmente
applicados à erecção do Instituto D. Escholastica Rosa, que ora deixo creado, sua decente installação, seu custeio e sua manutenção perpetua.
A construccção ou acquisição do edifício fica a cargo exclusivo do meu testamenteiro
Júlio Conceição que o entregará, quando concluído e completamente montado.
Concluído e montado o instituto, todo o remanescente dos meus bens legados à Santa
Casa de Misericórdia desta cidade, com esta especial applicação, ficará constituído o patrimônio do mesmo Instituto, applicando-se os seus
rendimentos na sua conservação perpetua e seu custeio.
É minha vontade que o meu testamenteiro, de accordo com a Administração da Santa Casa
de Misericórdia, proveja em tudo o mais que for necessário, de modo a que o Instituto seja em tempo inaugurado sem que nada lhe venha a faltar,
supprindo desta arte qualquer ommissão que por ventura tenha occorrido neste meu testamento a tal respeito.
Inaugurado o Instituto deverá o meu testamenteiro entregal-o à Santa Casa de
Misericórdia desta cidade, a quem confio e rogo queira acceital-o como annexado ou como dependência da mesma Santa Casa, recebendo seu patrimônio e
seus rendimentos e de tudo cuidando e zelando como de cousa sua que própria fosse.
Tendo assim por expressada esta minha vontade, passo em seguida a fazer mais estas
outras minhas declarações:
Declaro que, sendo minha vontade, lego à mesma Santa Casa da Misericórdia, por amor
que a ella tenho e à qual servi além de outras occasiões de seu Provedor por espaço de 20 annos, a quantia de 120 contos de réis, que destino para
seu patrimônio.
Esta quantia poderá ser em bens ou em dinheiro, à vontade de sua Administração,
devendo, porém, em qualquer dos casos, ser incluído nesse valor o prédio nº 27 da rua Santo Antonio, desta cidade,
primeiro que adquiri em 1885 e onde actualmente funcciona a agencia do Banco de São Paulo.
Lego ao Asylo de Orphãos desta cidade, para augmento de seu patrimônio, a quantia de
20:000 $. Lego à Sociedade Humanitária dos Empregados no Commercio, desta mesma cidade, para seu patrimônio, a quantia de 10:000$000. Lego à União
Operária desta mesma cidade, a quantia de 5:000$000. Lego à Egreja Matriz desta cidade, na qual fui baptisado e para seus paramentos, a quantia de
5:000$000. Lego à Sociedade Auxiliadora da Instrucção, desta mesma cidade, a quantia de 5:000$000. Lego ao Apostolado do Sagrado Coração de Jesus,
desta mesma cidade, a quantia de 5:000$000. Lego à minha sobrinha Nologa, viúva de Manoel Bento de Andrade, as minhas casas da rua Santo Antonio ns.
84 e 86, desta mesma cidade, sob a condicção de usar e gozar durante sua vida, passando depois da sua morte a seus filhos. Lego à minha sobrinha
Deoclecia de Oliveira Santos, filha de minha irmã Amanda, a minha casa do Largo da República nº 60, desta cidade.
Lego à minha sobrinha Amélia, filha da minha irmã Amélia, a minha casa da
rua Amador Bueno nº 153, desta cidade. Lego à minha sobrinha Olinda, filha da minha irmã Amélia, a minha casa da rua
Amador Bueno nº 11, desta cidade. Lego à minha sobrinha e afilhada Quita, casada com Francisco de Azevedo Rocha, a minha casa da rua São Francisco,
nº 141, desta cidade. Lego à minha irmã Maria das Dores Carvalho, a minha casa da rua Marquez de Herval nº 31 e o meu sobradinho da travessa do
mesmo nome nº 1, sob a condição de usar e gozar durante sua vida, passando por sua morte aos filhos do meu fallecido irmão Henrique Pedro de
Oliveira. Lego a D. Maria da Gloria Nebias, filha solteira do meu padrinho João Octavio Nebias, a quantia de 10:000$000. Lego a meu sobrinho e
afilhado Henrique, filho do meu fallecido irmão Henrique Pedro de Oliveira, a quantia de 10:000$000.
Lego a meu afilhado Oswaldo, filho do meu amigo e compadre Júlio Conceição, a quantia
de 10:000$000. Lego à minha sobrinha Maria do Carmo, filha do meu fallecido irmão Henrique Pedro de Oliveira, a quantia de 5:000$000. Lego à menina
Lydia, filha do meu amigo Júlio Conceição, a quantia de 5:000$000. Lego a Antonio, filho de minha sobrinha Deoclécia de Oliveira Santos, a quantia
de 2:000$000. Lego a meu afilhado João, filho de Manoel José Ferreira, a quantia de 2:000$000. Lego a Etelvina, neta do fallecido Felisberto Borges
Chaves, a quantia de 1:000$000. Lego a cada um dos filhos legítimos de meus sobrinhos Francisco e João, filhos de minha fallecida irmã Amelia, que
existirem por occasião de minha morte, a quantia de 1:000$000.
Lego a meu afilhado Paulo, filho do finado Antonio Candido Silva, a quantia de
1:000$000. Lego a Domicio Bicudo, meu actual empregado, a quantia de 5:000$000; si ao tempo de minha morte não for elle meu empregado reverterá este
legado a seus filhos. Lego a Maria Octavia, que foi creada em minha casa, a quantia de 5:000$000; si vier esta legatária a fallecer antes da minha
morte, ficará este legado sem effeito, salvo se deixar ella filhos, porque neste caso reverterá o referido legado a favor destes. Lego a Henriqueta
Bittencourt, minha actual creada, a quantia de 2:000$000, legado que ficará sem effeito si vier ella a fallecer antes de minha morte.
Declaro que todas as deixas e legados constantes deste meu testamento serão entregues
a quem de direito, livres de quaesquer impostos, os quaes, bem como toda e qualquer despesa que fizer o meu testamenteiro, inclusive as que entender
fazer com honorário de advogados, serão deduzidos do meu patrimônio.
Nomeio meu testamenteiro o meu amigo e compadre Júlio Conceição, a quem rogo queira
acceitar este cargo com direito a vintena prolabore. Marco o prazo de 2 annos para cumprimento deste meu testamento e pelo qual revogo qualquer
outro anteriormente feito.
É este o meu testamento e disposição de última vontade, o qual se cumpra inteiramente
como testamento ou codicilho, rogando às Justiças deste País que o cumpram e façam cumprir. Este vae a meu rogo escripto por João Pedro de Jesus,
pessoa de minha inteira confiança, e por mim datado e assignado, assignado também pelo escriptor deste, depois de ser tudo por mil lido com reflexão
e calma e achado conforme meu desejo e vontade.
Santos, 12 de dezembro de 1899.
João Octávio dos Santos
(nota: approvação na mesma data pelo 1º Tabelião desta cidade, Cap. Joaquim Fernandes
Pacheco).
(*) Professor-doutor Oswaldo Paulino, membro
honorário do corpo clínico da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos.
Oswaldo Paulino
Foto publicada com a matéria
|