Parque Balneário começou a funcionar por volta de 1906
e já foi considerado o melhor da América do Sul
Foto: reprodução, publicada com a matéria
HOTÉIS
Vestígios de uma época
Construções do início do século passado escondem um pouco dos tempos de
glamour em Santos
Luiz Gomes Otero
Da Reportagem
Quem passa pela frente dos hotéis antigos da Cidade,
situados no Gonzaga, não é capaz de imaginar a riqueza da história que as edificações reservam. Em alguns casos, é possível relembrar os tempos de
glamour da hotelaria santista, que chegou a abrigar um dos melhores estabelecimentos da América do Sul.
Atualmente, restam dois hotéis da chamada fase áurea da hotelaria de Santos, que girou
em torno das décadas de 30 e 60: o Avenida Palace e o Atlântico, ambos situados na orla da
Praia do Gonzaga, na Avenida Presidente Wilson. Os dois prédios estão prestes a serem tombados pelo Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico Santista (Condepasa).
Inaugurado em 1928, o Atlântico ainda conserva a charmosa porta giratória de madeira
de lei no hall de entrada e as janelas de cristal europeu da fachada. Na década de 20, o complexo ainda abrangia um cassino e uma série de
lojas de conveniência, na área hoje ocupada pela C&A e pelas Lojas Americanas. O prédio também abrigou dois cinemas durante um período.
Outro ponto que ainda mantém as características originais é o apartamento 210, que
possui a mobília original, da época da inauguração.
O gerente do hotel, Ramon Contardo, não chegou a acompanhar a fase áurea do
estabelecimento. Mas conhece bem a sua história. "Sei, por exemplo, que se hospedaram grandes personalidades da vida pública do País, como o Luiz
Carlos Prestes, que comandou a Coluna Prestes, e o saudoso governador Mário Covas".
Contardo lembra ainda que o hotel abrigou os cantores Jamelão, Alcione, Jair
Rodrigues, Wando, entre outros. "É difícil enumerar todas as personalidades, porque a nossa atividade é muito dinâmica".
Guerra - Outro ponto interessante é o fato de, no período da II Guerra Mundial
(1941 a 1945), o hotel ter sido transformado em uma espécie de quartel. Durante a noite, cortinas de veludo negro cobriam as janelas, para não
atrair a atenção dos inimigos alemães, que geralmente se orientavam pelas luzes das cidades para atacar.
O despachante aduaneiro Laire José Giraud mantém um rico acervo fotográfico da época
áurea da hotelaria, que serviu como base para o livro Memórias da Hotelaria Santista, lançado pela editora Página & Letras, em 1997.
Girud lembra que, antes mesmo do Avenida Palace e do Atlântico, já existiam três
hotéis no Gonzaga: o Belvedere, o Bandeirantes e o Parque Balneário.
"É interessante observar que o perfil do freqüentador dos hotéis é o público da
chamada elite da sociedade, que vinha principalmente jogar nos cassinos, até 1946, quando o Governo Federal passou a proibir esta modalidade de
jogo. Até então, cada hotel possuía o seu próprio cassino".
Segundo Giraud, o Parque Balneário hospedou personalidades importantes da política,
como os ex-presidentes Getúlio Vargas e Juscelino Kubitscheck. "Os hotéis de Santos eram uma referência. É uma história tão rica, que até hoje as
pessoas lembram daquela fase áurea".
Giraud também se recorda que os hotéis contribuíram para a consolidação do
bairro do Gonzaga, que na época não contava com a infra-estrutura atual. "Nem havia a avenida da orla urbanizada".
Prédio antigo do Balneário foi derrubado
para dar lugar ao Shopping Parque Balneário, na década de 80
Foto: Édison Baraçal, publicada com a matéria
Balneário foi demolido para abrigar shopping
O Parque Balneário Hotel não corresponde à edificação original, que começou a
funcionar por volta de 1906. O prédio, que chegou a ser considerado o melhor hotel da América do Sul, foi demolido para dar lugar a um complexo de
compras (Shopping Parque Balneário), três edifícios residenciais e um novo hotel cinco estrelas.
A história do Balneário começou com a venda do estabelecimento que pertencia a Alberto
Fomm e Elisa Poli. O prédio foi adquirido pela família Fracarolli no ano de 1912.
O hotel passou a funcionar em 1914. E sofreu uma série de ampliações até chegar na
forma mais conhecida, que permaneceu até a década de 80, antes de ser demolida.
Durante um período, o telhado do hotel abrigou um letreiro com a inscrição kursaal
(cassino em alemão), a fim de atrair a atenção dos turistas estrangeiros que chegavam pelo Porto de Santos.
Além de abrigar diversas personalidades importantes, como os ex-presidentes Afonso
Pena, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck e João Goulart, o hotel também sediou eventos que resultaram na fundação de entidades tradicionais. O
Tênis Clube de Santos, por exemplo, foi fundado em um evento promovido no Balneário.
Na metade da década de 20, Washington Luiz, que retornava de uma viagem à Europa,
aproveitou, durante um banquete no hotel, para lançar a sua candidatura à Presidência, para a qual acabaria eleito em 1926.
Em 1966, o Santos Futebol Clube adquiriu o estabelecimento,
chegando a transferir para lá a sua sede social, que funcionou até 1972, quando o complexo foi novamente vendido, desta vez para dar lugar a novos
empreendimentos, a partir da década de 80.
A única parte remanescente da edificação antiga fica em um
terreno atrás do shopping. O prédio foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos (Condepasa), que ainda não existia
na época em que a maior parte do complexo hoteleiro foi demolida (N.E.: em 1977). O local
servia como ponto de apoio do hotel, e hoje ainda se encontra desocupado.
O Grupo Mendes, do empresário Armênio Mendes, adquiriu o atual complexo hoteleiro em
1995. E promoveu uma ampla reforma, que objetivou trazer de volta a sofisticação e o requinte dos tempos antigos.
No hall de entrada, existem dois painéis de mármore, que preservam a imagem do
antigo Parque Balneário.
A partir do próximo mês de fevereiro, o hotel, que conta com 119 apartamentos, passará
por uma nova reforma em todos os cômodos da área social, visando resgatar o glamour das épocas anteriores.
Restaurante do Indaiá conserva clima da década de
50
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria
Reforma no Indaiá pretende resgatar história
Inaugurado em 1956, o Hotel Indaiá também contribuiu para manter a tradição de Santos
no setor hoteleiro. O complexo vive agora a expectativa de ter a sua estrutura reformada e ampliada nos próximos meses.
O administrador Fernando Casaca explica que o complexo, que inclui os
cinemas Indaiá e Indaiá Arte, foi adquirido por um grupo empresarial que vai investir na reforma.
A exemplo do Atlântico, parte do seu charme está na manutenção da mobília original, da
década de 50, em alguns apartamentos. O restaurante, apesar de ter sido reformado, também conserva traços da característica original.
A gerente Telma de Araújo Ferraz participou do processo de recuperação do
estabelecimento, depois de um período curto de fechamento, em 1996.
"Hoje as ocupações dos apartamentos têm ocorrido de forma satisfatória. E a
perspectiva é a melhor possível, pois o novo proprietário pretende transformar o Indaiá em uma referência para a Cidade".
Detalhe do passado do Atlântico: mobília original
Foto: Édison Baraçal, publicada com a matéria
Arquitetura era para a elite
Professor das faculdades de Arquitetura da Universidade Católica de Santos (UniSantos)
e da Universidade Santa Cecília (Unisanta), Maurício Azenha Dias diz que os prédios dos hotéis Atlântico e Avenida Palace
são representantes do chamado estilo neo-clássico, comum em edificações freqüentadas pela elite da sociedade brasileira nas décadas de 30 e 40.
Este estilo é caracterizado pela riqueza de detalhes nas fachadas e no interior,
seguindo uma tendência apontada pela famosa Escola de Belas Artes da França.
Azenha: "erro histórico"
Foto: Édison Baraçal, publicada com a matéria
No
caso do Avenida Palace, ainda são conservadas na fachada as iniciais MDM, do primeiro proprietário, o português Manuel Dias Marcelino. Os seus
familiares detêm a propriedade do imóvel.
Maurício Azenha Dias considerou a demolição do antigo Parque Balneário Hotel, que mantinha
ainda um belo jardim na área próxima da orla, um erro histórico. "Mais do que a própria edificação em si, o que deveria ser preservada era a
história, um momento de afirmação da Cidade como estância balneária de fato, muito antes de adotarem esta denominação para defini-la".
O historiador Arnaldo Ferreira Marques, do Condepasa, explica que a história da
hotelaria santista na orla foi iniciada com a construção do Hotel Internacional, na Praia do José Menino, ainda no século
19. "Mesmo assim, o Avenida Palace e o Atlântico são fundamentais, porque são remanescentes deste período em que a Cidade buscava se firmar neste
setor".
O Condepasa ainda está apurando a data exata de inauguração do Avenida Palace. "O
projeto original que consta na Prefeitura data de 1928. Acredito que a inauguração tenha acontecido na primeira metade da década de 30". Ele lembra
que o Copacabana Palace Hotel foi construído no Rio de Janeiro quase na mesma época em que o Parque Balneário antigo. "Lá, trataram de preservar a
memória".
Detalhe do passado do Atlântico: porta giratória
Foto: Nirley Senna, publicada com a matéria
Proprietários podem obter incentivos fiscais
O presidente do Condepasa, Bechara Abdalla Pestana Neves, disse que o processo de
tombamento, ao invés de criar obstáculos, visa revitalizar os hotéis Avenida Palace e Atlântico.
Ele garantiu que os proprietários passarão a contar com uma série de incentivos
fiscais, caso venham a investir na restauração das edificações, seguindo os parâmetros técnicos estabelecidos pelo órgão. A lei prevê, entre outros
benefícios, isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), do Imposto Sobre Serviços (ISS) referente à obra de restauro e recuperação do
imóvel.
"Muitos imaginam que só o Programa Alegra Centro prevê este tipo de benefício. É um
grande erro, pois há uma outra legislação em vigor desde 1998, que vale para qualquer imóvel da Cidade", afirmou pestana Neves.
No caso do Avenida Palace, ele explicou que as intervenções devem procurar dar ao
local o mesmo tipo de aspecto da fase áurea do estabelecimento. "Além disso, os prédios terão um atrativo extra, que é o status de patrimônio
histórico".
Detalhes do passado do Atlântico: janelas de
cristal europeu
Foto: Édison Baraçal, publicada com a matéria
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