Imagem: parte da página 1 da obra
João Octavio dos Santos
Filho de D. Escolástica Rosa, nasceu nesta cidade de Santos, Estado de S. Paulo, Brasil, em 8 de março de 1830 e faleceu em 9 de julho de 1900.
De origem pobre, seu padrinho, João Octavio Nébias, fê-lo aprender as primeiras letras, que constituíram todo seu cabedal instrutivo.
Dotado, porém, de inteligência e de extraordinário bom senso, principiou ainda bem moço a luta pela vida, fazendo escritas por partidas simples em vários pequenos negócios, conseguindo em tal labor economias que atingiam a 600$000, conforme se constata em seus livros.
Com esse exíguo capital e apenas com 18 anos de idade, isto em 1848, abandonou as escritas e iniciou modesta carreira comercial, negociando em compra e venda de gêneros do País.
Feliz nas transações, aumentou o seu movimento comercial, recebendo consignações de gêneros do interior, principalmente fumo do Estado de Minas, comprando carregamentos de iates (N.E.: a palavra iate possuía sentido diferente do atual, de embarcação de lazer e competição. No século XIX, os hiates, como eram grafados, eram embarcações comerciais oceânicas. O padre Rafael Bluteau assim descreve, no seu Diccionario da Lingua Portugueza (reformado e acrescentado por Antonio de Moraes Silva, natural do Rio de Janeiro), impresso em Lisboa na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, ano 1789, no tomo I, página 681: "HIATE, s.f., embarcação de vela e remo, mui vulgar em Inglaterra, e Holanda, e entre nós vem frequentemente do Porto a Lisboa.") que aqui aportavam, até ao ponto de ir a Buenos Aires, em pessoa, em veleiro contratado, vender e permutar mercadorias.
Em 1892, após 44 anos de trabalho assíduo, de par com severa economia, rodeado de uma justa nomeada de proverbial honestidade, deixou de comerciar, em cujo decurso fez aquisição de vários prédios e terrenos, que, na época, eram baratíssimos.
Não tardou entre nós a valorização dos imóveis e o consequente desdobrar da sua fortuna.
Negociante matriculado, minucioso e precavido, a escrituração das variadas transações era feita por seu próprio punho e, mais tarde, em segunda fase da vida, por guarda-livros, com assentamentos sempre em dia até a véspera do seu falecimento, constando eles de uma boa série de livros antigos e modernos, depositados por mim no arquivo da Santa Casa, conforme o documento adiante, n. 7.
O primeiro prédio que adquiriu, em 1855, à rua Santo Antonio n. 27 (N.E.: atual Rua do Comércio), legou, como recordação, com mais 80:000$000 em dinheiro, à Santa Casa de Misericórdia desta cidade, cuja instituição era o seu desvelo, verdadeiro ídolo, que denominava "minha filha". .
João Octavio
dos Santos exerceu o cargo de provedor da Santa Casa de Misericórdia de 1875 a 1878 e de 1883 a 1896. Fez repetidas vezes, nas épocas mais difíceis dessa instituição, empréstimos em dinheiro, sem juros, e, em 1895, o donativo de 110 ações do Teatro Guarany.
Pelo seu testamento, doc. n. 2, veem-se ainda os seus sentimentos afetivos e a largueza com que deixou expressa sua última vontade, contemplando, além de parentes e pessoas da amizade, o Asilo de Órfãos (N. E.: atual Casa da Criança) desta cidade com 20:000$000; a Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio, com 10:000$000; a União Operária, com 5:000$000; a Igreja Matriz, com 5:000$000; a Sociedade Auxiliadora da Instrução, com 5:000$000; e o Apostolado do Sagrado Coração de Jesus, com 5:000$000.
Como político, militou no Partido Liberal e foi por várias vezes elevado à presidência da Municipalidade, cessando a sua atividade política com a queda da Monarquia.
De extraordinário bom senso e retidão, granjeou, mesmo no seio dos adversários políticos, os conservadores, o maior acatamento e respeito.
Foi de tal arte, cheio de prestígio, que adquiriu a fortuna montante em 1.625:919$686, sujeita à dedução de impostos, legados e despesas naturais decorrentes do inventário, para, com o remanescente, construir, montar o Instituto D. Escolástica Rosa e criar patrimônio para uma vida própria e idependente.
Seguro na sua expansão comercial, mais bondoso e caritativo que outra coisa, foi do número dos iniciadores do Banco Mercantil de Santos e um dos seus diretores até poucos meses antes de fracassar o infeliz establecimento, cujo cargo só deixou quando muito acossado pela moléstia que o vitimou.
Meu conhecimento e amizade com João Octávio, ele idoso e eu bem moço, datam de seu convite a mim, conjuntamente com o do inolvidável amigo Affonso de Vergueiro, último presidente do estabelecimento até vésperas da sua extinção, para com ambos fazer parte da diretoria, com sede aqui em Santos. Vim, portanto, substituir a vaga aberta pelo sr. comendador Camillo de Andrade, que se retirou para a diretoria do Banco da República, hoje do Brasil.
Companheiro, assim, daqueles meus amigos, impolutos caráteres, entrei a fazer parte da diretoria, quando, de longa data, o estabelecimento já era habilmente minado numa de suas agências, na de S. Paulo, conforme, pela descoberta das fraudes, isso se veio a verificar pela escrituração da referida agência, correspondência, outros documentos e provas testemunhais.
Por felicidade da diretoria do Banco, em Santos, e do respectivo Conselho Fiscal, composto de pessoas gradas e respeitáveis, bem patentes ficaram os autores das malversações: o agente de S. Paulo teve súbito e inesperado falecimento na véspera de exames de livros que se exigia por suspeição, perpetuando-se a responsabilidade por sesntença proferida pelo Tribunal de Justiça, São Paulo Judiciário, n. 8, agosto de 1903, fls. 520 a 522; o agente do Rio de Janeiro, abreviando a extinção de sua existência, nos mesmos dias daquele incidente, jogou-se na baía de Guanabara quando também se lhe pedia contas. (vide seu atestado de óbito e notícia dos jornais da ocasião).
E assim, em poucas palavras, sem relatar outros importantes incidentes, terminou este triste epílogo do Banco Mercantil de Santos, com lamentáveis e grandes prejuízos a acionistas e depositantes, mais agravados pela precipitada liquidação, como ainda vivamente perdura na memória de todos.
Não me era possível deixar de tocar neste desagradável assunto, porque a ele está virtualmente presa a honorabilidade de João Octávio dos Santos, como de seus companheiros de diretoria, dos fiscais e de algumas dezenas de seus empregados de reconhecida competência e probidade, hoje disseminados em várias e importantes casas comerciais.
E, por fim, como padrão dos seus dotes bondosos e morais, deixou, para bem da Humanidade, criado o Instituto D. Escolástica Rosa nos moldes que apresento nesta monografia.
Estátua em bronze de João Octávio dos Santos, com seus restos mortais
Pelo seu falecimento, procurei o que estava em mim para corresponder aos seus justos merecimentos, mandando construir uma estátua em bronze, que lá se acha no adro do Instituto, encerrando os seus despojos mortais, docs. ns. 30 39.
Esse necessário tributo ao mérito consiste num monumento colocado sobre alicerces de concreto e embasamento de granito, tendo em uma face a seguinte inscrição:
JOÃO OCTAVIO DOS SANTOS
8 | 9
MARÇO | JULHO
1830 | 1900
Fundador do Instituto D. Escholastica Rosa
E na outra face:
TRABALHO
E
CARIDADE.
Atuou no espírito do artista, com reflexões e informações minhas, esculpir João Octavio como modesto comerciante que em vida foi, sentado em singela poltrona, em atitude calma e serena, exprimindo assim o estado d'alma de quem pratica o bem.
Ficou expressivo em baixo da poltrona um cofre, seu verdadeiro mealheiro, onde guardou o óbolo para a caridade, e cinta o monumento uma faixa em bronze, na qual estão exarados ramos de fruta-pão, com os respectivos frutos, simbolizando a distribuição de benefícios que será feita à pobreza por aquela casa.
Íntimo e confidente que fui de João Octávio, aí tenho traçado, com segurança e singeleza, os trâmites de sua vida.
Paz e homenagem à sua memória.
Santos, dezembro de 1907
Júlio Conceição
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