Quilombo do Jabaquara, liderado por Quintino de Lacerda, foi um dos mais impotantes do
Brasil e recebeu fugitivos de todo o Estado
Foto: reprodução, publicada com a matéria
ABOLICIONISMO
Santos, berço da liberdade
Quilombo do Jabaquara foi fundamental no processo que resultou no fim da
escravidão no Brasil com a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888
Simone Tobias
Da Reportagem
Há aproximadamente 125 anos - em um local onde hoje é o
bairro do Jabaquara - um lugar em que fatos importantes da abolição brasileira aconteceram foi a acolhida de escravos
refugiados de fazendas do interior de São Paulo e de outras regiões. Tratava-se do Quilombo do Jabaquara, que surgiu em
meados de 1881, a sete anos de assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel, no dia 13 de maio de 1888, data comemorada hoje.
Esta foi uma das maiores colônias de fugitivos da história e se situava mais
precisamente atrás da atual Santa Casa até a encosta do Morro do Bufo, no trecho compreendido
entre o túnel Rubens Ferreira Martins e a subida do Morro da Nova Cintra.
As informações são do historiador Carlos Eduardo Finochio, coordenador do curso de
História da Universidade Católica de Santos (UniSantos), baseados no livro Poliantéia Santista, de Fernando Martins
Lichti.
A decisão de cessão dos terrenos onde foi instalado o refúgio partiu de uma reunião
secreta de santistas abolicionistas. O lugar para se criar o reduto foi os fundos da propriedade de Mathias Costa, em uma
extensa área de mata virgem e várzea, cortada por inúmeros riachos.
Para manter a ordem entre os abrigados do quilombo, foi apontado o nome de
Quintino de Lacerda, ex-escravo de Lacerda Franco que ainda vivia na casa do antigo senhor.
O Quilombo do Jabaquara era formado por uma série de casas unidas umas às outras e
precedidas de armazéns, que abasteciam os negros de alimentos e outros produtos.
O quilombo se organizava em torno da casa de campo do abolicionista e os quilombolas
erguiam seus barracos com dinheiro recolhido entre pessoas de bem e comerciantes de Santos. A região permaneceu como quilombo alguns anos depois da
abolição da escravatura e depois se transformou no que hoje é o bairro.
Pai Felipe - A Cidade abrigou ainda o Quilombo do Pai Felipe, em um local junto
à encosta do Monte Serrat, na parte interna da CET. Foi fixada uma placa de identificação onde
teria existido o reduto do "Rei Batuqueiro", como era conhecido.
Pai Felipe liderava um bando de escravos fugidos do Engenho Nossa
Senhora das Neves, situado em terras continentais. Inicialmente, ele se fixou no Jabaquara com seus comandados. "Como Pai Felipe não quis se
submeter a Quintino de Lacerda, foi para o sopé do Monte Serrat", declara Finochio.
O local ficava no meio de um bambuzal, bem perto da Vila
Mathias, e era onde o público assistia ao "tambaque", instrumento musical que era batucado pelos africanos chefiados por ele.
Garrafão - José Theodoro Santos Pereira, mais conhecido como Santos Garrafão,
acolheu alguns escravos em uma destilaria. "Ele era branco, amigo de Quintino de Lacerda e se envolveu com a ex-escrava chamada Brandina Fiúsa e o
quilombo se encontrava na Ponta da Praia", declara o historiador Waldir Rueda. "A acolhida dos escravos pode ter sido
influenciada pela relação com a ex-escrava", supõe o historiador.
O Quilombo do Jabaquara de Quintino de Lacerda, o de Pai Felipe e o de Santos Pereira
(Santos Garrafão) tinham a proteção de toda Cidade, incluindo a sociedade santista.
Sinônimos - Independentemente do que acontecia no restante do País, a Cidade
fez sua abolição. Santos e liberdade eram sinônimos para a comunidade negra, de acordo com Carlos Eduardo Finochio.
"Santos antecipou em dois anos a libertação dos escravos. No começo de 1887, o
presidente da província paulista mandou um telegrama ao Governo Imperial dizendo ser 'impossível conter a evasão dos
escravos porque os soldados tinham feito causa comum com os abolicionistas, favorecendo a passagem dos fugitivos para a cidade de Santos'",
afirma Finochio.
Os abolicionistas acolhiam escravos e financiavam quilombos, como o Jabaquara, por
exemplo, além da compra de alforrias e as custas de pendências judiciais.
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Finochio: ajuda abolicionista
Foto: Nirley Sena, em 23/12/2005,
publicada com a matéria
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Rueda: pesquisa documental
Foto: Carlos Marques, em 28/7/2005,
publicada com a matéria
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Quilombo, lugar de gente perseguida, buscada e ameaçada
"Lugar de gente alerta ou de prontidão. Perseguida, buscada, ameaçada e, por isso
mesmo, em defesa". Segundo o livro Poliantéia Santista, de Fernando Martins Lichti, esta é a definição para quilombo, como mostra o
historiador da Fundação Arquivo e Memória de Santos José Dionísio de Almeida.
Muito antes da abolição da escravidão no Brasil, há exatos 118 anos, Santos recebia
escravos refugiados e os abrigava. Os historiadores entrevistados por A Tribuna confirmam a atuação de três quilombos na Cidade; do
Jabaquara, de Pai Felipe e do Garrafão.
O processo de formação dos quilombos em Santos, segundo o historiador Carlos Eduardo
Finochio, coordenador do curso de História da UniSantos, antecede o surgimento destes três. "No entanto, as informações históricas são
especulações".
Muito antes da assinatura da Lei Áurea - que declara libertos todos os escravos do
País - pela princesa Isabel, no dia 13 de maio de 1888, o santista José Bonifácio chocou a sociedade,
libertando os escravos da Chácara de Outeirinhos, de sua propriedade. O ano era 1820.
Também houve uma movimentação de mulheres na Cidade em favor
da abolição, aproximadamente em 1870. A santista Francisca Amália de Assis Faria abrigava negros fugidos transformando o quintal de sua casa em um
"pequeno quilombo" e convidava as amigas a fazer o mesmo, em Santos. "Centenas de reclamações foram feitas às autoridades contra as famílias
santistas que acolhiam escravos fugidos, mas nada podia ser feito".
A santista Anna Benvinda Bueno de Andrada funda a "A Emancipadora", uma sociedade
feminina que promovia alforrias de escravos e se especializou em libertar escravas moças, na Capital.
Informação - Pesquisando em documentações históricas, o historiador Waldir
Rueda encontrou uma cópia da ata de uma reunião da Sociedade Portuguesa de Beneficência, do dia 13 de maio de 1888, em que
consta a seguinte frase: "...sua alteza a princesa imperial, está talvez a esta hora assinando o decreto pelo qual se extingue a escravidão no
Brasil".
"Com este documento, podemos esclarecer que, diferentemente da bibliografia existente,
a elite santista tinha conhecimento da possibilidade da assinatura da lei naquele dia. Pode até ter sido um reboliço em Santos, mas não tão grande
como dizem".
A Santa Casa se reuniu mais de um mês depois, em 26 de junho de 1888, e cita um
convite da Câmara Municipal a assistir as festividades promovidas em comemoração pela assinatura da Lei Áurea. "Significa que a festa oficial
ocorreu dias depois da assinatura", aponta Rueda.
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Santos: falta planejamento
Foto: Alberto Marques, em 21/9/2005,
publicada com a matéria
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Eliane: participação tímida
Foto: Alberto Marques,
publicada com a matéria
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Falta de inclusão transforma Abolição em data de protesto
Para a comunidade negra, o dia de hoje - da Abolição da Escravatura - é tido como uma
data de protesto porque não existiu uma política de inclusão do negro à sociedade brasileira após a assinatura da Lei Áurea. Para os movimentos
negros, a principal data é o Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro, data da morte do negro Zumbi, líder da resistência no
que foi o maior quilombo do País, o Palmares.
As opiniões são divididas por José Ricardo dos Santos, da Coordenadoria de Promoção da
Igualdade Racial e Étnica (Copire) e pela mestre em Comunicação pela Universidade Metodista e pesquisadora de assuntos relacionados à comunidade
negra e africana Eliane de Souza Almeida.
"Até os dias de hoje os negros sofrem as conseqüências da escravidão e desta abolição
executada sem planejamento. Que liberdade é essa que não é acompanhada de medidas de compensação? São necessárias políticas de integração para
direitos iguais, o que não temos até hoje", declara Santos.
Participação - A pesquisadora Eliane declara que a escravidão não foi, para a
comunidade negra, um movimento pacífico e que "desde a captura houve a resistência do povo negro". No entanto, a participação do negro na luta por
seus ideais ainda se mostra "tímida".
"Eu ainda acredito que os negros da nossa região têm uma posição muito tímida. O
grande problema é não se enxergar negro. É importante que os jovens se conscientizem de sua negritude e busquem seu espaço como brasileiros. Nós
somos os ingredientes que construíram esta nação".
Casa onde viveu Quintino de Lacerda, negro e um dos principais defensores do fim da
escravidão
Foto: reprodução, publicada com a matéria
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