A Calçada do Lorena, inaugurada em 1792, era um caminho de tropas de mulas.
No porto de Cubatão, foi construído um pasto para alimentar os animais
Imagem: Charles Landseer (1825)/acervo fotográfico/DIM/PMSP - publicada com o texto
Do milho, ao trigo e à decadência - São Paulo produzia mandioca, feijão e
principalmente milho para consumo local. Tão forte era a presença desse cereal, principalmente por influência dos índios, no Sul, que o historiador
Sérgio Buarque de Holanda nomeou aquela sociedade de "civilização do milho".
Mas cultivava-se também algodão, para tecer os panos grosseiros que vestiam a
população. Plantava-se a cana-de-açúcar da qual se destilava a cachaça largamente consumida na Capitania. Era raro o
inventário de fazendeiro que não descrevesse os "alambiques de estilar aguardente, com sua carapuça e cano, tachos de cobre e o mais necessário".
Havia ainda a cultura da vinha, do
bananal, dos limoeiros, laranjeiras, limeiras e demais "árvores de espinho". E a criação de gado, sustentada com sucesso pelos campos de
Piratininga. O trigo começou a se destacar como produto de mercado. Sua idade de ouro, com a produção destinada à população européia das vilas,
cidades do litoral e às frotas portuguesas, abrangeu o período de 1630 a 1680.
O maior mercado era o da crescente população branca de senhores de engenho,
comerciantes e burocratas do Rio de Janeiro. O maior obstáculo à produção comercial continuava sendo o transporte. Das searas aos moinhos e dos
moinhos às vilas, tudo dependia dos carregadores índios. Entre Cubatão e o
porto de Santos, das canoas.
O Caminho do Mar era o trecho que mais pesava no percurso
entre São Paulo e Santos, mas os carregadores indígenas superavam esse obstáculo com freqüência e velocidade, completando o percurso entre dois e
quatro dias. As cargas eram levadas em cestos e os carregadores, quase todos homens, mudavam assim a característica de divisão de trabalho nas
sociedades indígenas, onde as mulheres é que exerciam as funções de transporte.
A utilização de índios de carga excluía o desenvolvimento de uma infra-estrutura
viária mais moderna e apresentava uma vantagem nítida sobre o uso de animais. Os carregadores índios constituíam a modalidade mais barata de
transporte, por que além de serem mais rápidos e eficientes, comiam menos e carregavam pesos consideráveis.
O Padre Antonio Vieira criticou os paulistas por tirarem o máximo de ganho possível
desses carregadores: "Nas cáfilas de São Paulo a Santos não só iam carregados como homens mas sobrecarregados como azêmolas, quase todos nus ou
cingidos com um trapo e com uma espiga de milho pela ração de cada dia". Mas os jesuítas também não prescindiam desses carregadores para suas
transações entre o planalto e o litoral.
A descoberta do ouro em Minas Gerais é o ponto final do esforço tenaz dos paulistas
que, na busca de metais preciosos, tinham se voltado por quase dois séculos ao reconhecimento do território que viria a se constituir no Brasil de
hoje.
São Paulo interrompeu sua expansão colonizadora. Atraídos pelas minas, seus habitantes
foram se estabelecer em outras regiões. Do despovoamento à extinção da Capitania foi um passo: em 1748, estava simplesmente
anexada ao governo do Rio de Janeiro. Restaurada, em 1765, compreendia apenas o atual estado de São Paulo e o Paraná, que só em 1853 seria
constituído em província autônoma.
Mas essa era uma situação comum ao país. No século XVIII, toda a atividade da colônia
estava canalizada para a mineração. As atividades agrícolas diminuíram muito, até mesmo no Nordeste.
O Brasil só retomou nova feição agrícola com o esgotamento das minas. E São Paulo
ingressou noutro surto econômico, mais tarde favorecido pelas novas condições políticas do país, depois da emancipação da metrópole portuguesa.
Ilustração publicada com o texto
Os caminhos do açúcar na Calçada do Lorena - A cultura da cana-de-açúcar nunca
desapareceu de todo na Capitania. Mas foi só com Luís Antônio Botelho de Souza Mourão, o Morgado de Mateus, administrador da Capitania entre 1765 e
1775, que essa atividade tornou-se um empreendimento voltado para o mercado mundial.
Quando assumiu, Mateus escreveu a diversas câmaras municipais pedindo que se
esforçassem para aumentar a produção agrícola.
Além das razões internas, contribuíram para estimular a lavoura do açúcar, na
Capitania de São Paulo e em todo o Brasil, o desejo dos europeus de consumir cada vez mais açúcar e o aumento dos preços do produto, devido à
rebelião das colônias francesas que o produziam, nas Antilhas.
Mas foi apenas no governo de Bernardo José de Lorena
(1788-1797), que os paulistas voltaram a se preocupar com o desenvolvimento da Capitania. Uma das principais medidas de Lorena para estimular a
produção do planalto obrigava que todo o comércio fosse feito através do porto de Santos, beneficiando especialmente a agricultura de "serra acima".
No Rancho da Maioridade, visão privilegiada da terra e do litoral
Foto: Roberto Bandeira/Integração Natureza - publicada com o texto
Já na última década do século XVIII, falava-se cada vez menos em decadência e miséria.
Os paulistas assumiam a vocação da agricultura e resolviam dedicar-se intensamente à cultura do açúcar, que, por mais de cinqüenta anos, seria o
produto chave da economia. Com ele, acumularam-se os capitais necessários para desenvolver um novo ciclo econômico, baseado na cultura do café que,
a partir da segunda metade do século XIX, domina o Oeste de São Paulo.
A lavoura comercial exigiu mais braços para o trabalho agrícola. Nas condições da
época, mão-de-obra africana e cultura canavieira tornaram-se indissociáveis. Mais importante que o tamanho da propriedade, o número de escravos
determinava a força do senhor de engenho. Em 1813, para uma população livre de 160.969 habitantes, havia 48.245 escravos. Em 1836, a população livre
era de 238.969 e a escrava de 86.933 habitantes. O trabalho escravo do negro africano tinha se instalado definitivamente na Capitania.
A má conservação das estradas, os perigos da Serra do Mar e as péssimas condições de
travessia da Baixada Santista prejudicaram de maneira extraordinária o comércio do açúcar. A economia do planalto passava por grandes
transformações, mas a ligação com a Baixada Santista continuava sendo o precário Caminho do Padre José, uma via de
pedestres que não havia sofrido nenhuma reforma ou melhoramento. Em 1789, Lorena determinou a construção de uma estrada
para substituir o Caminho do Padre José.
A obra, inaugurada em 1792, foi planejada e executada pelo Real Corpo de Engenheiros
Portugueses, saudado pela surpreendente façanha de construir uma estrada que vencia a Serra de Paranapiacaba sem cruzar uma única vez um curso
d'água.
O Real Corpo de Engenheiros Portugueses construiu a Calçada de Lorena com lajes de
pedra que até hoje podem ser vistas no que restou do caminho pioneiro
Foto: Tchô Moioli/Integração Natureza - publicada com o texto
A pavimentação primorosa foi feita com lajes de pedra. As do piso, que
ainda hoje podem ser observadas no que restou do caminho pioneiro, eram de formato irregular, medindo as maiores cerca de
quarenta centímetros, entremeadas por outras menores, todas com mais ou menos vinte centímetros de espessura. Os vãos da calçada eram preenchidos
com pedras menores e areia grossa. Tudo muito bem assentado sobre uma camada de saibro e pedregulho de uns dez centímetros.
A Calçada era um caminho de tropas e Lorena mandou formar um pasto no porto de Cubatão
para alimentar os animais. Com suprimento constante e regular de produtos exportáveis, o comércio do porto de Santos progrediu.
Em fevereiro de 1827, a estrada por terra de Cubatão até Santos, idealizada por tantos
governadores da Capitania, foi finalmente entregue ao uso. Era um melhoramento inestimável, especialmente para o comércio de açúcar, cujas
exportações não paravam de crescer. Foi o remate à Calçada do Lorena.
Elogio de Frei Gaspar - Ao contrário do padre Simão, ao descrever seus medos no
percurso do Caminho do Padre José, Frei Gaspar, que também experimentou os horrores da trilha primitiva, não poupou elogios à obra de Lorena: "Uma
ladeira espaçosa, calçada de pedras por onde se sobe com pouca fadiga e se desce com segurança. Evitou-se as asperezas do caminho com engenhosos
rodeios, e com muros fabricados junto aos despenhadeiros se desvanecem a contingência de algum precipício. Por meio de canais se preveniu o estrago
que costumavam fazer as enxurradas; e foram abatidas as árvores que impediam o ingresso do sol (...) Numa palavra, desconheci a Serra."
A Estrada Velha do Mar, pavimentada no trecho da serra, contorna o Rancho da
Maioridade
Foto: publicada com o texto, sem identificação de autoria
Carroças, no Caminho da Maioridade - Em 1837, o presidente da Província de São
Paulo, Rafael Tobias de Aguiar, determinou a construção de uma estrada carroçável. Parcialmente concluída em 1844 e
denominada "da maioridade" em homenagem à recente promulgação da maioridade de D. Pedro II, a nova estrada é hoje conhecida como
Estrada Velha do Mar.
Mesmo sendo uma via de difícil trânsito, o caminho da Maioridade acabou permitindo a
passagem de carroças. De outubro de 1852 a junho de 1853, foi registrada nos Livros de Exportação da Barreira de Cubatão a passagem de 728
carros e 129.361 animais carregados. Entre 1854 e 1855, o trânsito de carroças aumentou para 763 e o de animais carregados para 178.980.
A Estrada da Maioridade começou a ter serventia quando a cultura da cana-de-açúcar já
entrava em decadência. No final da década de 1840, prenunciava-se a febre do café: as plantações de 1846 e 1847 produziram bons frutos entre 1850 e
1851, quando o volume de café exportado pela Barreira de Cubatão ultrapassou o de açúcar. E, a partir daí, foi
por muito tempo maior do que o de açúcar.
Imagem: J. B. Debret/Acervo do Instituto de Estudos
Brasileiros/USP - publicada com o texto
Trilha sem serventia - Recém chegado à Capitania, Morgado de Mateus
descreve o estado em que encontrou o Caminho do Padre José:
"Sendo tanta a freqüência, e tão necessário um caminho público que desse vazão aos transportes, tem sido tão negligente e descuidado o povo
nesta Providência que deixada à Lei da natureza é tão impraticável o caminho que excede a toda a humana explicação (...) tais são, as ruínas e
os princípios e os caldeirões, e os horrores deles, neste estado, achei quando passei a esta Cidade, de sorte que escolhendo-se um tempo próprio
para o meu transporte, subi, trepando a Serra tendo por mais seguro o passá-la a pé, do que ver-me do perigo de ser precipitado da rede em que
me levaram os índios: nesta ocasião tive de ir observando a Serra, e o Caminho, e conheci claramente que toda a maldade procedia de se
encaminharem por ele as águas; os montes recebem muitas; e a terra em partes é mais solta e as águas precipitadas pela estreita do caminho, onde
encontram menos resistência, rompem formidáveis sovacões que ali encontram, e do que vem toda a gravidade do caminho.
Todo este erro que não é impossível de remediar pagam os pobres índios, porque
para todas as pessoas levam as cargas que vão e vêm continuamente".
Mais tarde, Mateus relata os problemas que a má conservação do caminho estava
acarretando não só ao comércio da Capitania, mas ao "bem comum dos Povos":
"Porquanto são notórias as ruínas e precipícios com que se acha desbaratado o
caminho do Cubatão, sendo tão grandes as dificuldades que nele se experimentam; que tem afugentado dele os viandantes, transportando o comércio
e outras partes, com notável detrimento do bem comum dos Povos, sendo esta uma das maiores causas da decadência, e pobreza desta Capitania". |
A Estrada Velha do Mar aproveitou o Caminho da Maioridade para o trânsito de automóveis
Foto: Tchô Moioli/Integração Natureza - publicada com o texto
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