HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS -
ESTRADAS
Estrada Velha: aqui, a nossa história foi abandonada
Manoel Alves Fernandes/João Vieira (*)
CUBATÃO - A pista da Estrada velha foi tão bem reformada que se tornou muito fácil
chegar ao Planalto, com segurança e em poucos minutos. A sinalização é insuficiente, mas, para quem conhece a estrada - cujo trajeto não foi modificado
-, não há perigo. A justificativa de que a rodovia é um ponto histórico e turístico, entretanto, transformou-se num engodo para encobrir a decisão de
implantar mão única no sentido Cubatão-São Paulo. Na verdade, bem poderia vigorar o inverso, para que centenas de pessoas escapassem ao pagamento de
pedágio.
De histórico, a estrada tem a oferecer os monumentos arquitetônicos que estão totalmente
quebrados e abandonados. Não é aconselhável parar o carro nos acostamentos precários ao lado dos monumentos e levar a família para ver a Casa de Pedra.
O turista corre o risco de ser assaltado ou deparar, no interior das casas, com sujeira, teias de aranha, alçapões perigosos e acidentes. O único
policial rodoviário de plantão fica sentado no carro, no Alto da Serra, para impedir que os motoristas mais afoitos se aventurem a descer.
Por enquanto, descer a Serra é proibido. Mas, os políticos da Baixada - entre eles o
prefeito de Cubatão, Soares Campos, e alguns vereadores - cobram do governador a promessa de inverter o tráfego durante a semana, para beneficiar
estudantes e trabalhadores da Baixada, que se dirigem diariamente a São Paulo. Ônibus e caminhões estão proibidos na estrada histórica.
O Rancho da Maioridade encontra-se em ruínas e é perigoso
visitá-lo
I - A ESTRADA DA MAIORIDADE
A Estrada Velha, ou da Maioridade, foi construída em
1841/46, por iniciativa do brigadeiro Rafael Tobias, com uma aplicação inicial de 50 contos de réis. Tinha uma largura que variava de 4 a 7 metros e, no
seu total, foram gastos 66 contos. O imperador Pedro II inaugurou a estrada, em 1846, acompanhado por longo séquito. Durante um século, cavalos e carros
puxados por mulas e bem carregados, subiram e desceram por essa estrada, que sofreu sucessivas reformas. Depois, com o advento da via férrea, a estrada
caiu em desuso. Foi em 1908 que um corredor - Antônio Prado Júnior - realizou um raide automobilístico entre São Paulo e Santos, chamando a
atenção para a situação da Estrada Velha.
Em 1913, o governo concedeu a Rudge Ramos o direito de cobrar pedágio na Estrada Velha do Caminho do Mar, de
Santos a São Paulo, sendo o dinheiro aplicado na reforma da rodovia, já na época cruzada por caminhões e automóveis. Em 1923, o governo readquiriu a
estrada de Rudge Ramos, e revestiu a rodovia de concreto e asfalto, instalando sistemas de drenagem e de contenção das encostas.
Há três anos, as fortes chuvas que caíram na região voltaram a destruir alguns trechos da rodovia, que foi
remodelada durante o governo Paulo Egídio Martins e entregue ao tráfego pelo seu sucessor, Paulo Salim Maluf.
No dia da inauguração, um desfile de velhos carros fez relembrar o raide de Antônio Prado, que nos dias
16 e 17 de abril de 1909, usando um Motobloc de fabricação francesa, transformou-se no primeiro homem a descer e subir a serra de automóvel.
As reformas permitiram a cobertura, em concreto, dos pontos falhos da estrada. Apenas um trecho - em frente ao
belvedere do Padrão do Lorena - manteve o piso de pedras, rememorando o tempo da Estrada da Maioridade. O sistema de escoamento de águas e de proteção
das encostas é perfeito. A sinalização não é muito boa, e em vários pontos onde seria necessária - curvas fechadas - inexiste.
Mas, a pista tornou-se um meio fácil de atingir São Paulo em pouco menos de 30 minutos, mantendo uma velocidade
de 60 quilômetros por hora, ideal para o aclive e as curvas fechadas. Apesar dos abismos, o caminho é seguro, e os paredões estão protegidos por cabos
de aço recentemente trocados. Pena que, junto às cachoeiras, não haja lugar para estacionar.
II - O PADRÃO DE LORENA
O primeiro monumento, para quem sobe a Serra, é o
Padrão do Lorena, um belvedere, com lugar - muito precário - para estacionar o carro. No topo do belvedere há um arco, e no topo do arco havia, até três
anos atrás, uma pesada bola, de pedra, com uma cruz em cima.
O Arco de Lorena
Essa
bola - que tem o nome de esfera armilar, sendo o símbolo da conquista marítima lusitana - foi roubada. Os ladrões tiveram muito trabalho, pois a pedra
pesava quase 200 quilos. Na época do roubo, chegou a haver queixa na polícia. Mas as investigações deram em nada. É quase certo que a esfera armilar
esteja hoje enfeitando os jardins da mansão de algum milionário paulista.
Sob o arco há, ainda muito bem conservado, o retrato - em azulejo - do governador Bernardo José Maria de Lorena,
político a quem o Caminho do Mar deve grandes melhoramentos. Foi ele quem, em 1970 (SIC: a data correta da inauguração é 1792), mandou construir a
Calçada do Lorena. O arco fica situado exatamente no ponto em que a antiga Calçada do Lorena cruzava com a Estrada Velha, ou Caminho da Maioridade.
Quem tiver um pouco de curiosidade e paciência pode subir a escadaria que sai do arco e, entrando na mata, em
cinco minutos estará pisando sobre antigas pedras lavradas, cobertas de musgo. Subindo mais um pouco, as pedras se alargam e formam um caminho. Esse
caminho, acidentado e coberto pela vegetação, é a Calçada do Lorena. No passado, passaram por ali toneladas de mercadorias levadas em lombos de burros.
Foi a primeira estrada calçada em toda a América do Sul. Por ela, é possível ir-se a pé até o Alto da Serra. O
governador Maluf prometeu limpar essa área e, há menos de um mês - antes de inaugurar as obras de reforma da Estrada Velha - teve a coragem de dizer que
o seu secretário de Cultura, Cunha Bueno, "havia descoberto a Calçada do Lorena, no meio do mato da Serra do Mar".
Na verdade, a sacada histórica do governador foi desmentida dias
depois por historiadores conscientes. A calçada foi redescoberta em 1922, por Washington Luiz, que na época era também governador do Estado.
A Casa de Pedra
III - A MARQUESA DE SANTOS
O Rancho da Maioridade ou Casa de Pedra
é, agora, o segundo dos grandes monumentos que o turista avista, por causa da inversão da estrada. Ele é mais conhecido por "Casa da Marquesa de
Santos", uma denominação que erradamente recebeu por causa de um filme sobre a Independência do Brasil. D. Pedro e a dona Domitila, ou Marquesa de
Santos, aparecem no filme morando na casa. Na verdade, o Rancho da Maioridade não existia, assim como a Estrada Velha, no tempo em que o Príncipe
Regente D. Pedro veio a Santos e, passando por São Paulo, se apaixonou pela irmã de um dos seus guardas de honra.
A pista ficou boa
Historicamente,
D. Pedro desceu e subiu a Serra, nos dias 5 e 7 de setembro de 1822, pela Calçada do Lorena, uma estrada que cruza o Caminho do Mar, toda feita de
pedras, em ziguezague. A calçada ainda existe e será recuperada pelo governo Maluf. Aliás, Maluf fez essa promessa há menos de 15 dias. Resta cumpri-la.
Na construção do Rancho da Maioridade, segundo o historiador e arquiteto Benedito Lima de Toledo, houve um grande
respeito à paisagem. O arquiteto Dubugras e o desenhista e pintor José Washt Rodrigues rememoraram o passado histórico do Brasil. Nos azulejos,
destruídos pela ação dos vândalos - a exemplo dos demais monumentos - ainda se podem ver os desenhos das figuras de Antônio Carlos, Martim Francisco,
Senador Vergueiro, Regente Feijó, Brigadeiro Tobias e Duque de Caxias.
A casa, construída em 1922, serve de marco à comemoração de uma data histórica: a assunção de D. Pedro II ao
trono do Brasil, com 14 anos de idade. É por causa disso que se chama de Rancho da Maioridade. Por sinal, D. Pedro II passou pela Estrada Velha, quando
esta era calçada com pedras trabalhadas. E, por causa dessa viagem que o imperador fez, a estrada já se chamou, no passado, de Estrada da Maioridade. No
alpendre da casa ainda se podem ver, parcialmente destruídos, os azulejos com uma vista de Itanhaém, com as duas igrejas históricas daquela cidade. É um
dos poucos lugares, em toda a estrada, que possui espaço para o estacionamento de carros.
IV - OS ÍNDIOS EM PARANAPIACABA
No tempo dos índios, dizem as lendas que os caciques
levavam as tribos do Planalto, por ocasião do inverno, em viagens à Baixada, para tomarem sol e pescar. Quando chegavam à beira do precipício, ficavam
extasiados com a paisagem, vendo o mar lá embaixo, e gritavam: "Paranapiacaba! Paranapiacaba" ("Olha o mar! Olha o mar").
Essa é a versão mais antiga. Há outra, feita pelo historiador santista Francisco Martins dos
Santos, recentemente falecido. Para ele, Paranapiacaba quer dizer, em linguagem tupi, "passagem do caminho que leva ao mar". Não se pode deixar de
admitir, entretanto, que a primeira impressão é a melhor. Todos os que chegam ao alto da Serra do Mar, finda a viagem pela curta estrada, ficam
admirados com a beleza da paisagem, uma das mais interessantes do mundo, segundo os antigos e modernos viajantes que por ali passaram.
Poucos acostamentos
Foi
em homenagem à vista e aos índios que Washington Luiz denominou de Paranapiacaba a Casa de Pedra, construída no topo da Serra, junto ao quilômetro 43. É
o maior dos monumentos e, quando ainda não estava destruído, chegou a funcionar no local um restaurante, muito visitado por nossos pais e avós, que
desciam a serra para ir à praia repousar, tomar fresca e banhos de mar. E - que ainda os havia - jogar nos cassinos.
Foi esse o tempo em que as bicas de água ao longo da velha serra tinham dupla serventia: matavam a sede e enchiam os
radiadores ofegantes dos velhos ford-bigodes.
Era um bom tempo, em que havia pessoas que se interessavam por história. Que paravam para comer milho verde e
visitar as casas de pedra, repousar nos pousos. Entre um gole de água e outro no radiador, havia tempo para olhar a beleza da paisagem, o verde das
matas e as pedras artisticamente talhadas, que formavam pousos e belvederes. Dubugras construiu a Casa de Pedra ou Pouso de Paranapiacaba para servir de
lugar de festas. Hoje, a casa é um monte de ruínas que o governador também prometeu recuperar, empenhando nisso, a palavra de seu secretário de Cultura
e Tecnologia, Cunha Bueno. Afinal, Maluf também desceu a serra, muitas vezes, para ir para a sua mansão no Guarujá.
(*) O jornalista Manoel Alves Fernandes e o fotógrafo João Vieira publicaram
este artigo no jornal A Tribuna, de Santos/SP, em 29 de julho de 1979. |