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ROTA DE OURO E PRATA
Histórias: o porto de Santos em maio de 1930

 

O primeiro ano da quarta década do século XX abriu-se sob nuvens escuras. Poucos meses antes, em outubro de 1929, a Bolsa de Valores de Nova Iorque sofreu, em poucos dias, uma queda bem acentuada nos preços das ações de companhias cotadas, baixa essa que abalou os alicerces do mundo capitalista de então.

No início de 1930, registrou-se uma ligeira recuperação na cotação de alguns títulos importantes, porém a alegria durou pouco. Por volta de fins de janeiro, os valores despencaram de vez, arruinando a existência de centenas de milhares de pessoas e demolindo a confiança de governos, investidores e companhias. Estávamos no prelúdio de uma era de empobrecimento geral, era que passaria para a história como a Grande Depressão Econômica dos Anos 30.

Tal decadência dos índices macro-econômicos teria reflexos, por sua vez, em todas as camadas sociais de todo e qualquer país. Em muitos desses, cresceu o sentimento de que as democracias e seus regimes liberais não estavam aptos a governar o destino da humanidade e que o capital, deixado nas mãos de particulares, sem controle político, era um perigo para a sobrevivência de algumas nações e de seus povos.

As apregoações nesse sentido tomaram corpo e força, sobretudo na Itália e na Alemanha, com as ideologias do fascismo, no primeiro mencionado país, e do nacional-socialismo, no segundo. A Rússia, já convertida como carro-chefe das idéias de Karl Marx, liderava os movimentos populares destinados a acabar com os privilégios das diversas monarquias dos países que a circundavam.

O mundo dava, então, passos bem firmes para a catástrofe e o cataclismo que se desenhavam no horizonte não muito longínquo: democracia, comunismo e a ideologia fascista-nazista afiavam suas facas para a luta global. Assim começava a segunda corrida armamentísta do século XX.

Desarmamento - Paradoxalmente, em janeiro de 1930, abria-se em Londres uma importante conferência naval destinada a discutir... desarmamento. Dela participaram representantes dos Estados Unidos, da França, da Itália, do Japão e da Grã-Bretanha. Excluídas a Alemanha e a Rússia.

Os debates focalizaram-se, sobretudo, nas restrições e regulamentações do emprego das armas submarinas, nas limitações de uso e capacidade de porta-aviões, e na interdição de construção de novos encouraçados de batalha por um período de cinco anos.

A conferência encerrou-se em março, com a assinatura de um acordo naval entre Estados Unidos, Grã-Bretanha e Japão. Não ratificaram o mesmo a França e a Itália. Na realidade, em surdina, atrás dos bastidores, protegidos pelos segredos militares, cada um desses cinco países preparava-se para a futura, inevitável confrontação armada. A paz no mundo era uma utopia.

Pela paz - Mas, havia aqueles que acreditavam na paz. Um destes era Aristide Briand, personagem político francês nascido em Nantes, em 1862, e falecido em Paris, em 1932. Briand, grande orador, havia sido ministro de Estado por bem 25 vezes durante sua longa carreira.

Em 1930, Aristid Briand era ministro dos Negócios Estrangeiros do governo francês e grande defensor da política de reconciliação da França com a Alemanha. Um dos promotores da criação da Sociedade das Nações (precursora da atual Organização das Nações Unidas), Briand havia recebido, em 1926, o Prêmio Nobel da Paz, por seus esforços nesse sentido.

Conjuntamente com outros grandes nomes da sociedade européia de então, Briand havia participado da fundação da União Pró-Paz Mundial, uma associação sem fins lucrativos com sedes em Londres e em Genebra, e representantes em 45 países, inclusive o Brasil - associação essa que promovia grandes manifestações internacionais em prol da nobre causa.

Em maio de 1930, era oficialmente estabelecido o Banco de Reparações, entidade patrocinada pela Sociedade das Nações com a finalidade de promover uma política de convergência na área das finanças e economias da época. Precursor do atual Banco Mundial, este novo organismo supranacional tentaria coordenar as políticas dos diferentes bancos governamentais, sobretudo no que se referia ao grave problema da Alemanha - confrontada, então, com uma montanha de formidáveis dívidas de guerra.

Aristide Briand muito contribuiu também para a concretização do Banco das Reparações, e seu espírito pan-europeu estaria na base da criação da atual, concreta e atuante Europa, não mais um continente dividido, mas sim uma verdadeira nação em formação.

Suas palavras, por ocasião da inauguração do Banco das Reparações, soam hoje como profecia, ao mesmo tempo do mal e do bem, dos anos que viriam à frente até completar-se o século XX:

"...As guerras na Europa abrem feridas que jamais cicatrizam. Contudo, o secular princípio do ódio e da vingança, que tão lamentavelmente se concretiza no estado de paz armada e na desconfiança internacional, não pode continuar a ser o mesmo, a que se sacrificam vidas e bens, a flor da juventude de todos os países, as economias particulares e as riquezas nacionais, forçando os povos a recuos consideráveis na marcha da civilização..."

Nessa marola da civilização, entravando seu caminho, surgia no cenário político europeu um modesto ex-soldado austríaco de nome Adolf Hitler...


Panorama do porto e da cidade de Santos em 1929
Foto: livro Docas de Santos, suas origens, lutas e realizações, de Hélio Lobo

Brasil e Santos - No Brasil de 1930, as atenções se voltavam para a figura de Júlio Prestes de Albuquerque, presidente eleito da República e governador do Estado de São Paulo, sucedendo no primeiro cargo Washington Luiz Pereira de Souza.

Em tumultuada sessão do Congresso Nacional realizada em 22 de maio na capital do Rio de Janeiro, aprovava-se o resultado das eleições presidenciais recentemente realizadas em todo o país, proclamando-se então solenemente Júlio Prestes de Albuquerque e Vital Soares como respectivamente presidente e vice-presidente da República do Brasil para o quadriênio de 1930 a 1934.

Exatamente no mesmo dia, o ilustre cidadão paulista chegava, acompanhado de sua esposa, Alice Prestes, e comitiva, à cidade de Santos. Às 17 horas, em trem especial, o próximo presidente da Nação saía da Estação da Luz.

Duas horas e meia mais tarde, o comboio presidencial chegava a Santos, onde, através do desvio entre a Estação da São Paulo Railway e o cais, penetrava diretamente na faixa portuária, vindo a parar em frente ao Armazém nº 15, já então apinhado de curiosos e admiradores.

Quando Júlio Prestes apareceu na plataforma do trem, os presentes eclodiram em prolongada salva de palmas, logo seguida pela execução do Hino Nacional pela banda musical do contingente da Força Pública.

Seguiu-se um prolongado ritual de saudações oficiais por parte de autoridades civis e militares da região santista, entre as quais José de Souza Dantas, prefeito municipal, e Belmiro Ribeiro de Moraes e Silva, presidente da Câmara Municipal.

Trocados os cumprimentos de praxe, Júlio Prestes e comitiva subiram a bordo do vapor atracado no cais desse mesmo Armazém 15. Logo a seguir foram iniciadas as manobras de desatracação, enquanto em terra firme a banda do Corpo de Bombeiros executava, por sua vez, o hino da nação.

Às 20h50, o Almirante Jaceguay iniciava sua livre navegação e 20 minutos mais tarde passava todo iluminado em frente à Ponta da Praia. Na areia, alguns carros com faróis acesos e pequena multidão com lenços brancos a esvoaçar; a bordo, um presidente democraticamente eleito que nunca chegaria a governar seu país.

Fora da barra, o vapor do Lloyd Brasileiro recebeu a escolta de dois cruzadores da Marinha do Brasil, Bahia e Rio Grande do Sul, que estavam destinados a comboiar o Almirante Jaceguay até Nova Iorque, destino final da viagem.

Júlio Prestes de Albuquerque dirigia-se a Washington em visita oficial ao presidente norte-americano Herbert Hoover, retribuindo assim a passagem que este último fizera em nosso País em 1928.


O Almirante Jaceguay, aqui em cartão postal da coleção de Rossini, levou Prestes a Nova Iorque

Navio - O Almirante Jaceguay havia sido construído, no decorrer de 1911-1912, por ordem da armadora alemã Woermann Linie, no estaleiro Reihersteieg, do porto de Hamburgo.

Sob o nome original de Professor Woermann, formava par, tendo idênticas características técnicas, com outro vapor construído nos mesmos estaleiros, o Henny Woermann. Lançado ao mar em junho de 1912, o Professor Woermann realizou sua viagem inaugural, em setembro desse ano, entre Hamburgo e portos das costas ocidentais e orientais da África, linha essa na qual serviu até agosto de 1914.

Encontrava-se em Tenerife por ocasião da abertura das hostilidades européias e, nesse mesmo mês, seu comandante recebeu instruções de um possível encontro, no Atlântico Sul, com o cruzador armado Kaiser Wilhelm der Grosse, que havia iniciado guerra corsária contra o tráfego aliado.

O Professor Woermann foi, porém, capturado, no dia 23, pelo cruzador britânico H.M.S. Caernavon, quando se encontrava em navegação de Las Palmas a Cabo Verde. Em seguida, tornou-se propriedade da agência governamental encarregada do controle marítimo-mercante das frotas aliadas (o Shipping Controller) com o nome de Professor. Sob essa nova denominação, serviu como navio-transporte de tropas até o início de 1919.

Em 1921, por venda pública, voltou novamente à bandeira alemã, tendo sido adquirido pela armadora Hugo Stinnes, de Hamburgo, o navio recebendo o nome de Edmund Wagenknecht. No ano seguinte, nova troca de nome - General San Martin - e nova rota de serviço, Hamburgo-Buenos Aires via portos brasileiros, sempre propriedade da Hugo Stinnes. Em 1926, foi atuado vasto programa de racionalização da marinha mercante alemã, em conseqüência do qual à armadora Hapag foram incorporadas as frotas pertencentes a três outras empresas germânicas: a Kosmos, a Deutsche-Australische e a Hugo Stinnes.

A Hapag não necessitava, porém, de um vapor relativamente antigo como o General San Martin e o colocou à venda. Surge em cena o Lloyd Brasileiro, então em fase de expansão, e à procura de bons navios no mercado secundário. O navio foi adquirido e seu nome mudado para Almirante Jaceguay, em homenagem à memória do almirante Artur Silveira da Motta (nobilitado durante o Governo Imperial, com o título de Barão de Jaceguay), precursor da criação do Lloyd Brasileiro.

Com essa nova denominação, o vapor serviu por bem vinte e dois anos as cores da maior armadora nacional, percorrendo, nesse longo período, todas as rotas costeiras e internacionais, acabando por ser desmontado no Rio de Janeiro, em 1958.

O ponto mais glorioso da vida útil deste navio aconteceu em maio de 1930, quando nele embarcou Júlio Prestes. Quanto a este último, barrada sua ascensão à Presidência da República, surgia um modesto oficial gaúcho de nome Getúlio Dorneles Vargas, o futuro "caudilho dos Pampas", mas isto já é outra história... Dixit non ducor duco.


O Conde Zepellin sobrevoa a Baía de Guanabara
Foto: livro 100 Anos de República, vol. III, 1989, Ed.Nova Cultural, São Paulo

Encontro com o Zeppelin - Após sair de Santos na noite do dia 23 de maio, levando a bordo o presidente eleito da Nação brasileira, o Almirante Jaceguay escalou no dia seguinte no porto do Rio de Janeiro, onde outras homenagens foram prestadas ao insigne cidadão.

À noite, o vapor desatracava rumo Norte. Trinta e seis horas mais tarde, ao Sul da costa baiana, o dirigível alemão Conde Zeppelin sobrevoou perto do Almirante Jaceguay, trocando-se várias mensagens via rádio-telégrafo entre as embarcações do comboio presidencial e outras estações em terra firme.

O Conde Zeppelin encontrava-se em viagem, a primeira de um dirigível para a América do Sul, tendo largado cabos de amarras de Friedrichshaven (Alemanha) às 17h18 do dia 18 de maio. Aterrissou em Sevilha às 17h40 do dia seguinte, de onde sairia na manhã do dia 20 com destino ao Rio de Janeiro, via Recife. Levava a bordo 25 passageiros: seis espanhóis (inclusive o príncipe Alfonso de Orleans), cinco alemães, cinco suíços, seis norte-americanos, um argentino e um casal de brasileiros, doutor-professor Vicente Licínio Cardoso e esposa.

Despertando enorme curiosidade popular, a aeronave aterrissou no Campo dos Afonsos, na então Capital Federal, às 6h30 de domingo, 25 de maio. Curta escala de apenas três horas, o suficiente para desembarque e embarque de passageiros, e saída às 9h45, rumo Norte, para nova escala em Pernambuco e prosseguimento para Lakehurst (Estados Unidos).

Na manhã de 26 de maio, o Conde Zeppelin passou passou sobre o transatlântico Cap Polonio, da Hamburg-Sud, que se encontrava em viagem para a Europa, tendo saído de Santos (Armazém 17) no dia 23. De bordo do navio alemão, vários passageiros e oficiais fizeram fotografias da aeronave, fotos que existem até hoje. Comandava o dirigível o engenheiro Hugo Eckner, figura emblemática e quase lendária da época.


O Conde Zepellin teve festiva recepção no Rio de Janeiro
Foto: livro 100 Anos de República, vol. III, 1989, Ed.Nova Cultural, São Paulo

Novos heróis - No início da década de 30, os personagens mais em vista, em nível mundial, eram os políticos e os aviadores, os pioneiros da navegação aérea. Estes últimos tinham até o carisma de heróis populares.

Nomes como Charles Lindbergh, Jean Mermoz, Antoine de Saint-Exupéry, Lewis Yancey, Diendonné Costes, Joseph Le Brix, Maurice Bellonte, encontravam-se em todas as conversações e páginas de jornais e revistas.

A aviação civil ainda engatinhava em um limbo situado entre a época heróica (primeiros grandes vôos transatlânticos) e a sua infância comercial (primeira companhia de transporte aéreo) e todos os feitos, então contemporâneos, tinham enorme repercussão e ressonância.

Além dos dirigíveis e aviões do Syndicat Condor, a Alemanha havia feito decolar os primeiros vôos de passageiros da Lufthansa. A competição européia era acirrada, com as concorrências francesas e italianas.

Mermoz - Fazendo ecos dessas ressonâncias e competição, aterrissava, no dia 18 de maio, às 15 horas, no Campo de Aviação de Praia Grande, o avião Laté-28, equipado com motor Hispano-Suiza de 600 cavalos, dois flutuadores e tanques com capacidade de 2.400 litros de gasolina.

No comando, um homem já famoso mundialmente: Jean Mermoz, piloto da célebre empresa aérea francesa Latecoére, pioneira da linha aérea Buenos Aires-Rio de Janeiro (em 1928), e primeiro a sobrevoar a Cordilheira dos Andes por conta da Aeropostale, agência dos correios franceses.

Mermoz (que na época tinha 28 anos de idade) e seu companheiro Etienne não estavam realizando um vôo comum. Haviam saído de Marselha em princípios de maio, com destino a San Louis du Senegal, via escala em Kenitra (Saara Espanhol).

No dia 12, às 11 horas, Mermoz decolou de San Louis, seu avião levando a bordo 100 malas de correspondência e três companheiros de viagem: o tenente Dobry, navegador; o radiotelegrafista Gimie e o co-piloto Etienne. Após 20 horas e meia de vôo ininterrupto, o Laté-28 chegou à cidade de Natal (Rio Grande do Norte), estabelecendo o recorde mundial de distância (3.160 quilômetros) para um avião, realizando vôo sem escala. Um feito!

A Latecoére, prevendo possíveis problemas, havia colocado no trajeto do hidroavião quatro navios-avisos postados no oceano, de forma que poderia prestar socorro a Mermoz e companheiros no caso, sempre possível, de pouso forçado.

O trajeto Dacar-Natal havia sido percorrido à alta velocidade (para aqueles tempos), à média de 158 quilômetros horários e mais de 15 horas voando a pontas de velocidade superiores a 200 quilômetros horários.

Após escalas em outras cidades brasileiras, o Laté-28 chegava a Praia Grande para recolher a correspondência enviada de São Paulo e Santos para outras localidades do Sul do País, a Montevidéu e a Buenos Aires.

Esses acontecimentos, embora não estritamente relacionados com a navegação marítima, são dignos de menção nesta coluna, pois representavam o início do fim do grande transporte por mar, de passageiros e malas postais. Foram necessários mais 40 anos; porém, em 1970, o avião comercial já sobrepujava definitivamente o navio de passageiros na Rota de Ouro e Prata.

Estadunidenses - Já em 1930, a empresa de aviação norte-americana Nyrba (iniciais de Nova Iorque, Rio de Janeiro e Buenos Aires) realizava, com meia dúzia de aviões de linha, a referida ligação, fazendo escalas intermediárias em cidades menores situadas ao longo do trajeto.

No dia 8 de maio do ano em referência, era batizado, em cerimônia realizada na Ponta da Praia, um novo hidroavião dessa companhia, de prefixo P-BDAE e nome Santos, que realizou diversos vôos de demonstração em frente à Fortaleza da Barra Grande, para o deleite de um grande número de curiosos e convidados.

Coincidência do destino, poucas horas antes havia passado pelo local o transatlântico italiano Conte Rosso, direto ao cais do Armazém 17, em escala de viagem para a Europa.

Último ano de uma década de crescimento e derradeiro da presidência do doutor Washington Luiz Pereira de Souza, o de 1929 havia sido um ano difícil para o Brasil, confrontado por vários problemas internos e externos: crise industrial devida à superprodução mundial, crise agrícola com forte depreciação dos valores dos produtos, principalmente café, crise econômica devida ao enxugamento de crédito internacional após a quebra de Wall Street, crise sanitária com o reaparecimento de grandes surtos de febre amarela e crise política interna provocada por nascentes movimentos revolucionários.


Trecho do cais santista em 1935
Foto do livro Docas de Santos, suas origens, lutas e realizações, de Hélio Lobo

Ouro e café - Em dezembro de 1929, as reservas mundiais de ouro representavam no total cerca de 49 bilhões de marcos-ouro, das quais o Brasil só possuía uma ínfima porcentagem, ou seja, pouco mais de 600 milhões, o que o colocava na 13ª posição.

Em comparação, os Estados Unidos possuíam 18 bilhões, a França 7 bilhões, a Inglaterra 3 bilhões e, surpreendentemente, em 7ª posição, a Argentina, com 1,8 bilhão. Entre os outros dez primeiros países por reserva-ouro encontravam-se o Japão (2,7 bilhões), a Alemanha (2,3 bilhões), a Espanha (2 bilhões) e a Itália (1 bilhão). 

Estas eram as potências econômicas do mundo de então. Café, sempre o café como primeiro produto na pauta Exportação do comércio exterior brasileiro; a política de produção e escoamento do café foi o grande pomo de discórdia nacional durante a década de 20 e que resultaria no conflito interno da Revolução de Outubro de 1930. Em 1929, das sacas exportadas pelo Brasil, 90% passariam pelo cais de Santos.

Naquele ano, o comércio exterior nacional registrou um valor pouco inferior a 8 milhões de contos de réis. Na ponta exportadora, seriam 3,5 milhões de contos de réis, dos quais 2 milhões (ou 55% do total) passaram por Santos e dos quais o café representava cerca de 1,5 milhão. Os outros produtos de exportação eram carne (resfriada e congelada), banana, couro e algodão em rama.

As exportações brasileiras de café para a Alemanha, país que lentamente se recuperava dos efeitos desastrosos da Primeira Guerra Mundial, registraram naquele ano forte incremento, passando para um total de 148 mil toneladas, quase todas embarcadas via Santos.

Além deste produto, a Alemanha importava do Brasil, por ordem decrescente, farelo, couro, fumo, cacau, carne, manganês, borracha, milho, lã e frutas tropicais. Estes produtos eram carregados, na maior parte, em navios de bandeira alemã pertencentes à Hapag e à Hamburg-Süd, armadoras que apresentavam quase exclusivamente a presença da marinha mercante germânica na Rota de Ouro e Prata.

A primeira armadora utilizava, em 1930, os quatro grandes transatlânticos mistos da série não-similar General (General Belgrano, General Osorio, General San Martin e General Artigas), além de uma dúzia de cargueiros e outros cinco navios mistos menores - Baden, Sachsen, Wurttemberg, Hessen e Bayern.

A segunda possuía - e utilizava para a América do Sul - uma impressionante frota de navios de passageiros e carga geral. Entre os primeiros mencionados, a estrela maior era o majestoso Cap Arcona, ao qual se juntavam o Antônio Delfino, o Cap Norte, o Cap Polonio e os gêmeos Monte Sarmiento e Monte Olivia. No início do ano de 1930, a Hamburg-Süd havia perdido por encalhe o terceiro navio da série Monte, o Monte Cervantes.

A estes mencionados agregavam-se para o serviço de carga o Rio de Janeiro, o Argentina, o España, o La Coruña, o Vigo, o Paraná, o Tenerife, o Entrerios, o Bahia, o Pernambuco e o Santa There.

A grande maioria dos navios mencionados destas duas armadoras seriam perdidos no decorrer da Segunda Guerra Mundial e os que não o foram por causa bélicas o seriam sob forma de apreensão ou confisco.

Estas armadoras tinham seus interesses em Santos representados nessa época pela famosa agência Theodor Wille, que possuía sede na Rua do Comércio, 47.

A terceira grande armadora teutônica na rota para o Brasil e o Prata era a NDL, que possuía, neste início da década de 30, quatro vapores de passageiros de tonelagem intermediária, realizando a ligação Bremen-Buenos Aires, com escalas no Brasil, no Rio de Janeiro e em Santos. Eram o Madrid (ex-Sierra Nevada, de 1922), o Sierra Ventania, o Sierra Cordoba e o Sierra Morena (todos estes de 1923), capazes de transportar até 1.400 passageiros. O serviço do NordDeutscher Lloyd para a América do Sul era complementado por uma série de navios de carga, entre os quais o Werra, o Eisenach, o Weser e o Porta.

A existência de quase 50 navios de bandeira alemã na Rota de Ouro e Prata (dos quais quase um terço eram de passageiros) em serviço regular de linha demonstra a importância do tráfego marítimo e das relações comerciais da Alemanha com o Brasil e a Argentina. Tal fato teria grande relevância política para os dois países sul-americanos no transcorrer de toda a década de 1930.


Cargueiro Altmark, da Hapag, em postal da coleção do autor: navio freqüentava a cidade em 1930

Principais armadoras britânicas
Navios que freqüentavam Santos em 1930
P = passageiros   M = misto   C = cargas

Royal Mail Line
P Arlanza
P Almanzora
P Asturias
P Alcantara
M Darro
M Demerara
M Deseado 
M Desna
C Sambre
C Segura
C Somme
C Severn
C Silarus
C Siris
C Sarthe
C Sabor
C Navasota
C Nagara
C Nariva
C Natia
 

Houlder Line
C Baronesa
C Canonesa
C Duquesa
C Marquesa
C Princesa
C Dunster Grange
C Hardwicke Grange
C Upwey Grange
C El Argentino
C El Paraguayo
C El Uruguayo
C La Correntina
C La Rosarina

Nelson Line
M Highland Brigade
M Highland Chieftain
M Highland Hope
M Highland Monarch
M Highland Princess
M Highland Rover
C Nela
C Nasina
C Nalon
C Nagoya

Furness Prince  Line
M Northern Prince
M Eastern Prince
M Southern Prince
M Western Prince
C Brazilian Prince *
C British Prince *
C Castillan Prince *
C Egyptian Prince *
C Imperial Prince *
C Lancastrian Prince *
C Royal Prince *
* passagens esporádicas
por Santos

Blue Star Line
M Almeda Star
M Andalucia Star
M Arandora Star
M Avelona Star
M Avila Star
C Afric Star
C Raleigh Star
C Rodney Star
C Stuart Star

Lamport & Holt
M Vauban
M Vandyck
M Voltaire
C Archimedes
C Biela
C Bernini
C Bronte
C Browning
C Bruyere
C Balfe
C Bonheur
C Balzac
C Boswell
C Delambre
C Herschel
C Holbein
C Hogarth
C Lalande
C Leighton
C Lassell
C Linnell
C Marconi
C Millais
C Newton
C Nasmyth
C Phidias
C Plutarch
C Strabo
C Swinburne
C Sheridan
Obs.: todos os
cargueiros da L&H 
realizavam
somente escalas
esporádicas em 
Santos, em 1930

Outros países
Cargueiros que freqüentavam Santos em 1930

Belgas
Compagnie Maritime Belge (CMB)
Astrida
Josephine Charlotte
Stanleyville
Macedonier

Finlandeses
Finland South America Co.
Bore VIII
Mercator
Orient

Suecos
Blavan Line
Cortona
Erik Frisell
Adele
Emile Frisell
Maisty Law

Johnson Line
Annie Johnson
Axel Johnson
Margareth Jonhson
Suecia
Pedro Christophersen
Buenos Aires
Balboa
lima
Pacific
San Francisco
Santos
Valparaiso

Dinamarqueses
Det Forened 
Dampskibs (DFDS)
Virginia
California
Louisiana
Alabama
Ireland
Brasilien

Holandeses
Van Nievvelt, 
Goudriann (Nigoco)
Alphacca
Alherat
Aludra
Algorab
Alhena
Algenib
Alphard
Alchiba
Alcor
Alcyone
Aldabi
Alwaki

Lloyd Real Holandês (KHL)
Salland
Gaasterlland
Eemland
Amstelland
Zaanland
Montferlland
Waterland
Drechterland

Noruegueses
Wesfal & Larsen
Brimanger
Hardanger
Hindanger
Taranger
Villanger
 
 

Den Norske Syd-Amerika 
(DNSAL)
Para
Cometa
Crux
Borgland
Bra-Kar
Norma
Borga
Salta
Lista
 
 

Wilhelm Wilhelmsen
Tana
Troubador
Taurus
Tiradentes
Toronto
Talisman
Tugela
Tampa
Titania
Thode Fagelund

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 9 e 16/8/1998