Nelson Antonio Carrera (*)
Colaborador
Na década de 30 do século XX, a indústria naval trabalhava em paralelo com as empresas de navegação, e exercia papel de relevo na disputa pela Fita Azul de velocidade, a famosa
Blue Ribbon.
Entrementes, face aos avanços da engenharia mecânica, velocidade nem sempre era o requisito indispensável, e o motor de combustão interna passou a ser uma opção mais frequente nos projetos de construção naval no
setor mercante, pelas vantagens que representava.
Com peculiar experiência no assunto, e vivendo anos de relativa estabilidade, a Alemanha se reerguia da derrota da Primeira Guerra Mundial e a frota mercante se expandia rapidamente.
A Hamburg-Amerikanische (Hapag), cujas linhas singravam todos os mares, iniciou seu programa de modernização da frota, aproveitando-se do incremento na emigração e do
incentivo aos cruzeiros marítimos.
Américas - Em 1926, encomendou seus primeiros navios movidos a motor a óleo. Dois se destinavam à linha de Nova Iorque, chamar-se-iam Saint Louis e Milwaukee, e um era destinado à linha da
América do Sul, recebendo o nome de General Osorio.
Concebido basicamente para o transporte de emigrantes na linha do Brasil e da Argentina, o General Osorio não era um suntuoso transatlântico como muitos de sua época, porém muito bem balanceado de linhas,
dimensões, aparelhagem, e suas acomodações de padrão notadamente simples, de segunda classe e classe turística, podendo alojar 272 e 750 pessoas respectivamente. A tripulação compunha-se de 223 pessoas.
Construído pelo grande estaleiro naval Bremer Vulkan-Vegesack, situado às margens do rio Weser, teve sua quilha batida em 22 de dezembro de 1927, recebendo seu casco o número 669. Passados 15 meses na carreira,
estando os trabalhos de aprontamento já antecipados, foi lançado ao mar em 20 de março de 1929.
Finalizada a construção e a fase de aprontamento, foi entregue à Hapag em 14 de junho de 1929. No dia 29 de junho desse mesmo ano, saiu de Hamburgo em viagem inaugural a portos da Espanha, Portugal, Brasil, Uruguai
e Argentina.
O General Osorio era movido por um motor diesel com 12 cilindros feito pelo próprio estaleiro construtor e estava registrado sob o código de chamada DIBR. Possuía 11.590 t.a.b. e dois hélices. Era um forte
concorrente dos navios da classe Monte da Hamburg-Süd, pois, enquanto aqueles eram navios equipados com motores de submarinos excedentes que ficaram armazenados no pátio da fábrica de máquinas do estaleiro Blohm & Voss de Hamburgo, o
General Osorio recebeu suas unidades inteiramente novas da patente alemã Maschinefabrik-Augsburg-Nurnberg (MAN), produzidas pela própria Bremer Vulkan.
Socorro - Muitos navios de passageiros têm, em suas histórias, fatos notórios que por vezes não recebem a devida menção em seus diários de bordo. O General Osorio, porém, teve a sua participação com
registro para a posteridade no dia 8 de agosto de 1931. Durante a madrugada, navegando do Rio de Janeiro para Santos, em viagem de ida para a Argentina, o General Osorio captou mensagem de pedido de socorro de um transatlântico americano, o
Western World.
Este, navegando em sentido contrário, saíra de Santos na véspera, levando 88 passageiros rumo aos Estados Unidos, além de um grande carregamento de café embarcado no porto de Santos. O navio encalhou em área já
conhecida dos historiadores marítimos, a Ponta do Boi, no litoral de São Sebastião. Aproximando-se da costa, o navio alemão conseguiu resgatar os passageiros e parte da tripulação do Western World, que voltou a flutuar quatro dias depois.
O General Osorio compunha, com o General San Martin e o General Artigas,
o trio de ponta do serviço da Hapag para o Brasil e o Prata
Segunda Guerra - Dois anos mais tarde, em 1933, começaram as primeiras mudanças políticas na Alemanha, que levariam à Segunda Guerra Mundial.
As exportações sul-americanas rumo à Alemanha caíram e isto ocasionou um sensível desequilíbrio na balança comercial, com as resultantes restrições de transferências monetárias e a precipitação na cotação das
moedas sul-americanas em relação ao marco imperial alemão.
A navegação comercial, que a essa altura gerava grande percentagem de divisas à Alemanha, era manipulada por um típico cartel. Era o que sucedia com as três grandes empresas alemãs dispondo de navios de linha para
a América do Sul (a Hamburg-Amerika Linie, o NordDeutscher Lloyd e a Hamburg-Süd).
Durante o ano seguinte, 1934, essas três grandes empresas, em comum acordo, sob orientação sindical, reestruturaram seus serviços através de um remanejamento radical das respectivas frotas.
A Hamburg-Süd, como detentora da linha para a América do Sul, recebeu, inicialmente, a título de afretamento, oito navios pertencentes ao NordDeutscher Lloyd, sendo sete cargueiros e um navio de passageiros,
enquanto da Hamburg Amerika Linien 11 navios foram transferidos, sendo 8 cargueiros e 3 transatlânticos, entre os quais o General Osorio. Data de 1º de novembro de 1934 o documento através do qual o General Osorio passou ao
afretamento da Hamburg-Süd.
Quase dois anos mais tarde, em 30 de junho de 1936, o General Osorio foi adquirido, em via definitiva, pela Hamburg-Süd, tendo sido modificado em sua silhueta, realçada com a elevação das duas chaminés em
cerca de três metros.
O navio foi entregue ao tráfego em 1929, a serviço da Hapag
Imagem: reprodução, publicada com a matéria
Por um mês - Com o eclodir da Segunda Guerra Mundial, o General Osorio, como tantos navios alemães, foi desativado da linha de passageiros. Em 10 de abril de 1940, passou a figurar como
navio-acomodação da Marinha de Guerra, para atendimento, em Kiel, das tripulações dos submarinos germânicos.
Serviu ileso nessa modalidade até 24 de julho de 1944. Neste dia, sofreu ataque aéreo aliado, incendiando-se na sequencia do bombardeio. Soçobrando na popa, o General Osorio foi reparado pela própria
tripulação e equipes internas, e a partir de 2 de outubro do mesmo ano foi posto a flutuar.
Em 9 de abril de 1945, novo ataque aéreo na cidade de Kiel. Desta vez, o General Osorio foi atacado com mais violência e afundou, não sobrevivendo à guerra por apenas um mês.
Dois anos se passaram após o armistício e o General Osorio continuava repousando no fundo do porto de Kiel. Em 29 de agosto de 1947, os britânicos o resgataram do fundo, sendo em seguida vendido à British
Iron & Steel Corporation (Salvage) Ltd., uma empresa de salvatagem.
O navio, em estado irrecuperável, foi rebocado a Inverkeithing, na Inglaterra, onde chegou em 7 de setembro de 1947, data em que foi entregue à T.W.Ward Ltd., sucateira de navios.
CRONOLOGIA:
22/12/1927 - Batimento da quilha
20/03/1929 - Lançamento ao mar em Bremen
14/06/1929 - Entregue à Hamburg-Amerika Linien
29/06/1929 - Largada de Hamburgo, Alemanha, em viagem inaugural ao Brasil e
Argentina
08/08/1931 - Resgatou 88 passageiros e parte da tripulação do navio americano
Western World ao largo de São Sebastião
01/11/1934 - Afretado à Hamburg-Sud, conforme acordo de reestruturação das
linhas de navegação comercial da Alemanha
30/06/1936 - A Hamburg-Sud compra o General Osorio em definitivo
10/04/1940 - Inicia atividades militares em Kiel como navio de apoio e
acomodação da Marinha Imperial Alemã
24/07/1944 - Durante ataque aéreo aliado a Kiel, bombardeado e seriamente
danificado
02/10/1944 - Posto a flutuar pela própria tripulação, após reparos provisórios
09/04/1945 - Novo ataque aéreo aliado a Kiel. O General Osorio é atingido e
afunda
29/08/1947 - O navio é içado por ingleses
07/09/1947 - Chegada a Inverkeithing a reboque e entregue para sucata
(*) Nelson Antonio Carrera, de Santos, é pesquisador de assuntos navais, especialmente transatlânticos.
Fontes: Estaleiro Bremer Vulkan, de Bremen (Alemanha) - senhor Schroeder, do Departamento SVV. Hamburg-Sud, de Hamburgo (Alemanha), senhora Edith Pfeiffer, Departamento de Publicidade. De Schiffen der H.S..G
e Hamburg Amerika Line, de Arnold Kludas, de Bremerhaven (Alemanha).
"General Osorio - Navio alemão da Hamburg-Amerikanische Packetfahrt Aktien Gesellschaft (Hapag) em que meu pai José Bento Silvares veio de Portugal para o Brasil, saindo do Porto em 21
de agosto de 1929, com apenas 13 anos de idade. Na Segunda Guerra Mundial, o navio serviu como hotel para tropas alemãs no Porto de Kiel, onde foi danificado por bombas aliadas a 24 de julho de 1944. No dia 9 de abril de 1945 foi afundado em ataque
aéreo em Kiel. Em 1947 foi reflutuado e demolido em estaleiro da Inglaterra.".
Imagem: Acervo José Carlos Silvares/fotoblogue Navios do Silvares (acesso:
13/3/2006) |