Foto: coleção Marques Pereira, publicada com a matéria
Saudades dos bondes
A única explicação, na época, para o fim dos bondes na cidade foi contenção do
déficit do SMTC, que continuou a existir mesmo depois que o último bonde deixou de circular em Santos, na manhã de 28 de fevereiro de 1971. Hoje,
quanto todos os países passam por uma crise financeira nos gastos com petróleo, com as reservas comprometidas, os bondes voltam a ser notícia.
Foto: coleção Marques Pereira, publicada com a matéria
Bondes deixaram saudades. E podem voltar
Nas primeiras horas do dia 28 de fevereiro de 1971,
ocorreu a derradeira viagem do último dos bondes elétricos de Santos, que era da linha 42 e tinha o prefixo nº 258. Terminava assim aquele
tradicional e eficiente meio de transporte coletivo, que já vinha servindo a cidade no decurso de um século e foi considerado então obsoleto para a
época.
Tal medida foi tomada, seguindo o exemplo do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e
outros grandes centros brasileiros, que já haviam abolido o bonde como meio de transporte. Dessa forma, o governo santista - por força das
circunstâncias - não quis ficar atrás e resolveu igualmente acabar com aquela forma de locomoção. Mas, para muitos, foi o progresso urbano quem veio
determinar a extinção dos bondes. Houve protestos por parte dos usuários, mas não houve jeito mesmo, pois o serviço de carris foi considerado
superado em matéria de transporte urbano, e assim sendo, os bondes (onde sempre cabia mais um) foram abolidos.
Anteriormente, alguns bondes já haviam sido substituídos pelos ônibus, e no último
dia, apenas circularam os das linhas 17 e 42, que, por sua vez, cederam também seus lugares para os veículos motorizados que, segundo os cálculos e
programações previstas, iriam resolver o problema de transporte da cidade.
Vale a pena relembrar que na edição do dia 27 de fevereiro de 1971, o Cidade de
Santos noticiava o fato que andava na boca do povo: "Amanhã os últimos bondes de Santos deixarão de circular. Hoje
ainda é tempo de se prestar uma derradeira homenagem àquele que serviu o povo durante quase um século, desde uma época que nem se pensava ainda em
automóvel".
E sugeria ainda à população para que dessa a sua última voltinha nos bondes que
restavam: "Se você é saudosista ou simplesmente nunca viajou de bonde, aproveite, pois o refrão é certo: 'é hoje só,
amanhã não tem mais'. Tome um bonde da linha 17 e faça a pequena viagem da cidade ao Campo Grande. Porém, se quiser ir um pouco mais longe,
sirva-se do circular 42.
"Se você perceber que algum velho motorneiro, condutor ou passageiro estiver enxugando
discretamente uma lágrima, não ache graça: o bonde deve ter sido um fato marcante em suas vidas: cheio de história e casos pitorescos, senão até
mesmo trágicos...".
E ainda na edição do dia 28, voltava o Cidade a abordar o assunto: "Hoje,
quando você sair à rua, vai estranhar um pouco. Sentir falta de alguma coisa. Mas, na hora, talvez não lembre do quê, até a sua atenção se
concentrar no movimento do trânsito. Aí, então, com saudade, você vai se perguntar como esquecera de dar sua última voltinha de bonde. Porque, a
partir de hoje, não existe mais nenhum na cidade. Foram todos substituídos por ônibus...".
E, no dia previsto, não houve nenhuma festa de despedida, com fogos de artifício ou
com banda de música tocando a Valsa do Adeus. Foi realizada apenas uma reunião formal, quando o general Aldévio Barbosa de Lemos, então
superintendente do antigo SMTC - Serviço Municipal de Transportes Coletivos (que desde 1967 tinha planos para acabar com os bondes), fez um
pronunciamento à imprensa explicando o motivo daquela medida: "Pesquisando e meditando sobre o assunto, para o quê
contratei um grupo de técnicos, verificou-se que o déficit provinha realmente do sistema de bondes que absorvia o superávit de outros sistemas.
Cheguei à conclusão de que ou o SMTC acabava com os bondes ou os bondes acabavam com o SMTC...".
Mas o grande caso é que dois anos depois da extinção dos serviços de bondes na cidade,
o déficit continuava a existir, surgindo novamente uma onda de protestos por parte da população santista, solicitando a volta dos bondes, por
considerar que a sua extinção fora uma medida precipitada das autoridades locais.
A história dos bondes em nossa cidade remonta há mais de cem anos, antes mesmo do
advento da eletricidade, quando então começaram a deslizar pelos trilhos os primeiros carros puxados por tração animal, passando a servir a
população, que se deliciava com aquela novidade, e com o correr do tempo veio a se integrar definitivamente à história da própria cidade.
Bons tempos aqueles das vagarosa gôndolas puxadas por muares, com suas campainhas
penduradas ao pescoço, posteriormente aposentados e substituídos pelos bondes elétricos (mais ligeiros), que também marcaram toda uma época.
O antigo bondinho de burros circulando pela Rua XV de Novembro em 1902
Foto: Coleção Marques Pereira, publicada com a matéria. Reprodução:
Calendário de 1979 da Prodesan - Progresso e Desenvolvimento de Santos S.A., tema Imagens Antigas e Atuai
Bonde de burro - Em setembro de 1870 começaram os preparativos para a instalação de
água, gás e trilhos para os bondes em Santos: 3 anos depois, no dia 7 de setembro, houve a inauguração dos bondes para a Barra, cujos carros eram
puxados por animais (tração "animada") e tinham seu ponto inicial no Largo da Matriz (atual Praça da
República), seguindo pelas ruas Senador Feijó, General Câmara e Octaviana (depois
Conselheiro Nébias), até o ponto final, na estação da praia hoje denominada de Boqueirão.
Posteriormente, a linha se estendeu até a Ponta da Praia pelo caminho da atual Avenida Epitácio Pessoa. Após a muda dos
burros na estação do Boqueirão, os carros seguiam até o antigo Forte da Estacada, nas imediações do atual
Museu de Pesca.
Diz a história que em 1875, por ocasião da segunda visita do imperador Pedro II a
Santos, Sua Majestade deu uma volta de bonde pelo Boqueirão. Nesse mesmo ano de 1875, foi ativada uma outra linha de bondes que saía da estação da
Rua Amador Bueno, esquina da Rua Itororó, até o bairro de Santa Maria. Dali para a frente, as
gôndolas eram engatadas numa máquina a vapor e seguiam até São Vicente.
Na sua Efemérides Santistas, o historiador Costa e Silva Sobrinho informa que,
a 22 de agosto de 1885, foi assinado, perante a Presidência da Província, o contrato para substituição da "tração animada" pelo vapor, na linha para
São Vicente. E que, no dia 19 de março de 1886, foram desembarcadas do paquete Buenos Aires duas locomotivas, para tração a vapor da linha
Santos-São Vicente, que seria assim totalmente servida por bondes a vapor.
Em abril de 1889 foi iniciada uma linha da empresa de Matias da Costa, ligando o
centro da cidade até a Praia do José Menino (via Ana Costa). Outras linhas foram inauguradas
nesta mesma época, destacando-se a que ligava a Vila Matias à Praia da Barra (também da empresa Matias) e outra do centro
da cidade para o Paquetá, da Companhia de Melhoramentos da Cidade de Santos. Todas puxadas por animais.
Já em fins do século passado, o Largo do Rosário (atual Praça Rui Barbosa) era o ponto
inicial de inúmeras linhas de bondes. Em princípios deste século (N.E.: século XX), a
maioria das linhas continuava com "tração animada", e havia os bondes "especiais", fretados para casamentos e outras festividades, que circulavam
enfeitados - inclusive com adornos na parelha de cavalos. Existia, igualmente, o "especial" para enterros, dotado de crepe negro e puxado por
animais também negros, ostentando penachos e xaréis. Circulavam também os carros de encomendas e cargas.
A 2 de fevereiro de 1902, a Empresa Ferro-Carril Santista inaugurou oficialmente o
trecho da linha de bondes do Boqueirão até a Ponta da Praia (pela orla da praia) num total de 4 quilômetros. Desde 1888 que a The City of Santos
Improvements Comp. era uma das concessionárias do transporte coletivo da cidade, e em 1905 encampou todas as linhas, passando a planejar a troca da
força animal pela energia elétrica.
A Lei Municipal nº 228, de 1º de agosto de 1906, autorizou o intendente a contratar a
Companhia City para a substituição da "tração animada" pela elétrica. A Lei Municipal nº 227, de 18 de setembro de 1907, concedia privilégio para
bondes com tração elétrica e autorizava a substituição.
Os primeiros bondes elétricos vieram da Inglaterra encaixotados e desembarcados de
navios no cais do porto, transportados para as oficinas da City, na Vila Matias, onde foram montados. Nessa época, os escritórios da Empresa de
Bondes City, que tinha como gerente Hugo Stenhouse, estavam instalados na Rua XV de Novembro.
E no dia 28 de abril de 1909 foi implantado em Santos o serviço de bondes elétricos, a
cargo da Companhia City, que anteriormente já havia se iniciado no transporte coletivo, juntamente com outras 4 companhias de bondes puxados por
animais. Assim é que o primeiro bonde elétrico veio a circular na manhã festiva daquele dia 28 de abril, ocasião em que
houve discursos e salva de fogos, ao som de bandas de música.
Naquela viagem inaugural, o primeiro carro elétrico se deslocou da cidade até o
porto do Tumiaru, em São Vicente, passando pela Avenida Ana Costa e pelas praias do Gonzaga,
José Menino e Itararé, transportando, além do prefeito municipal, o secretário da
Agricultura de São Paulo, o gerente da City, outras autoridades, representantes da imprensa e convidados especiais. De regresso, o bonde seguiu para
a Estação da Vila Mathias, onde houve banquete.
Autoridades postadas à frente da antiga estação da City no dia 28 de abril de 1909,
quando da inauguração oficial dos bondes elétricos
Foto: coleção Marques Pereira, publicada com a matéria
Durante a permanência das inúmeras autoridades na estação da City - após a viagem
inaugural do bonde elétrico - o fotógrafo Marques Pereira captou com a sua objetiva um instantâneo do grupo visitante, na qual aparecem as seguintes
pessoas: coronel Francisco de Almeida Moraes, Cândido Rodrigues (secretário da Agricultura), Azevedo Jr., Aristides Paula Amaral, Sóter de Araújo,
Benedito Calixto, Alberto Veiga, Benigno Antonio Pimenta, Moura Ribeiro, Bias Bueno, João Carvalhaes Filho e outros.
A cidade de Santos passou assim a contar com aquele moderno e rápido meio de
transporte. No entanto, apesar da festiva inauguração das linhas de bondes elétricos, os bondinhos de burro continuaram a percorrer as ruas da
cidade, havendo registro de que o último deles circulou até o ano de 1916.
Relevantes serviços - Desde a primeira década deste século
(N.E.: XX...), os bondes elétricos passaram a fazer parte da paisagem urbana da cidade, servindo
a tudo e a todos, prestando relevantes serviços à população, desde o transporte de passageiros, cargas, mudanças, encomendas, cortejos fúnebres,
grupos de festeiros, comitivas, colegiais e até agremiações carnavalescas durante o tríduo momístico.
Existiam os chamados bondes de carga, de água (carro-pipa), oficina, com gôndolas
fechadas e abertas, e até carros de luxo, o que levou a empresa a ser apontada como a de melhor transporte coletivo do Brasil. Fato curioso é que
circulavam até bondes pela manhã, no horário do almoço e após o trabalho, puxando reboques, onde era cobrada a passagem "operária", com desconto
para os trabalhadores.
No Carnaval, nem é bom falar, pois quando chegava o reinado da
folia, era costumeiro ver as famílias e os foliões darem a sua voltinha de bonde; pelo caminho a fora, iam assistindo o Carnaval de rua, com seus
animados cordões, blocos, choros, ranchos e escolas de samba. E as mulheres aguardavam ansiosamente o Carnaval, para poderem ficar agarradas ao
balaústre, nos estribos dos bondes, junto com os carnavalescos.
Amontoado de gente, o bonde seguia seu destino, com o motorneiro sorridente à frente,
enquanto que o coitado do condutor ficava pendurado, fazendo a cobrança. E quando um palhaço, pierrô, colombina, um pirata, ou mesmo um simples
patusco, começava a cantar uma música carnavalesca, era logo acompanhado por todos os passageiros do coletivo, num coro só, enquanto que na
plataforma (cozinha), havia sempre alguém com um surdo, um pandeiro, tamborim ou cuíca, para fazer o acompanhamento, sempre seguido pelo
pessoal do reboque. Muita gente preferia se divertir nos bondes, que era o salão dos pobres, porque percorria todos os bairros carregando foliões de
todas as idades. No Carnaval de 1971, os foliões deram a sua despedida dos bondes, que tantas alegrias proporcionaram no decorrer de várias décadas.
Em meados deste ano (N.E.: 1979)
foi apresentada sugestão pelo vereador José Faustino Alvarenga, de Cubatão, para que entrasse em atividade uma
linha de bondes entre Santos e aquele município, fato que causou polêmica entre os políticos. Mas o prefeito Carlos Caldeira
Filho já revelou que pretende reinstalar o sistema de bondes na cidade, que segundo o projeto existente, circulará através de pré-moldados sobre
os canais. Tal notícia foi do agrado da população santista que, não é de hoje, vem reclamando da precária situação dos coletivos.
Convém lembrar que, até os dias atuais, o bondinho de Santa
Teresa, no Rio de Janeiro, está sempre lotado de turistas, subindo e descendo os velhos Arcos da Lapa, e que em Salvador,
na Bahia, ao invés do metrô, a administração pública está estudando proposta para a perspectiva de ver novamente os bondes circulando em suas ruas.
E com a atual crise energética, fala-se muito na volta dos bondes (que circulam até
hoje como uma atração turística em São Francisco, na Califórnia), para solucionar os problemas da escassez de petróleo e
poder servir ainda a uma população de baixa renda.
Dos bondes só restam saudades, mas quem sabe, um dia, poderemos tê-los novamente como
meio de transporte, com preços acessíveis, por serem tão rápidos e econômicos. É uma idéia que não pode ser deixada de lado com a atual situação no
campo da energia.
Os bondes de tração animada e elétrica no antigo Largo do Rosário
Foto-postal da Union Postale Universelle, publicado com a matéria.
Reprodução: Calendário de 1979 da Prodesan - Progresso e Desenvolvimento de Santos S.A., tema Imagens Antigas e Atuais
Estas eram as linhas:
Eis os bondes que circularam pela cidade no decorrer de várias décadas:
X, Y (semi-expresso) e R (expresso);
1 - São Vicente (via Matadouro);
2 - São Vicente (via praias);
3 - José Menino (Via Ana Costa);
4 - Ponta da Praia (via Cons. Nébias);
5 - Macuco;
6 - Vila Matias;
7 - Circular (cidade-praia);
8 - Rua Luiz Gama (via Mercado);
9 - Paquetá;
10 - Praça da Independência (via Cons. Nébias);
12 - Circular (cidade-praia);
13 - Ponta da Praia-São Vicente;
14 - Estação da EFSJ-José Menino;
15 - Macuco-Bacia (via cais);
16 - Nova Cintra;
17 - Campo Grande;
18 - Rua Luiz Gama;
19 - Praça Senador Correia (via cais);
20 - Praça Mauá-Gonzaga;
22 - São Vicente (via praia);
23 - Avenida Senador Pinheiro Machado (via praia);
27 - Vila Belmiro;
29 - Rua Alexandre Martins (via cais);
32 - José Menino (via Cons. Nébias);
37 - Marapé;
39 - EFSJ-Praça Senador Correia (via Ana Costa);
42 - Ponta da Praia (via Ana Costa);
44 - Boqueirão;
71 - Linha noturna para São Vicente (via Matadouro);
72 - Noturno para São Vicente (via praia);
74 - noturno para a Ponta da Praia (via Cons. Nébias);
77 - noturno para o Marapé;
79 - noturno para a Praça Senador Correa.
Pesquisa e texto: J. Muniz Jr. Fotos de arquivo.
Programação visual: José Coriolano Carrião Garcia.
Havia bondes para todas as ocasiões: de passageiros,
bagageiros e até para a realização de
enterros
Fotos: série fotográfica de Justo Peres, publicada com a matéria
Na próxima parada: bondes elétricos enfrentam as carroças... |