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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - BIBLIOTECA - C.SANITÁRIA
A campanha sanitária de Santos - Malária (2)


Em 1947, David Coda e Alberto da Silva Ramos, do Serviço de Profilaxia da Malária do Estado de São Paulo, publicaram este estudo, na forma de uma separata dos Arquivos de Higiene e Saúde Pública, publicação da Diretoria Geral do Departamento de Saúde do Estado de São Paulo – Ano (Vol.) XII – 1947 – Nums. 31-32-33-34 – páginas 63 a 104.

O trabalho foi impresso na Indústria Gráfica de José Magalhães Ltda., de São Paulo, e um exemplar foi cedido a Novo Milênio para digitalização, pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010:

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A Malária na Cidade de Santos

David Coda e Alberto da Silva Ramos - 1947

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I – Histórico

Santos está localizada na ilha de São Vicente ou "Guaiaó", conforme se vê na carta de sesmaria de Pedro de Góis – e que exprime separação pela força, alusiva a ter sido ela separada do continente pela força das águas que a rodeiam [1] – e estende-se pela vasta planície do Enga-guaçu, que significa "pilão grande", segundo Frei Gaspar (in 1), ou "enseada maior", segundo o dr. João Mendes (in 1) ou, ainda, "baía grande, lagamar grande", segundo Teodoro Sampaio (in 1).

Os primeiros habitantes dessa enseada localizaram-se na "Barra Grande", na foz do Rio Bertioga, mais tarde São Jerônimo [1], mas não tiveram influência nenhuma na fundação de Santos.

Braz Cubas, morador na Ilha Pequena, depois do Padre, hoje Barnabé, "concebeu a idéia de fundar um outro porto no lado oposto a Santo Amaro e quase em frente à ilha desse nome, para o que tratou de adquirir parte das terras pertencentes a Pasqual Fernandes e Domingos Pires, na orla oriental do córrego de São Jerônimo, terras cobertas de matas virgens, ainda não habitadas em tempo algum e que compreendiam o outeirinho de Santa Catarina, junto ao qual teve começo a nova povoação, no ano de 1543" (frei Gaspar in 1).

Diz esse autor que "os colonos portugueses, conhecedores dos malefícios próprios dos brejos e dos mangues, buscaram instalar-se, a princípio, nas terras mais altas – as do outeiro de Santa Catarina – logo após nas do morro de São Jerônimo, e que só muito depois, pela época da restauração do Reino, é que ocuparam os terrenos mais baixos, aparecendo, então, a Rua Direita. Quanto ao posterior deslocamento dos habitantes para o lado oriental, além de São Jerônimo, não se pode atribuir também a motivos de natureza higiênica, a que os nossos antepassados não davam grande importância naquela distante quadra e num país dominado por selvagens, cujos ferozes ataques eram mais para temer que os surtos problemáticos das várias enfermidades".

"Se eles tivessem em mira as condições higiênicas na escolha do local, não seguiriam com erro manifesto o rumo do Poente, deixando a povoação abafada entre os morros que a privavam das virações da brisa, indispensáveis principalmente no verão, para mitigar o excessivo ardor da temperatura; e procurariam estendê-la para o lado oposto, onde tivera berço, conforme se veio a proceder acertadamente séculos depois" [1].

Esta é a versão clássica da fundação do povoado do Enga-guaçú. A título de curiosidade, é aqui lembrada outra versão não menos interessante e que parece mais plausível e normal, como processo lento e natural e que certamente soía suceder nas formações dos povoados nos primeiros tempos da colonização. Data venia do seu ilustrado e meticuloso autor  [2], é transcrita a notícia da fundação de Santos.

"Os colonos, sob a orientação de Martim Afonso de Souza, foram se localizando aos poucos, com ferramentas e haveres que trouxeram de Portugal. Pasqual Fernandes e Domingos Pires estabeleceram-se entre o Lagamar de Enga-guaçú e a fonte de Itororó; o jovem escudeiro Braz Cubas ficou no sopé do Morro de São Jerônimo; o fidalgo Luiz de Góis instalou-se no outeiro de Santa Catarina, onde construiu capela e casas; José Adorno e irmãos fixaram-se na base do morro de São Bento, até a praia; e o ferreiro mestre Bartolomeu Fernandes Gonçalves levantou tenda entre as propriedades de Domingues Pires e Luiz de Góis; o piloto Henrique Monte voltou às suas antigas lavouras de Jurubatuba e Ilha Pequena; Pedro Góis construiu o lugar das Neves, em frente ao Valongo, o engenho da Madre de Deus com capela; Jorge Ferreira foi para o Itapema" [2].

"Vindo às Índias em missão real, Martim Afonso de Souza, entre outras providências, incumbiu, no povoado do Enga-guaçú, o jovem escudeiro e amigo Braz Cubas, de recolher impostos e dízimos, de exercer a fiscalização sobre a produção do açúcar nos engenhos, de vigiar o tráfico de escravos indígenas, de coletar as taxas devidas à Fazenda, na qualidade de feitor e diretamente subordinado ao capitão-mor da Capitania, com residência em São Vicente" [2].

Em conseqüência de diversos acontecimentos graves, como o incêndio da Vila de São Vicente por Cosme Fernandes, o "bacharel de Cananéia", e do "terrível maremoto que assolou a vila, destruindo a casa do Conselho, o Pelourinho, muitas moradias e plantações, no ano de 1541, Braz Cubas aventou a idéia de construir um hospital e uma igreja nas proximidades do outeiro de Santa Catarina" [2]. Fundou a "Santa Casa de Misericórdia, sob a designação de Hospital de Todos os Santos e sob a proteção espiritual de Santa Izabel, rainha de Portugal, cuja inauguração ocorreu em 1º de novembro de 1543..." [2].

Tomados na devida ordem cronológica, os fatos apresentados pelo autor [2], vê-se que Braz Cubas não fundou propriamente o povoado do Enga-guaçú, mas nele se fixou como os demais colonizadores, tendo recebido mais tarde das mãos de Martim Afonso de Souza, a necessária autoridade para fiscalizar, cobrar impostos etc., e que, com o decorrer dos tempos, ascendendo na hierarquia funcional da coroa na colônia, e vendo-se à testa da administração do novel povoado, procurou, com tino e esforço, melhorar as suas condições, edificando hospitais e igrejas, no intuito de atrair o maior número de colonos localizados nas terras vizinhas de São Vicente.

Se não foi fundador real, pioneiro dos colonizadores do Enga-guaçú, foi, e isso não resta menor duvida, a primeira autoridade administrativa nela instalada e, pelos seus dotes e relações, contribuiu para o desenvolvimento e transformação rápida do povoado em vila.