O Proletário (1911), órgão da Federação Operária
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Imprensa de Santos, 135 anos de história
I
Um estudo comparativo dos
135 anos da história da imprensa em Santos mostra um fato que, apesar de seu caráter anódino e à primeira vista óbvio, merece alguma reflexão: de
centenas de publicações, apenas A Tribuna, que hoje chega ao seu ano 90, sobreviveu às vicissitudes do tempo,
constituindo-se, atualmente, numa das mais sólidas empresas jornalísticas do País.
Levando-se em conta que, em várias ocasiões, o jornal sofreu as consequências de suas
posições políticas - concorde-se ou não com elas -, é um acontecimento único que se tenha mantido como órgão de informação numa trajetória em que
muitos fracassaram.
Numa análise rápida dos jornais do começo do século
(N. E.: século XX) pode-se encontrar
publicações, como a Gazeta do Povo, o Jornal da Noite, o
Comércio de Santos ou o Diário de Santos, que, em sua época, chegaram a rivalizar
com A Tribuna na disputa pelos leitores e pelo mercado publicitário. Mas, entre todos, apenas A Tribuna
saiu-se vitoriosa e parece condenada a uma vida muito longa, pois, hoje, como nunca, é muito mais difícil a manutenção de um órgão diário de
imprensa.
Em História de Santos, Francisco Martins dos Santos garante que o primeiro
jornal que se fundou em Santos foi a Revista Comercial, cujo número inicial apareceu a 2 de setembro de 1849. Era um
jornal de uma só folha, manuscrito, frente e verso. Seu proprietário foi o alemão Guilherme Delius, brasileiro naturalizado, médico da
Santa Casa, professor do Colégio Alemão e intérprete juramentado da Alfândega.
A Revista comercial teve 24 anos de vida.
Em 1850, surgiu O Nacional, um
semanário político que saía às quintas-feiras sob a direção de Martim Francisco, sobrinho-neto de José Bonifácio, o Patriarca da Independência.
Durou apenas dois anos. No mesmo ano apareceu O Mercantil, de propriedade do português
Francisco Manoel Raposo de Almeida. Foram estes os três primeiros jornais que circularam em Santos no outro século.
II
Depois de A Tribuna, o jornal de maior duração na imprensa santista foi o
Diário de Santos, fundado a 10 de outubro de 1872 por João José Teixeira. Passou por vários donos e teve a sua morte em 1917, numa época em que
o movimento operário agitava a cidade portuária e a efervescência política favorecia o surgimento de vários jornais. Por sua redação passaram nomes
famosos no jornalismo e na literatura, como Vicente de Carvalho, Gastão
Bousquet, Alberto Veiga, Inglês de Souza, Galeão Carvalhal, Ângelo de Souza, Silva Jardim, Júlio Ribeiro e outros.
Quase à mesma época do desaparecimento do Diário de Santos, surgiu a Gazeta
do Povo, do advogado Arthur Cyrillo Freire, vespertino que circulava apenas a partir das 17 horas. Era um diário de orientação liberal, que
tinha o apoio da burguesia intelectualizada da Cidade e notabilizou-se pela defesa dos interesses operários. Durante as greves de 1919 e 1920 na
Companhia Docas de Santos, que levaram ao desemprego mais de 1.700 trabalhadores, a Gazeta do Povo teve papel decisivo em favor dos
operários, sempre denunciando as atitudes atrabiliárias do delegado regional Ibrahim Nobre.
Acusado pelo presidente do Estado, Altino Arantes, de incitar os operários a
"assassinar as autoridades constituídas", Cyrillo Freire foi, certa vez, ao Palácio do Catete
(N. E.: sede da presidência da República, na então capital federal, o Rio de Janeiro) levar a
coleção completa da Gazeta do Povo para provar a improcedência da acusação. Colaboraram na Gazeta do Povo o vereador Heitor de Moraes,
advogado da Sociedade dos Empregados da Companhia City, os escritores Martins Fontes e
Afonso Schmidt e outros nomes famosos.
Por essa época, circulavam ainda em Santos a revista
A Nota, de Alberto de Carvalho, e os diários Commercio de Santos, dirigido por Nilo Costa, e
Jornal da Noite, de propriedade de Mário Amazonas, vespertino que revelou jornalistas como Cleóbulo Amazonas Duarte, Esmeraldo Tarquínio de
Campos, Antônio Sarabando, Olao Rodrigues, Rosinha Mastrangelo e outros.
Mais tarde, surgiram o Diário da
Manhã, com redação e oficinas na Rua do Rosário (atual João Pessoa), esquina com a Rua Braz Cubas;
A Prensa, de Orlando Correa, com redação na Rua Martim Afonso; e a
Praça de Santos, de Rafael Correa de Oliveira, também na Rua do Rosário.
III
Outro jornal de longa existência em Santos foi
O Diário que, fundado em janeiro de 1936, circulou durante 31 anos, com redação e oficinas na Rua do
Comércio, 9 e 11. Pertenceu à cadeia dos Diários Associados e foi matutino de muito prestígio, revelando jornalistas importantes que ainda
hoje atuam na imprensa brasileira.
O Correio da Tarde teve
curta duração, mas uma história trágica: o seu fundador, Ramiro Calheiros, foi assassinado por causa de uma nota publicada em seu jornal. Folha da
Tarde, um vespertino que era composto nas oficinas de A Tribuna, também teve vida efêmera por circunstâncias alheias à sua vontade: ao final da
Revolução de 30, teve as suas instalações destruídas por pessoas contrárias à sua orientação política.
O último jornal de larga duração, além de A Tribuna, que circula em Santos é o
Cidade de Santos, que pertence à organização Folha da Manhã e é editado desde 1967. É homônimo de
outro jornal de grande aceitação que circulou nos primeiros anos do século.
IV
No final do século passado e início deste
(N. E.: portanto, nos séculos XIX e XX),
floresceu em Santos, a exemplo de São Paulo e Rio de Janeiro, a imprensa operária, principalmente a de ideal anarquista
(socialista libertária), que teve profunda influência na vida política dos trabalhadores até 1922, data da fundação do Partido Comunista do Brasil
(atual Partido Comunista Brasileiro), de orientação socialista autoritária.
A maior parte desses jornais pertenceu a entidades operárias, como
O Caixeiro (1890), da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio; o jornal d'O
Operário (1892), porta-voz do Partido Operário; o União dos Operários (1905) e a
Tribuna Operária (1909), da Sociedade Internacional União dos Operários; e A Aurora
Social (1909) e O Proletário (1911), da Federação Operária Local de Santos.
Também surgiram publicações políticas que refletiam a vontade e o pensamento de
alguns militantes operários e intelectuais. A Questão Social, fundado por Carlos Escobar,
Sotter de Araújo e Silvério Fontes, pai do poeta Martins Fontes, em 1889 (N. E.: correto é
1895), é o decano dos órgãos da imprensa socialista do Brasil. Seu objetivo era o de "divulgar
o socialismo e criar cooperativas".
Em pesquisa feita no Arquivo Edgard Leuenroth da Universidade de Campinas para o
trabalho de conclusão de curso da Faculdade de Comunicação de Santos, Paulo Matos localizou o
primeiro número de A Questão Social em que os seus editorialistas definem-se como de tendências reformistas. "Não queremos ser pilhados
pela polícia. Somos antes de tudo boas pessoas. Não saímos às ruas para erguer barricadas. Expomos doutrinas. A revolta, por um golpe de estado, não
daria ao obreiro, saído da escravidão, os hábitos de moralidade necessária ao regime socialista. Não somos revolucionários. Somos reformistas".
V
Revolucionários foram jornais como A Aurora, de
Luiz La Scala e Severino Antunha, iniciadores do anarco-sindicalismo em Santos, segundo a professora Maria Nazareth Ferreira, autora de A
Imprensa Operária no Brasil - 1880/1920, Editora Vozes, 1978. Outra publicação revolucionária é A Aurora Social, fundada por J. Rufino em
1909, também encontrada no Arquivo Edgard Leuenroth.
Num exemplar de 8 de junho de 1910, A Aurora Social refere-se à "greve dos 22
dias em 1908 para arrancar deste abutre que se chama Docas de Santos a jornada de oito horas". Porta-voz da Federação Operária Local de Santos, que
reunia os sindicatos dos pedreiros, pintores, carpinteiros, funileiros, carregadores de café e tecelões, este jornal era decididamente anticlerical.
Luiz La Scala, em artigo assinado, diz que "o Estado é sempre inimigo do povo" e que "a religião representa uma pilastra do sustentáculo do regime
de exploração".
Em trabalho de mestrado em História - Os Trabalhadores do Porto de Santos -
1889/1910 -, sob a orientação do professor Boris Fausto, da Universidade de Campinas, Maria Lúcia Caira Gitahy faz referência ao jornal
A Vanguarda, fundado em 1908 por Fernando de Magalhães, que comprara as
oficinas do antigo jornal Cidade de Santos. Para dirigi-lo, Magalhães convidou o intelectual anarquista Benjamin Mota, que já havia
participado do jornal paulista A Lanterna, em 1901, em companhia de Edgard Leuenroth.
Segundo Maria Lúcia Gitahy, A Vanguarda não pode ser citado como um jornal
operário, "Mas traz as marcas anarquistas de seu diretor". A pesquisadora diz ainda que A Vanguarda defendia a moral anarquista segundo a
qual "o crime dos pobres é a miséria social". Por isso,no noticiário policial, o jornal sempre preferia lembrar a condição de explorado e miserável
do operário, ao contrário da imprensa burguesa.
Maria Lúcia Gitahy cita também o jornal Tribuna Operária, órgão da Sociedade
Internacional União dos Operários, surgido em 1909, sob a direção de Primitivo José Soares. De orientação anarquista e anticlerical, esse jornal
acusa a Companhia Docas de Santos de "fábrica de morticínios e desastres", além de chamar de "bandidos" os capitalistas de Santos que,
"aterrorizados com o movimento operário, compraram a polícia e a imprensa para invadir a sede do Internacional".
Outro jornal apontado por Maria Lúcia Gitahy "como muito importante para acompanhar a
reorganização do movimento operário em 1910/1911, sob a orientação dos anarco-sindicalistas", é O Proletário, que
reproduz artigos de Pedro Kropotkin, Errico Malatesta, Pierre Joseph Proudhon, ideólogos do anarquismo mundial, e de militantes santistas que
geralmente assinavam sob pseudônimos.
Em pesquisa feita por Maria Nazareth Ferreira há ainda referência a outros jornais
operários editados em Santos: A Revolta (1911) e A Rebelião (1914), de Florentino de Carvalho (pseudônimo
de Primitivo José Soares); Dor Humana (1911), de João Perdigão Gutierrez, militante espanhol procedente das Ilhas Canárias; e A Razão
(1919), de Francisco Sá.
Por fim, John W. Foster Dulles, em Anarquistas e Comunistas no Brasil (Nova
Fronteira, 1977), cita O Combate, jornal de Santos que, ao final de 1920, sugeriu que as explosões de várias bombas de dinamite eram
"invenções da polícia para justificar o duro tratamento dispensado aos grevistas" da Companhia Docas e da Companhia City. |