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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - PERSONAGENS
Tipos curiosos (12)

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Com seu carrinho de supermercado, lotado com uma parafernália de som, vivia da publicidade que fazia, nas ruas santistas, das lojas que o contratavam. Numa época em que os votos de protesto, nas eleições em outras cidades, eram dados a personagens folclóricos, como os animais do zoológico do Rio de Janeiro e de São Paulo, ele foi convencido a se candidatar por um partido e assim captou a grande votação que teve, elegendo-se vereador. Para isso contribuiu também todo o folclore criado em torno de sua figura, ou por ele mesmo, quando entrevistava autoridades usando um falso microfone de lata. Também ajudou nessa votação maciça o desejo das pessoas de ajudá-lo, permitindo que tivesse uma renda e uma forma de aposentadoria. Seu falecimento foi registrado em matéria do jornal santista A Tribuna em 7 de novembro de 2006, nas versões impressa e eletrônica:

Ex-vereador João Vicente, o Zé Macaco, morre aos 73 anos

O ex-vereador João Vicente Saldanha da Cunha, conhecido como Zé Macaco, morreu sábado, aos 73 anos. O sepultamento ocorreu no domingo, no Cemitério de São Vicente. A causa da morte não foi divulgada. Figura folclórica, Zé Macaco foi o segundo vereador mais votado na história de Santos.


FIGURA folclórica em Santos
Foto: Walter Mello, publicada com a matéria

LUTO
Terça-feira, 7 de Novembro de 2006, 08:19
Morre o folclórico Zé Macaco

João Vicente Saldanha da cunha era baiano de nascimento e vivia em Santos desde os 15 anos de idade. Em novembro de 1988, concorreu a uma cadeira na Câmara e se elegeu com a 2ª maior votação na história de Santos

Da Reportagem

Morreu no último sábado, aos 73 anos, o ex-vereador João Vicente Saldanha da Cunha, o famoso Zé Macaco - o segundo mais votado na história da Cidade. O sepultamento ocorreu no domingo, no Cemitério de São Vicente. A causa da morte não foi divulgada.

Aposentado por invalidez, Zé Macaco vinha morando com um de seus filhos, Marcos. Em virtude de sua morte, o presidente da Câmara, Paulo Gomes Barbosa, cancelou a sessão que ocorreria ontem.

Figura folclórica, Zé Macaco era baiano de nascimento e, aos 15 anos, mudou-se para Santos. Na Cidade, ganhou notoriedade ao fazer entrevistas em campos de futebol e com políticos como os presidentes Jânio Quadros, Juscelino Kubitschek e Emílio Garrastazu Médici, além dos governadores Franco Montoro e Paulo Maluf.

Na verdade, Zé Macaco nunca foi um repórter. Utilizava em suas "entrevistas" uma lata de azeite pintada e adaptada com uma antena de carro e uma lâmpada vermelha, imitando um gravador. Apenas poucos entrevistados descobriram o "esquema".

Montado em seu triciclo equipado com gravador, amplificador, alto-falantes, bandeiras e espelhos, o ex-vereador foi ganhando fama também ao percorrer as ruas da Cidade, fazendo propagandas nas portas das lojas. Para promover os comerciantes, Zé Macaco utilizava outros artifícios: usava perna-de-pau, engolia vidros e moedas - que depois fazia voltar.

Em 1986, ele, sua mulher Filomena e os filhos foram expulsos do porão onde moravam. A história comoveu a Cidade. Diante da pressão popular, o então prefeito Oswaldo Justo resolveu admiti-lo como funcionário da Secretaria de Cultura. Montado em seu triciclo, Zé Macaco divulgava as promoções culturais da Prefeitura.

Antes, trabalhou também como "coringa" de uma loja especializada em cobranças. Vestido com uma fantasia verde e vermelha, cheia de guizos, ia para a porta dos devedores com um sino na mão e ali permanecia, até que a dívida fosse paga.

Vereança - Eleito pelo PDS em novembro de 1988, Zé Macaco foi o segundo vereador mais votado da história de Santos, alcançando 10.913 sufrágios. Perdeu apenas para José Gonçalves, eleito com 11.822 votos em 1976. Com pouca instrução, o ex-vereador foi desacreditado pelos políticos de carreira, já que personificou o chamado voto de protesto.

"Me elegi graças à Maçonaria e aos estivadores. Fiz uma campanha praticamente sem dinheiro. Uma papelaria me fazia os santinhos que eu distribuía em todos os lugares", disse ele em entrevista a A Tribuna, em 22 de julho de 2000.

A votação expressiva, no entanto, lhe conferiu o direito de presidir a sessão histórica de posse da prefeita Telma de Souza e dos demais vereadores eleitos, realizada dia 1º de janeiro de 1989 na Sala Princesa Isabel.

Depois de um mandato conturbado, repleto de licenças médicas em razão de uma artrite nos joelhos, Zé Macaco, já no PDC, comunicou sua renúncia ao cargo em setembro de 1992. Ele deixou a vereança após ter seu pedido de aposentadoria por invalidez deferido pela Carteira de Vereadores do Instituto da Previdência do Estado (Ipesp).

Até 2003, Zé Macaco ainda podia ser encontrado nas ruas do Centro de Santos, fazendo aquilo que lhe rendeu a fama: as famosas propagandas nas portas das lojas.

Sessão - Na sessão de ontem, a Câmara iria apreciar, em primeira discussão, os projetos do Executivo relativos ao orçamento municipal e ao plano plurianual. Em função da relevância das matérias, o presidente da Casa convocou uma sessão extraordinária para amanhã, às 18 horas.


Após se aposentar como vereador, Zé Macaco voltou às ruas com equipamentos de propaganda
Foto: Nirley Sena, em 4/2/2003, publicada com a matéria

A matéria publicada em 22 de julho de 2000 no jornal A Tribuna:

Sábado, 22 de Julho de 2000, 07:04
Zé Macaco volta às ruas para fazer campanha

Luigi Di Vaio
Da Reportagem

João Vicente Saldanha da Cunha não passa despercebido pelas ruas de Santos. Às vezes, fica um tempo sem aparecer. Agora, ele - o famoso Zé Macaco - voltou a desfilar com seu triciclo, de onde sai um som extremamente alto fazendo propaganda. Há cerca de uma semana, aos 66 anos, está empenhado na campanha para reeleger um vereador.

Zé Macaco foi o segundo vereador mais votado na história de Santos: chegando à marca de 10.913 votos, só perdendo para José Gonçalves, que obteve 11.822 votos.

Nascido em Vitória da Bahia e desde os 15 anos em Santos, Zé Macaco foi quem melhor personificou o político do chamado voto de protesto. Com pouca instrução, ganhou notoriedade fazendo entrevistas, quase todas em campos de futebol. 
Na verdade, este era seu hobby: ele não era repórter, usava uma lata de alumínio adaptada. Só poucos entrevistados descobriram este esquema. Segundo ele, nem o presidente dos Estados Unidos, Dwight David Eisenhower, escapou. "Pensou que se tratava de uma entrevista".

Zé Macaco foi ganhando fama fazendo propaganda na porta de lojas, mas não se limitava à forma tradicional de chamar a atenção. Usava perna-de-pau, engolia vidros e moedas e depois os fazia voltar. Durante a entrevista a A Tribuna, deu uma demonstração destas, engolindo uma moeda de R$ 0,10 e fazendo-a reaparecer, momentos depois, ao ficar de ponta-cabeça.

Engraçadas são suas histórias de quando trabalhava como cobrador da agência Coringa. "Ia com uma turma, fazendo barulho, até a casa do devedor fazer a cobrança". Numa destas visitas, um português recebeu a turma à bala. "Ele saiu correndo atrás da gente com uma espingarda", recorda, entre gargalhadas, Zé Macaco.

No cemitério - Conhecido em toda a Cidade, foi inevitável o convite para se candidatar a vereador. "Me elegi graças à ajuda que tive da Maçonaria e dos estivadores. Fiz uma campanha praticamente sem dinheiro. Uma papelaria me fazia os santinhos que eu distribuía em todos os lugares".

Zé Macaco lembra que colava os santinhos até nas campas do cemitérios - proibido por lei. "Colei até na campa da Maria Féa (mulher assassinada, que teve o corpo fatiado e colocado em uma mala). O número da campa era o mesmo da minha candidatura: 11.624. Eu a considero minha protetora".

Zé Macaco dá respostas vagas quando é perguntado sobre seus projetos no Legislativo santista. Prefere recordar, com riqueza de detalhes, outros fatos marcantes, como a viagem que fez com um grupo de vereadores a Brasília.

Seu colega de Câmara, o ex-vereador Roberto Bonavides, quis aprontar com ele: ligou, de madrugada, para o quarto de Zé Macaco avisando que estava na hora do vôo para São Paulo. Com medo de perder o avião e ficar sozinho em Brasília, saiu correndo do hotel apenas de cueca.

Foi também em outro cemitério que viveu um fato inusitado. Tentou retirar o corpo de sua esposa, já enterrado, quando soube de sua morte. Filomena, sua mulher, morreu em um acidente de carro, quando eles saíam de um baile no Mingo Show Danças. Foi neste acidente que teve de se aposentar da Câmara por invalidez, pois ficou com artrose na perna esquerda.

Mesmo considerado inapto para o trabalho, Zé Macaco não deixa de freqüentar bailes da terceira idade, onde divide os passos com uma amiga japonesa de 84 anos. Ele também pode ser visto em apresentações na Concha Acústica, onde dança forró e samba. "Em dia de baile passo parafina na sola do sapato e tomo cachaça com pólvora".

Loucura - O fato de ser considerado maluco por alguns - à primeira vista parece ser apenas uma pessoa muito extrovertida, de bem com a vida - Zé Macaco afirma que nunca usou drogas para mudar seu estado de espírito. Sua loucura pelo menos não foi constatada pelos médicos dos vários manicômios que passou, onde, segundo ele, tomou inúmeros choques no corpo.

Ele conta que sua única experiência com entorpecente foi acidental. "Jogaram maconha na minha bicicleta e eu nem sabia o que era aquele negócio. Minha esposa pensou que fosse erva comum e fez um chá. Ficou todo mundo doidão lá em casa".

Quando a eleição passar, Zé Macaco continuará aceitando convites para fazer propaganda em lojas. Talvez continuando a inovar nos métodos de chamar atenção. O porquê desse comportamento, que pretende seguir até morrer, é singelo: "Não quero ser esquecido pelo povo".

Mensagem distribuída via correio eletrônico pela assessoria do vereador Ademir Pestana, no dia 7 de novembro de 2006:

A Santos do Zé Macaco

Ademir Pestana (*)

Em tempos de pensamento "politicamente correto" de hoje, a muitos poderiam parecer ofensivo ou desairoso - ou mesmo discriminatório - o apelido. Mas era esse e sempre foi esse lá pelas bandas do Campo Grande e da Vila Belmiro, lugares por onde andava e freqüentava este personagem que se tornou célebre e que acaba de partir em viagem eterna em 4 de novembro. Deixa o filho Marcos.

Era baiano e criativo João Vicente da Cunha, o conhecido "Zé Macaco" de um tempo em que o apelido não era senão uma referência específica a tantos "zés", um qualquer que este não era. No início dos anos 60 freqüentava a Vila mais famosa do mundo, a Vila Belmiro, onde morava então o maior time do planeta, que desde 1955 abocanhava a maioria dos títulos que disputava no Estado, no Brasil e no mundo - após o jejum de vinte anos.

Nascido em Vitória na Bahia, tinha 73 anos quando foi embora. Veio para Santos menino, com quinze anos, eleito vereador com uma avalanche de votos, quase onze mil, uma das maiores votações de um vereador da cidade. Só superado por Zé Gonçalves, entre nós com 92 anos, ele que teve quase doze mil votos. Em números relativos, com três vezes o quociente, está o líder operário Leonardo Roitman, herói das lutas do cais.

Zé chegou e logo se faria notável na luta pela concretização de seu sonho de ser radialista e "public-relations", autodidata em marketing. Eleito em 1989 junto com Telma prefeita e Beto Mansur vereador, teve mais trabalhos do que este na Legislatura. Renunciou ao cargo na Câmara em 24 de setembro de 1992.

Com uma lata de azeite decorada com luzinhas e antenas, este nosso Zé percorria o estádio de Urbano Caldeira lotado falando em uma velocidade próxima aos narradores de turfe, nada ficando a dever aos "colegas" das outras rádios na expressão da palavra, na ciência que conhecia. Entrevistou muitos jogadores e políticos (como o Presidente da República Jânio Quadros) que levavam a sério sua latinha de azeite que não transmitia para lugar nenhum, em tempos que nenhuma rádio usufruia deste gênio da comunicação sequer para alguns intervalos de humor. Palhaço autônomo, perna-de-pau, engolidor de vidros e moedas, showman, Zé era um artista de rua.

Era o tempo do Ricardinho, menino-adulto especial que um atropelamento levou recentemente, cuja atração era aproximar-se dos garbosos Guardas-civis - corporação de elegantes botões e espadas douradas, substituida depois pela Polícia Militar - e beijá-los de surpresa, aos risos do público entusiasmado pelo futebol-arte de Pelé, Coutinho, Pepe, Dorval, Mengálvio, a meta fechada por Gilmar. No comando da equipe, Zito era assessorado por Calvet, na segurança de Mauro, Geraldino, do lateral cobrador de pênaltis Dalmo. Eram tempos de ouro da Santos dos prefeitos Silvio Fernandes Lopes, Santos que elegeria La Scala e empossaria Zé Gomes após a tragédia, até sua cassação pela Ditadura e a vinda dos interventores...

Era o tempo também do campeão de motociclismo Bezzi com sua potente cinquenta cilindradas, do Dudu e seus escândalos, do pugilista Zé Vicente, do "Atualidades Santistas" de Daniel Fernandes que passava nos cinemas, antes dos filmes e do noticiário de futebol de Carlos Niemayer em câmara lenta, mostrando a mágica do jogador brasileiro. Era tempo de Maurice e de suas sessões de cinema, era tempo do teatro ativo, era tempo do Clube de Arte...

O nosso Otávio Barbosa, aos 92 anos, almoçou com ele no Restaurante Popular, na comemoração recente de um ano do daquela instituição - junto com o prefeito Papa e equipe. Já não era o mesmo, amparado e triste, fruto dos anos em que animou a cidade com seu carrinho de propaganda ruidoso que resultou na sua eleição consagradora para apenas um mandato. Viu sua esposa e companheira ser vítima de atropelamento quando corria atrás desse personagem único que só Santos e a Bahia poderiam produzir. Boa viagem, companheiro Zé!

(*) Ademir Pestana é vereador em Santos.

Em um grupo de debates ([Ágora]) por correio eletrônico, o internauta Paulo Prol Medeiros comentou, no mesmo dia: "Ele foi faxineiro do Juventud Española que funcionava ali na Sen. Feijó com a Júlio de Mesquita, onde mais tarde funcionou um forró. Meu pai era sócio e foi presidente deste clube, lembro-me do Zé Macaco daquela época, eu ainda criança. Figura folclórica. Na minha memória ficou uma cena longínqua que eu e o Zé Macaco ficamos da janela do clube vendo o Agora Vai
desfilar pela Senador Feijó...."

O folclórico personagem também foi destacado na revista eletrônica Caça-Histórias, produzida pelos alunos de Jornalismo da Universidade Santa Cecília  (consulta em 28/1/2011):

quarta-feira, 26 de novembro de 2008
Memória . Parte1

ZÉ MACACO

O folclórico homem de 10.913 votos

Por Lincoln Chaves

João Vicente Saldanha da Cunha tinha todos os requisitos da lei para concorrer a uma vaga na Câmara de Santos. Ele se tornou muito popular nas ruas do Centro, que percorria em uma bicicleta fazendo propaganda de lojas em alto e bom som. Era mais conhecido como Zé Macaco. Candidatou-se em 1988 pelo extinto Partido Democrático Social (PDS) e conseguiu 10.913 votos, tornando-se o segundo vereador mais votado da história política de Santos.

Foi na esquina das ruas Visconde de Faria e Vicente de Carvalho, no bairro Campo Grande, onde, no dia 31 de dezembro de 1934, nasceu João Vicente Saldanha da Cunha. Com o passar dos anos, o João ganhou o apelido de Zé Macaco, por causa da astúcia para subir no jambolão que ficava no jardim de sua casa. "Ele tinha uma agilidade assombrosa. Parecia mesmo a de um macaco", relembra o amigo de infância e vizinho, Manuel dos Santos, o Maneco, hoje com 66 anos.

Não era apenas em suas escaladas em árvores que Zé Macaco se destacava. Era também um exímio caminhante, a lembrar aqueles recordistas mundiais nos 100 metros rasos. "As do João eram enormes! A gente se despedia e ia andando para casa. Eu morava antes dele, mas mesmo assim, ele chegava na frente. Era fácil! Era só esticar aquelas pernas enormes dele que ele voava pela rua", conta Maneco.

Suas pernas o levavam sempre aos campos de futebol, como a Vila Belmiro, templo de Coutinho, Pelé e Pepe. Ia ao campo do time campeão do mundo para "entrevistar" os craques da época.

Conseguia entrar no gramado levando um "gravador portátil", feito à base de uma lata de azeite pintada de preto, adicionada a uma caixa de Mate Leão e uma antena de rádio quebrada. O impressionante era que, por muito tempo, ninguém desconfiava da malandragem da figura. E mesmo após descobrirem a tática, a maioria seguia dando "entrevistas" a ele.

Consta que presidentes como Jânio Quadros, Juscelino Kubitschek e estrangeiros como o português Craveiro Lopes caíram na rádio-lata do Zé. Em reportagem publicada no jornal A Tribuna, em 22 de julho de 2000, o próprio Zé Macaco disse que até o presidente dos Estados Unidos, Dwigth Einsenhower, em 1960, foi sua "vítima".

Sua habilidade no comando do "microfone" tinha razão de ser. Zé Macaco era aficionado em expor sua voz e tê-la divulgada aos quatro ventos. "Ele era simplesmente maluco por um microfone. Era sua loucura", afirma Maneco. Até por isso, teve oportunidades de trabalho na Rádio Cultura, então situada na esquina da Rua Sete de Setembro com a Avenida Conselheiro Nébias. E seria por meio dos microfones e perambulando pelas ruas do Centro de Santos, que ele deixaria de ser só um João ou um . Foi quando o resto da cidade passou a não apenas ouvir falar, mas conhecer quem era Zé Macaco.

Por ser extrovertido, atraia com facilidade a atenção do público que freqüentava o Centro. "Ele era cobrador da Agência Coringa. Vestia-se de vermelho e ia, com toda sua parafernália de voz, cobrar dívidas. Para chamar a atenção e certificar-se do recebimento, berrava com o auxílio de seu microfone: 'Aqui mora um mau pagador!'. É claro que o cara pagava na hora", recorda o amigo Maneco.

Maneco, além de amigo, é um defensor ferrenho e fã de Zé Macaco. Para qualificá-lo, rechaça o adjetivo "louco", e prefere o termo "de lua", avoado. A todo instante, faz questão de reforçar o quão inteligente e trabalhador era Zé Macaco. "Ele sabia das coisas. Afinal, de que maneira conseguiria bolar todo o equipamento com o qual ia para as ruas? E como conseguiria enganar por tanto tempo com aquele rádio-lata?".

A idéia de um cobrador maluco poderia deixar qualquer um com raiva. Mas com , era diferente, diz Maneco. Todos o conheciam e ganhou a simpatia dos freqüentadores do Centro. "Foi nessa época que ele entrou de vez para o folclore santista. Quem, aqui na Cidade, nunca ouviu falar do Zé Macaco?".

Um exemplo desse carinho ocorreu em 1986, quando foi expulso do porão onde morava com dona Filomena, a mulher que conheceu ainda quando cobrador. Revoltado com a medida, o povo se mobilizou para que, como "pedido de desculpas", Zé Macaco conseguisse um cargo na Prefeitura. O prefeito Oswaldo Justo acatou a pressão e premiou com um cargo na Secretaria de Cultura. Segundo o jornal A Tribuna, Zé Macaco passaria a percorrer a Cidade novamente, agora montado em um triciclo, divulgando atividades da Prefeitura.

Seu estilo próprio era um cartão de visitas. O amigo Maneco afirma que não era limitado, por ser "de lua" não podia beber e, para se "comportar", precisava de remédios. "Ele era um cara muito bom de marketing, e por isso era tão requisitado no Centro. Sabia como chamar a atenção. Soube lucrar bem com essa imagem", analisa o jornalista Reynaldo Salgado que foi repórter especial de A Tribuna, na Câmara de Santos, no momento que mais marcou a passagem de João Vicente Saldanha da Cunha pela cidade.

VEREANÇA

O ano de 1988 marcava a segunda eleição municipal por meio do voto direto após Santos retomar a autonomia política, retirada durante o governo militar. Após uma disputa apertada, a petista Telma de Souza superou Joaquim Carlos Del Bosco Amaral (PMDB), tornando-se a primeira mulher a comandar Santos.

Mas a campanha que chamaria atenção era para a vereança. No santinho do candidato cujo número era o 11.624, os dizeres: "Já que os homens não resolvem, por que não votar nele?" evidenciavam de quem aquele folheto se tratava. Zé Macaco, assumia como candidato a vereador.

A idéia da candidatura não foi dele. Foi fruto de uma jogada político-partidária pensada por políticos experientes, conscientes de que se utilizando sua popularidade, poderiam conseguir vagas para seu partido na Câmara Municipal pelo coeficiente eleitoral. Na lista de políticos que apoiaram a candidatura de Zé Macaco, estavam João Carlos Vieira e Gilberto Tayfour, o ex-prefeito Paulo Gomes Barbosa e o coronel Erasmo Dias.

Mas como bancar uma disputa eleitoral, humilde como Zé Macaco era, mesmo com sua popularidade? Surgiu o apoio de amigos estivadores, que, como lembra o então também candidato Maneco, "lutaram com todas as forças para colocá-lo na Câmara". Os comerciantes do Centro também se uniram em seu favor, sendo responsáveis pela confecção de seu material de campanha.

A união, no entanto, não ocorreu por simples amizade. "Eles queriam avacalhar com a Câmara, acabando com a imagem até boa que ela tinha frente à Cidade. No primeiro momento, não isso não estava claro, até porque não se sabia quem de fato o apoiava, mas isso mudou no dia da eleição, quando, fazendo boca-de-urna, estavam figuras influentes de Santos", diz o jornalista Reynaldo Salgado.

As evidências desse apoio extra deram resultado positivo: Zé Macaco estava eleito. Os 10.913 santistas que apostaram nele, o tornaram o vereador mais votado daquele pleito e o segundo da história santista, atrás apenas do ex-portuário José Gonçalves, que em 1976 somou 11.822 votos. Eufórico, Zé Macaco comemorou bem ao seu estilo: com um estardalhaço pelas ruas do Centro, acenando de um jipe para as pessoas nas janelas, agradecendo o voto.

A votação de Zé Macaco atingiu o que o PDS esperava, que era ajudar a conduzir outros vereadores à Câmara. Além de Zé, também assumiram pelo partido Odair Viegas, Matsutaro Uehara e Gilberto Tayfour. O total de votos obtidos pelos três não chegou a 56% do que ele conseguiu sozinho.

VOTO DE PROTESTO

O número de eleitores que votaram em Zé Macaco refletia uma tendência da época, o voto de protesto. Era usado de duas maneiras: o voto nulo ou aquele concedido a um personagem, como maneira de protestar contra o sistema. Zé Macaco se encaixava no segundo tipo. Dentro disso, o jornalista Francisco La Scala Júnior pondera: "De vez em quando, não há uma real necessidade para se protestar contra algo. Em tese, a escolha do Zé Macaco é um caso mais de gozação do que real protesto".

O professor de Marketing Político, Sérgio Motti Trombelli e a professora de Instituições Políticas, Kátia Locatelli, crêem na imaturidade política do eleitor santista na época. "Tínhamos acabado de retornar à democracia, e pode-se dizer que o eleitorado brasileiro ainda vivia um processo de amadurecimento. Isso, certamente, foi preponderante para que Zé Macaco fosse eleito, mesmo sabendo que nada poderia fazer de bom na Câmara", explica Kátia.

A professora, que também é advogada, reforça a questão do protesto. "Apesar de imatura, pode-se analisar que o eleitor, com a escolha do , mandou um recado aos políticos: de que é o povo, de fato, que tem o poder, e não o Governo. O povo pode colocar quem ele quiser no poder. Até mesmo o Zé Macaco".

NA CÂMARA

Após o pleito, a expectativa de como seria o mandato de Zé Macaco era grande, mas as previsões dos jornalistas que cobriam Política em Santos, no entanto, não eram muito esperançosas. "Não esperávamos muito, sabíamos que ele não teria uma passagem muito marcante pela Câmara", assume Reynaldo Salgado.

Mas Zé Macaco queria provar o contrário, já em seu primeiro dia de serviço, em 1º de janeiro de 1989. Aos 54 anos, como o vereador mais votado da eleição, por tradição, teria a honra de presidir a sessão da Câmara, na qual daria posse a prefeita eleita Telma de Souza. Para isso, treinou bem sua fala e, abusando de sua habilidade no controle de um microfone, surpreendeu os presentes com um discurso firme e claro. O fato de ter sido o candidato mais votado da Câmara, no entanto, não foi preponderante para que assumisse o posto de presidente, cargo que, aliás, nem o próprio Zé Macaco tinha muito interesse. Tanto que, na sessão para escolha do presidente, votou em seu amigo Roberto Bonavides, eleito para o posto.

Teria Zé Macaco fugido da raia? Maneco acredita que seu amigo tinha consciência de que se tratava de um cargo que ele não poderia exercer. Salgado relembra que "Zé Macaco não conseguiu ser, no tempo que esteve na Câmara, o homem comunicativo de antes. Sempre que havia um debate, ele passava a bola para outro político, até de maneira polida". Esperava-se que Zé Macaco propusesse alguns projetos, ainda que malucos. Não foi o que ocorreu. "O máximo que ele fez foi apresentar requerimentos de coisas pequenas, como o reparo de bueiros ou buracos. Projeto, não houve nenhum", diz Salgado.

Foram necessários quase dois anos para que, em 9 de outubro de 1990, Zé Macaco conseguisse colocar um de seus projetos em vigor. Na ocasião, fez com que o ex-ponta esquerda do Santos, José Macia, o Pepe, recebesse o título de cidadão santista. A aceitação se deu após uma boa conversa com Maneco, que, então, passava a ser seu assessor na Câmara. Formado em Relações Públicas, Maneco entrava na vida política de Zé Macaco após um início difícil de seu amigo na vereança. "Com sua vitória esmagadora, vieram alguns 'amigos' para auxiliá-lo na Câmara. Mas foram eles que, até para não serem atrapalhados por possíveis empecilhos que pudessem acordar o ingênuo João, afastaram-no de amigos e familiares. Quando assumi como assessor, a primeira atitude que tive foi chamar a família e os amigos de volta para a vida dele".

Maneco discorda da idéia de que a passagem de Zé Macaco na Câmara foi pouco ou nada ativa. "Ele participou de comissões e soube como se portar corretamente no ambiente. Tanto que, depois que ele saiu da Câmara, só pensava em andar de terno e gravata pela rua. Além disso, foi ele quem indicou à prefeita Telma um projeto para criação de um vale-refeição gratuito para quem trabalhava 30 horas semanais". O projeto chegou a ser sancionado em março de 1992, mas foi revogado anos depois.

Zé Macaco, seu microfone e seu carrinho

Fotos: reproduções de matérias publicadas no jornal santista A Tribuna

quarta-feira, 26 de novembro de 2008
Memória . Parte2


SAÍDA DE CENA INICIA MOMENTOS TRISTES

Por Lincoln Chaves

As eleições de 1992 se aproximavam. Será que Zé Macaco se candidataria novamente? As chances dele eram remotas, visto seu desempenho quase nulo na Câmara. Então, Maneco e seu irmão Nenê deram início ao pedido de aposentadoria de João Vicente. Era uma saída para que obtivesse uma fonte de renda com o término de seu mandato e o fim da carreira política.

A desculpa para a aposentadoria era um problema na rótula de seu joelho direito, atingida pela artrose. "Para subir escadas ele necessitava se apoiar em alguém ou no corrimão. Não conseguia mais caminhar sozinho", recorda Maneco.

Depois de idas e vindas de São Paulo, onde realizou vários exames, veio a constatação médica de que Zé Macaco não mais tinha condições de trabalhar. Em setembro de 1992 foi licenciado do cargo de vereador, obtendo a aposentadoria após três anos e nove meses de trabalho na Câmara. Ainda assim, até o dia 31 de dezembro daquele ano, João Vicente estaria representado. Quando Mauro Fernando Zannin assumiu em seu lugar, Filomena, mulher de Zé Macaco, foi nomeada a assessora do novo vereador.

Filomena seria o personagem principal do momento mais triste da vida de João Vicente, em janeiro de 1993. Na ocasião, e Filomena tiveram forte discussão durante um baile na danceteria Mingo Show, na Rua Júlio de Mesquita, onde ele se apresentava como exímio dançarino. O motivo: uma japonesa com quem Zé Macaco dançara.

Irada, Filomena brigou com o marido, saindo irritada do bar. Na esquina da rua com a Avenida Senador Feijó, veio o desastre: um carro acabou atingindo a mulher de Zé Macaco. Mesmo com o problema no joelho, ele correu e se atirou para tentar salvar a esposa. "Ver a dona Filomena ali, deitada, imóvel, e o daquele jeito, depois do fato, foi desolador", recorda Maneco, com os olhos começando a marejar.

Dali em diante, Zé Macaco tentou se recuperar. Aos 60 anos, voltou a fazer aquilo que o projetou na Cidade: suas propagandas para lojas no Centro. Novamente montado em uma bicicleta e com seu alto-falante, João procurava seguir com sua vida, e, como declarou em entrevista para A Tribuna, não queria ser esquecido pelos santistas.

No dia 4 de novembro de 2006, aos 73 anos, Zé Macaco veio a falecer. A causa da morte não foi divulgada, mas sabe-se que seu corpo foi sepultado no Cemitério de São Vicente. Ele foi lembrado na Câmara, quando o então presidente Paulo Gomes Barbosa cancelou a sessão do dia 6, em razão de seu falecimento, e também por amigos e por políticos como o vereador Ademir Pestana, que, em artigo divulgado por e-mail, despediu-se: "Boa viagem, companheiro ".

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