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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SEU BAIRRO/mapa
Campo Grande discute o progresso (1)

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Publicado em 13/5/1982 no jornal A Tribuna de Santos

 Leda Mondin (texto) e equipe de A Tribuna (fotos)

Campo Grande, quem diria? De campo grande que era, transformou-se em um dos bairros mais populosos de Santos. São quase 30 mil moradores que testemunham a derrubada de centenários chalés para dar lugar a prédios luxuosos, no melhor estilo zona nobre. O comércio vibra com a chegada de mais gente, muitos acham que o bairro vive um surto de progresso.

Mas, a qualidade de vida é a mesma? Os moradores antigos, quando tentam fazer essa avaliação, recordam os tempos em que as ruas eram prolongamentos dos enormes quintais. Correria? Muito pelo contrário, basta saber que, há 40 anos, passava um carro de meia em meia hora pela Avenida Bernardino de Campos, quando não demorava mais.

As crianças vendiam rãs para conseguir alguns trocados e sempre encontravam um jeito de enganar o cobrador do bonde 17 e sair sem pagar. Quantas vezes não pularam do bonde andando?

O Campo Grande de hoje já não tem quadrilhas e campos de várzea, mas, em compensação, continua sendo o reduto do rei dos reis momos, Waldemar Esteves da Cunha. Não tem praças, pobre bairro, mas é lá, num barzinho, que chorões e seresteiros se reúnem e fazem um som para ninguém botar defeito. Problemas existem, mas os moradores descobriram a importância da união para resolvê-los e estão criando uma sociedade de melhoramentos. Querem dar vez e voz ao bairro.


Antigos chalés estão sendo substituídos por edifícios luxuosos

-Pega! Segura, segura esse monstro! Lá se vão as minhas batatas, tão bonitas!

"Seu" Germano, dono do armazém existente na Bernardino de Campos com Carvalho de Mendonça, não esperava por aquela. O elefante do circo instalado bem em frente, onde é hoje a Panificadora Ponto Chic, fugiu e não contou tempo: foi direto para o saco de batatas exposto bem na porta, e passou a devorar uma por uma.

Satisfeito, o animal até babava e nem ligava para as cacetadas que "seu" Germano dava, com uma barra de ferro. A essa altura, a molecada assistia a cena com os olhos brilhantes, torcendo para o elefante e não para o português desesperado, que já não sabia se enxotava o animal ou a criançada.

Quem assistiu a cena, ocorrida no Campo Grande de 40 anos atrás, não esquece. É rindo muito que Manoel Coelho, nascido e criado no bairro, 52 anos, recorda o fato. Ele não sabe o ano exato que isso aconteceu: apenas que era moleque - daqueles bem moleque mesmo - e que os circos que vinham para Santos ocupavam o amplo espaço livre, na esquina da Bernardino de Campos com Carvalho de Mendonça. Só mais tarde é que os circos começaram a dividir a mesma área onde se instalavam os parques, na Carvalho de Mendonça, perto da Augusto Paulino.

Vilma Duarte, Liendo e Suplício, Irmãos Querelo e Guaraciaba, do Pirulito, eram os circos prediletos. E quem não se lembra do Parque do Emílio? A garotada não saía de perto, gostava de ver os domadores tratando os animais, olhava os brinquedos parados, e se imaginava neles, procurava um jeitinho para assistir espetáculos ou brincar no parque de graça.

Os pais não davam dinheiro em mão de criança, não havia mesada no final do mês. Quem quisesse, se virasse. Uma das formas de arranjar uns bons trocados era pegar rã e vender para os restaurantes e pensões da praia. José Rolan Barreiro e Joaquim Fernandes Sotelo relembram como era fácil: entravam no brejo, à noite, com uma lanterna, e lançavam a luz em direção às rãs, que ficavam imobilizadas. Bastava meter a mão no lodo para trazer duas ou três. Assim mesmo, direto com a mão.

As lembranças são sempre acompanhadas de sorrisos e ar de satisfação. "Isso era uma maravilha, tudo areia", diz Manoel Coelho, apontando a Rua Carvalho de Mendonça. A travessia sobre o Canal 2 era mais estreita, de ferro, e ali as crianças se juntavam para apostar quem adivinhava o número final do próximo carro a passar na Bernardino de Campos. A brincadeira se arrastava por horas, porque naquele tempo, uns 40 anos atrás, passava um carro de meia em meia hora, quando não demorava mais. Quem vê o trânsito louco de hoje nem acredita.

Também era ali, na ponte de ferro ou perto dela, que os meninos com seus 13 ou 14 anos se juntavam para fumar escondido. Compravam um cigarro Aspásia, vendido avulso, e sonhavam em ser gente grande. As coisas só pioravam quando não conseguiam fósforo: viam-se obrigados a recorrer a alguém que passasse.

"O senhor tem fogo aí, moço?" Não raro, a pergunta era imediatamente seguida de um tapa na cara. Poucos toleravam um abuso desses por parte de pirralhos.

Dia de feira na Carvalho de Mendonça, nada mais gostoso do que roubar laranja da banca do "seu" Albano. Também, ele provocava: armava uma banca de uns 30 metros de comprimento e empilhava laranjas enormes, daquelas com um baita umbigão. As crianças vinham com varetas, espetavam bem no umbigo da laranja e nem davam tempo para "seu" Albano protestar. Saíam correndo, com ar de quem pratica uma boa arte.

Os quintais eram enormes, quase uma chácara, e as famílias numerosas. Juntavam-se duas ou três e já dava para formar um time de futebol, com reservas e tudo. No carnaval, criavam blocos; em época de São João, dançavam quadrilha.

São João, tempo dos balões. Balão para ninguém botar defeito, diga-se de passagem. Cada um maior que o outro, todos cheios de rojões que estouravam, fazendo barulho e colorindo o céu.

Melhor do que isso, só mesmo namorar no bonde 17 (qual morador do Campo Grande não se lembra ou ouviu falar no 17?) ou ir ao cinema. Havia o Cine Avenida, na Bernardino de Campos, quase esquina com a Carvalho de Mendonça, onde hoje existe um prédio classe média, de muitos andares, e o Campo Grande, depois Ouro Verde, na Bernardino de Campos. Os dois lotavam só com a criançada, que por nada no mundo perdia as fitas em série. Detalhe: todos iam de tamancos para fazer a maior algazarra possível. Tudo muito sadio e simples.

A instalação daquele aparelho mágico no boteco que ficou conhecido como Bar Televisão, na altura da Carlos Gomes com Clemente Pereira, anunciou a chegada de novos tempos. Década de 50, as ruas começam a receber asfalto, o bairro cresce, novas famílias, surgem os primeiros sinais do fim da confraternização entre vizinhos, as crianças perdem aos poucos a liberdade de fazer suas as ruas. Melhor ontem ou hoje? Os moradores antigos tentam avaliar, surgem novas recordações e alguns ainda ouvem o eco da musiquinha que meninos e meninas entoavam, mal a moça loirinha, que vendia leite com seu cavalo, apontava na esquina da Duque de Caxias: "O raio de sol suspende a lua; bravo o palhaço que anda na rua".


Os moradores sentem saudade do bonde 17,
quando constatam que a condução hoje demora e não é tão confortável

Veja as partes [2], [3], [4] e [5] desta matéria
Veja Bairros/Campo Grande

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