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CENTENÁRIO DO TERCEIRO HOSPITAL PRÓPRIO DA MISERICÓRDIA DE SANTOS
Uma etapa de cem anos, numa trajetória de quatro séculos
Do teto humilde do século XVI aos palácios do século XX - Um ponto de confiança na primeira
colonização do Brasil - Rememoração dos primeiros tempos - Uma confusão que não deve subsistir - A última fase
A Santa Casa da Misericórdia de Santos tem quase quatro séculos de existência, que o mesmo vale
dizer de história e de serviços prestados à coletividade. Mas foi há um século, séculos depois de lançada a pedra fundamental do seu edifício
primitivo, que se inaugurou a sua sede no local onde se encontra.
Tem uma história longa, cheia de episódios interessantes e admiráveis, a instituição fundada por
Braz Cubas em terras de Enguaguaçu. Começa antes de se erguerem, simples e brancas, as quatro
paredes primitivas onde um altar e uma cruz irradiavam, num sorriso luminoso, o amor entre os homens e a piedade cristã. Quando foi realidade, já
tinha anos de história vivida na alma de um homem que pregou, pelo exemplo, a solidariedade entre os homens.
A Santa Casa da Misericórdia de Santos comemora, pois, no dia de hoje, o mais moço dos seus
centenários - o da sua instalação no edifício onde realiza as suas solenidades.
Dos festejos que hoje se iniciam participa, pelo coração e pelo sentimento, toda a população
de Santos, porque a "Casa de Deus para os homens e porta aberta para o mar" foi edificada pedra a pedra, telha a telha, com a moeda da sua
inesgotável generosidade.
A esse grandioso templo de solidariedade humana, em cujos arquivos existem pergaminhos de nobreza
a mais excelsa, estão ligados os nomes mais ilustres da nossa terra, pois a verdade é que todos passaram, para lhe dispensarem os seus cuidados,
pela sua Mesa Administrativa e pelos seus Conselhos, uns vigiando o seu destino e outros isolados no claustro do laboratório e na penitência do
hospital.
Saudemos, pois, no dia de hoje, os que partiram e praticaram o bem, fazendo da ciência uma
caridade e da benemerência o ideal que lhes multiplicou a energia.
Hoje é um dia de festa na cidade. Um centenário decorre sobre a inauguração do terceiro hospital
próprio da Misericórdia santista. É a obra magnífica dos Cubas, dos Adornos, dos Góes, dos Fernandes, dos Pires e dos Ferreiras a tresdobrar-se pela
amplitude dos séculos, exibindo-se em frutos através de dez gerações.
Poucos emprestarão ao humilde teto de caridade e conforto surgido na distância de 1542/1543 entre
a ribanceira quieta do riacho de Itororó e a ondulação macia do Outeiro de Santa Catarina, o
verdadeiro valor que ele teve nos primeiros tempos da colonização brasileira, e poucos se lembrarão de que ele constituiu indiscutivelmente, na
insegurança da primeira época santista, o ponto de confiança dos colonizadores, confortando as famílias que ficavam no reino à espera dos que
partiam, e encorajando os que chegavam à terra virgem e bruta da paragem vicentina, cheia de febres, de males, de feras e de bugres.
A fundação da Casa da Misericórdia, entretanto, não obedeceu senão a essa necessidade, bem
compreendida por Braz Cubas e seus companheiros, de oferecer um recolhimento e uma possibilidade de cura aos pobres marinheiros que chegavam e aos
arrojados colonos que se atiravam à luta do desbravamento, encorajando-os à aventura desse desterro forrado de heroísmo, necessário à realização de
uma futura pátria e de um novo celeiro para o mundo.
Sua fundação, porém, não deve ser confundida com a fundação da cidade de Santos, afirmativa
leviana e sem base, feita a cada passo por tantos comemoradores improvisados, visto que Santos - como disse o secretário perpétuo da Real Academia
de Ciências de Lisboa, conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva, em sua obra em parceria com Martim Francisco, Viagem Mineralógica pela
Província de São Paulo - fl. 1 - foi fundada efetivamente em 1534, secundando as acatadas e velhíssimas opiniões de Simão de Vasconcellos, Rocha
Pitta, Santa Maria, Jaboatão, e vários documentos existentes em tal sentido.
E não devendo ser confundida, assim, ela deve cifrar-se no que preconizou Frei Gaspar, a fim de
não haver preterições ou injustiças na distribuição dos seus merecimentos: "Braz Cubas
comunicou os seus intentos aos moradores principais do Porto, e aprovando todos eles uma obra tão pia, erigirão na povoação a primeira
confraria de Misericórdia que teve o Brasil, a qual confirmou d. João III em Almeirim, aos 2 de abril de 1551, concedendo-lhe todos os privilégios
dados por seu pai às misericórdias do Reino" (Memórias para a História da Capitania de São
Vicente - pág. 200).
Nestas circunstâncias foi que surgiu o primeiro hospital regular em terras americanas, resultado
dos esforços conjugados dos fundadores da própria Santos, então simplesmente "Porto", que o amor ao "menor esforço" sempre manteve
esquecidos, como o condestável Pascoal Fernandes, seu sócio de sesmaria Domingos Pires, os nobilíssimos genoveses vindos da Madeira, José e
Francisco Adorno, fundadores do Engenho de São João, em 1534, e o guerreiro-fidalgo Luís de Góes, senhor do outeirinho de
Santa Catarina, onde existiu a primeira igreja santista.
Cuida em geral a opinião pública que, junto a esse hospital fundado de 1542 a 1543 fez-se também
uma igreja sob a invocação de N. S. da Misericórdia, e isso simplesmente porque Frei Gaspar assim o disse em sua obra citada. Entretanto, o engano
do famoso cronista é evidente, carregando atrás de si, como dissemos, a mesma opinião pública. Nenhum autor de nome dos antigos, nenhum documento,
nem mesmo a lápide tumular de Braz Cubas em que Frei Gaspar se baseou para estabelecer o ano da criação da Misericórdia santista, afirmaram
semelhante coisa.
Até mesmo a escritura de uma venda de casas feita por Francisco Sordido e sua mulher Isabel
Rodrigues a Pedro Rozé, a 3 de janeiro de 1547, lavrada pelo tabelião da Vila de Santos, Luís da Costa, que é o primeiro documento conhecido, que se
refere ao mesmo hospital, tratando da confrontação das casas vendidas, cita o hospital da Misericórdia mas não cita igreja alguma, o que não seria
feito de forma alguma, se de fato ao lado desse hospital houvesse alguma igreja.
A verdade é que a tal igreja da Misericórdia a que toda gente se refere não era outra senão a
igrejinha de Santa Catarina, construída em 1540, próxima ao lugar onde pouco depois se fez o hospital, e que, conforme cita o próprio Frei Gaspar
(obra citada - pág. 149) "foi construída por Luís de Góes e sua mulher ao pé do outeiro desta
Santa", sendo que "a segunda capela do
mesmo nome é que foi construída pelo padre Alexandre de Gusmão não mais ao pé mas em cima do outeiro",
o que está de acordo com a verdade.
Luís de Góes foi o primeiro dono do pequeno outeiro histórico de Santos e quem primeiro nele
lavrou com roças de cana, que como as de Braz Cubas, de Pascoal Fernandes e Domingos Pires e de outros vizinhos posteriores se destinavam a
alimentar o Engenho de São João, instalado por José Adorno, onde hoje fica a Rua Gonçalves Dias, próximo ao lugar onde
existiu até 1903 a Capela de Nossa Senhora da Graça, à margem do Rio de São Jerônimo, onde ele fazia a curva para o Sul.
Luís de Góes deixou Santos com sua gente no ano de 1552, embarcando-se na Armada de seu próprio
irmão, o famoso Pero de Góes, fundador do 1º engenho santista e da colonização, o Engenho da Madre de Deus, com capela da mesma invocação, fronteiro
a Santos, no lugar chamado Neves, mas não sem antes vender as casas que possuía naquele ponto histórico da antiga vila, como
se vê no mesmo Frei Gaspar (ob. citada pág. 150): "A escritura de venda das casas de Luís de
Góes tem a data de 6 de fevereiro de 1553, lavrada em Santos pelo tabelião Jácome da Motta, e declararam ele e a mulher d. Catharina de Aguillar, na
escritura que habitariam nas casas vendidas até partir a armada que estava no porto".
Como essa igrejinha de Santa Catarina ficava à pequena distância do Hospital, ficou, desde a
fundação deste e da Confraria, a servir também para os ofícios da Misericórdia, vindo daí a confusão. Nem era de admitir que naquela época, em que o
dinheiro era pouco para se aplicar na terra, fossem existir na pequeníssima povoação que precedeu a vila de Santos, e a uma distância de menos de
cem metros, duas igrejas - coisa que nem mesmo São Vicente, que era a vila capital, possuía.
Essa pequena igreja de Santa Catarina, vítima dos piratas de Cawendish
em 1591, existiu durante cerca de cem anos em sua primeira fase, tendo acumulado durante uma grande parte desse tempo as funções de igreja da
Misericórdia, e de Matriz - a de igreja da Misericórdia até cerca de 1615 e a de Matriz, até cerca de 1590, quando os jesuítas, tendo criado o seu
colégio a partir de 1585, construíram também a sua igreja, que passou a ser a Matriz da Vila (na atual
Praça da República).
Debatido esse ponto, passemos adiante. Fundado o Hospital da Misericórdia, sob a invocação de "Todos
os Santos", pouco tempo depois essa invocação havia passado também ao povoado do "Porto" ou "Enguaguaçu" (nome do lagamar santista
fronteiro à Alfândega atual, que passou à parte da ilha de São Vicente que lhe ficava à margem), influindo para que a 1º
de novembro de 1546, elevado a vila o antigo povoado, se consagrasse nele aquele nome.
Depois, foi a continuação de uma existência fecunda, por longos oitenta anos de socorros e de
curas, em que o pequeno hospital amparou toda uma população rural que, da linha extrema da Bertioga aos
contrafortes distantes dos Itatins, colaborava na formação do futuro núcleo paulista, princípio indiscutível da pátria brasileira, lenindo os seus
sofrimentos de gente batida da rudeza dos lugares e das invasões dos bárbaros autóctones e piratas da costa, assistindo e embalando, portanto, os
primeiros passos da futura nacionalidade que aquela modesta semente geraria.
Pena é que nos faltem, para a consagração do nosso culto, os nomes desses beneméritos, que de seu
bolso e com suas fadigas e sofrimentos sustentaram por tanto tempo esse altíssimo florão de humanidade e patriotismo plantado em pleno coração da
terra santista. Sabe-se apenas, pela tradição, que Braz Cubas foi seu primeiro Provedor até 1592 e, por documento público passado pelo Tabelião
Antonio de Siqueira, que o último provedor desse primeiro hospital próprio foi Jorge Correya, a vinte e cinco de agosto de 1606.
Vem então o interregno. Oitenta anos quase, de serventia, agravados pelo desaparecimento dos
fundadores, reduziram o pequeno hospital santista a uma simples lembrança do que fora: ele empobrecera com a sua gente, após suportar com ela
aqueles rudes anos que esgotaram suas reservas econômicas e diminuíram a sua capacidade, e acabou por entregar-se, pela altura de 1615, ao sono
respeitável das ruínas.
A população da vila santista e os lidadores das terras do litoral ficaram sem o grande apoio moral
e físico da sua "Casa Santa da Misericórdia", e isso foi durante até 1654, quando, ante a representação desesperada dos membros remanescentes da
velha Irmandade, d. Jeronymo de Athayde, conde de Athouguia, governador geral do Estado do Brasil, com sede na Bahia, vindo ao encontro do seu sonho
de reconstrução, assinava a Provisão de 3 de outubro daquele ano, fazendo saber a todos "que
por não haver na dita vila casa separada da Misericórdia etc. E por ser grande a necessidade que ali havia de hospital, por ser o porto por onde
freqüentava o comércio de toda a capitania, e por serem todos, pobres os irmãos da Misericórdia",
havia por bem "de lhes conceder de esmola, em nome de sua majestade, 100$000 para as referidas
obras, os quais se despenderiam com assistência do provedor da Fazenda etc.".
Esse dinheiro, reunido ao que a minguada bolsa dos cidadãos da vila santista conseguiu deitar para
o mesmo fim, produziu alguns anos depois o aparecimento do segundo hospital próprio da Misericórdia, com capela anexa (que foi a primeira igreja
própria da Misericórdia, existente em Santos), ambos situados no desde então chamado "Campo da Misericórdia", cem anos depois simplesmente "Campo",
mais tarde "Largo da Misericórdia", mais tarde ainda "Largo da Coroação" e finalmente "Praça Mauá",
como se conserva até hoje. Desta vez, sim, uma igreja foi construída ao lado do Hospital, sob a invocação de Santa Isabel.
Em conseqüência do aparecimento desse hospital de 1654, terminado bastantes anos depois, começamos
novamente a encontrar o "Cumpra-se" oficial à Provisão e ao Compromisso que serviam à velha Irmandade, dado sempre em tabelião. Desfilam aí,
sob nossos olhos, as datas que marcam essa segunda fase: 19 de maio de 1679 - 27 de fevereiro de 1582 - 3 de março de 1688 - 22 de agosto de 1701 -
14 de outubro de 1713 - 27 de janeiro de 1721 - 24 de abril de 1723 - 5 de janeiro de 1727 - 3 de novembro de 1740 - e 16 de novembro de 1752
(última data constante).
Surgem, como finalistas na Provedoria dessa segunda fase, o coronel Antonio Teixeira Lustosa, de
1740 a 1752, e o padre José Luís dos Reis, de 1752 a 1775, últimos provedores que parece haverem funcionado no hospital que completava por essa
época uma segunda etapa de cem anos ininterruptos.
Mergulhemos por um instante nesse mar de documentos que são os Documentos interessantes -
Vol II - págs. 83/85, e ali encontraremos uma coisa edificante - a Informação do Conselho Ultramarino de 14 de julho de 1748, e o "despacho
do rei d. João V, de 6 de setembro do mesmo ano", em resposta ao requerimento do provedor e
irmãos da Misericórdia da Vila de Santos, por onde verificaremos que "As despesas do hospital
em todo o tempo, e todas as mais despesas a ela pertencentes" eram feitas pela Mesa
Administrativa da Irmandade "à custa de suas fazendas, repartindo-se todos os anos pelo
provedor e mais irmãos da mesa as despesas de cada ano em razão do nenhum rendimento que tem aquela irmandade e casa etc."
Essa prova documental vale para mostrar a benemerência, até hoje desconhecida por nossa gente, o
espírito de abnegação e o altruísmo dos homens da Misericórdia de Santos daquele século, fiel aos hábitos dos antepassados.
Sabida a pobreza em que caíra Santos e em que se afundaram o litoral pelo abandono em que os havia
deixado durante tantos anos, toda aquela gente que a febre das minas e a largueza dos campos de serra acima carreara para o planalto, fácil é
calcular o verdadeiro heroísmo com que um grupo de abnegados viera mantendo e mantivera até então o Hospital da Misericórdia de Santos.
Mas, afinal, caído em desuso e em ruínas, e abandonado esse prédio centenário, tornou a
Misericórdia de Santos à vida imprecisa, incerta e negativa de cem anos atrás.
"Em 1804, a decadente Irmandade reclamava
uma proteção oficial. Encontrou-a no fervoroso zelo, nos cuidados e na extremada caridade do governador Antonio José da Franca e Horta, na do
brigadeiro Manoel Mexia Leite e na do tenente-coronel José de Carvalho e Silva. Esses ilustres varões
(palavras do dr. Cláudio Luís da Costa, no "Primeiro livro manuscrito de Registo da Irmandade da
Santa Casa da Villa de Santos" - ano de 1836), desde o ano de 1802 até o de 1809 fizeram
todos os possíveis esforços para restabelecer a Irmandade e conseguirão elevá-la e dar-lhe lustre, mas, ou tolhidos pelo velho compromisso, ou
confiados no futuro zelo dos novos irmãos, não fixaram normas para uma fiscalização regular; não ordenaram um regime que acautelasse os descuidos do
porvir etc."
BRAZ CUBAS - Síntese dos fundadores da cidade de Santos e da sua Santa Casa de Misericórdia
Imagem publicada com a matéria
Durante esse tempo, e desde aquele ano de 1804 até 1830, mais ou menos, serviu-se a
Irmandade, do "Hospital Militar" instalado pelo governador Franca e Horta no velho edifício do antigo "Colégio São Miguel" ou dos Jesuítas, como era
mais conhecido, e onde agora é a Alfândega da cidade, em péssimas condições de conforto e higiene e pagando sempre, mas sempre à mercê da gente que
lidava e mandava naquele casarão.
Com pequenas intermitências diferentes, e talvez tão penosas quanto a sua permanência
nas dependências incapazes e mal asseadas do chamado "Hospital Militar", assim viveu a Misericórdia de Santos aqueles tristes vinte e seis anos, até
que, numa suprema reação dos Irmãos à situação em que, aos poucos, imergiam, em julho de 1833 criou-se, sob a provedoria do benemérito cidadão
Francisco d'Araújo Fonseca, o "Hospital Provisório", nas casas de Antonio José Vianna, ao lado da atual Cadeia, no antigo "Campo
da Chácara", hoje "Praça dos Andradas", que durou três anos.
Em princípios de 1835, eleita a Mesa Administrativa da Irmandade
para o ano compromissal de 1835 a 1836, pouco depois assumia o cargo em substituição a Antonio Cândido Xavier de Carvalho, o novo provedor, capitão,
depois comendador e conselheiro, Antonio Martins dos Santos [1].
Homem de iniciativa, de posse, e sobretudo de grande amor à sua terra, resolveu o capitão Martins dos Santos pôr um termo definitivo àquela situação
de precariedade hospitalar que já se vinha prolongando em demasia e, baseado em conversas anteriores, reunindo a Mesa, propôs-lhe como único recurso
para se construir o novo hospital próprio da Misericórdia, a abertura de uma subscrição pública, iniciada por todos os membros da mesa e da
Irmandade, para ser apresentada por fim aos homens bons da vila de Santos.
Essa dupla idéia, da construção do local escolhido e da subscrição, foi combatida
pelo dr. Cláudio Luís da Costa, que insistia em instalar o hospital no Convento de S. Antonio, acompanhado nisso por seu irmão Jeremias Luís da
Costa e pelo conselheiro Martim Francisco (arquivo da Santa Casa - Elogio do médico - Contribuição para a História da Santa Casa da Misericórdia
de Santos - pág. 35).
Mas, se o novo provedor assim o dissera e imaginara, melhor o fez, porque lançou-a
imediatamente e sem medo, robustecida pelo seu exemplo entre o povo local, e venceu, fazendo vencer assim a corrente chefiada por ele.
Logo a 2 de julho daquele ano de 1835 tinha solene início a construção do terceiro
hospital próprio da Misericórdia, com o lançamento da sua pedra fundamental, no local escolhido, que era na base do antigo Morro de São Jerônimo
(atual Monte Serrat), junto à capela de São Francisco de Paula, ali existente havia alguns cinqüenta anos.
Desgostoso com tais fatos, o dr. Cláudio Luís da Costa havia se afastado
momentaneamente dos seus companheiros de Irmandade, principalmente diante de uma nota que a respeito do seu gesto publicara o Pharol Paulistano,
primeiro órgão da capital, sob a direção de Azevedo Marques e do marquês de Monte Alegre, e aí, em meio como já ia a obra, e garantida a sua
definitiva realização, o capitão Antonio Martins dos Santos, reconhecendo que o afastamento de um notável médico como o dr. Cláudio Luís da Costa,
quase o único em Santos, visto que além dele apenas havia os dois do presídio, iria prejudicar não só o próprio hospital provisório como o novo
quase a concluir-se, retirou-se da Provedoria, cerca de abril de 1836, fazendo com esse seu gesto que o dr. Cláudio Luís consentisse em voltar e a
prestar sua assistência aos doentes que dele precisavam e que não tinham a menor culpa de quanto acontecera.
Essa atitude nobre, do comendador Antônio Martins dos Santos, teve repercussão na
época. Pouco depois, em meados daquele ano de 1836, elegia-se a nova Mesa Administrativa da Irmandade para o ano compromissal de 1836 a 1837,
aparecendo, como novo provedor, aquele mesmo dr. e conselheiro Cláudio Luís da Costa, que aliás permaneceu até 1838, a quem coube terminar e
inaugurar a obra de seu antecessor.
A 4 de setembro de 1936, dava-se então a inauguração do novo hospital da Misericórdia
(o 3º hospital próprio da Irmandade), sob a provedoria do notável médico catarinense, legítimo e brilhante corolário à obra benemérita do provedor
da última gestão, realizador principal desse prédio que motiva as comemorações agora feitas, ao fim de cem anos de triunfo - de um século de
brilhantíssima trajetória de caridade e de benefícios dessa casa internacional - "Casa de Deus para os homens e porta aberta ao mar", que é um
padrão histórico da cidade e seu legítimo orgulho.
Todos os grandes vultos do passado dessa Casa foram, por assim dizer, grandes vultos
da cidade ou do atual Estado de São Paulo, e há, como se viu, entre a história desse hospital e a história da própria terra, grandes e indiscutíveis
afinidades, e por isso, justo é que a passagem de tal efeméride, recordando velhos tempos e velhíssimas tradições, seja comemorada como uma legítima
festa santista, paulista, e mais do que isso - verdadeiramente brasileira.
Que se proclamem, pois, com o respeito que nos merecem, esses quarenta e três nomes
apresentados na primeira página do último relatório da Provedoria do Hospital da Misericórdia de Santos, síntese como são de todas as suas
diretorias destes cem anos decorridos e de todos os seus beneméritos.
1835-1836 - Cap. Antonio Martins dos Santos
1836-1838 - Dr. Cláudio Luís da Costa
1838-1839 - Comm. Barnabé Francisco Vaz de
Carvalhaes
1839-1840 - Dr. José Pimenta Bueno (marquês
de S. Vicente)
1840-1842 - José Vicente Garcez Trante
1842-1843 - Joaquim Xavier Pinheiro
1843-1844 - José Baptista da Silva Bueno
1844-1845 - Dr. Victorino José da Costa
1845-1846 - Dr. Joaquim Firmino Pereira Jorge
1846-1847 - Major Jeremias Luís da Silva
1847-1848 - Manoel Joaquim Ferreira Netto
1848-1849 - Dr. Firmino José Maria Xavier
1849-1850 - Manoel Luís Pereira Braga
1850-1851 - Brigadeiro Henrique Marcos de
Oliveira Lisboa
1851-1852 - Dr. Francisco Xavier da Costa
Aguiar de Andrada
1852-1853 - João de Sousa Carvalho
1853-1854 - Cap. José Antonio Vieira Barbosa
1854-1855 - Antonio Marques de Saes
1855-1856 - Victorino José Gomes de Carvalho
1856-1857 - Comm. Antonio Ferreira da Silva
Júnior (depois Barão de Embaré)
1857-1858 - João Baptista de Souza
1858-1859 - Capitão João Antonio Pereira dos
Santos
1859-1860 - Major Jeremias Luiz da Silva
1860-1875 - José Joaquim Florindo e Silva
1875-1879 - João Octavio dos Santos
1879-1880 - Francisco Antonio Rosa
1880-1881 - Dr. Henrique da Cunha Moreira
1881-1882 - Barão de Embaré (Antonio Ferr. da
Silva Júnior)
1882-1883 - Visconde de Embaré (idem)
1883-1896 - João Octávio dos Santos
1896-1897 - Ernesto Cândido Gomes
1897-1902 - Júlio Conceição
1902-1906 - Coronel José Proost de Souza
1906-1909 - Belmiro Ribeiro de Moraes e Silva
1909-1910 - Dr. Francisco Marcos Inglez de
Souza
1910-1913 - Antonio de Freitas Guimarães
Sobrinho
1913-1916 - Comm. Manoel Augusto de Oliveira
Alfaya
1916-1920 - Antonio de Freitas Guimarães
Sobrinho (dr.)
1920-1923 - Comm. Manoel Augusto de Oliveira
Alfaya
1923-1930 - Alberto Baccarat
1931 - Flaminio Levy
1932 - José Vaz Guimarães Sobrinho
1933-1935 - Cel. Evaristo Machado Netto.
(N.E.: SIC. Notadas as discrepâncias desta
lista de 1936 - aqui ajustada com outra lista publicada no mesmo caderno especial, conforme relatório apresentado ao Conselho Geral da Irmandade, em
17 de fevereiro de 1936, pelo provedor cel. Evaristo Machado Netto -, em comparação com a publicada pelo mesmo autor em sua
História de Santos, de 1937, republicada em 1986. Na lista do provedor Evaristo Netto, de 1936, constam ainda as observações: "O
primeiro desta lista, capitão Antonio Martins dos Santos, foi o autor da idéia da construção do hospital da Misericórdia na base do Monte Serrat,
onde hoje se acha, e o chefe da corrente que realizou a subscrição para o mesmo fim, como foi também o iniciador da sua construção, lançada como foi
a pedra fundamental do mesmo hospital, no dia 2 de julho de 1835. O 2ª da lista - dr. Cláudio Luiz da Costa, foi quem terminou, como provedor de
1836 a 1838, a construção do mesmo hospital, e o inaugurou a 4 de setembro de 1836, como continuador da obra de seu antecessor. De 1833/1834 - foi
provedor: Francisco de Araújo Fonseca. De 1834/1835 - foi provedor: Antonio Cândido Xavier de Carvalho Souza.")
Francisco Martins dos Santos
[1]
- Arquivo da Santa Casa, Chronologia Paulista, de J. J. Ribeiro - pág. 418 -
Relatório da Provedoria da Irmandade apresentado ao Conselho Geral, em 17 de fevereiro de 1936. - página 1ª.
Reconstituição reduzida da povoação ou núcleo agrícola de Enguaguaçu, princípio da cidade de
Santos, no ano de 1534, organizada de acordo com vários autores e documentos antigos (este trabalho de reconstituição histórica faz parte do
Capítulo VI da História de Santos, do historiógrafo santista e nosso colaborador Francisco Martins dos Santos, a sair do prelo até fins deste mês ou
princípios de outubro). O nº 1 indica a localização de Luiz de Góes e sua gente. O nº 2 indica a situação do Condestável Pascoal Fernandes e seu
sócio Domingos Pires com outros agregados. O nº 3 mostra a localização de Braz Cubas e seus homens. O nº 4 indica a situação dos irmãos José e
Francisco Adorno, que aí e naquele mesmo ano fundaram o grande Engenho de S. João, que foi o 2º da capitania. O nº 5 localiza, finalmente, o
ferreiro Mestre Bartolomeu Gonçalves ou Fernandes, que durante dois anos após a chegada de Martim Afonso ali ficara a soldo para servir aos
agricultores no fabrico de ferramentas e conserto destas. Em princípios de 1536 Braz Cubas embarcou para o Reino, a fim de obter em sesmaria as
terras de Jurubatuba e Ilha Pequena (hoje Barnabé), só voltando para suas terras em 1540, como se lê no respectivo Auto de Posse lavrado nesse ano.
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