Quinta sede do Clube XV, antes pertencente ao
Jóquei Clube de Santos, onde ocorreu o I FEMPO
Imagem: Clube XV
Os festivais de outrora
José Paulo de Oliveira Matos
No final do I Festival Estudantil da Canção de
Santos, realizado em junho no Sindicato dos Metalúrgicos, pelo Centro dos Estudantes de Santos, o apresentador Ronaldo Taveira Marques, da Rádio Cultura, disse que pela primeira vez em Santos se premiava uma música "via
voto popular", referindo-se à eleição da música preferida pelo público presente nas três eliminatórias, semifinais e final.
No mesmo instante, atravessei a barreira humana que se interpunha entre o meu lugar e o palco e fui ter com ele: "Não é não - disse - em 1968, 1969, 1970 e 1972 tivemos
grandes festivais aqui. E tinha voto popular". Ele então me convidou para vir aqui falar desses festivais de outrora, que Santos já viu, contemplou e vibrou.
Fizeram época em Santos o I, II, III e IV FEMPO. No primeiro, onde a promoção era do Centro dos Estudantes e parte da renda era destinada ao
XXX Congresso da UNE, o nome era I Festival Estudantil da Moderna Música Popular. Depois, foi deixado de lado o "estudantil", como forma de ampliar o processo de participação, o que não modificou a sigla FEMPO.
Foram os tempos de milhares de pessoas acompanhando, torcendo, aplaudindo ou vaiando, em um público crescente desde o 1º Festival, realizado nos salões da antiga sede
do Clube XV (Rua Marcílio Dias, esquina Praia), autores desconhecidos do grande público que, subitamente, apareciam fazendo sons incríveis que a rádio não tocava. O jornal Cidade de Santos
dava páginas inteiras com as letras e fotos dos concorrentes, os fatos do Festival eram manchetes nos dois principais jornais da cidade. Era o FEMPO tomando conta.
À época em que surgiu o 1º FEMPO, 1968, não era só local ou nacional a efervescência estudantil. A ânsia de participação no processo social tomava conta da juventude
intelectualmente ativa nas universidades do mundo inteiro. Na Europa, a França era paralisada pelos estudantes, com Daniel Conh-Bendit. No Brasil, eles voltavam a se manifestar, depois da degola de 1964, quando a UNE, a CGT (N. E.: União Nacional dos Estudantes e Confederação Geral dos Trabalhadores) e o governo João Goulart dirigiam o país.
1968, o governo começa a articular a imposição do MEC-USAID, privatizando o ensino brasileiro e colocando-o a serviço das empresas. No Rio de Janeiro, em uma
manifestação pela reabertura do restaurante estudantil Calabouço, o estudante Edson Luiz de Lima Souto, com 16 anos, é assassinado pela repressão policial.
É a famosa "Marcha dos cem mil" em seu enterro, a maior manifestação popular que este país já teve, em protesto contra a violência. Em Santos, temos o ressurgimento da
entidade estudantil mais antiga do país, o Centro dos Estudantes de Santos, elegendo uma junta governativa para a reconstrução da entidade, com Edmir, Pain e Jaime "Cebola". Realizando assembleias massivas na sede da
Avenida Ana Costa, decidindo os caminhos e apontando as reivindicações da classe estudantil.
Em Santos é eleito para prefeitura municipal o líder oposicionista Esmeraldo Tarquínio, com mais de 50.000 votos. Na Faculdade de Direito a União Progressista derrota o
Partido de Integração, que concorria com o hoje professor da Facos Julio Ogasawara. Em 1968, a maior passeata que esta cidade já teve desde 1964 não é igualada até hoje. É a "Marcha contra a violência", culminando com
discursos nas escadarias do Paço Municipal, na Praça Mauá. É tempo de virada.
É nesse clima que chega pelas bandas do CES um sergipano de nome Francisco Teles, ex-presidente da União Sergipana de Estudantes Secundaristas - a USES -, estudante do
curso clássico do Colégio Canadá. Ele trazia a ideia de se fazer, no CES recém reconstruído, um festival de música. E a ideia pegou.
Foi no balcão do Lanches Vila Rica, na esquina da Rua Mato Grosso com a Avenida Conselheiro Nébias, que foram compostos os regulamentos do
que seria o primeiro FEMPO. Depois, foram os contatos, aparelhamentos, apoio, conjuntos, cobertura, local, troféu, júri... Nomes como Johnny Alf, Alaíde Costa, Miguel França (irmão de Johnny Alf), Renato Loyola e Amilson Godoy fizeram parte da
estruturação e construção do I FEMPO. Com eles, o Teles havia promovido um show denominado "Musikanossa". Eles fizeram parte do júri e fizeram apresentações nos intervalos. Foram apresentadas 76 das 300 inscritas.
A música vencedora deste I FEMPO foi "Luz da Guerra", de Luiz Carlos Gomes Godoy (então presidente do DAAG, da Faculdade de Direito) e S. Sady. Em 2º lugar ficou a
música de Ana Maria Florio e Carlos Augusto, "Elegia quase um canto". O prêmio de Cr$ 500,00, entregue ao primeiro colocado, teve metade do seu valor destinado à campanha pela libertação dos estudantes Max e Clovis, presos quando de uma tentativa
de uma manifestação no dia 1º de novembro de 1968. A Praça Mauá foi ocupada militarmente e nada foi feito. Max era presidente do Centro Acadêmico da Faculdade de Filosofia e Clovis era presidente da AUBS - Associação dos Universitários da Baixada
Santista.
Os ingressos para o I FEMPO foram vendidos com parte deles destinados ao XXX Congresso da UNE, que se realizaria do dia 25 a 30 de setembro em local incerto e
não sabido. Foi aí nesse congresso que o Brasil teve as suas maiores lideranças do movimento estudantil presas: José Dirceu e Catarina Meloni, Travassos e Palmeira.
Luz da guerra
luz da fábrica
o homem planta a semente
da guerra, no chão da vida
e faz, da ferramenta
a arma da liberdade perdida
a miséria desarmada
no meio das trevas espera
e menos espera na terra
a mesma esperta usina
luz da guerra
luz da fábrica...
Era a canção de protesto que venceu o I FEMPO, que teve com Sonia Rocha melhor intérprete e uma série de discursos panfletários, desde contra a violência até contra o
subdesenvolvimento e a exploração do homem pelo homem, na entrega das premiações. A ponto do júri se retirar, para não se comprometer.
Mas veio o fim do ano e com ele o Ato Institucional nº 5, a 13 de dezembro de 1968. Achando que o país estava por demais conturbado politicamente e que havia liberdade
em demasia, um grupo de militares depõe o presidente Costa e Silva, que tem um derrame cerebral. Uma junta militar das três armas toma o poder e inicia uma série de mortes, prisões e cassações por todo o país.
O prefeito eleito Esmeraldo Tarquínio é cassado e substituído por um militar. O líder da bancada oposicionista na
Câmara Federal, Mário Covas (N. E.: depois governador paulista, de 10/1/1999 até seu falecimento em 6/3/2001), é também cassado. O deputado federal
Marcelo Gato, o deputado mais votado do país, com mais de 100.000 votos, é cassado. Na Assembleia Legislativa, Nelson Fabiano e Gastone Righi eram também cassados. Os políticos santistas eram varridos da vida nacional, junto com as lideranças
políticas de todo o país.
Prisões e mortes nas grades do regime eram comentadas. A imprensa esteve sob violenta censura e nada noticiava. Por mãos escondidas circulava o jornal clandestino
Resistência, denunciando as torturas que o regime realizava, às escuras da opinião pública.
Era o momento de uma válvula de escape, ainda que inconsciente. E essa foi, para Santos, o II FEMPO, realizado nos salões do Clube Atlético,
com a copromoção da Secretaria de Turismo. Chamou gente como nunca, esse festival. A 19 de setembro de 1969, a grande final, classificando em 1º lugar a música "Canção do destino impossível", de Carlos Walker. Ele tinha apenas 14 anos e chegou
depois a gravar um LP (N. E.: disco em vinil, com capacidade para cerca de seis músicas gravadas de cada lado, daí o nome inglês long play). Em 2º lugar, outra vez
Marcelo Paes de Melo e Carlos Monforte, com "Pré Lunio nº 1". Esses dois autores venceram também no voto popular, com "Quase nada", e fazia sucesso a melhor intérprete, Simone, cantou uma música de Marcelo e Monforte.
O mundo assiste a morte do grande líder vietnamita, Ho Chi Mim. Aqui, sequestram o embaixador norte-americano, Charles Burke Elbrick, e o trocam por 15 presos
políticos, entre os quais Gregorio Bezerra. Santos perde sua autonomia em setembro, no dia 8 de outubro de 69 - às portas do 2º aniversário da morte de "Che" Guevara na Bolívia -, é escolhido pelos militares do CSN
(N. E.: Conselho de Segurança Nacional) o general Médici para a presidência da República, em substituição à junta que derrubou Costa e Silva.
Médici é ex-chefe do SNI (N. E.: Serviço Nacional de Informações) e homem da linha dura, como viria a demonstrar.
Mas logo veio o ano de 1970. O Brasil campeão do mundo lá no México, a nação em festa. O governo pega fôlego e cassa Jaime Daige, prefeito eleito pela oposição em
Guarujá, decretando intervenção na cidade vizinha. No Chile, a vitória do PC e da Frente Popular, com Salvador Allende, sendo eleito para a presidência da República. Setembro, em São Paulo, é desfeita a
organização paulista da VAR-Palmares, o grupo do capitão Carlos Lamarca, de onde saíam os sequestros e assaltos a bancos. Tinha ainda o grupo de Carlos Mariguela, a quem depois viria se juntar a VAR-Palmares.
Em outubro, final do III FEMPO, premiando em 1º lugar a música "Abre Alas", de Luiz Alberto Santos Ribeiro e Marco Antonio Capallo. Canta, Mariza. Em 2º lugar a música
"Phoenix" (Fênix), de Jair dos Santos Freitas, em parceria com João Paulo Maradei. O voto popular elegia a música "Limite Zero", de Ana Maria Florio Mendes Silva e Carlos Augusto Costa da Silva. Esse FEMPO teve a final irradiada pela Rádio
Record e foi filmado pelo jornal cinematográfico Atualidades Santistas.
Fazia sombra ao III FEMPO o I Festival de Cinema Brasileiro em Santos, com a presença de Jece Valadão, Sérgio Ricardo e outros nomes do
cinema nacional.
Em 1971, era precário o clima para se fazer outro festival. A realização do III pouco depois de terminar o II havia deixado esgotado não só o Chico Teles como todos os
setores envolvidos. No cenário político [...(N. E.: o texto preservado é interrompido aqui. À margem de uma das páginas, há uma anotação manuscrita: "III Até o hoje dep. Lara, na época vereador, concorreu c/
Sonho de Pierrot", referindo-se ao deputado estadual por Santos, Antonio Rubens Costa de Lara)].
Trecho do texto datilografado original, com cortes e correções manuscritas pelo autor
Imagem: acervo do jornalista Paulo Matos |