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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - ENSINO
A educação... e as antigas escolas (41-a)

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Artigo escrito pelo jornalista Paulo Matos (falecido em julho de 2010). O texto, não datado - em cinco folhas tamanho A4 datilografadas, com correções manuscritas -, terá sido escrito por volta de 1988, pouco antes da retomada do prédio pelos estudantes (ortografia atualizada nesta transcrição):

 


Imagem: início do texto datilografado, no acervo de Paulo Matos

 

Todos juntos somos fortes

Somos arco, somos flecha

todos nós no mesmo barco

Não há nada pra temer

(Chico Buarque de Hollanda -

do cartaz 1980 - Ano da reconstrução do Centro dos Estudantes de Santos)

Refazendo o "Centro" - Antigamente era assim: se matriculou no primeiro ou segundo grau (no ginásio, Escola Industrial ou Normal - o que Santos possuía naquele tempo), de pronto entrava de sócio na entidade máxima dos estudantes santistas. Quem nos conta as histórias daquele tempo é Rubens Aleixo, que em 1948 se matriculou na Escola Industrial do Escolástica Rosa, na Ponta da Praia.

E porque era tão em moda essa associação em massa que ocorria? Ora, se não bastasse o fato que o CES tinha conseguido há pouco a meia-entrada para os estudantes no cinema - e só o "Centro" emitia carteirinhas da categoria -, não existiam os Grêmios - digo, Centros Cívicos - como hoje -, os bailes do CES na Sociedade Humanitária ou nos altos do Cine Coliseu era a sensação da cidade.

Na Praça José Bonifácio, onde fica o prédio da Sociedade Humanitária, realizavam-se as matinées, das duas às seis da tarde. Lá vendiam-se ingressos, mas os sócios do CES, além de não pagarem, podiam levar três convidadas. Quase em frente, do outro lado da praça, realizavam-se as soirées, mas só de três em três meses. Ali não se vendiam convites, apenas os sócios do CES podiam levar suas famílias. Desde que fossem maiores de idade, é claro.

Em atividades sociais, a carteirinha do CES também dava meia entrada no Clube de Regatas Vasco da Gama ou no Clube de Regatas Saldanha da Gama. Mas nem por isso se deixava de ir nos bailes do CES: só lá se podia ouvir e dançar ao som da grandiosa orquestra de Cabral Junior. Mas só de terno e gravata, é claro, tanto à tarde como à noite.

Nos diz Rubens que os sócios também tinham entrada franca nos estádios de Ulrico Mursa ou Urbano Caldeira, do Santos ou da Portuguesa Santista, nos jogos de futebol.

Ele é hoje chefe da seção de desenho da Sudelpa, departamento estadual incumbido de urbanizar o Pae Cará, em Vicente de Carvalho. Ele entrou na Escola Industrial em 1948, mas em 1950 o governo fechou o curso noturno e ele teve que sair, para poder trabalhar. Ele nos fala dos estudantes de então, que não nutriam grandes preocupações quanto aos destinos de seu país, muito pelo contrário. O importante para se vencer nesse tempo, mesmo muito jovem, o importante mesmo era ter terno e gravata.

"Cesse tudo o que a antiga musa canta..." - o ano de 1968 - 20 anos depois, a coisa se modificou um pouco. O estudante amadureceu, tomou consciência de sua importância vital no processo político e econômico do país. Com o CES participante no momento de intensos debates e reformas nas estruturas sociais do país, nos anos que antecederam 1964, após o golpe de estado de 1º de abril ele foi fechado.

Em princípios de 1968, um grupo de estudantes reabre o "Centro". Eles não são como os de antigamente. A maioria usa jeans e tem cabelos longos. São preocupados com seu país, esmagado por uma ditadura militar. Há uma busca de um sentido mais amplo, a condição de estudante e os secundaristas formam a maior parte de seus membros, muito embora já haja maciça participação dos universitários.

A meta é reerguer a entidade, ampliar suas atividades, suas bases. Se tem como obstáculo o momento político tenso que o país atravessava, em que o estudante era chamado a intervir como parte ativa da população.

Ao percorrer do ano de 1968, os estudantes santistas repudiaram a visita do representante dos "patrões" americanos, David Rockfeller. Pela madrugada, jovens assustados e lambuzados de spray corriam de um muro a outro da cidade, nunca em linha reta ou em local próximo, para evitar a repressão. Decidíamos as palavras de ordem em reuniões e quando veio o facistão Marcelo Caetano, o herdeiro do ditador Salazar em Portugal, visitar o seu colega Costa e Silva, saíamos com o coração disparado a cada suspeita da presença da polícia e escrevíamos nos muros brancos, em letras negras, as verdades claras: "Costa & Caetano = Nazismo - Viva a Frente de Libertação Nacional de Moçambique" - em apoio aos movimentos de libertação das colônias portuguesas da África.

O CES reunia em suas assembleias nesse tempo mais de cem pessoas. Esteve presente a uma dessas assembleias o então candidato a presidente da União Paulista dos Estudantes Secundaristas (Upes), Marcos Palácios. O congresso dessa entidade estadual de secundaristas se realizaria dali a semanas, em local a ser definido no dia, para desviar a repressão.

Quando chegamos a São Paulo (fomos uns vinte daqui), no ponto marcado para o Colégio Caetano de Campos, é que fomos para o Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp).

Palácios percorrera o estado para, junto às entidades estudantis, convidar as massas para o congresso, além dos colégios da capital. Quando se percebeu, havia mais de duas mil pessoas no refeitório do Crusp, a maioria dos quais partidários de Palácios, fazendo ruir o sistema de eleição por delegados de Colégios. Os outros candidatos tentaram fazer prevalecer a eleição mas desistiram, diante de tal clima adverso: retiraram a candidatura.

Dizia o Brasil, da "Ação Popular", linha católica radical, de Travassos, um dos líderes estudantis da época: "Pra eles é fácil. É só pegar o 845 (ônibus urbano que levava ao Crusp) e vir para cá. E nós viemos do interior!". Barbudinho, esguio, falante, Palácios assumiu a presidência pela desistência dos outros candidatos, sorrindo, ironizando a situação. "E ainda ri, o canalha", comentavam. Deu mesmo é Palácios, linha Zé Dirceu, na Upes.

Quando no "Centro" ele nos contava das aventuras e desventuras estudantis, em São Paulo, que quando os estudantes, em comícios-relâmpago, viam-se acuados pela cavalaria da Polícia Militar, com suas bombas e cassetetes tamanho-família, atiravam ao chão caixas de bolinhas-de-gude, fazendo despencar os cavalos ao pisarem nas bolinhas de vidro em contato com o asfalto.

Lá pelo dia dois de outubro de 68 é realizado no auditório do Colégio São José, na Avenida Ana Costa, com mais de mil pessoas, o lançamento da campanha da Igreja Católica, sob inspiração do arcebispo de Olinda e Recife, dom Helder Câmara, "Ação, Justiça e Paz", reivindicando uma justiça social cristã no país. O CES esteve participante na organização dessa "Ação" e emitiu manifesto, distribuído durante o acontecimento.

Nesse mesmo dia, o Centro dos Estudantes havia lançado manifesto aos jornais e à população, denunciando o caráter autoritário e repressivo do diretor do Instituto de Educação "Canadá", Edésio del Santoro, que impedia a livre atuação dos estudantes através do seu Grêmio Estudantil "Vicente de Carvalho", proibindo a distribuição do jornal, proibindo as encenações do teatro e ameaçando seus dirigentes.

Outra vez, a dez de outubro, quando o GEVC, pelo seu presidente Daniel Gomes Rodrigues, programava um ciclo de palestras com Esmeraldo Tarquínio, Sérgio Sérvulo da Cunha e outros, é que o diretor Edésio proibia a realização desses debates no anfiteatro da escola ou em qualquer recinto da mesma. Nesse dia, o debate foi realizado nas escadarias da escola da Rua Mato Grosso, com o professor Sérgio Sérvulo da Cunha, com mais de 100 pessoas. O CES lança manifesto repudiando a brutal intervenção da direção do Colégio Canadá, dizendo que tem o objetivo de reconstruir o Centro dos Estudantes de Santos como entidade máxima dos estudantes santistas, e tem a obrigação de defender os seus direitos de organização e manifestação.

Luz da guerra - luz da fábrica - "O homem planta a semente/faz da terra o chão da vida/E faz da ferramenta/A arma da liberdade perdida/A miséria desarmada/No meio das trevas espera".

A esse tempo, o CES promovia o I Festival Estudantil da Música Popular, que teve ao final a vitória da música que tem o trecho acima, de Luiz Carlos Gomes Godói, presidente do Diretório Acadêmico Alexandre de Gusmão, da Faculdade de Direito.

O comício de 1º de novembro - Em assembleia geral e aberta é que se decidiu o comício do dia 1º de novembro, a se realizar na Praça Mauá, em uma estátua próxima ao ponto (N. E.: de parada inicial na linha do bonde, depois trólebus e mais tarde ônibus) do quarenta e dois (aquela que tem uma moça deitada), após alguns rojões às seis da tarde. Denunciando o caráter assassino da repressão, que tinha morto nas ruas do Rio e São Paulo vários estudantes, entre eles Edson Luís de Lima Souto, que motivou a marcha dos cem mil no seu enterro.

Os cartazes foram feitos num quartinho estreito, lá no prédio da Avenida Ana Costa, com muita cartolina, muita madeirinha, muita gente intoxicada de spray. Saíram quase trinta.

Às cinco e meia da tarde do dia 1º de novembro, vieram à sede do CES dois estudantes de Ciências, Clóvis da Mata e Max Ordonez, que saíram logo após com alguns vidros de ácido muriático e amônia. O primeiro era presidente da Associação dos Universitários da Baixada Santista (Aubs), e o outro era presidente do Centro Acadêmico da Faculdade de Filosofia. Eles foram presos na esquina do CES, na Avenida Ana Costa com a Rua Pedro Américo, acusados de levarem bombas. Depois ficou constatado que as substâncias não explodia, só faziam alguma fumaça, uma vez misturadas. Mas, mesmo assim, a luta para libertá-los das garras da ditadura foi dura.

Mas, às quinze para as seis daquela tarde, passaram dois "espinhas de peixe", aqueles caminhos de carregar tropas de choque da Polícia Militar, apinhados de "gorilas" com sacos de bombas de gás lacrimogêneo às costas, cassetetes tamanho família pela primeira vez em Santos. De sirenes abertas, passaram em frente ao "Centro" em direção à Praça Mauá, com propósitos visivelmente intimidatórios.

Os carros que vinham buscar os cartazes não vieram. Estávamos uns quatro no "Centro". Pegamos dois táxis na Avenida Ana Costa, do outro lado, enchemo-los com os cartazes e tocamos para a praça.

"A Praça Castro Alves é do povo/Como o céu é do avião..." - A praça não era do povo (N. E.: A referência inicial é á praça Castro Alves em Salvador, ponto de encontro das manifestações soteropolitanas. Já a outra é à Praça Mauá, em Santos). Estava militarmente ocupada, com "gorilas" super-armados com revólveres, bombas e cassetetes e ainda com aqueles capacetes nazistas. O Dops em peso presente, com seu terno e gravatas indefectíveis. Nossos companheiros andavam pra lá e pra cá, na direção inversa à dos "meganhas", ou entravam nas filas de ônibus.. O Sadi tomava um café atrás do outro no "Torino", um "Continental" sem filtro (N. E.: marca de cigarro) atrás do outro. O Edmir saiu do caro para ver as possibilidades de se fazer alguma coisa, como se fosse possível. Demos uma volta com o táxi, na Praça Ocupada.

Dos cassetetes a gente só conhecia os efeitos nos jornais, cabeças rachadas e costelas partidas no Rio, São Paulo, Curitiba e em ouras capitais. Das bombas de gás lacrimogêneo, a gente só sabia que o amoníaco corta o efeito e um ou outro tinha um vidro. Mas daí volta o Edmir, com um mais do que óbvio "Não dá". "Volta pro Centro". Se a gente solta os rojões ia ter mártir na Praça Mauá entre os estudantes, isso ia.

Soubemos depois que um bigodudo, que hoje faz Direito, fez um comício-relâmpago pros trabalhadores que vinham da Cosipa, na Estação da Santos-Jundiaí.

Os famosos 28 cartazes - Voltamos para o CES e guardamos os cartazes no registro de água, no quintal do lado de trás do prédio. Para ajudar a esconer, colocamos em cima um travesseiro que o zelador lá deixaara, depois de uma goteira que o fizera mofado.

"Libertem Max e Clovis" - A cidade inteira pichada, com frases nos muros pedindo a libertação dos nossos companheiros presos no dia da passeata, ao saírem do "Centro", sofria a quase imediata intervenção do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) - que escreviam um "Não" na frente do nosso "libertem", escreviam "Forca para os comunas", "Abaixo a ditamole, viva a ditadura" e outras barbaridades da direita.

Teve vigília na Faculdade de Direito, do Diretório Acadêmico Alexandre de Gusmão, da então presidente Cristina Cobra, já que Godoi pedira uma licença de noventa dias e ela era a vice da "União Progressista", partido vencedor das eleições daquela faculdade. Teve vigília na Faculdade de Filosofia no dia dezenove de novembro e pedágio para arrecadar fundos, com distribuição de nota informativa,na manhã seguinte, na praia entre os canais 1 e 2.

Eles depois foram transferidos para o quartel da Polícia Militar e mandavam cartas para os estudantes santistas, através dos jornais - "Aqui família Prinx e Croqx..."

"Fora com o fantoche Sodré" - Lá pelo dia _____ de novembro, veio visitar a "Sociedade Italiana di Beneficenza", localizada em frente à sede do CES, o governador nomeado Roberto de Abreu Sodré. Aquilo parecia um ninho de ratos, de tant polícia de terno e gravata no local. Eles tinham acoplado ao telhado da Sociedade Italiana equipamentos de observação das atividades na sede do CES em frente.

Aconteceu que tinha uma faixa negra na fachada do "Centro", acima de uma que tinha sido arrancada pelos membros do CCC escrito "Assassinos". Tinham sido colocadas quando do assassinato nas ruas dos estudantes pela Polícia, no Rio e depois em São Paulo. A faixa negra estava desbotada pelos sol primaveril e eu e o Nilton Thomé estávamos decididos a virá-la do avesso, para que Sodré visse o nosso luto. E a viramos do avesso, ainda que atentamente vigiados pelos "ratos" do Dops.

Depois, fui lá atrás pegar no monte de cartazes que tinham sido guardados de 1º de novembro e achei um com os dizeres "Fora com o fantoche Sodré". Ia levá-lo lá dentro, com nenhuma ideia de empunhá-lo lá fora, só queria mostrá-lo para o pessoal, no sarro. Eu com quinze anos podia ser porra-louca, mas nunca tão corajoso, de sair no meio da repressão com um cartaz daqueles. Também é infundada a versão policial de que íamos fazer uma passeata de repúdio ao governador, pois só tínhamos nós no "Centro". Quando eu ia subir a escadinha que dá acesso ao salão do CES, fui agarrado por elementos do Dops que adentravam armados de revólveres e que carregaram para o Volks do Dops eu e o Thomé. Fomos para o Palácio da Polícia, na Avenida São Francisco.

A lenda do travesseiro - Direto pro segundo andar, a sede do Dops. Desde a saída do CES que não nos vimos, eu e o Thomé. Fiquei numa sala escura, de móveis e persianas escuros, durante horas. Aquelas figuras estranhas a me rodear, aquelas ameaças veladas, "vai apanhar", "vai ficar no quarto andar" (junto com os presidiários amontoados e esfomeados).

Depois o interrogatório, onde a dupla-terror da repressão Bonavides/Furkin comandava. Me perguntaram qual era o nome do presidente do CES e eu disse em alto e bom som que era o Edmir. Depois me acusariam de tê-lo caguetado, como se o CES fosse uma entidade clandestina e o nome do presidente fosse secreto. Me perguntaram se tinha muito comunista lá e eu disse que não sabia, o que qué isso?

E, no final, qual era o título do Boletim de Ocorrência? Tentativa de homicídio do governador. Razão? Vocês se lembram daquele travesseiro mofado do zelador, colocado em cima dos cartazes da tentativa de comício do dia primeiro de novembro? Pois é. Serviria, de acordo com eles, para atirar bolas de fogo no governador. Imagine se nós dois íamos fazer uma passeata e ainda atirar bolas de fogo no governador, com a estopa do travesseiro. Essa falta do que fazer da Polícia gera ideias inimagináveis por qualquer ser pensante...

O golpe fascista do dia 13 de dezembro - o Ato 5 - Já no dia primeiro de outubro, o deputado federal por Santos, Mario Covas, denunciava acordos de elementos do governo com a direita radical para o golpe. No dia seguinte, o deputado também santista Gastone Righi ia mais longe, denunciava o ministro da Justiça, Gama e Silva, como o articulador desse esquema golpista.

Gama e Silva tinha sido reitor da Faculdade Mackenzie, berço do CCC e o seu fundador. Tinha ligações também com os direitistas radicais da "Tradição, Família e Propriedade", a tristemente famosa TFP. Mas, a quatro de outubro ouvimos a previsão do que aconteceria, pela boca do presidente Costa e Silva: "O Congresso só desaparecerá se o presidente desaparecer". E foi o que aconteceu. A treze de dezembro, o "putsch".

A princípio se falava que tinham matado o Costa e tomado o poder. Depois se soube ou se convencionou dizer que ele tinha resistido à tomada de posição radical do Ato 5 e, forçado, teve um derrame cerebral. Empossou-se uma junta militar que programou um "pega-pra-capá" em todo o país, com prisões, assassinatos, torturas, cassações e outras atividades menos amenas. Todas as lideranças democráticas do país foram presas, levaram de roldão nosso prefeito eleito em votação consagradora, o negro Esmeraldo Tarquínio, o candidato dos trabalhadores. E fecharam o centro, o nosso "Centro", outra vez.

De cochichos se falavam das prisões, assassinatos e torturas em todo o país, nas masmorras do regime. Era o terror da direita, sobre a população. A gente sentia era aquela sensação de esmagamento, ao ver tão próxima uma vitória da democracia, das forças populares contra a brutalidade da miséria, contra a violência daqueles que matavam estudantes nas ruas, nos quartéis, que tapavam a boca dos políticos com as cassações e implantavam o medo. Foi um desbunde, companheiro, aquele Ato Cinco... Mas não foi o fim. Olha nóis aí outra veis...

Por que só o CES? Cadê os outros? - Os estudantes santistas se reorganizam, como força política e mobilizadora das reivindicações estudantis e populares neste país. E o tom desse ressurgimento é o de fincarem nas bases estudantis suas entidades, em suas lutas internas e próprias. Pois essas são as lutas que levarão as massas a avançar na transformação deste sistema econômico e político injusto, que colocarão o homem acima do lucro. Somente com suas bases participantes é que teremos forças para resistir a um novo golpe e a quantos golpes vierem para atrasar o inevitável avanço histórico das massas ao poder. A luta pelo ensino público e gratuito pelo melhor nível e por melhores condições de ensino, são propostas que devem levar todos os estudantes à luta pela sua conquista.

Agora vão levantar o CES e transformá-lo no Centro dos Estudantes da Baixada Santista (CEBS). E recuperar a nossa sede, na Avenida Ana Costa, 308, apropriada indevidamente pelo governo para cedê-la ao "Projeto Rondon", que se encontra lá até hoje. O imóvel pertence aos estudantes, pois foi comprado com o dinheiro dos estudantes e não com dotações governamentais.

Se fala em meio à Comissão de Estruturação do "Centro", dito através de seu advogado Marco Aurélio Milani, encarregado de vasculhar a burocracia que levou a sede do CES para outras plagas, que aconteceu o fechamento e a tomada da sede baseado na minha prisão e depoimento.

E aí então eu pergunto: Cumé que pode fechar-se uma entidade que na época tinha trinta e seis anos de existência (1932-1968), baseando-se no depoimento de dois garotos, menores púberes e impúberes? Podíamos até ter confessado que no quintal do "Centro" tinha uma ninhada de filhotes do dragão de São Jorge, vomitando labaredas nos reacionários, que ainda assim não dava pra fechar. Por causa dos vinte e oito cartazes encontrados? Não creio.

Por causa do travesseiro em cima dos cartazes, que atiraríamos suas estopas com fogo no governador (aquele, que o zelador lá deixara porque uma goteira o fizera mofado)? Mas será que um travesseiro vai esquentar a cabeça dos estudantes para retomar sua sede? Não. Qualquer um derruba um travesseiro.

Paulo Mattos.


Imagem: final do texto datilografado, no acervo de Paulo Matos

Esta história também foi publicada pelo jornalista em seu blogue na Internet, "Jornal Santos História Paulo Matos", em 27 de setembro de 2009 (consulta em 30/8/2012):

CENTRO DOS ESTUDANTES DE SANTOS
EM 2010, 78 ANOS

PAULO MATOS

Fundado em oito de janeiro de 1932, após percorrer mais de dois terços do século passado como exemplo de organização social e ação coletiva, a história dos 78 anos de participação social do Centro dos Estudantes de Santos – que completa neste janeiro de 2010, - tem muito da dedicação dos transformadores sociais. Como os militantes da JC – a Juventude Comunista do então clandestino Partido Comunista Brasileiro.

Foram estas forças as responsáveis pelos momentos locais de 1968, que inseriram Santos no mundo neste ano mágico, em busca de melhores dias para a sociedade. Apesar da devastação da ditadura militar contra a organização estudantil, após 1964, ela sobreviveu, física e politicamente, se reerguendo durante este ano, terminado com o Ato Institucional nº 5 em 13 de dezembro.

Em 1968, os meninos ficaram adultos e fizeram a opção pelo ataque às estruturas vigentes. Vestiam as roupas dos trabalhadores e as idéias dos transformadores, protestando, em todo o planeta. Queriam mudar, intervir na realidade cruel e adversa construída pelos poderosos.

Realizaram, então, mundialmente, as maiores mobilizações estudantis de todos os tempos, reivindicando liberdades, em um fenômeno que Marcuse explicou em Eros. Foi esse espírito que reuniu sempre os estudantes do CES que, 34 anos após 1968, faz 70 anos.

Fui seu personagem, hoje sua memória. Um resgate possível, em parte, pela abertura democrática dos arquivos do Estado. Está lá o Relatório Reservado/ 98, do CES, entre outras fontes e contribuições dos que restaram vivos e que fizeram possível este registro.

Edmar Cid Ferreira, personalidade cultural do ano e página da revista Isto é, presidente do Banco Santos e do Museu de Imagem e Som de São Paulo, já foi diretor do CES – o Centro dos Estudantes de Santos, nos anos 60. Também o hoje empresário Omar Laino, ambos militantes do CES. E o ex-deputado Gastone Righi, entre outros notáveis, como o hoje governador Mário Covas, Esmeraldo Tarquínio, Oswaldo Justo, Edmur Mesquita e Vicente Cascione. A entidade foi um celeiro de craques, como se diz na área esportiva.

O CES integrou e produziu muita gente boa. Nasceu em oito de janeiro de 1932, no salão do Ginásio Luso Brasileiro: os estudantes se organizavam na primeira entidade geral do país, antes mesmo da UNE. No dia doze, era eleita a diretoria provisória, oficializada no dia vinte. Logo após, os estudantes do CES formam a Falange Acadêmica, que iria engrossar os seis mil voluntários santistas que iriam para a frente de batalha no MMDC – a sigla formada pelas iniciais de Marcos, Miragaia, Drauzio e Camargo, os estudantes assassinados a 23 de maio em São Paulo e que deram nome à Revolução Constitucionalista de 1932.

Presidido por Daniel Gomes e Marcelo Árias em 2001, desde onze de setembro de 2000, ligados ao Partido Comunista do Brasil e estudantes de Direito, o CES hoje integra universitários e secundaristas. Na meta da retomada da mobilização dos estudantes pela redução das mensalidades, construindo e reconstruindo entidades - como afirma o dirigente estudantil. Antes dele ocupou o cargo Márcio Souza – presidente da junta de reconstrução - e Marcelo Lima, que por quase uma década controlou o CES.

A TRAJETÓRIA

O primeiro presidente da entidade, respeitada e atuante nos destinos da cidade, foi Edu Brancato – com a diretoria integrada ainda por Oswaldo Paulino, Eugênio Caetano dos Reis, Benigno Maia, Constantino de Menezes e outros. Em todas as lutas sociais, desde 1934, na gestão de José Leandro de Barros Pimentel – a greve pelos passes escolares nos bondes -, passando pelo O petróleo é nosso em 1946/1947, o CES esteve presente.

Foi o CES que em 1950, na gestão do presidente Inel Alves de Camargo, depois diretor da fazenda municipal, mobilizou a comunidade pela criação do Instituto Municipal do Comércio. Que se tornaria o Colégio José Bonifácio e que criaria a primeira faculdade na cidade, depois fechada. Outra luta que o CES venceu foi em relação à meia - entrada nos cinemas e a meia – passagem dos ônibus, conquistas então inéditas no país. A batalha contra o aumento das taxas escolares foi outra tarefa dos militantes do CES histórico, tornando responsável a juventude.

SEDES E PRESIDENTES

A primeira sede do CES foi a em cima da Galeria Brancato de Brinquedos, sendo a seguir alugada uma sala na rua do Comércio 15, depois outra na Brás Cubas. No sorteio da Associação Predial e através de uma campanha do rádio e de toda a imprensa, foi adquirida a sede da rua Sete de setembro 71. Em 1937, o presidente foi José Ubeira Franco e, em 1939, Mário Romiti, que inaugurou uma quadra de vôlei e basquete. Em 1940, assume Roberto Sasdelli - reeleito duas vezes -, vindo depois Florival Pinto, Roberto Blanco, Mário Cardoso (reeleito) e Horácio Perdiz – que liquidou as dividas da compra da sede.

Em 1947, na gestão de Valter Resende de Melo, ocorrem manifestações contra os aumentos escolares e problemas com a polícia. Vem depois os presidentes José Camargo da Cunha, Ynel Alves de Camargo, Silvio Antunes de Carvalho e Nelson Malavasi.

A 28 de março de 1955, na gestão de Oswaldo Leituga, é comprada a nova sede, na avenida Ana Costa 308. Custou Cr$ 560 mil - em que está até hoje, inaugurada em 8 de janeiro de 1957, no jubileu de ouro da entidade.

O estudante Milton Fuschini dirige a entidade e de 1960 a 1963, a presidência é novamente ocupada por Leituga. Em 1964, o presidente é José Alves Filho, membro da Juventude Comunista do PCB – em clima de altas conturbações políticas e do congresso estudantil, operário e camponês, em pleno 31 de março – cadeia pra muita gente. Gerson Martins, hoje advogado, era o secretário-geral.

ATIVIDADES

A sede da Ana Costa, a segunda, havia sido adquirida do pai de uma militante da casa, com os recursos auferidos com os grandes bailes que promovia na Sociedade Humanitária, em que só se ia de terno. Nos velhos tempos, anos 50, atuou como diretor cultural Gastone Righi – o depois advogado que, em 1964, libertaria os 1.200 presos do Raul Soares –o navio-prisão da ditadura que oprimiu esta cidade, um dos primeiros vinte cassados no país quando deputado federal.

A entidade promovia blocos carnavalescos, patuscados, olimpíadas, travessia do canal estudantil, cursos de alfabetização, jornalismo e biblioteconomia, concurso da rainha dos estudantes, teatro de vanguarda e montagem de barraca de praia – dos já citados maiores bailes da cidade, na Sociedade Humanitária.

O CES mantinha convênios com os clubes esportivos para livre freqüência dos estudantes – tarefas aglutinadoras reforçadas nas gestões dos militantes da Juventude Comunista. Na entidade militou Luiz Rodrigues Corvo, que aos 18 anos era secretário do comitê central do PCB, eleito vereador em Santos e o primeiro a ser cassado pela própria Câmara, amedrontada pelos gorilas que fariam a tragédia de 1964.

Em 1956, o CES promove um auspicioso concurso literário, o Penas de Ouro, então o maior do país. Em 1963, às vésperas do golpe militar, Thomezão e Valtinho, em mesas de xadrez nos trilhos do bonde na Avenida Ana Costa, impediam a circulação dos coletivos - pela redução das tarifas. Em 1968, Thomézinho, o irmão menor do Thomezão, ambos no céu, seria preso comigo no CES – fazendo história.

O DAY AFTER

Em 1964, a intervenção da ditadura sobre a entidade nomeou, para dirigi-la, o estudante Takeo Siosaki, sargento do Exército e presidente do grêmio do Canadá - em 20/3/65. Foi ele quem empossou Gilberto Minas e Miriam Pedro na direção do CES, estes que com que os membros da JC fizeram entendimentos que possibilitaram a reconstrução de 1968 - em uma assembléia dos grêmios estudantis da Baixada Santista, em 17 de agosto. Uma tarefa da juventude do PCB desde o início, concluída com a invasão do prédio pelos estudantes, reocupando seu espaço.

Em julho, no dia cinco, Santos se insere no mundial 1968, realizando uma grande passeata, articulada no CES junto com a UNE, a AUBS e a UEE – contra a ditadura e a violência, que havia assassinado Edson Luiz. A AUBS, Associação dos Universitários da Baixada Santista, presidida pelo depois jornalista João Moreira Sampaio Neto, ganhava uma sala no CES.

A TOMADA DA SEDE

No dia doze de novembro de 1968, os agentes do DOPS – Delegacia de Ordem Política e Social -, invadem o CES e prendem este hoje jornalista e o colega Nilton Thomé. O fato ocorreu durante a visita do então governador - interventor Abreu Sodré à Sociedade Italiana, em frente, descobrindo os cartazes produzidos para a passeata do dia quatro, que havíamos escondido no quintal. A manifestação foi impedida pela maciça repressão, com a praça Mauá, onde se realizaria o ato, ocupado militarmente.

O processo em função do fato (alegaram um inverossímil atentado ao governador), da Sétima Vara da Justiça Federal de SP, com sentença de 16/4/75 - assinada pelo juiz Dr. João Gomes Martins Filho -, toma dos estudantes sua sede, em termos antijurídicos, mas legais, nestes tempos de arbítrio. A representação estudantil havia sido reformulada pelo Governo Federal, inconstitucionalmente, pelo Decreto Lei 228, de 28/2/1967, proibindo sua existência.

O CURTO VERÃO DA DEMOCRACIA

O CES atuou intensamente neste curto período de abertura política de 1968, encerrado pelo Ato cinco. Promovendo passeatas, vigílias, panfletagens e dezenas de assembléias densamente freqüentadas, fazendo adultos os meninos de então. Foi o tempo da prisão de Max e Clóvis, a qual reagimos em diversas manifestações. O CES era dirigido pela junta integrada por Edmir Elias Albino (Carmo), Jaime Rodrigues Estrella Júnior (o Cebola, do José Bonifácio) e Antonio Carlos Paim (Canadá), eleita na assembléia que reconstruiu a entidade.

Antes dessa que chamávamos troika, concretizando o trabalho de Aníbal Ortega (do Martim Afonso) e Edvaldo Alves (do Luiza Macuco) - militantes da JC encarregados de renascer o CES, nos planos elaborados no bonde 17 -, tomou posse a junta composta pelos estudantes Daniel Gomes Rodrigues (presidente do GEVC, o grêmio do Canadá), Aníbal Ortega, Bartolomeu Lima (Luiza Macuco) e Luiz Pinto Dias.

Mas eis que em treze de dezembro chega o arbitrário Ato Institucional número cinco – quinhentas cassações e dez mil presos em todo o país. O CES é fechado, os grêmios proibidos, substituídos por Centros Cívicos – tudo dentro dos planos de controle dos estudantes pela ditadura. Em dezembro, o telex manda desocupar a sede: já estávamos longe. Iríamos operar a clandestina FME – Frente de Mobilização Estudantil, com pichações em toda a cidade denunciando a ditadura, combatida pelo CCC – o Comando de Caça aos Comunistas.

CEBOLA

Um dos membros da junta governativa do CES em 1968, Jaime Estrella Júnior - o Cebola - hoje denomina a Estação Rodoviária, uma homenagem do prefeito David Capistrano. Em 1975, resistiu à tortura imposta pelos militares no DOI-CODI, na época do assassinato na tortura do jornalista Vladimir Herzog, onde foi obrigado a pisar em brasa por tentar reorganizar o Partido Comunista Brasileiro. Era da Junta Governativa com Antonio Carlos Paim e Edmir Elias Albino.

Nessa época de barbárie, o patrimônio da entidade passa para a União, que o cede – apesar de não ser seu - para o MEC. Que o passa para a Universidade de São Carlos, por sua vez para o Projeto Rondon, que sai do prédio em 1981.

A propriedade retorna ao MEC que, em 1984, então dirigido por Marco Antonio Labella, ameaça vendê-lo para custear uma creche para a Universidade. Só em 1989, através de projeto do deputado federal do PT, Gumercindo Milhomem, a sede da Ana Costa voltaria às mãos dos estudantes – retomada de fato em 1982, a 22 de outubro.

A legalização da entidade caminhou com o advogado Sérgio Sérvulo da Cunha. A biblioteca do CES, que foi uma das maiores do país, desapareceu após as ocupações governamentais, junto com tudo o que existia lá, destruído como a sede.

PODE ME PRENDER, PODE ME BATER, QUE EU NÃO MUDO DE OPINIÃO...: EM 1980, A RESSURREIÇÃO!

Em 1980, o auge: ocorre o Congresso de Reconstrução do CES, que permaneceu inativo desde 1968, na Faculdade de Arquitetura – palco democrático de inúmeras manifestações nestes tempos. Foi a eleição de maior participação da juventude na entidade, que amplia sua representatividade para os universitários, além dos secundaristas – que já atuavam juntos em 1968.

Desse massivo encontro de centenas de estudantes, saem três chapas para a disputa: Todo Mundo no Centro, liderada por Eduardo Sanovicz (Arquitetura) e articulada pelos integrantes do PCB, então clandestino, e Mobilização Estudantil - que tinha, como candidato a presidente, o estudante Dogival Vieira dos Santos (Jornalismo).

Era a chapa de que eu fazia parte, reunindo o que seria a base estudantil do PT que estava sendo fundado. E os estudantes reunidos no MR-8, liderados por Marco Antonio Campanella (Turismo), na chapa Chega Mais, nome de uma novela global de então. Como pano de fundo, divergências quanto aos métodos de combate ao aumento das mensalidades escolares.

A eleição de 11 e 12 de junho de 1980 foi a maior que o CES teve em toda sua existência, apesar da repressão em algumas escolas impedindo o pleito, algumas promovendo até excursões para impedi-lo, como o Colégio Santista. Com cerca de 17 mil votos no total, quase um terço dos 60 mil estudantes da época, em 59 urnas nas faculdades e em 25 colégios particulares, em Santos, São Vicente, Guarujá, Cubatão e Praia Grande. Venceu a Todo Mundo com 6.845 votos, 1.231 de diferença, seguido da Mobilização com 5.674 e da Chega Mais com 4.168. Foi um dos grandes momentos da entidade, que fez história.

As diretorias são renovadas até 1987, um vácuo até 1989, prosseguindo após até este fim de século. Mas na fachada da sede já não há, nas colunas, as cores da bandeira paulista - e da liberdade -, o preto e o vermelho, a alma do CES.

Centro dos Estudantes de Santos (CES)

Vídeo postado no YouTube em 7/10/2008 por Thiagobrts (consulta em 30/8/2012)

 

Congresso do CES 2008

Vídeo postado no YouTube em 14/11/2008 por Tozkera (consulta em 30/8/2012)

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