O teatro amador desponta
Retomemos a história por volta de 1940. Com a guerra, as
companhias estrangeiras deixaram de viajar e muitos artistas vieram para a América e aqui se radicaram. Foi quando em São Paulo fundou-se o TBC
(Teatro Brasileiro de Comédia), marco de início de uma fase de profundas mudanças no teatro brasileiro, inclusive em Santos. Nesta época a cidade
tinha no teatro do Centro Português o centro de sua atividade cultural. O diretor era Alberto Vieira, que fazia o teatro de
ponto, montando em geral comédias de costumes.
Outros clubes da cidade mantinham grupos amadores, mas foi com
o aparecimento do Clube de Arte (1955) que começou a fase de efervescência do amadorismo. O Clube foi para nós o que o TBC representou para o país,
comparação feita pela crítica de arte de A Tribuna, Carmelinda Guimarães, em artigo de 9 de agosto de 1983. "Eles aboliram o ponto e
trouxeram a presença do diretor que trabalhava o espetáculo como um todo".
No
final dos anos 50, início dos anos 60, o movimento era impulsionado pelo Clube de Arte e por uma de suas mais ilustres freqüentadoras,
Patrícia Galvão, a Pagu, musa da Semana da Arte Moderna de 1922, do teatro de vanguarda santista e do
cárcere político.
O Clube, que ficava na Avenida Ana Costa, tinha como associados
nomes de grandes intelectuais, artistas e arquiteto: Pagu, Evaristo Ribeiro, Paulo Lara, Oscar Von Pfull e sua esposa Gilberta Autran,
Evêncio da Quinta, o Zêgo, entre outros.
Na época, o Coliseu além de ser muito caro era por demais
espaçoso. O Teatro da Rádio Clube era muito usado (hoje Cine Alhambra)
(N.E.: já demolido).
O Teatro Independência, hoje discoteca
Zoom (N.E.: depois casa de bingo), localizado na
Avenida Ana Costa, substituiu o Teatro do Rádio, sendo às vezes alugado pelos grupos. O Festival realizado por Paschoal
Carlos Magno no Teatro Coliseu, a Comissão Municipal de Cultura e o departamento cultural do jornal A Tribuna, que existia na época, foram os
grandes responsáveis pelo crescimento do amadorismo. Antes restrito aos clubes e centros de sociedade.
Nessa década de 60 os grupos dependiam das instalações e
ajuda destes. Os espaços eram: Círculo Operário de Santos - uma pequena sede na esquina da Rua da Constituição com Marechal Pego Júnior -, o
A. A. Portuguesa (Estádio Ulrico Mursa), o Clube Sírio Libanês, o Centro
Português de Santos e o Teatro do Sesc-Senac que ficava na Avenida Conselheiro Nébias, 303, conhecido como Teatro de
Arena.
O I Festival
Regional
Em 1968, o jornal A Tribuna, através de seu departamento cultural,
chefiado pelo professor Luís F. Carranca, e com o incentivo de Patrícia Galvão, que também ra funcionária do jornal e promovia cursos de Arte
Dramática, resolve em conjunto com a Comissão Estadual de Teatro organizar o I Festival de Teatro Amador para Santos e Litoral, aos cuidados da
Comissão Municipal. O objetivo dos santistas era que se tivesse um teatro de Santos com qualidade. Na época, éramos visitados apenas quatro vezes
por mês pelas representações teatrais que eventualmente vinham da capital.
Todos os espaços da cidade foram utilizados pelos amadores. Os grupos que
participaram na época foram: Geti (Grupo Experimental de Teatro Infantil), dirigido por Patrícia Galvão - Os Independentes, dirigido por Evêncio da
Quinta - Conjunto Teatral São José - Teatro do Clube Sírio Libanês de Santos, Corporação Cênica do Centro Português, Clube de Arte de Santos, Teatro
do Comerciário Sesc-Senac e o City Atlético Clube.
No ano seguinte, o Departamento de Cultura teve a iniciativa de trazer o II
Festival Nacional de Estudantes para ser sediado em Santos. Foi o maior evento do período. Hospedaram-se cerca de 800 estudantes, dezenas de
críticos e jornalistas de todo o país. Foram erguidos palcos nos logradouros públicos, promoveram transporte urbano gratuito (na época feito pelos
bondes) e complementaram os cenários que os grupos de fora não puderam trazer.
Nunca a cidade teve tanto movimento. Foi o impulso necessário que o nosso teatro
precisava, pois, na época, os espetáculos produzidos já eram de primeira qualidade.
Foram os amadores, nos anos 60 e início dos 70, que mantiveram vivo todo o
universo da cultura através do teatro, enfrentando e ludibriando a censura. Quem acompanhou a trajetória do Geti, Tevec, Independentes, Tev, Teatro
Clássico, bem como o teatro amador produzido pelo Clube de Arte, Centro Português, Teatro Estudantil de Novos e nos clubes perceberá a importância
para o teatro santista de Paulo Lara, Patrícia Galvão, Dráusio da Cruz, Luiz Freire e Evêncio da Quinta.
No resgate da memória viva temos profissionais como
Plínio Marcos, Gilberto e Oscar Von Pfuhl, Greghi Filho,
Gilberto Mendes, Nélio Silva, Paulo Jordão, Serafim Gonzalez, Lizete
Negreiros, Cleide Eunice Queiroz, Nei Latorraca, Jonas Mello, Nélio Mendes, Ademir Fontana, Newton Telles, Roberto Peres, Jandira Martini,
Neyde Veneziano, Carlos Alberto Sofredini, Rubens
Ewald Filho, Carlos Pinto, Tanah Correa, entre outros. São profissionais que iniciaram na cidade uma
revolução cultural. Enquanto amadores tinham a consciência de que deveriam ousar tanto na forma e linguagem quanto na escolha de autores para
encenar.
De 1959 a 1977 desfilaram pelos palcos santistas espetáculos produzidos pelos
amadores citados que deixaram marcas. Época dos Inocentes, Fando e Liz de Arrabal, Os Físicos
de Friederick Durrenmatt, A Falecida de Nelson Rodrigues, Electra de Sófocles, Pic-Nic no Front de Arrabal, Vocês Querem
Representar Comigo de Marcel Achard, A Farsa do Mestre Pathelin, Unicórnio de Vidro, A Margem da Vida, de Tennessee
Williams, A Paz de Aristófones, O Traído Imaginário de Moliére, Pedreira das Almas de Jorge Andrade, Prometeu Acorrentado
de Ésquilo.
Foram espetáculos que surgiram como pontos altos dentro de um movimento que
permaneceu sempre intenso, que, segundo Roberto Peres em matéria publicada no jornal Cidade de Santos de 18/07/1982, ofereciam propostas
cênicas ousadas e um verdadeiro laboratório para autores. Em 1972, Jorge Andrade veria seu texto As Confrarias pela primeira vez no palco,
sob direção de Wilson dos Santos.
Nesse mesmo ano Valter Rodrigues dirigiu a adaptação de "Z" de Vassili
Vassilikis para o teatro feita por Dimitris Diritríades, num tempo em que a censura retinha o filme de Costa Gravas para o Brasil. O público, que na
maior parte das vezes correspondeu ao trabalho dos amadores, achava que o trabalho amador feito em Santos era melhor que os espetáculos
profissionais que aqui chegavam do eixo Rio-São Paulo.
Em 1977, com o movimento amador bastante esvaziado, Valter Rodrigues dirige
Panorama Visto da Ponte, de Arthur Miller, com o Tevec, que encerra suas atividades. O movimento se esvazia e os grupos praticamente
desaparecem, Neyde Veneziano cria a partir de trabalhos anteriores o grupo Gextus. Ao assumir a Secretaria Municipal de Cultura, em 1986, Tanah
Correa inicia junto à Federação de Teatro Amador um trabalho que visava oferecer espaços para ensaios dos grupos espalhados. Embora o Gal e Teca
realizassem espetáculos infantis anteriores a 1986, é somente em 1987 que acontece o Festa - Festival de Teatro Amador de Santos.
De 1987 a 19894, acompanhando os festivais como espectadora, percebo uma mudança
de mentalidade e formação dos grupos existentes. Espetáculos que me emocionaram, quer seja quanto ao conteúdo, forma de linguagem: A Lenda do
Guará Encantado, Revista do Henfil, A Relativa Revista, Capitães de Areia, Bailei na Curva, Absurda Noite dos
Absurdos e o Projeto Carlitos, o espetáculo Terra, no teatro universitário. Cenas para uma Proposta por universitários do
Carmus sob a direção de Roberto Peres, Antígona de Sófocles direção de Tanah Correa, destaque para o trabalho de Iracema de Paulo Ribeiro no
último festival com a Árvore que Andava de Oscar Von Pfuhl e Jogo do Jogo direção de Filomena Porto.
Gilson de Melo Barros, André Leachen, Dagoberto Feliz, Miriam Vieira, Célia
Abadia, Eliel Ferreira, Bartô, Toninho Dantas e os profissionais do teatro de hoje como Giácomo Pinotti, Nivia Diegues, Amauri Alves, Charles
Miller, Marco Antonio Rodrigues, Orteyde Faia, Sérgio Guerreiro e Roberto Marchesi, estão em cena provando que a cidade de Santos tem contribuído
para a cultura nacional, revelando através do movimento amador grandes artistas de hoje quanto os de décadas passadas.
Os amadores de teatro contemporâneo buscam espaços alternativos. Alguns trabalham
fundamentados na pesquisa, outros ousam experimentar idéias e efeitos, aprendendo com os erros e procurando um crescimento e conteúdo em suas
propostas. Eles continuam fazendo a festa.
É uma geração que reflete as marcas da transformação
ocorrida na sociedade.
(Pesquisa de Vanessa Campos).
A primeira peça que eu assisti foi Romeu e Julieta, de Shakespeare, no
Morro de São Bento, com o Circo Teatro Bibi. Eu tinha dez anos. O circo vinha uma vez por ano, nas férias, e para o
pessoal pobre era a única diversão e o único contato com o teatro.
O Céu Uniu dois Corações era uma coisa sublime. Eu era pequena e não tinha
dinheiro para a entrada. Um senhor que trabalhava no circo permitia que as crianças pobres entrassem por baixo da lona depois que o espetáculo
começava.
Também a Caravana do Peru que Fala, do Sílvio
Santos, fazia circo-teatro na periferia.
Jane. |