No Real Centro Português, 1965, cena de Barco Sem Pescador: Amilcar Teixeira,
Lizete Negreiros, Marina Pinheiro, Silvia, Marco Pinheiro e José de Andrade
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MEMÓRIA
O salto qualitativo do teatro santista
A memória do teatro santista foi revirada por um trabalho de pesquisa que
registrou depoimentos dos que fizeram e assistiram o teatro da cidade. O balanço deste projeto da crítica de teatro de A Tribuna, Carmelinda
Guimarães, foi feito ontem durante uma Conversa de Botequim no Bar da Praia. Publicamos aqui algumas das reflexões e uma pesquisa sobre o
Teatro Coliseu, que deverá ser restaurado, a partir do próximo ano, com previsão de entrega para 1997.
Carmelinda Guimarães
Crítica de teatro
Durante três meses ouvimos na Oficina Cultural Pagu mais
de trezentas pessoas, que passaram para prestar seu depoimento: artistas, espectadores, produtores e agentes culturais, ou simplesmente quem
acompanhou o projeto História do Teatro de Santos. O fio da memória foi sendo recuperado de maneira orgânica, mostrando o verdadeiro sentido
das coisas, que é sempre produzido por valores locais. Emergiu a cultura e o conceito de cidadania em seu sentido pleno, a inteligência.
Uma forte vocação teatral trazida pelos imigrantes italianos e portugueses é a sua
origem e transparece nas casas de espetáculos, a primeira de 1830, no Largo da Misericórdia (hoje
Praça Mauá) esquina com travessa do Teatro (hoje Rua Riachuelo), seguida do Teatro Guarani de 1882, do Teatro do
Real Centro Português (em vias de restauração), do Coliseu, de 1924, salas de arquitetura cada vez mais elaborada,
comportando mais lugares e seguindo uma programação intensa, tanto de companhias profissionais, quanto de grupos amadores.
Fruto da iniciativa particular e atendendo aos anseios da população, este movimento
era mais intenso e bem estruturado, no começo do século (N.E.: século XX) do que o
promovido hoje pela administração pública, que deveria ter este objetivo, como finalidade primordial.
O movimento teatral local sempre existiu na Cidade, com muita importância. De tempos
em tempos algumas pessoas e instituições deram a ele maior sentido e força. Caso de Patrícia Galvão, Carlos
Pinto e Tanah Correa, com relação a momentos diferentes dos festivais de teatro amador. Ou a diretores como Dindinha Sinhá, o maestro Luiz Gomes
Cruz e Antônio Faraco, agindo como formadores. O Clube de Arte e grupo na linha dos Independentes, do Tefi, Tevec, Tep, que fizeram escola.
Iniciativas como o Tic conduziriam o movimento à necessária e esperada
profissionalização. O crescimento natural deste teatro foi cortado no final dos anos 60, pela ditadura, que exerceu a mesma função castradora em
todo o País, provocando, na Cidade, o êxodo dos artistas intelectuais rumo à metrópole. Mas, a ruptura não foi total. Um trabalho subterrâneo
prosseguiu. No Studio 800, um espaço cultural underground, ele continua em ebulição. Sua importância só aparece agora, com esta pesquisa.
Revelando que não foram de escuridão absoluta os anos de trevas.
O resultado desta juventude que não parou de pensar e tentar se expressar pelo teatro
aparece hoje, em mais de 30 grupos amadores, bem estruturados e com características próprias, que começam a emergir.
De novo o teatro de Santos está prestes a dar salto qualitativo. É necessário que
autoridades e instituições que hoje detêm o poder não se mantenham alheios a isto.
Pode ser o grande momento para que a cidade tome em suas mãos a produção cultural, e
deixe de ser apenas receptária do teatro profissional que vem de fora.
Ficha técnica - O projeto História do Teatro de Santos realizou-se de
agosto a novembro, na Oficina Cultural Pagu, dirigida por Tanah Correa. Foi subvencionado pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo.
Coordenação de Carmelinda Guimarães (crítica, doutora em teatro pela USP), tendo como
assistentes: Heraldo Vicente (historiador), Luiz Carlos Gomes (ator e diretor), Terezinha Tadeu (atriz e diretora), Urivani Rodrigues de Carvalho
(folclorista), Vanessa Campos (pesquisadora e atriz).
No Clube de Arte, em 1957, Gilberta e Oscar Von Pfull, Antonio Faraco, dr. Clóvis
Carvalho, o engenheiro Frederico Neiva, Antonio Faria, Nélia Silva, entre outros. Com os prêmios Arlequim do III Festival Paulista de Teatro Amador
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TFFL, um trabalho de grupo
Neyde Veneziano (*)
Colaboradora
O grande desenvolvimento do teatro brasileiro se deu por aglutinação e diáspora.
Pessoas se juntavam ou se aglutinavam em torno de um grupo, trabalhavam durante certo tempo e, depois, a equipe explodia, fragmentava-se, formando
vários outros grupos ou companhias que se tornariam, também, importantes.
Assim se deu com o TBC, de onde saíram as companhias de Cacilda, Walmor, Ziembinsky,
Cleide Yáconis, Tônia, Célia, Autran, Nídia Lícia e Sérgio Cardoso, o Teatro dos 7, Maria Della Costa e Sandro Polônio.
Também foi assim com o Arena, o Oficina (que hoje se reestabelece na pessoa de seu
líder com o Asdrúbal) e até com o Pessoal do Vítor, que iniciou o Curso de Artes Cênicas da Unicamp.
E assim também foi com o Teffi. Um grupo de princípios estéticos definidos, que
perseguia a ousadia cênica e que cultivava um grande respeito pela literatura e pela palavra. Que sabia que teatro universitário tem missão
diferenciada da do teatro comercial e que, portanto, poderia se arriscar em obras clássicas e de vanguarda.
Hoje, a maioria das pessoas que formaram o Teffi continua a atuar no campo teatral.
Ney Latorraca, Soffredini, Jandira Martini, Eliana Rocha, Perito Monteiro e Rubens Edwald são exemplos de que a diáspora se deu de forma produtiva.
São atores, diretores e autores que continuam fiéis aos seus ideais da juventude. Separados pelo espaço físico, atuando em pontos diferentes,
continuam juntos na forma de pensar o teatro e a sociedade brasileira.
Sobre esta história, muito já se disse e pouco se escreveu. Disposta a reconstruir
este passado que também é dela. Carmelinda conseguiu o que se considerava impossível: trouxe, de volta a Santos, de uma só vez, todos os artistas
que hoje estão atuando no cenário nacional e que, um dia, fizeram parte do teatro santista. Para que a nossa tradição não se perca. Para que os
jovens saibam que aqui sempre houve um movimento rico e expressivo na área teatral. Pois é da dialética incessante entre a tradição e a novidade, da
continuidade e da ruptura, que a criação cultural se processa e progride.
(*) Neyde Veneziano é diretora teatral.
Carmelinda Guimarães ao lado de Sergio Mamberti, durante depoimento na Oficina
Cultural Pagu
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A história do Coliseu
Heraldo Vicente (*)
Colaborador
A história oral, técnica e moderna de resgate do passado possibilita um exercício de
memória e de reflexão para aquele que se dispõe a dar o seu valioso depoimento. Quando deslocamos o foco do nosso olhar para o passado
experimentamos certa estranheza, frente a fatos e situações que, muitas vezes, nos passaram despercebidos. Pelas transformações dos costumes, do
modo de pensar, enfim, de tudo aquilo que fazia parte do nosso cotidiano. Assim, os depoimentos sobre o teatro em Santos, pelos envolvidos direta ou
indiretamente na construção do espetáculo ou mesmo pelos espectadores, constituem acervo de consulta indispensável para estudar e escrever a
história desta cidade.
Direcionamos o foco de luz para o Coliseu.
A Cia. Coliseu Santista inaugurou, em 1887, um velódromo de madeira que veio a
desaparecer em 1903. No mesmo local, em 1909, surgiu a Companhia Coliseu Santista. Construção de madeira, servia para apresentações culturais e
manifestações políticas.
O Coliseu que conhecemos foi inaugurado em 21/6/1924, com o nome de Teatro Coliseu
Santista. Moderno, luxuoso e confortável, veio preencher uma lacuna na cidade, uma vez que o Teatro Guarany não atendia às exigências da época.
Construído em estilo neoclássico eclético, possui, também, elementos art-decô
(escadarias e sanitários) e art-nouveau (luminárias, poltronas e portas).
A acústica era excepcional, graças ao recurso técnico do espelho d'água sob o palco,
permitindo que a voz do ator, mesmo em tom baixo, fosse ouvida por todos.
Para a construção do teatro o empreiteiro Ciríaco Gonzalez mandou vir mão-de-obra
especializada de Portugal e Espanha, especialmente na fase de acabamento. O ferro da estrutura veio da Inglaterra; o cimento e o mármore de Carrara
da Itália e as telhas de Marselha, na França.
Na inauguração, foi representado A Bela Adormecida, libreto do dr. João Kopke e
partitura do dr. Carlos de Campos, presidente do Estado de São Paulo. A festa de inauguração terminou, como conta a revista Novidades de
junho/julho de 1924, "com um seleto baile a que compareceu o set santista".
O teatro possuía salão com 11 largas janelas, seis portas com vitrais, 39 lustres
distribuídos por entre 13 colunas dóricas, cortinados e luxuosas tapeçarias confeccionadas pela Casa Alemã. Dispunha, também, de 35 camarins, salão
de cenografia, salão de ensaios, de contra-regra, cabine elétrica, depósito para material, instalações sanitárias, seção de vestiário e bufê.
A sua capacidade era assim distribuída: 600 poltronas, 225 poltronas de foyer,
27 frisas, 27 camarotes de 1ª classe, 25 camarotes e 2ª classe, 220 balcões, 110 galerias numeradas, 600 gerais.
Ao todo eram 2.300 lugares, contando com o salão de festas e foyer. O vão entre
o palco e a platéia foi executado conforme o sistema wagneriano, comportando uma orquestra com cem músicos.
As paisagens e as cenas lúdicas foram pintadas por Adolfo Fonzani. Esse artista
italiano estudou no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e a sua primeira exposição só veio a ocorrer em 1930 em São Paulo.
Perfil do cotidiano - Na década de 30 passou a funcionar também como
cinema. Na década de 40 atingiu seu apogeu, recebendo grandes companhias de revistas e óperas.
Contemporâneos do Coliseu na década de 40: Roxy, Cassino, Paramount, Astor, Miramar,
Carlos Gomes, Paratodos, São José, Avenida, Santo Antonio, São Bento, Popular e o D. Pedro II. Estes cinemas também abriam espaço para a
apresentação de peças amadoras com finalidade beneficente.
Entre os filmes exibidos naquele ano pelo Coliseu estavam: Era Uma Vez 2 Valentes,
com Stan Laurel (o Magro) e Oliver Hardy (o Gordo); A Sereia das Ilhas, com Bing Crosby e Dorothy Lamour; No Tempo das
Diligências, com John Waine; O Homem Imortal, com Boris Karloff; O Mágico de Oz, com Judy Garland; Nos Bastidores de Londres,
com Charles Laughton e Vivien Leigh; O Astro do Tango, filme argentino com Hugo de Carril.
Em janeiro de 41 o Coliseu apresentava Baby Revista, direção de Dindinha Sinhá,
coro e orquestra sob a direção do maestro Gomes Cruz. A atriz foi Aracy L. Castilho.
Em março de 41, a companhia Dulcina/Odilon fez temporada em Santos. No repertório as
peças Cara ou Coroa, Os Homens Preferem as Viúvas, Sinhá Moça Chorou, e outras.
Na década de 50 o teatro vai perdendo sua importância. Em 1967 começou a ser
descaracterizado com a demolição dos fundos do teatro (camarins e oficinas) para a construção de um posto de gasolina. Na década de 70, a exibição
de filmes pornográficos revelava a decadência cultural do teatro e da Cidade.
Preservação - Na década de 80 intensificou-se o movimento pela preservação
desse importante patrimônio. Para impedir a demolição do Coliseu foi enviado, em 31 de julho de 1982, abaixo-assinado ao arquiteto Ruy Ohtake, então
presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado (Condephaat). Estava aberto o processo de
tombamento que foi concluído em 1989. Em 1992 foi considerado de utilidade pública. Em fevereiro de 1993 o imóvel passou a pertencer à Prefeitura da
Cidade através de desapropriação negociada com a família Freixo.
Pelo Coliseu passaram grandes destaques do cenário artístico nacional e internacional.
Entre eles Rubinstein, Guiomar Novais, Bidu Sayão, Conchita de Moraes, Dulcina de Morais, Vicente Celestino, Cacilda Becker, Bibi Ferreira, Itália
Fausta, Villa Lobos, Carmem Miranda, Oscarito, Procópio Ferreira, Paulo Autran, Maria Della Costa.
(*) Heraldo Vicente foi colaborador de
Carmelinda Guimarães no projeto História do Teatro de Santos. |