Teatro Guarani
Por volta de 1876 começou a ser verdadeiramente
sentida em Santos a falta de um teatro.
O que existia com esse nome
não preenchia o fim para o qual haviam destinado, pois aquele velho armazém do Largo da Coroação, hoje
Praça Mauá, já não oferecia ao público seguras garantias de estabilidade.
As fendas e as heras que principiavam a aparecer em
suas paredes intranqüilizavam muitas vezes a assistência.
Destarte brilhou um dia no espírito de algumas figuras
prestigiosas da cidade, a idéia de constituírem uma associação, que se encarregasse de obter os necessários fundos e de levar a efeito a construção
de um teatro cômodo e amplo.
Inúmeras pessoas afagaram desde logo a excelente
idéia. Mas, na verdade, a associação só apareceu três anos depois.
Uma comissão composta de Antonio José Viana, Francisco
Martins dos Santos e Joaquim Xavier Pacheco, incumbida de angariar numerário para a obra do teatro, conseguiu a subscrição de 512 ações de 200$000
cada uma. Convocou ela, por isso, todos os acionistas para uma reunião a 21 de dezembro de 1879, no salão do Clube XV, à
Rua Itororó, a fim de tomarem conhecimento do resultado daquela tarefa. Acudiu copioso número de subscritores, notando-se entre eles os barões,
depois viscondes de Vergueiro e de Embaré, Matias Costa, Antonio Jose da Silva Bastos, Julio
Backheuser, José André do Sacramento Macuco e muitos outros que omitimos para poupar a imaginação de uma longa e monótona litania de nomes próprios.
Nesse dia, ficou definitivamente instalada a
associação, assentado o nome do teatro, escolhido o local onde devia ser ele edificado e nomeada a comissão elaboradora dos estatutos.
Constituindo a primeira
diretoria, viam-se os seguintes membros: Antonio José Viana, presidente; Francisco Martins dos Santos, secretário; Roberto Maria de Azevedo
Marques, tesoureiro; Joaquim Xavier Pinheiro e Raimundo Gonçalves Corvelo, adjuntos.
Quanto ao local, uns achavam melhor a "Quadra
Mauá", ainda não transformada na atual Praça José Bonifácio e de preferência na face que dava para a Rua Amador Bueno.
Optavam outros pela Praça dos Andradas.
Saíram vencedores os que elegeram esta última. Afora
muitas razões poderosas, concorreu para isso a seguinte circunstância: a Câmara Municipal havia adquirido de Vitorino José Gomes Carmilo, em 1877,
um terreno na Rua das Flores (hoje Amador Bueno) para prolongá-la até a Praça dos Andradas. Aquela rua terminava pouco
antes da atual Rua Vasconcelos Tavares e não tinha saída para a mencionada Praça dos Andradas. Feita a ligação, ficou existindo na esquina dessa
praça com a Rua Amador Bueno um amplo terreno.
Foi essa a área reservada para a edificação do teatro.
Nesse mesmo teatro, quatro anos mais tarde, isto é, em
30 de junho de 1886, o povo de Santos acolheu e festejou, num espetáculo esplêndido, a famosa trágica francesa Sarah Bernhardt.
Desempenhou ela o papel de Margarida Gauttier, no
drama de Alexandre Dumas Filho – "A Dama das Camélias". Foi um
verdadeiro assombro. A imprensa da época não encontrou termos hiperbólicos suficientes para descrever o espetáculo.
Vicente de Carvalho,
numa belíssima crônica, deixou-nos este depoimento de fino observador e psicólogo. "Sarah
cá esteve no dia 20 de junho. Chegou nesse dia à 1 hora da tarde e retirou-se na manhã seguinte às 9 horas, tendo representado nesse intervalo –
'A Dama das Camélias'. Sarah Bernhardt, em carne e
osso – mais ossos do que carne, na frase de Zola – a despejar a sua 'voix d'or'
sobre a platéia do nosso Guarani. Sarah Bernhardt, além de um grande talento, é uma grande extravagância. Essas duas
qualidades suas concorreram de modo diverso para que a admirássemos. Admiramo-la porque é admirável e tivemos ocasião de admirá-la... porque a sua
excentricidade a trouxe - a ela, a Rainha da Arte, acostumada à adoração de Paris e à admiração da Europa -, a este arrabalde longínquo do mundo
civilizado. Ah! Só por um capricho dessa mulher extremamente caprichosa se explica a sua vinda a Santos – a exibição dos tesouros do seu gênio
perante a platéia do Guarani, a sua encarnação de Margarida Gautier diante do pasmo botocudo de admiradores da sra. Apollonia".
E com certa amargura finaliza: "A
vinda da famosíssima atriz passou quase desapercebida entre nós: uma girândola
(fogos de artifícios)
à chegada do trem que a trazia, alguns curiosos à gare
(estação),
aplausos tíbios de uma platéia diminuta – eis os meios pelos quais Santos manifestou os seus sentimentos para com a maior atriz dos tempos modernos".
No ano seguinte, outro artista de grande porte, dos
mais celebrados na Europa, representou nesse mesmo teatro a peça 'Othelo'.
Foi ele Emanuel Giovanni, insigne ator dramático italiano que em 27 de agosto de 1887 revelou ao público de Santos o seu incomensurável talento,
encarnando aquele personagem de Shakespeare de um modo impressionante.
O pensador e filósofo Giovanni Bório, quando teve
notícia do falecimento desse ator, consta que assim se exteriorizou: "Desapareceu
o eco mais puro da alma imensa de Shakespeare".
Artur Azevedo, acerca de quem se disse que teria
espírito até colaborando no 'Diário Oficial', visitou igualmente
em 1907 a nossa cidade. No Teatro Guarani, ao lado direito do palco, lê-se numa placa de bronze esta inscrição: "O
saudoso comediógrafo brasileiro Artur Azevedo assistiu neste teatro a representação da sua comédia 'O Dote', em 16 de junho de 1907.
Comemoração à visita a esta cidade e homenagem promovida pelo Grêmio Dramático Artur Azevedo – Santos, 22.11.1908".
Nesse teatro, que passou a pertencer à
Santa Casa da Misericórdia em 1910, todos os gêneros foram exibidos, desde o burlesco até o trágico. E nele trabalharam as
melhores companhias de outrora, como a de Souza Bastos, a de Braga Junior, a de Pepa Ruiz, a de teatro do Principal Real, de Lisboa, e muitas
outras.
Os protagonistas da Abolição e da
República realizaram ali um sem-número de conferências, como o dr. Antonio Candido Rodrigues, em 10 de abril de 1887, sobre a questão servil; o
dr. Carlos Garcia, em 9 de janeiro de 1886, acerca das vantagens de um governo republicano etc.
A
Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio nele solenizou em 9 de outubro de 1883, com uma sessão magna, o seu quarto aniversário.
Bibliografia: Costa e Silva, Santos Noutros Tempos.
Para ir ao teatro a gente começava a se preparar dois
dias antes. Cabeleireiro, ver se o vestido estava em ordem, o chapéu, as luvas. Era uma cerimônia.
No Guarani havia uma sala reservada às senhoras, em
cima, onde nos intervalos entre os atos as senhoras desfilavam, vendo e sendo vistas. Havia poltronas, era um lugar para conversar.
Uma peça que me marcou muito
foi 'Pinga Fogo', com Cacilda Becker,
que vi no Coliseu. Ela fazia o papel de um garoto e teve que cortar os cabelos. Vi duas vezes.
Yone Cruz, 81 anos.
Íamos ao teatro Guarani de bonde, na vesperal. Havia
muito cuidado com a roupa: luvas, meias e chapéu, mesmo durante o verão, que era muito quente. As jovens usavam roupas mais recatadas, mas as
mulheres iam de boás e jóias.
Vi Palmerin Silva, Dulcina de
Moraes. Era um acontecimento ir ao teatro. Assunto para muito tempo. Até hoje vou ao teatro com prazer. O teatro sempre me traz boas lembranças.
Agora vou com minha filha Carmelinda, que é crítica de teatro e me apresenta aos atores, gente muito boa.
Irene Pereira Soares, 77 anos.
Soube que Sarah Bernhardt era
uma pessoa atraente, muito bonita, esguia e muito vaidosa no sentido de elegância. O quarto dela na Europa era, não diria extravagante, mas
sui generis. Tinha uma atmosfera teatral com plumas de pavão como
enfeite. Como era muito esguia, achava seus braços longos e como subterfúgio para disfarçá-los lançou a moda das luvas mitene.
Isa Archer de Camargo.
A perda do Guarani foi lamentável. Meu pai era um
amante de teatro e nos levava sempre. Tínhamos lugares reservados. Vínhamos de bonde. Era o transporte mais fácil e o que tínhamos na época.
Aos domingos havia matinê, muito bem freqüentada. As
senhoras e senhoritas vinham de chapéu e luvas. Lembro-me de ter assistido, no Guarani, à Companhia do Palmerim e à Dulcina de Moraes.
Quando saíamos das matinês
íamos para a Confeitaria do Rosário para um lanche. Os doces eram deliciosos.
Ada La Scala. |