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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - BIBLIOTECA - TEATROS
Memórias do Teatro de Santos (04)


Clique na imagem para voltar ao índice da obraComo em muitas outras cidades brasileiras, a memória do teatro santista raramente é registrada de modo ordenado que permita acompanhar sua história e evolução, bem como avaliar a importância dos artistas no contexto nacional, rememorando as grandes atuações, as principais montagens etc.

Uma tentativa neste sentido foi feita na década de 1990 pela crítica teatral santista Carmelinda Guimarães, que compilou depoimentos escritos e orais, documentos e outros registros, nas Memórias do Teatro de Santos - livro publicado pela Prefeitura de Santos em 1996, com produção de Marcelo Di Renzo, capa de Mônica Mathias, foto digitalizada por Roberto Konda. A impressão foi da Prodesan Gráfica.

Esta primeira edição digital em Novo Milênio foi autorizada pela autora, Carmelinda Guimarães, em 6 de janeiro de 2011. O exemplar aqui utilizado foi cedido pelo ator santista Osvaldo de Araujo:

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Memórias do Teatro de Santos

Carmelinda Guimarães

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Teatro Guarani

Por volta de 1876 começou a ser verdadeiramente sentida em Santos a falta de um teatro.

O que existia com esse nome não preenchia o fim para o qual haviam destinado, pois aquele velho armazém do Largo da Coroação, hoje Praça Mauá, já não oferecia ao público seguras garantias de estabilidade.

As fendas e as heras que principiavam a aparecer em suas paredes intranqüilizavam muitas vezes a assistência.

Destarte brilhou um dia no espírito de algumas figuras prestigiosas da cidade, a idéia de constituírem uma associação, que se encarregasse de obter os necessários fundos e de levar a efeito a construção de um teatro cômodo e amplo.

Inúmeras pessoas afagaram desde logo a excelente idéia. Mas, na verdade, a associação só apareceu três anos depois.

Uma comissão composta de Antonio José Viana, Francisco Martins dos Santos e Joaquim Xavier Pacheco, incumbida de angariar numerário para a obra do teatro, conseguiu a subscrição de 512 ações de 200$000 cada uma. Convocou ela, por isso, todos os acionistas para uma reunião a 21 de dezembro de 1879, no salão do Clube XV, à Rua Itororó, a fim de tomarem conhecimento do resultado daquela tarefa. Acudiu copioso número de subscritores, notando-se entre eles os barões, depois viscondes de Vergueiro e de Embaré, Matias Costa, Antonio Jose da Silva Bastos, Julio Backheuser, José André do Sacramento Macuco e muitos outros que omitimos para poupar a imaginação de uma longa e monótona litania de nomes próprios.

Nesse dia, ficou definitivamente instalada a associação, assentado o nome do teatro, escolhido o local onde devia ser ele edificado e nomeada a comissão elaboradora dos estatutos.

Constituindo a primeira diretoria, viam-se os seguintes membros: Antonio José Viana, presidente; Francisco Martins dos Santos, secretário; Roberto Maria de Azevedo Marques, tesoureiro; Joaquim Xavier Pinheiro e Raimundo Gonçalves Corvelo, adjuntos.

Quanto ao local, uns achavam melhor a "Quadra Mauá", ainda não transformada na atual Praça José Bonifácio e de preferência na face que dava para a Rua Amador Bueno. Optavam outros pela Praça dos Andradas.

Saíram vencedores os que elegeram esta última. Afora muitas razões poderosas, concorreu para isso a seguinte circunstância: a Câmara Municipal havia adquirido de Vitorino José Gomes Carmilo, em 1877, um terreno na Rua das Flores (hoje Amador Bueno) para prolongá-la até a Praça dos Andradas. Aquela rua terminava pouco antes da atual Rua Vasconcelos Tavares e não tinha saída para a mencionada Praça dos Andradas. Feita a ligação, ficou existindo na esquina dessa praça com a Rua Amador Bueno um amplo terreno.

Foi essa a área reservada para a edificação do teatro.

Nesse mesmo teatro, quatro anos mais tarde, isto é, em 30 de junho de 1886, o povo de Santos acolheu e festejou, num espetáculo esplêndido, a famosa trágica francesa Sarah Bernhardt.

Desempenhou ela o papel de Margarida Gauttier, no drama de Alexandre Dumas Filho – "A Dama das Camélias". Foi um verdadeiro assombro. A imprensa da época não encontrou termos hiperbólicos suficientes para descrever o espetáculo.

Vicente de Carvalho, numa belíssima crônica, deixou-nos este depoimento de fino observador e psicólogo. "Sarah cá esteve no dia 20 de junho. Chegou nesse dia à 1 hora da tarde e retirou-se na manhã seguinte às 9 horas, tendo representado nesse intervalo – 'A Dama das Camélias'. Sarah Bernhardt, em carne e osso – mais ossos do que carne, na frase de Zola – a despejar a sua 'voix d'or' sobre a platéia do nosso Guarani. Sarah Bernhardt, além de um grande talento, é uma grande extravagância. Essas duas qualidades suas concorreram de modo diverso para que a admirássemos. Admiramo-la porque é admirável e tivemos ocasião de admirá-la... porque a sua excentricidade a trouxe - a ela, a Rainha da Arte, acostumada à adoração de Paris e à admiração da Europa -, a este arrabalde longínquo do mundo civilizado. Ah! Só por um capricho dessa mulher extremamente caprichosa se explica a sua vinda a Santos – a exibição dos tesouros do seu gênio perante a platéia do Guarani, a sua encarnação de Margarida Gautier diante do pasmo botocudo de admiradores da sra. Apollonia".

E com certa amargura finaliza: "A vinda da famosíssima atriz passou quase desapercebida entre nós: uma girândola (fogos de artifícios) à chegada do trem que a trazia, alguns curiosos à gare (estação), aplausos tíbios de uma platéia diminuta – eis os meios pelos quais Santos manifestou os seus sentimentos para com a maior atriz dos tempos modernos".

No ano seguinte, outro artista de grande porte, dos mais celebrados na Europa, representou nesse mesmo teatro a peça 'Othelo'. Foi ele Emanuel Giovanni, insigne ator dramático italiano que em 27 de agosto de 1887 revelou ao público de Santos o seu incomensurável talento, encarnando aquele personagem de Shakespeare de um modo impressionante.

O pensador e filósofo Giovanni Bório, quando teve notícia do falecimento desse ator, consta que assim se exteriorizou: "Desapareceu o eco mais puro da alma imensa de Shakespeare".

Artur Azevedo, acerca de quem se disse que teria espírito até colaborando no 'Diário Oficial', visitou igualmente em 1907 a nossa cidade. No Teatro Guarani, ao lado direito do palco, lê-se numa placa de bronze esta inscrição: "O saudoso comediógrafo brasileiro Artur Azevedo assistiu neste teatro a representação da sua comédia 'O Dote', em 16 de junho de 1907. Comemoração à visita a esta cidade e homenagem promovida pelo Grêmio Dramático Artur Azevedo – Santos, 22.11.1908".

Nesse teatro, que passou a pertencer à Santa Casa da Misericórdia em 1910, todos os gêneros foram exibidos, desde o burlesco até o trágico. E nele trabalharam as melhores companhias de outrora, como a de Souza Bastos, a de Braga Junior, a de Pepa Ruiz, a de teatro do Principal Real, de Lisboa, e muitas outras.

Os protagonistas da Abolição e da República realizaram ali um sem-número de conferências, como o dr. Antonio Candido Rodrigues, em 10 de abril de 1887, sobre a questão servil; o dr. Carlos Garcia, em 9 de janeiro de 1886, acerca das vantagens de um governo republicano etc.

A Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio nele solenizou em 9 de outubro de 1883, com uma sessão magna, o seu quarto aniversário.

Bibliografia: Costa e Silva, Santos Noutros Tempos.

Para ir ao teatro a gente começava a se preparar dois dias antes. Cabeleireiro, ver se o vestido estava em ordem, o chapéu, as luvas. Era uma cerimônia.

No Guarani havia uma sala reservada às senhoras, em cima, onde nos intervalos entre os atos as senhoras desfilavam, vendo e sendo vistas. Havia poltronas, era um lugar para conversar.

Uma peça que me marcou muito foi 'Pinga Fogo', com Cacilda Becker, que vi no Coliseu. Ela fazia o papel de um garoto e teve que cortar os cabelos. Vi duas vezes.

Yone Cruz, 81 anos.

Íamos ao teatro Guarani de bonde, na vesperal. Havia muito cuidado com a roupa: luvas, meias e chapéu, mesmo durante o verão, que era muito quente. As jovens usavam roupas mais recatadas, mas as mulheres iam de boás e jóias.

Vi Palmerin Silva, Dulcina de Moraes. Era um acontecimento ir ao teatro. Assunto para muito tempo. Até hoje vou ao teatro com prazer. O teatro sempre me traz boas lembranças. Agora vou com minha filha Carmelinda, que é crítica de teatro e me apresenta aos atores, gente muito boa.

Irene Pereira Soares, 77 anos.

Soube que Sarah Bernhardt era uma pessoa atraente, muito bonita, esguia e muito vaidosa no sentido de elegância. O quarto dela na Europa era, não diria extravagante, mas sui generis. Tinha uma atmosfera teatral com plumas de pavão como enfeite. Como era muito esguia, achava seus braços longos e como subterfúgio para disfarçá-los lançou a moda das luvas mitene.

Isa Archer de Camargo.

A perda do Guarani foi lamentável. Meu pai era um amante de teatro e nos levava sempre. Tínhamos lugares reservados. Vínhamos de bonde. Era o transporte mais fácil e o que tínhamos na época.

Aos domingos havia matinê, muito bem freqüentada. As senhoras e senhoritas vinham de chapéu e luvas. Lembro-me de ter assistido, no Guarani, à Companhia do Palmerim e à Dulcina de Moraes.

Quando saíamos das matinês íamos para a Confeitaria do Rosário para um lanche. Os doces eram deliciosos.

Ada La Scala.

Paulo Autran, o ator da memória do público santista em Seis Personagens à Procura de Um Ator, de Pirandelo, apresentada no Teatro Coliseu

Foto publicada com o texto