Em 1933 éramos atrizes
"Numa peça que fiz, tinha um beijo muito respeitoso.
No dia do espetáculo eu deixava. Nos ensaios,não. Quando fui para a rádio eu já disse logo: Papel romântico vocês não me dêem que eu não gosto.
Gostava de papel dramático, comédia, mas nada de amor".
C.:
Você era a atriz principal?
R.:
Era.
C.:
Quantos anos você tinha?
R.:
Em 33, eu comecei com 15 anos.
C.:
Seu namorado chegou a ver você no palco da Humanitária?
R.:
Acho que não. Eu nunca falei para ele. Eu ainda trabalhava lá, mas como ele só ia me ver aos sábados e domingos, dia de semana eu ensaiava todo
dia. E o dia em que tinha festa, eu dizia que não podia falar com ele. Aí eu ia para a festa e ele ficava de lado.
C.:
Saía o nome no jornal?
R.:
Não que eu me lembre. Se saía, ele não lia.
C.:
Ele chegou a saber que você foi atriz?
R.:
Depois de casada, sim. Ele não falou nada.
C.:
Você tem grandes recordações dessa época?
R.:
Tenho. Pena que esqueci o nome das peças todas.
C.:
Algumas... A Morgadinha, De Tal Flor, Cala a Boca Etelvina.
R.:
João Corta Mar, que passou diversas vezes, porque pediam muito.
C.:
A Virgínia Martins Gonçalves fez Cala a Boca Etelvina... a
Dercy Gonçalves
também fez essa peça. Tinha alguma coisa a ver com o filme?
R.:
Não, nós éramos do romance mesmo. Era uma adaptação assim...
C.:
Havia muito palavrão. Vocês também falavam?
R.:
Não, nem pensar: Deus me livre, credo! A Pilar trabalhava, mas ela era muito feinha, só fazia aqueles papéis meio... Sempre com a mãe do lado.
C.:
A recordação que ficou é boa?
R.:
Sim, os diretores gostavam muito de nós, porque enchíamos a casa.
C.:
Você tinha muita segurança de enfrentar um público?
R.:
Tinha. Naquele tempo sim. Hoje eu sou mais nervosa. Era natural para mim. No rádio eu era conhecida pela voz e eles escolhiam pela interpretação.
Eles logo gostaram. Eu tinha segurança do que fazia.
C.:
E nunca ficou em você uma pontinha de pena de não ter seguido o teatro?
R.:
Por um tempo ficou. Pensei, mas que vida mais insípida, podia ter levado uma outra e por causa de ter medo de falar... Podia ser que meu pai até
deixasse. Naquele tempo, artista não era tão considerado como hoje.
C.:
Como era a repercussão, a aceitação dos colegas de escola, dos vizinhos?
R.:
Eles gostavam. E eles sabiam que era uma coisa de muito respeito, admiravam a gente ter aquele trabalho. Aos 15 anos já era costureira. Largava
da agulha para ir ensaiar. Precisava força de vontade. E a gente fazia aquilo com uma satisfação única. Sabia que não ia ganhar nada com aquilo,
mas...
C.:
Você costurava o seu figurino para o teatro?
R.:
Eu costurava tudo, fazia minha roupa sempre bonita para agradar. Depois tinha o baile.
C.:
Agora você já é viúva... mas continua sendo uma atriz, porque uma atriz é para sempre.
R.:
Já estou viúva há muitos anos e tenho dois filhos nenhum seguiu a carreira artística.
C.:
Você contava que tinha feito teatro?
R.:
Contei para minha neta que tinha ido à Rádio Atlântica e ela se admirou. Foi uma pena não ter continuado e que meu
marido não gostasse. Era tudo muito bonito, muito bom. Eu gostei. Depois, não sei porque aquela sociedade acabou.
C.:
Aonde vocês representavam?
R.:
Nós representávamos à Rua Santos Dumont, onde era a Sociedade. Tinha um salão e um palco grande.
C.:
Era da Humanitária?
R.:
Era Humanitária 1 de Janeiro, não era essa da Praça José Bonifácio.
C.:
Terezinha Tadeu: a senhora conseguiu passar esse amor pelo teatro a alguém da família?
R.:
Minhas netas tomaram parte em peças do Colégio do Carmo. Mas acho o teatro de hoje uma bobagem, sem sentido. Esse
teatro moderno eu não vou. As peças não têm história. Gosto é daqueles filmes antigos em preto e branco, que passam à tarde na TV.
C.:
Que conselho daria aos jovens que fazem teatro hoje?
R.:
Ah, eu não sei. Acho que se fosse convidada a fazer uma peça e fosse uma bobagem dessas, não aceitaria. Eu não tomaria parte. O teatro deve ser
uma coisa onde a pessoa possa exprimir essas emoções. Agora no teatro de hoje, uma hora parecem loucos, outra hora meio abobados... Para quê isso?
Acho que não precisa esforço nenhum para fazer uma coisa dessa. Naquele tempo tinha que chorar 'mesmo' no palco, rir com vontade.
C.:
O diretor falava em algum método de teatro?
R.:
Não falavam. Os diretores do 1 de Janeiro nem se
metiam. Eles deixavam tudo a nosso cargo, com a maior boa
vontade, pois no fim tudo saía bem. Eles confiavam muito na gente.
Depoimento das atrizes Dolores Martins
Branco e Virgínia Martins Gonçalves. |