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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - TEATROS
Nossos primeiros teatros (1)

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Pouco lembrado, o primeiro teatro santista funcionou na atual Praça Mauá ainda no século XIX, e só pouco antes da Proclamação da República, com o apoio da elite cafeeira, foi construído o Teatro Guarany, seguindo-se no século XX o Coliseu, em suas três fases principais.

Essa história foi contada em artigo publicado na edição de 16 de maio de 1993 do jornal santista A Tribuna:

Nosso primeiro teatro

Bandeira Jr. (*)

Nossa primeira casa de espetáculos resultou da adaptação de um prédio inacabado, obra do século XVIII destinada ao hospital da Santa Casa de Misericórdia, no Largo da Misericórdia (e sucessivamente, da Coroação, do Chafariz e atual Praça Visconde de Mauá), esquina da Travessa do Teatro (11 de Junho e Rua do Riachuelo).

Incidente pesquisado pelo mestre Costa e Silva Sobrinho revelou-nos a existência desse teatro antes de 1830, o que lhe confere o título de um dos mais antigos do País, não obstante estar ausente na obra O Teatro no Brasil, de J. Galante de Souza (Rio, 1960).


Largo da Coroação, com o chafariz e, à direita, o armazém que, entre 1830 e 1879,
sediou o primeiro teatro santista, em foto da época

Em 1854, o Teatro de Santos, como grafavam os jornais, recomeçou completamente reformado, diz Costa e Silva: "...a fachada toda pintada de novo e o tom castanho do óleo a brilhar nas cinco portas da Rua do Campo, denominação esta mais tarde desaparecida, para formar o Largo do Chafariz, ou da Coroação, hoje praça Visconde de Mauá".

"As paredes, teto, assoalhos, assentos etc., tudo foi reformado e pintado com gosto e simplicidade" (Revista Comercial - 30/01/1854). A direção do teatro apelava para o público de Santos para que auxiliasse "com sua concorrência este espetáculo, em atenção às despesas que se fizeram, visto que, por infelicidade, nenhum outro divertimento se encontra nesta cidade" (idem). Os preços cobrados eram: camarotes de primeira ordem 7$000 (sete mil réis); de segunda ordem, 6$000 (seis mil réis) e platéia, 2$000 (dois mil réis).

Nesses espetáculos, os santistas tomaram conhecimento de consagrados autores teatrais como Gil Vicente, Antonio José (O Judeu), Gomes Amorim, Garrett, Gomes Leal, Burgan, Scribe, Dumas (pai e filho), Gonçalves Magalhães, Porto Alegre, Martins Pena e outros.

O empresário-ator Domingos Martins de Souza acabou adquirindo da Santa Casa o velho teatro em 12/11/1859.

Mesmo depois de reformada, nossa pioneira casa de espetáculos (com palco, rotunda, pano-de-boca, a clássica caixa do ponto, camarotes e platéia) obrigava os espectadores a levar cadeiras, se quisessem sentar...


Um cartaz de espetáculo no primeiro teatro
Imagem: bico-de-pena de Ribs

Apesar dessa deficiência, nosso teatrinho foi visitado por importantes companhias nacionais e estrangeiras como: a Lírica Italiana (Lúcia de Lamemor - 1861), a Zarzuela Espanhola (1862), as dramáticas de Sales Guimarães, Di Giovanni e inúmeros grupos amadores de Santos e São Vicente.

Igualmente nesse teatro ocorreu o primeiro bal masqué dos foliões santistas, no Carnaval de 1851, e com tal sucesso que se repetiu por muitos anos, dentro e fora do tríduo momístico, como o anunciado para agosto de 1859, aliás de muito mau gosto...

A "pequena e úmida casa de armazém" que "como teatro era um escárnio à face da civilização", segundo o Diário de Santos, alcançou sua noite superlativa no recital do pianista e compositor americano Luiz Moreau Gottschalk, quando executou sua belíssima (e difícil!) Fantasia sobre o Hino Nacional Brasileiro, em 6/9/1869. Lamentavelmente, o insigne artista dos teclados faleceu três meses depois numa clínica da Tijuca, Rio de Janeiro (18/12/1869).

Com o boato de que estava prestes a ruir, a centenária edificação deixou de funcionar como teatro em 1879, porém, com pequenos reparos, ela ainda serviu como armazém cafeeiro e, já no século XX, foi filial das Casas Pernambucanas e loja Duarte Pacheco, pioneira no ramo de material radiofônico. Demolida na década de 1940, deu lugar ao Edifício Novo Mundo, que inclui o Banco Econômico.


Escravo leva cadeiras para seu senhor ver um espetáculo no primeiro teatro
Imagem: bico-de-pena de Ribs

Em abril de 1879 abria, provisoriamente, o Skatin Rink, em terreno cedido pela Câmara Municipal na Rua de São Francisco, esquina do Largo do Itororó (Praça Correia de Melo), oficialmente inaugurado pelo seu diretor, major Antonio Eustáquio Lagarcha, no dia 7 de setembro desse ano.

Armado em zinco e madeira, o Rink era admiravelmente versátil, podendo promover, além da patinação, luta romana, corrida de touros, atividades circenses, teatrais e dançantes - mormente para festejar Rei Momo I e Único. Aliás, foi com grandioso baile na noite de São Silvestre de 1889 que o Rink encerrou suas portas, ao ser superado por concorrente mais poderoso: o Teatro Guarani. No que restou do Rink foi instalada, pelo Governo Estadual, a Comissão de Saneamento, depois Repartição de Saneamento e hoje Sabesp.

Com ruidosos festejos era entregue ao público, na noite de 8/12/1882, o Teatro Guarani, projeto e obra do engenheiro Garcia Redondo, com pinturas artísticas de Benedito Calixto, apresentando em seu palco o drama Mário - extraído do romance Marthe de Kerven, por Eduardo Capendu, e vertido ao vernáculo pelo próprio Garcia Redondo. Durante os intervalos, a orquestra, sob a batuta do maestro Luiz Arlindo da Trindade, executava trechos da ópera de Carlos Gomes, inclusive a arrebatadora Protofonia.

A nova casa de diversões, instalada em local privilegiado, no recém-inaugurado jardim da Praça dos Andradas, pertencia aos srs. Francisco Martins dos Santos (pai do futuro biógrafo de Santos), Joaquim Xavier Pinheiro e José Viana - que, posteriormente, a doaram à Irmandade da Santa Casa de Misericórdia.

O Guarani teve sua noite de glória em 30/6/1886, quando encenou A Dama das Camélias, com a divina Sarah Bernhardt, em carne e osso (mais osso que carne, no dizer de Zola...)

Nos carnavais de 1930 a 36, esse palco pisado pela "melhor dramática de todos os tempos" serviu de passarela para os concursos de choros, ranchos e blocos, promovidos pelos cronistas carnavalescos Espião da Esquina (Décio Villares de Andrade), V. Neno (Esmeraldo Tarquinio de Campos), Reco Reco (Oswaldo Du Pain) e outros.

À medida que os interesses sociais de Santos convergiam para a zona praiana, começava a decadência das casas de diversões (oito cines) e clubes (mais de 12) do centro comercial. Atualmente, dos clubes, resta o Centro Português - diga-se de passagem que seu salão camoniano é uma das coisas mais belas da arquitetura praiana e merece ser preservado. Dos cinemas, sobrevivem dois que apelaram para os shows e filmes eróticos... Do vetusto Guarani estão de pé esborcinadas paredes, tombadas no papel, e, qualquer dia, na realidade física!


Diagrama do primitivo Coliseu Santista, utilizado para práticas desportivas em fins do século XIX
Imagem publicada com a matéria

O primeiro Coliseu Santista projetado por sociedade local (formada pelos srs. José Luiz de Almeida, Heitor Peixoto, Ricardo Travassos e Henrique Porchat de Assis) em meio às obras, foi encampado pela União Sportiva, da Capital, que o transformou em frontão e velódromo, duas práticas esportivas em grande voga nesse fim de século. A nova entidade atlética começou com grande alvoroço em 18/7/1897, para dois anos depois fechar. Reabriu para o jogo da pelota basca em 1901 e, nesse mesmo ano, faliu ruidosamente. Seus bens foram adquiridos em hasta pública (14/8/1903) pelo capitalista Antonio Ferreira de Carvalho e constavam de vasto terreno (4.808 m²), na esquina das ruas General Câmara e Conselheiro Nébias (lado direito).

O Teatrinho Variedades - construído em persianas de madeira, próprias para o clima tórrido de Santos - por Manoel Teixeira da Silva & Cia., pelo preço de 42.000$000 (quarenta e dois mil contos de réis), na esquina da Praça dos Andradas com Rua XV de Novembro (lado par), foi inaugurado em 3/12/1899, com a comédia Mosquitos por Corda, do lusitano Eduardo Garrido, desempenho a cargo do Grupo Dramático Arthjur Azevedo. Vendido em 1902, o Variedades virou café-concerto, filial do Moulin Rouge, famoso cabaret de São Paulo, e esta foi sua melhor fase.

Nesse ambiente de boemia não é de admirar que o Carnaval começasse na "quinta-feira das comadres", isto é, três dias antes do tríduo propriamente dito, sendo que na folia de 1902, para incentivar o uso de fantasias, a direção do Variedades instituiu concurso - que foi o primeiro nesta terra - do Rei Momo mais antigo do Brasil - Waldemar Esteves da Cunha ocupou o posto de soberano por 41 anos (1950/1991).

O teatrinho da Praça dos Andradas - que testemunhou o nascimento do primeiro time de futebol do litoral paulista (7/11/1902 - aquele mesmo futebol que, através do Santos F.C. chegaria ao topo do mundo!) - encerrou as atividades depois de fracassada tentativa de transformá-lo em cinema (abril de 1903).


Diagrama do Teatro de Variedades, na Praça dos Andradas, inaugurado em 1/12/1899
Imagem publicada com a matéria

No terreno antes ocupado por unidade de cavalaria da Força Pública, entre as ruas do Rosário (João Pessoa), Amador Bueno e Braz Cubas - o Caminho da Barra Grande dos primórdios da Vila de Santos - o empresário carioca Francisco Serrador (N.E.: na verdade, Francisco Serrador Carbonell era espanhol de Valência, e só anos depois se notabilizaria ao criar a Cinelândia no Rio de Janeiro) fez construir o segundo Coliseu Santista para funcionar como cinema e teatro em 23/7/1909, com sessão cinematográfica cuja renda reverteu em favor da Santa Casa.

O novo cine-teatro possuía "um aperfeiçoado aparelho cinematográfico e foi construído com muita segurança, sendo os pilares de tijolo e cimento, amparando estes as galerias". A platéia media 22 metros por 40, comportando 800 poltronas.

Para melhor ventilação, das galerias ao teto o tapamento era de madeira semelhante a venezianas. O salão era iluminado por 400 lâmpadas elétricas. Fora do teatro havia um terraço onde foram colocadas mesas e cadeiras. Nesse local, destinado ao buffet, foi servida fina mesa de doces, salgados, champanha, cerveja e o indefectível Port d'honneur.

O anúncio esclarecia que o povo de Santos teria o prazer de assistir à sessão cinematográfica ao mesmo tempo em que praticava ato de caridade.

À cerimônia de inauguração compareceram as autoridades, principalmente policiais, sendo a imprensa representada pelos srs. Lopes Ventura, da Vanguarda; Alonso Augusto de Barros, de A Tribuna; Júlio Santiago, de São Paulo; Astrogildo de Andrade, do Estado de São Paulo; Carlos Martins, do Jornal do Comércio; Dirceu Ferreira, da Cidade de Santos e Alberto Campos, do Diário de Santos.

Alguns anos depois, o Coliseu passou às mãos do santista Fins Freixo, que encetou nele grandes reformas: no teatro aumentou dois andares; o pátio de entrada foi substituído por artístico hall encimado por moderno salão de baile (o célebre cabaret do Coliseu).

Terminadas as obras, o nosso melhor teatro (até hoje!) foi reinaugurado em 21/6/1924, com a peça A Bela Adormecida, assinada pelo sr. Carlos de Campos, presidente do Estado de São Paulo, que se fez presente e foi veementemente ovacionado antes e depois do espetáculo.

Reciclado tecnicamente, pôde o Coliseu, em 1929, entrar na era do movie talkie (N.E: cinema falado, sonoro) pois na noite de 28 de setembro exibiu, com muita propaganda, o filme Broadway Melody, falado, cantado, musicado e dançado, por esforço da Empresa Cine Teatral (leia-se Manoel Fins Freixo), que, na seqüência, apresentou o Follies-1929 e o fabuloso O Cantor de Jazz, com Al Johnson, considerado então o maior crooner dos Estados Unidos.


Coliseu Santista - Companhia Portuguesa de Revistas Beatriz Costa
Imagem: reprodução do jornal santista A Tribuna, edição de 15 de novembro de 1939
(exemplar no acervo do historiador Waldir Rueda)

Em oitenta e quatro anos de gloriosa existência, nosso Coliseu recebeu em seu palco os mais renomados artistas nacionais e estrangeiros, mormente da música lírica; conseqüentemente, sua noite insuperável aconteceu em 21/9/1936, quando foi representada a ópera O Guarani, de Carlos Gomes, com a soprano Bidu Sayão, o nome mais expressivo do belcanto nacional; o corpo de ballet do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, sob a direção da famosa Maria Olenewa; coral e orquestra com 70 componentes e a prestigiosa presença da escritora Ítala Gomes de Moraes, filha do expoente máximo da música sul-americana, maestro Carlos Gomes.

Igualmente nas festas momescas o Coliseu teve papel preponderante. Por ser maior e mais confortável, a partir de 1937 foi passarela para os concursos das entidades ditas "de rua", que se apresentavam diretamente no palco, entrando pela porta dos fundos (Rua João Pessoa).

Ocupando o teatro (vestíbulo, platéia, camarotes, frias, palco) e o salão (antigo cabaret), o Santos F. C. (1934/49) e depois o Nacional A.C. (1950) realizaram contagiantes sambalanços nas noites consagradas ao Deus da Folia.

Voltando ao teatro, vale a pena destacarmos detalhe técnico muito importante - referimo-nos à acústica perfeita: basta lembrar que os artistas do palco eram ouvidos tanto pelos espectadores da platéia (ao rés do chão) como do quarto andar, nas populares torrinhas (hoje diríamos galeras), numa época em que se desconhecia o milagre eletrônico dos microfones e caixas de som.

Em boa hora o novo secretário da Cultura do Município, Edmur Mesquita, dando continuidade à iniciativa de Telma de Souza, inicia campanha para recuperação desse baluarte da cultura artística de Santos, sendo dever de todo santista apoiar tão meritória batalha.

Nosso Coliseu, como o de Roma, não pode desaparecer.

(*) Bandeira Jr. é memorialista e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santos (IHGS).


Largo da Coroação, com o chafariz e, à direita, 
o armazém que, entre 1830 e 1879, sediou o primeiro teatro santista
Imagem: bico-de-pena de Ribs

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