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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - ESTRADAS
O adeus da Sorocabana (3)

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Foi com certo alívio que a população santista recebeu o anúncio do fim das atividades com carga da Fepasa/Sorocabana no trecho urbano. Havia a perspectiva de acabarem assim inúmeros problemas urbanos, como passagens de nível insuficientemente sinalizadas, causando acidentes, e as demoradas manobras dos trens, paralisando e congestionando o trânsito urbano. Parte dos planos então anunciados acabou sendo alterada com a privatização do sistema ferroviário, promovida logo depois. Porém, na época, a perspectiva era otimista, como se verifica nesta matéria, publicada em 4 de novembro de 1995 pelo jornal santista A Tribuna:
 


Antigo sistema de eletrificação será substituído
Foto: Juan Esteves

Descendo a serra sem apoio da cremalheira

Áureo de Carvalho

Os quase 130 quilômetros de linha entre Mairinque e Samaritá, antigo ramal Mairinque-Santos da extinta Sorocabana, serão remodelados pela Fepasa, que colocará mais trilho ao lado da bitola métrica, para permitir o tráfego simultâneo dos trens das duas bitolas, 1 metro e 1,6 m. As locomotivas a diesel serão substituídas por elétricas, para vencer o desnível de quase 800 metros entre o Planalto e a Baixada, sem o apoio de qualquer sistema, por simples aderência das máquinas aos trilhos.

Esse elenco de melhoramentos, para execução em menos de dois anos, permitirá à ferrovia do Estado descer a Serra com os vagões de carga da ex-Paulista, hoje com passagem obrigatória pela Serra, da Rede Ferroviária Federal (Paranapiacaba-Piaçagüera), onde as rodas dentadas da cremalheira limitam a velocidade dos trens e a tonelagem de cada composição.

Entre os dois sistemas - a cremalheira da Rede Ferroviária Federal e a simples aderência da Fepasa -, a diferença fundamental é a tonelagem permitida em cada trem. Na cremalheira, que exige locomotiva adequada para o desnível da Serra e só opera nesse trecho, o limite de segurança fica nas 500 toneladas. Na simples aderência, a mesma locomotiva que puxa o trem no Planalto ou na Baixada sobe ou desce a Serra com 700 toneladas, além do que com duas locomotivas acopladas a capacidade dobra para 1.400 toneladas. Com três, se houver necessidade, chegará às 2.100 toneladas, até o infinito.

Explicando essas diferenças, o diretor de Transportes da Fepasa, João Roberto Zaniboni, disse que a ferrovia do Estado pode ganhar um extraordinário desenvolvimento com aplicação da bitola mista e a eletrificação, duplicando e até triplicando o volume de cargas transportadas, levando os vagões diretamente ao porto, sem passagem pela zona residencial de Santos.


Antigo sistema de eletrificação será substituído
Foto: Juan Esteves

Desde 1935 - O trecho na Serra do Mar, com bitola métrica (de 1 metro), foi projetado e construído há 50 anos, com uma perspectiva de futuro que chega ao incrível. Nos 130 quilômetros foram abertos 27 túneis com largura suficiente para as duas linhas de trens de bitola larga e aplicadas as mesmas dimensões do leito ferroviário, inclusive nos cortes, aterros, pontes e viadutos, que estão preparados para receber os serviços de ampliação agora definidos pela Fepasa.

Entre Evangelista de Souza, no topo da serra, e a estação denominada Engenheiro Ferraz, foi construído um paredão de 204 metros de comprimento, com 13 metros de altura, apenas para conter a encosta da montanha. Trata-se de uma cortina atirantada, a maior no gênero na América do Sul, onde foram aplicados 790 tirantes, com 13,30 metros de profundidade, concretados na rocha. O espaço entre a encosta da montanha e a cortina atirantada, de mais de 50 metros de largura, foi aterrado e sobre esse aterro foi assentada a linha do trem.

Paralelamente a essa obra, a Fepasa já está executando inúmeros serviços de drenagem, canalizando nascentes e desobstruindo pequenos córregos, que na época das chuvas terão passagem livre para as águas, sem qualquer obstáculo. O tratamento dado a esses córregos, ainda que pareça trabalho primitivo, teve por objetivo deixar o local com as mesmas características do trabalho da natureza, onde as águas abriram seus próprios caminhos através dos séculos. Ou de milênios.

Para a Fepasa, essas obras de restauração da passagem das águas é muito importante. A ferrovia sabe que, com essa postura de preservação, ficará livre do fenômeno da erosão, dos desmoronamentos e dos deslizamentos de aterros e taludes. Ou, trocado em miúdos: não terá problemas de obstrução da linha ferroviária por causa da queda de barreiras.


Antigas estações ferroviárias, como Ferraz de Vasconcelos,
permanecem desativadas, apesar de sua infra-estrutura
Foto: Juan Esteves

Eletrificação unificará todos os sistemas em uso

O traçado da ex-Sorocabana na Serra do Mar, de Mairinque até a Baixada, integra o corredor de exportação que começa em Araguari e termina no porto. As obras previstas estão no mesmo contexto de importância do trecho Campinas-Mairinque, que será concluído em meados do próximo ano.

A eletrificação, que abrangerá três etapas distintas - de Ribeirão Preto a Campinas, de Campinas a Mairinque, e de Mairinque até a Baixada -, terá um sistema de alimentação de 3 mil volts de corrente contínua, o mesmo em uso na linha da Sorocabana que parte de São Paulo e vai até Presidente Epitácio. Com isso, a ferrovia poderá operar com as mesmas locomotivas elétricas em qualquer trecho da malha do Estado, sem necessidade de adaptações.

Na serra já existiu a tração elétrica, até 1972, quando uma tromba d'água destruiu subestações, arrancou postes e danificou bastante a linha do trem. Naquela época, com o petróleo barato, a ferrovia só se preocupou com o restabelecimento dos trens, cujas locomotivas elétricas foram substituídas por diesel, situação que se mantém até agora.

Da antiga eletrificação a Fepasa não vai reaproveitar nem os postes de concreto, pois o sistema a ser implantado é totalmente diferenciado do antigo, inclusive na fixação da rede elétrica aérea. Serão construídas duas novas subestações, para promover melhor distribuição energética, uma em Evangelista de Souza e outra em Gaspar Ricardo. As obras de alvenaria que vão abrigar os equipamentos já estão contratadas e só não começaram até agora porque a empreiteira pretende montar um grande canteiro de serviços para abranger todo o trecho de serra, o que permitirá a execução simultânea do trabalho em diversas frentes.

Do 8 aos 8.000 - Os equipamentos da eletrificação, inclusive locomotivas, serão fornecidos pela Emaq, empresa nacional que incorporou tecnologia franco-alemã. A mudança substancial, entretanto, será na sinalização, onde a Fepasa, segundo seus próprios engenheiros, vai dar uma guinada de 180 graus, passando do 8 para o 8 mil, sem intermediários.

É que a sinalização do staf, com o bastão metálico passando de mão em mão, dará lugar ao CTC eletrônico, que permite o tráfego de trens sob controle à distância, acompanhados num painel de luzes, que acendem e apagam de acordo com a velocidade das composições e com os trechos de linha já percorridos pelos trens.

O CTC da Fepasa será operado em Campinas, mas com abrangência no trecho da Serra do Mar e também na Baixada. Além de acionar semáforos para liberar ou proibir a passagem dos trens, o CTC também movimenta chaves dos trilhos, sem necessidade de operação manual.

Segundo o engenheiro João Roberto Zaniboni, o sistema CTC dá condições do tráfego de dois ou mais trens viajando na mesma direção, com intervalo de um minuto e com toda a segurança. "Se houver necessidade", disse ele, "o operador poderá deter a marcha da composição, ou fazê-la entrar em outra linha de apoio, ou mesmo passar de uma linha para outra, para cruzar um outro trem no sentido contrário, sem nenhum risco de colisão frontal. E tudo isso à distância, sem nenhum tipo de comunicação pessoal com os maquinistas, a 100 ou 200 quilômetros de distância dos trens!"


Terceiro trilho do porto será estendido ao longo do percurso ferroviário
Foto: Juan Esteves

Comissão mista vê trens fora do perímetro urbano

Comissão mista da Rede Ferroviária Federal e da Fepasa está reestudando antigo projeto de implantação do terceiro trilho, no trecho de linha entre Cubatão e a Alemoa. Ali já existem duas linhas de trens de bitola de 1,6 m, desde os tempos da SPR, e o que se projeta agora é a fixação de mais um trilho, para trens de bitola métrica.

Com o 3º trilho, a Fepasa, com trens de bitola métrica, terá novo acesso ao porto, desviando via Cubatão a quase totalidade das cargas que se destinam ao cais, que hoje atravessam inúmeras ruas e movimentadas avenidas de Santos e São Vicente.

Os estudos, ainda em fase inicial, partem de um pré-projeto lançado no 1º ano de governo do ex-prefeito Paulo Gomes Barbosa (N.E.: em 1980), que não teve a ressonância desejada, provavelmente por fatores políticos. O pré-projeto do ex-prefeito previa exatamente o mesmo que os técnicos das duas estradas de ferro estão pretendendo agora: mais um trilho de Cubatão até a Alemoa, favorecendo basicamente o tráfego de cargas da Fepasa, que seriam desviados da Cidade, a partir de Paratinga, junto de Samaritá.

Em Paratinga já existe uma ligação ferroviária de bitola métrica, que vai até o Perequê, em Cubatão, onde faz junção com a Rede Ferroviária Federal, com destino à Margem Esquerda do Porto (Conceiçãozinha, e terminal de contêineres). Dentro do projeto de remodelação da Fepasa, está prevista a colocação do 3º trilho também na linha Paratinga-Perequê, incluindo a eletrificação, que pode abranger todo o trecho do parque industrial de Cubatão e as linhas que se dirigem a Santos, via Alemoa e Valongo.

A Cidade espera - Se os estudos da Comissão Mista Rede-Fepasa chegarem a bom termo, a médio prazo a Fepasa poderá reduzir substancialmente o número de trens de carga na linha urbana, que passa ao lado das avenidas Francisco Glicério e Afonso Pena e chega ao cais, à altura do Armazém 23 da Codesp.

Em princípio, a ferrovia não pensa na desativação completa dos trilhos, conservando-os para os trens de carga destinados à parte Sul do porto, e para os serviços de subúrbio. Os outros trens, que constituem a grande maioria das cargas, serão desviados via Paratinga e Cubatão, sem nenhum prejuízo operacional.

Para a Rede Ferroviária Federal, o problema do 3º trilho no trecho Cubatão-Santos reside na sinalização do trecho, que é diferente nas duas ferrovias, sem nenhum tipo de compatibilidade. A Rede, a priori, não vê como adotar em suas linhas o tipo de sinalização em uso na Fepasa, e tecnicamente não pode, na sinalização eletrônica, próxima da saturação, introduzir mais um elemento de apoio aos trens de bitola métrica.

Os engenheiros das duas estradas de ferro, entretanto, parecem imbuídos da boa vontade que faltou em outras ocasiões de discussão do mesmo assunto. Se a boa vontade prevalecer, não será difícil o encontro do denominador comum, que atenderá a ambos os lados, sem comprometimentos.

Do lado de fora das reuniões, o povo vai torcer, com a mesma expectativa do motorista que pára o carro na passagem dos trens. A expectativa é a de que o trem não seja longo e termine logo.


Obras de contenção garantem segurança no perímetro
Foto: Juan Esteves