Fernando Martins Lichti (*)
SANTOS-JUQUIÁ
A Southern São Paulo Railway, que antecedeu a Estrada de Ferro
Sorocabana, hoje Fepasa, iniciou a construção da linha Santos-Santo Antônio de Juquiá, em 1910, ligando o porto santista ao Vale do Ribeira, para
escoamento da produção agrícola dessa região.
Estação Ana Costa em 1946
Foto: Carl Heinz Hahmann/acervo A.H.D.B.
Na década de 1970, essa linha férrea foi estendida até Registro, e daí foi atingir Cajati (distrito de Jacupiranga),
nos anos 1980, para escoar os minérios do complexo da Cia. Serrana de Mineração, pertencente ao Grupo Industrial Moinho Santista S.A., o qual
financiou grande parte dessa extensão ferroviária.
A estrada de ferro de 1910, de Santos a Juquiá, veio a tornar-se altamente deficitária, pela decadência agrícola
da região, e teria sido desativada, não fora a construção do tronco ferroviário Mairinque-Santos, que possibilitou a ligação do porto a S. Paulo,
através de uma ferrovia estatal, uma vez que a estrada de ferro existente, fazendo essa interligação - a S.P.R. -, era uma empresa concessionária
inglesa, que vinha sufocando o porto santista com suas elevadas tarifas.
A construção do tronco ferroviário Mairinque-Santos proporcionou a recuperação da antiga linha Santos-Juquiá,
interligando-a, também, com S. Paulo e interior paulista e assim integrando, na malha ferroviária, o porto de Santos e todo o Vale do Ribeira (que
se projeta, agora, como grande produtor de minério, de chá, de palmito, de pinho, tangerina, abacaxi e muitos outros produtos, além da criação de
búfalos). A construção da linha Mairinque-Santos ganhou grande importância devido ao desenvolvimento do porto santista e por isso mesmo precisa ser
conhecida.
Esta estação da Estrada de Ferro Sorocabana, depois Fepasa e Ferroban, foi inaugurada a 26
de julho de 1938, com a presença do presidente da República, Getúlio Vargas, e do interventor federal no estado de São Paulo, Dr. Adhemar de Barros.
Antes, no mesmo local, havia uma pequena estação terminal da linha ferroviária Santos a Juquiá. A foto é de 1999, quando a estação estava prestes a
ser desativada, com a suspensão do tráfego dos trens intermunicipais da TIM. O pátio de manobras deu lugar às instalações de um hipermercado no ano
2000, mas o prédio da estação foi conservado e usado para atividades culturais, por cláusula do contrato para a cessão da área, tendo sido tombado
pelo Patrimônio Histórico Municipal de Santos
Foto: autor não identificado
MAIRINQUE-SANTOS
Em agosto de 1882, os jornais de São Paulo e Rio de Janeiro
publicavam ampla notícia sobre a apresentação dos projetos de José Carlos de Carvalho, que propunha a construção de uma estrada de ferro que ligasse
a capital de São Paulo ao porto de Santos, independentemente da estrada de ferro da São Paulo Railway.
A importância desta nova linha de comunicação entre São Paulo e Santos era extrema, devido aos problemas
ocasionados pelas altas tarifas de transporte ferroviário, impostas pela São Paulo Railway - "Inglesa", Santos a Jundiaí -, que detinha o monopólio
ou "zona de privilégio", açambarcando para si todo o transporte de mercadorias de exportação e importação destinadas ao porto de Santos ou
provenientes dele.
Em 1927, era apontado o porto de Santos como de importância vital, desde há muitos anos, para o Brasil, assim como
a necessidade de uma nova ligação ferroviária, já que o escoamento de quase dois terços da produção nacional exportável se efetuava pelo porto de
Santos - visto que o Sul de Minas, Goiás, Mato Grosso, Norte do Paraná e todo o Estado de São Paulo estavam presos aos trilhos da Mojiana, Paulista,
Noroeste, Sorocabana, São Paulo, Rio Grande e outras empresas e linhas secundárias que transportavam esta produção, que era finalmente transportada
pela "Inglesa".
No fim do século XIX, eram muitos os interessados em levar a Santos mais linhas férreas e acabar com os
privilégios da São Paulo Railway. Nessa época foram apresentados diversos projetos e estudos como o Itaici a Santos, de José Carlos Rodrigues, em
1887; a Santos a Itu, de Manoel Baiano & Comp., do mesmo ano; Itupeva a Santos, de Francisco Emydio da Fonseca e Alonso G. da Fonseca, de 1888,
passando pelos municípios de Cabreúva, Aragaringuama, São Roque, Cotia e Una, na época importantes centros de produção.
Esse projeto cruzava a Estrada de Ferro Sorocabana em São Roque, onde passaria sob essa ferrovia sem prejudicá-la
em seus direitos. Esta idéia, porém, foi abandonada, devido à Companhia Ituana unir-se à Companhia Sorocabana e, dessa união, foi resolvido o
prolongamento de Itu a Mairinque e projetada a continuação dessa linha ao porto de Santos. Essa tentativa fracassou, conforme relatórios da
companhia apresentados aos seus acionistas, nos anos de 1894 e 1895.
Todas as tentativas posteriores da Sorocabana e de outras empresas, de estender seus trilhos até o porto de
Santos, barravam o sistema de privilégios de zona, e esta zona era da Southern Railway Company.
Estação Estuário da Mairinque-Santos, junto ao porto santista
Foto: Relatório da Fepasa, 1986
Após a inauguração da "Inglesa", em 1872, já o Governo Imperial nomeava especialistas chefiados pelo engenheiro
que concluía a conveniência da ligação dos trilhos da Sorocabana a Santos. O governo do dr. Altino Arantes Marques (1916 a 1920) muito concorreu
para que a Sorocabana conseguisse descer a Serra do Mar, e para esse fim realizou gestões para que o Estado encampasse a Southern Railway Company.
Júlio Prestes de Albuquerque, quando deputado estadual, muito se interessou pela encampação da Estrada de Ferro
Sorocabana, arrendada à Brasil Railway Company, conseguindo, em luta no Congresso Legislativo, que esta - a Sorocabana - fosse novamente incorporada
ao patrimônio do Estado.
Em 1926, ao assumir o governo do Estado, o dr. Júlio Prestes de Albuquerque, como ainda vigorava o sistema de
privilégio de zona da São Paulo Railway, mandou comprar a linha da Southern Railway, resolvendo, logo a seguir, o começo das obras da
Mairinque-Santos. Esperava conseguir não só o aumento de renda da Sorocabana, como cumprir a convenção exposta da plataforma no seu programa de
governo.
Essa resolução do governo paulista foi recebida com entusiasmo em toda parte, chegando elogios de vários estados.
Tendo sido aprovada a tomada de contas da Southern São Paulo Railway, relativas ao 2º semestre de 1926, foi assinada em São Paulo a escritura de
compra da parte do Estado de São Paulo, da Estrada de Ferro Southern, passando assim o acervo dessa estrada para a Sorocabana.
A partir desse momento, foram feitos novos estudos no planalto e na serra, uma vez que a Sorocabana podia
finalmente entrar em Santos, sendo o fim dos privilégios da "Inglesa".
O engenheiro Gaspar Ricardo Júnior, diretor da Sorocabana, recebeu ordens de levar até Santos os trilhos da
Sorocabana. Agindo assim, Júlio Prestes tomava uma providência que envolvia os mais amplos interesses da economia paulista e do Brasil, fato que era
comentado pelos jornais de São Paulo e Rio de Janeiro, entre 1927 e 1930, dada a importância da linha Mairinque-Santos, levada a efeito pelo seu
governo. Houve críticas contra esse projeto, mas depois cessaram, quando se inauguraram as primeiras estações dessa grandiosa obra, fruto da
engenharia nacional.
Em virtude da lei nº 2.208, de 23 de novembro de 1927, e pelo decreto nº 4.324, de 23 de dezembro do mesmo ano, o
dr. Júlio Prestes ordenou definitivamente a incorporação da antiga Southern Railway à Sorocabana, com a denominação de "Linha do Juquiá". Fica assim
explicada a razão de ser escolhido, na época, um lugarejo - Samaritá - como ponto inicial da linha que estava sendo construída, aproveitando-se o
leito da Southern, do Km 19 e dali até o cais de Santos.
Foi a 10 de outubro de 1927 que o dr. Júlio Prestes, governador de São Paulo, cravou, no Km 19 (em Samaritá)
da linha Santos a Juquiá, a Estaca 0, ponto inicial da locação da nova linha que viria a ligar o litoral ao planalto.
Estação Estuário da Mairinque-Santos, junto ao porto santista
Foto: Relatório da Fepasa, 1986
As obras foram iniciadas e executadas: nos trabalhos de campo, pelos engenheiros Raul Cavalcanti e Armando
Carneiro Monteiro; os trabalhos de escritório, por João Batista Gomes Carneiro; como chefe da Divisão (construção), o engenheiro Mário Sales Souto,
e, como diretor da Estrada de Ferro Sorocabana, o engenheiro Gaspar Ricardo Júnior. Os dois pontos extremos desse ramal da Sorocabana ao litoral -
porto de Santos - foram escolhidos e designados: Mairinque e Samaritá.
Estando autorizado o projeto, o engenheiro Gaspar Ricardo Júnior designou uma expedição de reconhecimento chefiada
pelo engenheiro Sebastião Ferraz, com economias, sem no entanto desviar o traçado estudado em 1892 pelo engenheiro Carlos Schmidt, e outros estudos
mais recentes, encurtando tanto quanto possível o traçado da nova linha.
Depois de um mês, a expedição anotou 121 quilômetros entre Mairinque e a garganta do Cubatão. Desse local até
Samaritá foram reconhecidos mais 40 quilômetros. O traçado de simples aderência de 1,5 a 2% e o raio mínimo das curvas, 245,62 m.
Construção da Mairinque-Santos, em 1928
Foto: acervo de Dr. Múcio Drummond Murgel/Dr. Gustavo Adolpho de Souza Murgel, de Campinas/SP
publicada no site
E.F.Brasil
Em 1928, eram começados os serviços de confecção de cortes, aterros, túneis, viadutos, pontes e caminhos em toda a
serra e planalto, e em todas as direções desse extenso ramal.
Duas turmas se incumbiram dos trabalhos na serra. Uma partiu de Samaritá rumo ao alto da serra e a outra, descendo
ao encontro da primeira. As linhas gerais desse traçado foram planejadas pelo engenheiro Alvimar de Magalhães Castro, estudo concluído ao cabo de um
ano.
Depois de tantos anos de projetos e estudos, pôde desta forma a Sorocabana, fundada por Luiz Matheus Maylasky,
chegar ao Litoral Sul.
Estando encetado no mês de junho de 1928 o estudo Mairinque a Samaritá, Km 19 da linha para Juquiá, deram como
resultado, até ali, 135 quilômetros e 264 metros, que, com os 19 quilômetros e 274 metros até Santos, perfazem os 154 quilômetros e 638 metros de
Mairinque a Santos.
Caixa d'água da estação Estuário da Mairinque-Santos
Foto: Relatório da Fepasa, 1986
Estando
já as obras em estágio avançado, foi designado o dia 25 de janeiro de 1930, um sábado, para a cerimônia inaugural do trecho P.I. - Mairinque a
Canqüera - e 15 de fevereiro desse mesmo ano, também sábado, a inauguração do trecho S.I. - Samaritá (Km 19 da linha de Juquiá) a Estaleiro.
A construção dos trechos a serem inaugurados foi realizada da Estaca 0 - Samaritá - à Estaca 212, por
administração direta do Estado, sob a chefia do engenheiro Agenor Guerra Correa, e da Estaca 212 à estaca 262, pela Empresa Velloso, sob a
fiscalização do engenheiro José Carvalho Sobrinho.
No dia 15 de fevereiro de 1929, era efetivamente inaugurado o primeiro trecho pelo governador do Estado, dr. Júlio
Prestes. Nesse dia chegava a Santos com a sua comitiva, às 10 horas, rumando para a Av. Ana Costa, partindo depois em comboio especial, rumo ao
trecho a ser inaugurado. A chegada ao Km 19 da linha Santos a Juquiá, ponto inicial da Mairinque-Santos, deu-se às 10h30 - no local onde se
encontrava o Marco 0, cravado a 10 de outubro de 1927, pelo mesmo governador, dr. Júlio Prestes -, embarcando, a seguir, rumo à nova estação
de Estaleiro.
Concluídas quase todas as obras mais importantes da linha - abertura de túneis (sendo a maior parte em curva),
confecção de vigas de cimento armado sobre grotas, abismos, córregos e rios, assentamento dos trilhos em rampas de 1,5 e 2% - foi executada a
ligação dos trilhos na Ponte 4.S.20, próximo à futura estação Chapéu (hoje Engenheiro Ferraz), passando em primeiro lugar a locomotiva nº 280, sendo
maquinista Antônio Antunes Ferreira, que, saindo de Mairinque, chegou a Santos às 16 horas do dia 27 de novembro de 1937.
A 2 de dezembro do mesmo ano, corria entre São Paulo e Santos, via Mairinque, em viagem experimental, a primeira
composição de passageiros, conduzindo toda a administração da Sorocabana e representantes da imprensa de São Paulo, Rio de Janeiro e Santos.
No dia 10 de dezembro de 1937 começaram a correr, normalmente, trens de carga, ficando assim iniciado o seu
tráfego regular - sendo também iniciado definitivamente o transporte de passageiros.
Em 26 de julho de 1938 era inaugurado oficialmente o tráfego de trens de passageiros, pelo presidente da
República, dr. Getúlio Vargas, e o interventor federal de São Paulo, dr. Adhemar de Barros, suas famílias e comitiva, além de representantes da
imprensa nacional.
Estação Estuário da Mairinque-Santos, junto ao porto santista
Foto: Relatório da Fepasa, 1986
Do dia 27 de novembro de 1937 em diante, achava-se o porto de Santos ligado ao planalto e à Sorocabana, em
interligação direta com a Noroeste, Brasil-Bolívia, Viação Férrea Paraná-Santa Catarina, Companhia Mojiana de Estrada de Ferro, São Paulo a Goiás,
terminando assim os privilégios da "Inglesa" - São Paulo Railway.
Nessa árdua tarefa de romper obstáculos na subida dessa impenetrável Serra do Mar, a fim de que as paralelas de
aço fossem assentadas com esmero e capricho, abertura de túneis, confecção de vigas de cimento armado lançadas sobre grotões, abismos, córregos e
rios, perderam a vida inúmeros trabalhadores, famílias, empreiteiros e engenheiros, em acidentes e vitimados por doenças, como maleita e
febre intermitente.
A Southern São Paulo Railway operava entre Santos e Santo Antônio de Juquiá. A Sorocabana construiu a ligação
ferroviária Mairinque-Santos, de bitola de 1 metro até o porto de Santos, passando pelo município de São Vicente, onde foi construído o mais moderno
trecho ferroviário, tudo de concreto armado. Essa linha dentro de São Vicente, na Serra do Mar, percorre 42 quilômetros, onde foram construídos 27
túneis e 5.400 metros de viadutos e pontes, todos para linha dupla.
Essa linha entra na Ilha de São Vicente - onde se encontram as cidades de São Vicente e Santos com o seu porto -
através da Ponte dos Barreiros, cujo comprimento é de 720 metros, construída pela S.S.P.R., inicialmente de estrutura metálica, sendo reconstruída
nos anos de 1972 a 1975 com tubos de concreto armado.
A Mairinque-Santos é obra projetada e executada por brasileiros exclusivamente, e por isso é uma obra que orgulha
a engenharia nacional. A sua construção muito deve aos engenheiros Gaspar Ricardo Júnior, Humberto Fonseca, Armando Zenesi, Sinísio O. Barbosa,
Marcilac, Sebastião Ferraz, sr. Argeu Pinto Dias, P.Falcão, Durval Micaste, Humberto Nobre Mendes, Márcio Sales Souto (sucessor de Gaspar Ricardo
Júnior na direção da Sorocabana, depois do falecimento deste, ocorrido a 3 de maio de 1937), Luiz de Castro Seti, Luiz Orsini Castro, Agenor Guerra
Correa e tantos outros engenheiros, médicos, enfermeiros, mestres artífices, trabalhadores, maquinistas, agentes etc.
Locomotiva nº 53 junto ao corte 1 do trecho S.1 da linha Mairinque a Santos, a cargo do
engenheiro Agenor Guerra Corrêa, em setembro de 1929
Foto (corrigido o espelhamento da imagem): Poliantéia Santista, vol. III, 1996, Ed.
Caudex., S.Vicente/SP
NOTAS:
1) A Fepasa, em sua constituição, absorveu as seguintes ferrovias: Cia. Paulista, Cia. Mojiana, Araraquarense, São
Paulo-Minas, Sorocabana e outras menores do interior.
2) Em 1996 a Fepasa passou a transportar apenas cargas, transferindo todo o transporte de passageiros para a Cia.
Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), também do Estado e constituída para essa exclusiva finalidade.
3) A linha férrea entre Santos (Estação Ana Costa) e São Vicente (Samaritá) passou a ser usada, quase que
exclusivamente, pela CPTM e seu trem, conhecido como Trem Intermetropolitano (TIM).
4) A linha ferroviária entre a Estação Ana Costa e o porto ficou desativada, porém mantida e conservada pela
Fepasa para uso eventual, para escoamento de cargas do porto de Santos.
5) Todo o movimento de carga do porto, de ambos os lados (Santos e Guarujá) passou a ser feito via Cubatão, São
Vicente e Mairinque.
6) A RFFSA permaneceu com sua tradicional linha férrea de Santos a Jundiaí, agora com varias integrações.
(*) Extraído do livro
Poliantéia Santista, que Fernando Martins Lichti publicou junto com a reedição da História de Santos, de Francisco Martins dos Santos, em
1996, pela Editora Caudex Ltda., São Vicente-SP, volume III.
Vista aérea da Serra do Mar (à esquerda) e vale do Rio Cubatão (margeado pela pequena
Estrada de Ferro Pilões, à direita), no início da construção da ferrovia Mayrink-Santos
(cerca de 1930), notando-se a destruição da floresta pelos construtores
Foto: acervos da Fundação do Patrimônio Histórico da Energia em São Paulo/SP e de Marcello Talamo
(Santos/SP), publicada no site E.F.Brasil
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