Diz a lenda que junto do antigo Mosteiro de São Bento, onde outrora também existiu uma
fonte, encontra-se encoberta a velha gruta do Desterro
Foto: reprodução de Os Andradas, publicada com a matéria
Morros escondem túneis secretos
Para se ter conhecimento da história de uma cidade ou
região, faz-se mister apreciar suas lendas, e como é natural, em todos os lugares centenários, principalmente os do litoral brasileiro, que nos
tempos coloniais foram alvo da pirataria que assolava os mares, correm lendas sobre tesouros fantásticos e tantas outras coisas do "arco da velha"
que nos fazem voltar a um passado longínquo.
A tradição oral nos legou inúmeros episódios focalizando não só as invasões piratas,
como também dos refúgios usados pelas populações das cidades coloniais. Em São Luiz do Maranhão, Recife, Salvador, Vitória, Rio de Janeiro, São
Sebastião, Ubatuba, Paranaguá, Iguape, Cananéia e muitas outras legendárias cidades litorâneas, guardam segredos mirabolantes dos tempos antigos e
com eles as lendas que são contadas até os dias atuais, como tão bem assinala o dr. Manuel Hipólito do Rêgo na sua obra Lenda do Litoral Paulista:
"Não admira, pois, que nesse ambiente cheio de fatos históricos e tão repassado de emoções existiam as lendas e as
ficções nas quais sempre há, porém, a verdade de um grande sentimento".
No Rio de Janeiro, já foram encontrados antigos subterrâneos por ocasião de escavações
e o mesmo aconteceu em São Paulo, em meados da década de 1950, quando um grupo de operários da Light, ao abrir um grande buraco na Praça Antônio
Prado (antigo Largo do Rosário), deparou com uma galeria subterrânea, com direções para vários pontos da cidade.
Quem não ouviu falar da "Lenda do subterrâneo", de Cananéia, ou dos misteriosos
refúgios de Santos? Onde a população buscava abrigo por ocasião do desembarque dos malfeitores dos mares ou mesmo dos ataques dos índios. Ainda em
princípios da década setenta deste século (N.E.: século XX), uma turma de operários da
Sabesp descobriu um túnel subterrâneo lá para os lados do Valongo, que foi logo tapado para evitar a curiosidade dos transeuntes.
O saudoso historiador Francisco Martins dos Santos - de quem fomos discípulo -
costumava falar de uma estrada de lado do mar da Ilha Porchat, conhecida desde os tempos coloniais pela denominação
de "Toca do Índio", onde uma pessoa só poderia entrar com a maré rasante. Após uma estreita passagem, a toca daria acesso a uma imensa galeria
subterrânea (num local submerso da ilha), e que durante a maré cheia fica totalmente tomada pela água do mar.
A "Toca do Índio" estaria localizada em algum lugar da Ilha Porchat
e só poderá ser encontrada com a maré rasa
Foto: Justo Peres, publicada com a matéria
Assim é que, em todas as antigas vilas de Marinha, da Capitania de São Vicente,
existem "estórias" contadas pelos antigos "praianos" (caiçaras), que falam de tesouros fabulosos ou de locais submersos e que fazem
parte do populário brasileiro. Dentre as lendas que permanecem vivas em nossa cidade, algumas falam da existência de misteriosas grutas, de abrigos
subterrâneos e de refúgios coloniais, dando aquele toque de fantasia na própria história da cidade.
Para podermos tomar conhecimento de certos detalhes históricos sobre tais refúgios,
temos que retroceder ao passado, pois de acordo com o relato do historiador Francisco Martins dos Santos, na sua Lendas e Tradições de Uma Velha
Cidade do Brasil, foi devido aos constantes ataques dos piratas, bem como por parte dos gentios, que o Mestre Ferreiro (Bartolomeu Fernandes)
veio a construir um abrigo junto da gruta de Nossa Senhora do Desterro, na encosta do atual Morro de São Pedro (N.E.:
lapso do autor, o nome é Morro de São Bento) e que segundo a lenda ia dar do outro lado da
então Vila de Santos, perto do Engenho dos Erasmos, no caminho para São Vicente.
Revela ainda o mesmo historiador que o ferreiro da Armada de
Martim Afonso de Sousa "deixara Santos, naquele final da era seiscentista, com lembrança de sua passagem, escondida
no morro central de sua sesmaria, a capela de Nossa Senhora do Desterro...", e que foi ali, junto da gruta, que construiu o abrigo.
Antigos moradores do Morro da Nova Cintra penetraram no refúgio
e inclusive na gruta debaixo da cachoeira
Foto: Justo Peres, publicada com a matéria
Interessante é registrar-se que o Mosteiro de São Bento
(atual Museu de Arte Sacra) foi erguido em meados do século dezessete, nos terrenos do Mestre Bartolomeu (Ferreiro), onde
existiu outrora a Ermida de Nossa Senhora do Desterro, bem na encosta do Morro de São Bento, onde também existiu uma fonte.
Ao abordar o assunto num dos seus artigos publicados em 1944, o esscritor e jornalista
Geraldo Ferrone focalizou o misterioso abrigo, salientando ainda que a entrada do mesmo ficava no Morro da Nova Cintra,
através do seguinte relato: "Quatro séculos decorreram sem que a picareta do progresso da cidade atingisse o local onde
se acha esse refúgio construído por mestre Bartolomeu, talvez por ser zona insalubre e de caminhos ínvios.
"Pouco acima do antigo engenho São Jorge dos Erasmos,
construído logo após a chegada dos portugueses de Martim Afonso, onde algumas paredes ainda restam como o marco da história, na velha estrada, ainda
hoje, em São Jorge, no caminho para São Vicente, lá está esculpida na rocha viva, na fralda do morro, uma entrada
subterrânea que, segundo a história, deveria ser a saída. Entretanto, pela arquitetura da obra deve ser ali mesmo a entrada principal..."
E noutro trecho: "Alguns moradores do morro de Nova
Cintra (antigo Tachinho), que aos domingos se davam ao prazer da caça e pesca, penetraram nesse velho refúgio. Deles ouvi a descrição do que tinham
visto. Ao limiar da porta que está encravada na face ocidental do morro, um vastíssimo salão com bancos de pedra em toda a volta; as paredes, de
pedra, estavam atacadas pelo limo e ao fundo divisam-se três portas de pequenas dimensões, que davam acesso a outros compartimentos. As correntes de
ar existentes desafiavam os archotes..."
A entrada do legendário refúgio colonial do Morro da Nova Cintra, que,
com o rolar dos anos, foi bloqueada pelas raízes de uma enorme figueira
Foto: Justo Peres, publicada com a matéria
Na sua obra Santos Histórico e Tradicional (1951), o professor Francisco Meira
nos dá a seguinte versão sobre a misteriosa gruta do Desterro e do legendário abrigo da Nova Cintra: "Pertenceu o Morro
de São Bento ao sesmeiro Bartolomeu Fernandes, figura antiga e patriarcal que passou à história com o nome de Mestre Ferreiro. Ele foi agricultor e
fabricante de utensílios e ferramentas. Bartolomeu construiu no lugar a ermida de Nossa Senhora do Desterro, bem como o lendário abrigo de Nossa
Senhora do Desterro com o Esconderijo da Nova Cintra. O certo que na gruta do Desterro o povo se refugiava com os seus haveres, quando dos surtos
predatórios dos piratas que, reiteradas vezes, assaltaram Santos".
Qual seria ao certo o local exato da gruta de Nossa Senhora do Desterro? Ou do refúgio
colonial da Nova Cintra? Será que um daria mesmo acesso ao outro? Tudo até hoje é mistério. Sobre a gruta do Desterro, onde se encontra o Museu de
Arte Sacra, existem versões de que a sua entrada foi tapada pelos religiosos do antigo Mosteiro em épocas passadas e dizem até que a gruta também
tinha um caminho que levava ao Convento de São Francisco, junto da Igreja de Santo Antônio do Valongo, isso através de
uma galeria subterrânea.
Vejamos o que registra ainda o professor Meira (obra mencionada) sobre o palpitante
assunto: "A existência de um refúgio da era colonial em nossa cidade é certa. A tradição oral coloca em Nova Cintra,
ora no Morro de São Bento. Há quem afirme a existência de túneis incógnitos pelos morros, esconderijos seguros contra a invasão dos piratas corsos.
Pessoas já mortas, e vivas ainda, sabe-se que penetraram por ele. Nunca o revelaram ou perderam a sua localização..."
Refúgio do Monte Serrat - Em meados de 1967 o historiador Francisco Martins dos
Santos tentou organizar um grupo para redescobrir e explorar a gruta de Monte Serrat, cuja entrada foi revelada em março de
1928, durante o desmoronamento parcial do morro.
Naquela ocasião, as pessoas que adentraram a gruta, dentre elas o engenheiro Antonio
Gomide Ribeiro dos Santos, depararam com um vasto salão, dotado de mesa e bancos de pedra, encontrando ainda em seu interior inscrições em
caracteres hebraicos. E com a chegada do grupo verificou-se uma revoada brusca dos morcegos e corujas que infestavam a caverna, admitindo-se então a
hipótese de que aquele abrigo deveria atravessar o interior do Monte Serrat, isso devido à forte correnteza de ar sentida pelos presentes, bem como
devido à permanência ali daquelas aves noturnas.
Apesar do fato ter despertado a atenção do dr. Benedito
Pinheiro (vice-prefeito em exercício) e de outras autoridades do município, ninguém ousou penetrar na misteriosa gruta devido ao perigo de um
novo desabamento, do medo de se perder e ficar preso ali para sempre ou mesmo de ser atacado na escuridão por algum bicho peçonhento. O certo é que,
logo depois, com as obras de reconstrução do morro, a entrada da caverna foi bloqueada, ficando assim no esquecimento e formando-se inclusive lenda.
Existem versões de que teria sido um refúgio na época da colonização, quando a população corria para se esconder das hordas de piratas que
costumavam tomar de assalto a Vila de Santos.
Segundo o professor Francisco Meira, que trata do assunto no seu Santos Histórico e
Tradicional, aquele refúgio colonial estaria localizado entre a encosta e o topo do Monte Serrat, perto da escadaria que dava acesso ao antigo
Pavilhão da Santa Casa Velha (já demolida), à esquerda da entrada do túnel, do lado da descida do elevado na Avenida São Francisco. Eis o seu relato
a respeito: "...quando em 1928 verificou-se o grande desmoronamento do Monte Serrat, o preclaro
engenheiro municipal, que presidiu as obras de consolidação daquelas encostas perigosa, dr. Antonio Gomide Ribeiro dos Santos
(que foi prefeito municipal) ao desmonte dos taludes encontrou pesada grade de ferro que vedava uma lura e que tombou oxidada pelo tempo.
"Os operários municipais e da City, pela abertura
penetrando, depararam com um grande salão, de quatro por oito aproximadamente, inteiramente calcetado. Havia uma banqueta em todo o seu perímetro e
um túnel, por onde penetraram cerca de trinta metros, sumia-se ao fundo. Aves noturnas, espertas pela luz penetrante, esvoaçavam, o que indica a
existência de um respiradouro que assegura a perfeita oxidação do ambiente..."
Mapas assinalando o local do refúgio, bem como as fotografias da
época, focalizando a entrada do misterioso túnel, foram guardados pelos antigos historiadores e, quem sabe, algum dia, seja novamente encontrada a
secular gruta, que segundo a lenda serviu de refúgio para a população santista, isso nos velhos tempos de pirataria, permanecendo assim inexplorado,
assim como os do Morro de São Bento, da Nova Cintra, e muitos outros redutos incógnitos da cidade.
Pesquisa e texto de J. MUNIZ Jr.
Existem até hoje nos morros santistas grutas e túneis incógnitos
que serviram de esconderijos no passado
Foto: Justo Peres, publicada com a matéria
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