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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
O vulcão do Macuco (2)

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Tornou-se quase uma lenda em Santos a história do vulcão no bairro do Macuco. Na sua edição especial de 26 de janeiro de 1939, comemorativa do centenário da elevação de Santos à categoria de cidade (exemplar no arquivo do historiador Waldir Rueda), o jornal santista A Tribuna publicou esta matéria (grafia atualizada nesta transcrição):
 


O Vulcão do Macuco, num pastel de Benedicto Calixto
Imagem publicada com a matéria

Lembrando o "Vulcão do Macuco"

Espantoso fenômeno telúrico que Santos assistiu nos fins do século passado (N.E.: século XIX)

De dezembro de 1896 a janeiro de 1897, uma cratera aberta junto à mata do varjão dos Outeirinhos jorrou lama, fogo e fumaça...

Santos descansava dos agitados acontecimentos da revolta da Armada e ainda evocava, arrepiada, seus sustos e correrias, a perseguição de Olímpio Lima, a prisão de Martim Francisco, o aparecimento do República ameaçando a barra, a pressão da polícia contra os anti-florianistas... tanta coisa ainda recente, própria das cidades de brio, de gente de sangue, que sentia e vibrava nas horas da história que atravessava.

Estava-se em 1896, a área urbana de Santos não abrangia senão uma quinta parte do que é hoje, mas já era quase o dobro da cidade imperial de 89.

A antiga Rua Octaviana, depois Avenida Conselheiro Nébias, para além do Rio dos Soldados, só de onde em onde apresentava o sorriso do progresso, aberto na visão de algumas casas escalonadas em seu percurso.

Além da Vila Nova, de fato, a parte mais recente da cidade, onde o Empório da Vila Nova, do "seo" Maneco, senhor também de vastíssima calva, estadeava a sua importância de fornecedor de todo o bairro, poucas construções se viam pontilhando o caminho novo da Barra, que cruzava lá em baixo com o Caminho Velho, picadão ainda cheio de mato, caruru e trapoeiraba, onde uma pequena locanda marcava o início da futura Avenida Taylor, hoje Conselheiro Rodrigues Alves.

Naquela ocasião, a chácara mais importante da Rua Conselheiro Nébias era a do velho Ablas, que ia da atual Rua Freitas Guimarães até em frente à Rua Júlio de Mesquita, cheia de arvoredo basto, escondendo a Casa Grande, retirada bem para os fundos, quase a refugiar-se nos mangues do atual Mercado. Pouco adiante dela, na outra face da avenida, ficava a casa do Moraes "Bengala", pai de Gastão de Moraes, o padre do Embaré, de tanta atividade em Santos. O maior número das boas famílias morava, ainda, da Vila Nova para cima, no coração da cidade.

Foi em meados de dezembro daquele ano que a população santista amanheceu, certo dia, alarmada com o aparecimento, na região mais interior do Macuco, de um estranho e aterrador fenômeno.

Um buraco se abrira junto à mata do varjão dos Outeirinhos, vomitando lama e fumaça, intercaladas de apitos fortes, que se ouviam à distância. Logo depois, grandes chamas amareladas se elevaram, também, ameaçadoras, chiantes, como labaredas de fogareiro de pressão, subindo a dez metros de altura.

Foi um estouro na pacatês da vida santista. A cidade inteira movimentou-se para lá. Os bondinhos de burros da Empresa "Água, Gás, Luz e Bondes" desviaram-se todos para aquela zona, e lá se iam ramerrando pela avenida abaixo, apinhados de gente até à tolda, como nos grandes dias de entrudo, no centro da cidade. Foi uma procissão. Todos queriam contemplar o terrível ineditismo do espetáculo.

De fato, o fenômeno lá das proximidades do estuário era digno de ser visto como coisa nova e imprevista, apesar da face possivelmente trágica do seu aparecimento. E era um indagar daqui, um arregalar de olhos dali, e beatas em benzimentos e céticos em sorrisos, e entre a mal disfarçada preocupação de todos.

Sobre toda aquela amálgama de pensamentos, conceitos, juízos do mundo, de submersão da ilha, e interpretações, os boatos de fim e as indefectíveis frases feitas do púlpito:

- Meus irmãos! (a voz trêmula, o dedo espetado no ar...) - deveis estar preparados para o grande dia!

Calcule-se, em tal situação, o efeito das tiradas religiosas no espírito inculto da massa intelectualmente amorfa!

Filas intermináveis de povo seguiam pela avenida, cumprindo a pé toda a distância, por falta de lugar nos bondinhos, e as margens do largo caminho, que seria pouco mais tarde a avenida Taylor, se apinhavam de gente de toda a casta, sem esquecer quitandeiras e criolinhos, em pregões insistentes, de amendoim, bolinhos de fubá, pamonhas, munguzá, limonadas, doçarias e pasteizinhos quentes. Todo o caminho, assim, se tornou uma vasta feira povoada, cruzada e recruzada de vultos e de vozes e gritos da molecada assanhada!

As interpretações eram as mais diversas possíveis, e enquanto pairavam no ar dúvidas, choviam promessas a Nossa Senhora do Monte, e enchia-se a sua capela de romeiros, para que nada acontecesse.

De São Paulo e do interior, onde a notícia se espalhara como o vento, descia gente todos os dias, para ver o "vulcão", e, em redor daquele fato, lá mesmo muitas lendas se levantaram, fruto da distância e da imaginação, como as que em Santos já haviam nascido, da imaginação também, da ignorância ou da exploração de muitos.

Um número infinito de famílias, achando mais fácil, ia para lá em botes de aluguel, e embarcavam, então, centenas de pessoas, nas catraias que, às dezenas, esperavam os passageiros certos, no Valongo, na Alfândega, ou no Paquetá, onde já ficava o Mercado das Canoas. Iam embarcadas e apeavam na atual bacia do Macuco, ainda em seu estado primitivo, seguindo, depois, pelo varjão encharcado e daí pela terra firme, até junto ao fenômeno.

Junto ao local do acontecimento espetacular que a natureza proporcionava passageiramente aos homens, extasiavam-se todos, à vista do grande penacho de fogo, jalde e rubro, cruzado de fagulhas e tresandando forte a enxofre, admirado cada um da cara que apresentava o vizinho, amarela cerosa, como de ressuscitados ou de cadáveres estranhamente animados. E o fogaréu grugulhava nas entranhas da terra, enquanto um ligeiro tremor abalava o piso dos circunstantes postados respeitosamente a uma distância de seis ou sete metros em derredor. Era a solfatara de Santos, era o "Vulcão do Macuco", como ficou pomposamente denominado na crônica local.

Por mais de um mês foi o espetáculo santista contemplado por milhares de criaturas de todas as distâncias, e só se extinguiu em fins de janeiro de 1897.

Hoje, sobre o lugar em que ele existiu, estendem-se ruas e casas novas, e, ali perto, uma grande chaminé industrial vulcaneja para o céu grandes rolos de fumo, com o mesmo apito em dadas horas e o mesmo rumor intramuros. Simbolismo, talvez!

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