Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0260d2.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 02/07/05 18:35:17
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - MEDICINA
Santa Casa de Misericórdia (3)

Leva para a página anterior
Texto publicado na edição especial/comemorativa dos 460 anos da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos, publicada em 1º de novembro de 2003 pela entidade, em formato tablóide, com edição de José Eduardo Barbosa, textos dele e de colaboradores, revisão de Isabel Machado e editoração eletrônica de Marinilza Barroso Bueno (com impressão A Tribuna e patrocínio Unibanco):
 


Rancho Grande dos tropeiros,  no sopé do Monte Serrate, com a capela de São Francisco de Paula - junto à qual se ergueu o terceiro hospital da Santa Casa -, em quadro de Benedito Calixto

Fundação da Santa Casa de Santos

"POR QUE PORTA ABERTA AO MAR?

Porque tinha por fim acudir aos navegantes e canoeiros que, vindos pelo canal da Bertioga, depois de penosa travessia pelo alto, aqui chegavam muitas vezes enfermos e necessitavam de auxílio..."

"... há que se assinalar seus grandes serviços

Primeiro, aos homens do Mar; depois aos Bandeirantes; a seguir contra a febre amarela, a varíola e outras epidemias; em 1918, contra a gripe espanhola; na Revolta de 1924, amparando os que eram feridos em combate..."

Como sabemos, a História da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos é muito rica em detalhes. Prova disso, são as curiosidades detalhadas por vários autores, como atesta o professor Ernesto de Souza Campos, em seu livro "Santa Casa de Misericórdia de Santos - Primeiro Hospital fundado no Brasil - sua origem e evolução", publicado em 1943, por ocasião do 4º Centenário da Irmandade.

Nesta obra, o autor faz referência aos trabalhos publicados por Félix Ferreira, Frei Gaspar da Madre de Deus, Pedro Taques de Paes Leme, Dr. Cláudio Luiz da Costa, Brigadeiro José Joaquim Machado de Oliveira, José Jacinto Ribeiro, Damasceno Vieira, Francisco Xavier da Costa Aguiar, Rocha Pombo, Eugênio Egas, Benedito Calixto, Alberto de Souza, Almeida de Morais, Luís Promessa, Dr. Hugo Santos Silva, Varnhagem, Barão do Rio Branco, José Carlos de Macedo Soares, entre outros.

Por outro lado, nesta série de curiosidades que estamos publicando sobre a nossa Santa Casa da Misericórdia de Santos, vamos reproduzir um "Breve Histórico', publicado em "Memórias" dos festejos comemorativos do 4º Centenário da fundação do hospital, editado em 1947, com redação e compilação de Álvaro Augusto Lopes.

"Braz Cubas, Fundador de Santos e de sua Santa Casa

"Embora seja incerta a data do nascimento do criador da Santa Casa e também fundador da Vila de Santos, sabe-se que nasceu na cidade do Porto, em Portugal, mais ou menos em 1507, sendo seus pais João Cubas e d. Isabel Nunes. Acredita-se também que embarcou para o Brasil em 1531, na comitiva de Martim Afonso de Souza, fundador da Vila de São Vicente, em 1532. Em companhia de Braz Cubas vieram seus irmãos, Antonio, Gonçalo, Francisco Nunes e Catarina Cubas. Mais tarde seu próprio pai, João Cubas, para aqui também se dirigiu.

Fidalgo e cavaleiro da Casa de el-rei, Braz Cubas estabeleceu-se na Ilha Pequena, posteriormente denominada Ilha dos Padres e, na época atual, Ilha Barnabé, por haver pertencido ao com. Barnabé Vaz Carvalhais, outro prestimoso irmão da Santa Casa.

Em sociedade com seus irmãos, o fidalgo português dirigia o cultivo de cana de açúcar, arroz e outros gêneros, em terras de Jurubatuba, ao lado oposto do estuário de Santos, e mandava a localidades distantes vender esses artigos. Foi-lhe dada "sesmaria" dessas terras, por D. Ana Pimentel, esposa de Martim Afonso de Souza, por se encontrar este atualmente na Índia, em 25 de setembro de 1536, sendo a carta de "sesmaria" confirmada em Alcoentre, em 24 de novembro de 1551, pelo donatário da Capitania.

No ano de 1543, que muitos julgavam ser mais precisamente em 1º de novembro, Dia de Todos os Santos - donde viria o nome de "Santos", dado à povoação mais tarde -, Braz Cubas iniciou a construção dum hospital para acolher os marinheiros, aqui chegados doentes, após longa e penosa travessia. Para administrar esse estabelecimento, promoveu a instituição da Irmandade da Misericórdia de Santos, nos moldes das já existentes na Metrópole Portuguesa, desde 1498. O hospital foi situado junto ao chamado Outeiro de Santa Catarina, na ilha fronteira à que residia Braz Cubas, tendo-lhe auxiliado na construção os moradores e vizinhos, que entre outros foram Pascoal Fernandes Genovês e Domingos Pires.

A primeira Casa de Caridade em terras sul-americanas surgiu sob o lema "Casa de Deus para os Homens, porta aberta ao Mar". Depois construído o hospital e organizada a Irmandade, em 1543, é que, perto do mesmo Outeiro de Santa Catarina, Braz Cubas fundou a futura Vila de Santos, em data que, segundo Alberto de Souza, deve ter ocorrido "em fins de 1545 ou princípios de 1546". A povoação de Santos alastrou-se e prosseguiu de maneira tão acentuada que o seu fundador, logo que foi nomeado Capitão-Mor da Província, em substituição de Cristóvão de Aguiar Alteero (1545), se esforçou e conseguiu o foral de Vila.

Além desse cargo, o fidalgo desempenhou os de provedor da Fazenda Real, Alcaide-mor, Ouvidor e Loco-Tenente do Donatário da Capitania de São Vicente.

Entre os anos de 1553 e 1554, quando ainda era Capitão-Mor, Braz Cubas providenciou para que se organizasse uma expedição, com o fito de alcançar o resgate do famoso viajante alemão Hans Staden, que naufragara na costa brasileira e havia sido aprisionado pelos índios em Ubatuba. Coube-lhe também a glória de ser o primeiro chefe de "bandeira" que penetrou pelos sertões de Piratininga, encetando um ciclo heróico da História do Brasil.

Essa "entrada" demandou o Rio São Francisco, de onde voltou com copiosa monta de pedras preciosas, depois de haver, pelo caminho, levantado muitos mapas para servir de roteiro aos "bandeirantes", que mais tarde lhe seguiram as pegadas. Uma segunda "bandeira" daqui partiu em meados de 1562, ainda por iniciativa de Braz Cubas, que não acompanhou os expedicionários, por se achar doente e idoso. Chefiava-os o engenheiro Luiz Martins e a expedição atingiu a Serra de Jaraguá, onde descobriu muito ouro de bom quilate.

Até o fim de sua longa e fecunda existência, o fundador da Santa Casa da Misericórdia de Santos aqui permaneceu, convivendo com os primeiros habitantes da Vila, cujo desenvolvimento assistiu e em cujas lutas e dias venturosos tomou parte. Segundo Saint-Hilaire, em 25 de agosto de 1591, quando ainda vivia o fundador, foi Santos assaltada pelos piratas ingleses, ao mando de Thomas Cavendish, que anteriormente enviara a sua gentalha a saquear a vizinhança de São Vicente. Esses flibusteiros desembarcaram de navios surtos no porto, atacando os pacatos habitantes e impondo-lhes pesada contribuição, sob o terror de ameaças.

Como em seguida Cavendish e seus asseclas cometessem toda a sorte de desatinos, aproveitaram-se os santenses do fato de se terem embriagado, na maioria, até a inconsciência, para expulsá-los de maneira violenta, aplicando-lhes merecido castigo.

O falecimento de Braz Cubas se verificou em 1592, segundo uns, ou 1597, conforme outros, com idade provável de 85 anos, não havendo inteira certeza sobre essa data. Suas cinzas estavam encerradas numa urna que havia antigamente junto do altar-mor da antiga Matriz de Santos, ostentando a seguinte inscrição: "S. de Braz Cubas, Cavaleiro Fidalgo da Caza de Sua Mag. Fundou e fes esta Villa sendo Capitão e Casa da Mza, o ano de 1543. E descobriu ouro e metais o ano de 60. Fes fortalesa por mandado Del Rei Dõ Joã 3º Faleceo no ano de 1592".

Ao traçar-lhe memorável biografia, o acatado historiador paulista, Eugênio Egas, assim resumiu a sua individualidade:

"Altivo e independente quando fundou Santos; intrépido quando defendeu a sua nascente povoação; corajoso quando bateu os sertões em procura de ouro, audaz quando mandou resgatar Hans Staden; severo quando aprisionou e executou os marinheiros ingleses desembarcados em Santos; enérgico quando era preciso querer; inteligente e perspicaz, quando dirigia os negócios da colônia - Braz Cubas foi doce, foi meigo, foi humano, foi bom quando, para satisfazer os impulsos do seu coração, fundou esse hospital - Santa Casa da Misericórdia de Santos -, primeiro abrigo que a caridade cristã encontrou em nossa terra".


Terceiro hospital da Santa Casa, no sopé do Monte Serrate
Foto: coleção Laire Giraud

BREVE HISTÓRICO - II (A FUNDAÇÃO)

"O hospital da Santa Casa da Misericórdia de Santos foi fundado em 1543, perto do Outeiro de Santa Catarina, junto ao qual Braz Cubas fizera construir os primeiros abrigos para um porto, a princípio chamado Porto da Vila de São Vicente, visto que a ele vinham ter as embarcações para o transporte de mercadorias, evitando a travessia por mar até São Vicente. Os navios de alto bordo vinham do exterior, e os pequenos barcos procedentes dos sítios de Santo Amaro, Bertioga e imediações, fundeavam no novo porto e descarregavam mercadorias, que eram transportadas por terra, com mais segurança, através de uma estrada aberta por iniciativa de Pascoal Fernandes e Domingos Pires.

Foi a fundação desse primitivo porto que determinou necessidade da criação dum hospital, para acudir aos navegantes e canoeiros chegados vezes doentes, após penosa travessia. Gente estranha à terra, sem um teto para as receber nessas dificuldades, ficava a padecer os maiores sofrimentos, quando aqui aportava.

Disto se apiedou o coração magnânimo de Braz Cubas, que logo tratou de fundar um estabelecimento de caridade, com a seguinte legenda: "Casa de Deus para os homens, porta aberta ao Mar". Essa divisa exprime bem os intuitos de Braz Cubas, ao lançar as bases da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia, nos moldes das já existentes em Portugal, desde 1498 - socorrer os navegantes que aportavam enfermos, sem encontrar recursos na povoação recém-criada.

Assim, em 1543, surgiu o hospital, talvez em primeiro de novembro sob a invocação de "Todos os Santos", segundo conjeturam alguns historiadores, donde mais tarde, por abreviação, se originaria o nome de "Santos". Faltam documentos fidedignos para se verificar de que maneira funcionou essa instituição pia - precursora de tudo que, neste sentido, apareceu no Brasil, sendo também a mais antiga da América. Mas é de supor que durante a vida de seu fundador, isto é, até quase o fim do século XVI, prestou socorros aos necessitados, com a eficiência possível naqueles tempos recuados, época do empirismo científico e reduzidos médicos e farmacêuticos em toda a colônia incipiente.

Acredita-se que, depois da morte de Braz Cubas, entraram a declinar a Irmandade e o hospital. Conforme Alberto Souza, o notável autor de Os Andradas, desde "pelo menos o ano de 1654, não havia mais em Santos Hospital da Misericórdia". Essa situação de letargia se prolongou até 1730, por vários motivos, sendo um deles a falta de quem quisesse assumir o encargo de provedor da Irmandade, que exigia do seu titular, além de excessivo trabalho, a expressa obrigação de saldar de seu bolso particular os sucessivos e crescentes déficits verificados durante a gestão.

Esse período de modorra atingiu o próprio hospital primitivo que ficou em ruínas, acabando por desaparecer. Em 1730, num dos seus intermitentes gestos de reação, a Irmandade procurou remediar a situação, transferindo o hospital para o Campo da Misericórdia, na sacristia da Igreja da Misericórdia, que ficava onde hoje se localiza a Praça Mauá, esquina da Rua Riachuelo. Num corredor estreito, foram instalados os doentes, num recinto que, como é evidente, não oferecia condições de conforto aos inúmeros marítimos chegados a Santos.

Além de apertada, a sacristia improvisada em hospital, o prédio era velho e ameaçava ruir. Por isso mais tarde, em 1807, o governador Franca e Horta, que foi Capitão-General de 1802 a 1811, ao aproveitar o abandonado Colégio dos Jesuítas ou Colégio São Miguel, antigo edifício onde funcionou a primeira Alfândega de Santos (Praça da República), para a localização de várias repartições oficiais, reservou uma parte para os beneficiários da Irmandade da Santa Casa. O governo de então fornecia o prédio, e a Irmandade custeava os medicamentos necessários.

Em 1811, em nova reação contra o empobrecimento e o desânimo provocados por déficits constantes da administração financeira, a Irmandade assentou trabalhar pela construção dum hospital próprio. As diárias que tinha de pagar pelos doentes eram cada vez mais altas e urgia uma providência que atenuasse a crise. Tentou-se primeiro a continuação das obras dum edifício doado à instituição para esse fim e cujos alicerces estavam à espera de prosseguimento. "O edifício - conta Alberto Souza - (em Os Andradas), principiou a ser construído numa das faces do Campo da Misericórdia - não se sabe precisamente onde - mas ficou inacabado, apenas à altura do primeiro andar, por não terem as cotizações bastado para a sua terminação".

Não sendo aproveitado o prédio acima, permaneceu a mesma situação precária, continuando a Misericórdia a internar os seus doentes no hospital do Governo. Em 1º de novembro de 1830, ao se eleger nova Mesa Administrativa, resolveu-se dar solução imediata da hospitalização. Foram desenvolvidos grandes esforços nessa direção e assim, em outubro do seguinte ano (1831), foi conseguido instalar os doentes num hospital provisório, em propriedade de Antonio José Viana, em local denominado Campo da Chácara, hoje Travessa (Praça) dos Andradas. Ali foram recolhidos 12 enfermos trasladados do hospital do governo.

Era provedor nesse tempo o Capitão Antonio Martins dos Santos, chefe de tradicional família santista, que muito concorreu para a campanha então levada a efeito, para o reerguimento da Irmandade, que certa vez chegou a contar apenas com 9 irmãos em atividade. Esse movimento encontrou bastante apoio. Por parte do povo de Santos, tendo sido o dr. Cláudio Luiz da Costa, ilustre médico aqui residente, um dos seus mais tenazes e vibrantes propugnadores.

Em 4 de novembro de 1832, numa das dependências do hospital provisório, fundava-se a Sociedade de Filantropia, destinada a pugnar paralelamente com a Irmandade, para a construção do novo hospital e mantença da Santa Casa.

Existia em Santos, por essa época, uma sociedade recreativa composta de elementos do escol social santense e promotora de freqüentes saraus musicais e dançantes. Esta sociedade cedeu seus salões para a novel Sociedade Filantrópica ali efetuar suas reuniões, que entrou a trabalhar eficazmente em prol da manutenção da Irmandade da Santa Casa e do seu hospital, prestando-lhe a maior ajuda possível. Congregando em seus elementos figuras notáveis como os irmãos Antonio Carlos, Martim Francisco e padre Patrício Ribeiro de Andrada, a "Filantrópica" tinha a originalidade de contar com senhoras em seu quadro associativo, fato inédito no país, naquele tempo.

Essa entidade coletiva muito fez pelo robustecimento das finanças da Santa Casa, e quando se dissolveu, em 1840, entregou todos seus haveres a essa instituição de caridade. Desde 1834 a diretoria da Sociedade Filantrópica encetou uma campanha para a construção imediata do novo hospital. Apesar da oposição de alguns membros de destaque da Irmandade, inclusive do Dr. Cláudio Luiz da Costa, venceu a corrente partidária da construção do terceiro hospital da Santa Casa, ao passo que a corrente contrária propunha que se trasladassem os enfermos para o Convento de Santo Antonio, no Valongo.


O terceiro hospital da Santa Casa, na atual Av. São Francisco
Foto: História de Santos/Poliantéia Santista (volume I, 1986, Editora Caudex Ltda., São Vicente/SP)

Em 2 de julho de 1835, sob a provedoria do irmão Antonio Martins dos Santos, de acordo com o deliberado pela Irmandade em sessão de 12 de fevereiro do mesmo ano, lançou-se a pedra fundamental do novo edifício hospitalar, na base do antigo Morro de São Jerônimo (atual Monte Serrat), junto à capela de São Francisco de Paula, que ali fora erigida já havia 70 anos.

As obras dessa construção foram morosas, a princípio, mas em 1836, tendo-se eleito nova Mesa Administrativa, da qual era provedor o benemérito irmão Dr. Cláudio Luiz da Costa, esse empreendimento recebeu novo impulso e o trabalho infatigável dos novos dirigentes logrou obter o melhor êxito. Assim em 4 de setembro do mencionado ano de 1836, verifica-se a solenidade da inauguração do novo hospital.

Essa tocante cerimônia realizou-se, diz Alberto Souza, com a pompa relativa à época, sendo os enfermos "conduzidos processionalmente do hospital provisório para o definitivo, carregados pelos piedosos irmãos os que não podiam andar" - acrescentando ainda que "o vigário da Paróquia recebeu-os evangelicamente à porta da capela, onde ouviram a missa comemorativa do faustoso acontecimento".

Em 1878, atendendo à necessidade de se ampliar o hospital, já tornado exíguo devido ao crescimento acelerado da cidade de Santos, foi lançada a pedra basilar de novas dependências, anexas ao mesmo, numa solenidade que teve a honra de ser presidida por D. Pedro II e ter a presença de D. Teresa Cristina, conselheiro Sinimbu, dr. João Batista Pereira, presidente da Província, barão de Embaré e membros importantes da Irmandade, pessoas gratas e convidados. Esses acréscimos, no entanto, não foram suficientes para que a Santa Casa cumprisse cabalmente os seus objetivos, de sorte que em 1896 deram início as novas construções, obedientes a um plano grandioso e corajosamente caro para a época.

Esse novo empreendimento, que bem demonstra o zelo dos diretores da Santa Casa, para que se desenvolvesse em ritmo cada vez mais acentuado, só ficou terminado em 1902, quando era provedor o sr. Cel. José Proost de Souza, tendo custado mais de novecentos contos de réis, fruto do esforço duma comissão de que também participaram José Caballero, Manoel José Martins Patusca, Júlio Conceição e a Mesa Administrativa, transformando o pequeno hospital primitivo num verdadeiro palácio.

Desde sua fundação, perto do Outeiro de Santa Catarina, o hospital está ligado à existência da cidade, acompanhando-lhe as vicissitudes e momentos de prosperidade.

Durante o século passado (1800) ali foram albergados os enfermos da febre amarela, varíola e outras epidemias que assolavam Santos. Em seu edifício se localizava o antigo necrotério. Antes da construção dum hospital de isolamento, para ali eram levados os doentes de moléstias contagiosas.

Seu corpo clínico, nesses ominosos tempos, muito fez para debelar esses flagelos que tanto malefício acarretavam ao conceito do porto santista no estrangeiro. Em dezembro de 1907, a Santa Casa recebeu, já concluído, o Instituto D. Escolástica Rosa, fruto dum legado magnífico oferecido pelo benemérito irmão João Otávio dos Santos. Segundo era pensamento do seu doador, esse Instituto deveria comportar inicialmente 50 internados, havendo a despesa total da sua edificação e montagem somado Cr$ 501.632,39. A sua manutenção estava assegurada por uma renda mensal proveniente de 58 prédios deixados pelo saudoso extinto. Seu fito era amparar os meninos pobres em seus primeiros anos de preparo vocacional.

Durante a gripe espanhola que devastou o país e o mundo, a Santa Casa muito fez para acudir à população afetada, havendo o seu corpo médico trabalhado sem cessar nesses dias pavorosos, sem exigir a menor remuneração. Foram assinalados os serviços então prestados não só aos santenses, em terra, mas também aos marítimos nos navios surtos no porto, inclusive os tripulantes dos vasos de guerra Floriano e Carlos Gomes, que eram socorridos permanentemente a bordo.

Verificando o perigo de permanecer o hospital ao flanco do morro sujeito a erosões e deslocamentos periódicos, e prevendo a necessidade de futuramente se dilatar o mais possível o âmbito de sua obra de assistência, a direção da Irmandade cogitou em seguida de construir um novo hospital, situado em espaçoso terreno, na esplanada do antigo bairro do Jabaquara. A idéia foi acolhida com entusiasmo e teve o apoio dos poderes públicos, destacando-se o prestígio que lhe deu o então presidente do Estado, dr. Júlio Prestes, mais tarde eleito irmão benemérito, que em 10 de abril de 1928 veio pessoalmente a esta cidade presidir a cerimônia do lançamento da primeira pedra do novo edifício hospitalar. Essas obras, apesar de encetadas com a devida celeridade, tiveram de se paralisar em 1931, por motivos de ordem econômica e financeira, ao sobrevir a crise de 1929 e o movimento revolucionário de 1930.

A inauguração do novo hospital aconteceu no dia 2 de julho de 1945.


Hospital da Santa Casa, na esplanada do Jabaquara, visto da Av. Pinheiro Machado,
já com a Av. Dr. Cláudio Luiz da Costa aberta
Foto: Cartão postal da coleção Werner Vana, de São Paulo/SP

"POR QUE OS MARINHEIROS QUANDO CHEGAVAM A SANTOS VINHAM SEMPRE ENFERMOS?

O hospital nasceu com a cidade de Santos, nasceu com a colonização do Brasil. O assunto merece considerações. Em primeiro lugar, força é confessar que comemora a fundação de Santos com a afirmativa de que ela surgia em conseqüência da fundação do hospital e da Irmandade. Cumpre, porém, indagar por que motivo Braz Cubas, que aqui chegara em 1531 com Martim Afonso, o fundador da vila de São Vicente, que se estabelecera com seus irmãos Catarina Cubas, Antonio Cubas, Gonçalo Cubas e Francisco Nunes Cubas, no sítio Jurubatuba, na ilha dos Padres, hoje Barnabé e com eles cultivara cana-de-açúcar, arroz e outros gêneros de primeira necessidade, destinados não só à própria mantença como às transações do comércio que aqui estabelecera o uso do monjolo que vira na China, por que motivo resolveu Braz Cubas fundar um hospital? Fale a história.

A 25 de setembro de 1536, dona Ana Pimentel, mulher e procuradora do donatário Martim Afonso de Souza, então ausente nas Índias Orientais, no pleno uso dos poderes de que legalmente dispunha, mandou passar a Braz Cubas Carta de Sesmaria das terras de que ele ocupava e benfeitorizava na ilha referida: tal documento, confirmado mais tarde pelo donatário, chegou às mãos do beneficiado em 1540.

Alberto Sousa, o historiador dos Andradas, após demorados estudos, lembra que por esse tempo "os navios fundeavam no ancoradouro onde o rio Santo Amaro desemboca no canal da Barra Grande. Braz Cubas compreendeu logo o inconveniente que nisso havia para os embarcadiços, porque eram forçados a permanecer em porto solitário; e para os lavradores, porque tinham de conduzir em canoas para São Vicente suas mercadorias mais pesadas, ora pela Bargosa, principalmente em certas épocas do ano; ora por dentro, contornando toda a ilha... foi então que concebeu a idéia de fundar um outro porto no lado oposto a Santo Amaro e quase em frente à ilha desse nome, para o que tratou de adquirir parte das terras pertencentes a Pascoal Fernandes e Domingos Pires. Reparando Braz Cubas o quanto sofriam os marinheiros quando chegavam doentes, após longas e penosas travessias, ou aqui enfermavam, lembrou-se que era urgente fundar um Hospital que os acolhesse e tratasse, e uma Irmandade que o administrasse.

Chegamos, pois, à conclusão de que os marinheiros que aportavam em Santos vinham sempre enfermos, ou aqui enfermavam. E de tal forma isso se dava que o Fundador se viu na contingência de fundar um hospital para os medicar. Todos os historiadores afirmam isso. Logo, diremos: de Portugal só nos vinha gente doente?

Se assim era, que moléstia seria essa que não perdoava a marinhagem dos navios que aqui chegavam? Sairia já de Portugal enferma a tripulação, ou seria a enfermidade aqui adquirida ou adquirida em viagem? Estamos que a resposta não foi dada, a bem dizer, até agora, nos seus devidos termos. Não que nos falte elementos para isso, mas porque os historiadores, preocupados na solução de questões que consideram de suma importância, como a de se saber se fora Braz Cubas o fundador da cidade, ou se foram os moradores do lugar da sua ereção, Domingos Pires e Pascoal Fernandes, os seus fundadores, deixam de responder a essa pergunta, maravilhosamente sensacional.

Pois bem, a enfermidade que dizimava a marinhagem das naus portuguesas, que levara o Fundador a erigir o Hospital, a "Casa de Deus para os Homens, porta aberta ao Mar", fora nem mais nem menos que o escorbuto, a desvitaminização do organismo pelas demoradas, longas travessias do Atlântico, de Portugal até Santos, a "doença crua e feia" de que nos fala Camões.

BRAZ CUBAS "VIVERÁ NOS LÁBIOS DO POVO POR TODOS SÉCULOS", PORQUE A SANTA CASA VIVERÁ ENQUANTO EXISTIR A CIDADE DE SANTOS..."

(Embaixador Macedo Soares - 1943)
Leva para a página seguinte da série