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HISTÓRIAS E LENDAS DE BERTIOGA
Bertioga, no começo de sua história (1)

Um capítulo é dedicado na História de Santos/Poliantéia Santista pelos autores Francisco Martins dos Santos e Fernando Martins Lichti (Ed. Caudex Ltda., São Vicente/SP, 1986) à história de Bertioga, que foi assim contada:

Bertioga

Aceitam os historiadores que Bertioga tenha sido o primeiro ponto de futuro território santista, em que fundou e estacionou por alguns dias o capitão e donatário Martim Afonso de Souza [1].

O ilustre senhor de Alcoentre e Tagarro, que viera de Portugal tão armado de navios e de canhões, com quatrocentos soldados de guerra, destroçando inimigos franceses na costa de Pernambuco, apresando navios, após uma longa permanência no Rio de Janeiro, onde tentara fundar uma povoação junto à Praia Vermelha (que ficou conhecida como "Praia ou porto de Martim Afonso") e onde construíra a famosa Casa de Pedra (Carioca - no futuro Flamengo), aportara em Bertioga, lançando âncoras junto à Ilha de Guaíbe (atualmente Santo Amaro), no porto natural ali formado, em fundo de mais de dez braças.

Naquela barra teria ele, segundo a maioria dos autores, construído a primeira estacada ou primeiro fortim, da banda do continente, que guarnecera com artilheiros e soldados seus. Ali teria ele recebido, pouco depois, a visita de João Ramalho e Tibiriçá, acompanhados de quinhentos guerreiros goianases, parlamentando pela primeira vez com o famoso reinol do planalto, e combinado talvez um "modus vivendi", que permitiria a Ramalho a continuação da sua vida e dos seus negócios, e a ele, Capitão do Rei, o cumprimento manso e pacífico da última parte da sua missão, que era oficializar São Vicente, criar a Vila desse mesmo nome e desenvolver a grande colonização.

Contam os autores em geral que indígenas do litoral, assustados com o aparato das naus e caravelas e dos guerreiros de Martim Afonso, correram a avisar o patriarca português da Borda do Campo, fazendo com que ele descesse com uma parte das suas forças. Isso, evidentemente, não passa de uma fantasia. O racional, no caso, será admitir-se a atuação de Pero Capico e Henrique Montes (além de outros), antigas e conhecidas figuras da região, de longos contatos anteriores com a indiada vizinha, junto ao aborígene local (tapanhunos e miramomis), conseguindo mensageiros e estafetas para a longa caminhada até os campos de Ramalho, e para o convite ao patriarca, que produziria a sua primeira conferência com Martim Afonso, e que seria, em última análise, a preparação à entrada deste na terra dominada por ele e seus companheiros da baixada - o "Bacharel" Mestre Cosme e Antônio Rodrigues.

O resultado dessa conferência de Bertioga está bem claro. O "Bacharel", por ser um degredado e por não admitir domínio e direção de ninguém, retirou-se imediatamente do povoado que fundara (S. Vicente), voltando a Iguape e Cananéia, por mar (em suas embarcações) e por terra, seguindo as trilhas dos seus aliados, os brasílicos de Piquerobi, enquanto Antônio Rodrigues, o antigo traficante associado, permanecia no seu Tumiaru pacato, à espera da instalação dos homens do Rei.

É possível e até lógico que comparecesse à Conferência de Bertioga (muito mais importante do que se tem pensado) o último Capitão da Feitoria ou Capitania Vicentina - Antônio Ribeiro - que ali estava desde 26 de outubro de 1528, como sucessor de Pero Capico, vivendo em paz e em comum com o potentado "Bacharel" Mestre Cosme.

Como chamara João Ramalho, chamara também Martim Afonso o Capitão Antônio Ribeiro, que se destituía com a sua chegada, e que muito mais perto estava de Bertioga, o que deixa de ser uma conjectura e passa a ser uma quase certeza, de tão natural.

Voltando a S. Vicente, em seguida, Antônio Ribeiro teria transmitido ao "Bacharel" o recado de Martim Afonso, com as alternativas que este lhe oferecia: a retirada sua e de sua gente, imediatamente, para o local do seu antigo degredo, ou a luta contra os seus navios, seus canhões, seus soldados (que eram muitos) e seus cabos de guerra (que não eram poucos). Para o caso da retirada ser-lhe-iam concedidos alguns dias, após o que, o Capitão Governador desceria com sua Armada, para combater em S. Vicente e desalojá-los, ou para fundear em Iguape e Cananéia, e confirmar a presença dos intimados.

Tendo preferido a retirada, como se sabe, o "Bacharel", seu genro Francisco de Chaves e toda a sua gente foram encontrados mais tarde (com chegada recente) naqueles lugares, ao Sul da Capitania, por Martim Afonso, o qual teve, ali, cabal demonstração de que a Conferência de Bertioga produzira resultados extraordinários, o que era um bom augúrio à sua entrada.

De Iguape e Cananéia desceu Martim Afonso o oceano, até o "rio da Prata", como era desejo do rei e sua idéia, onde um naufrágio da capitânia quase transformou o panorama histórico da fundação vicentina.

Voltando litoral acima, só então veio Martim Afonso fundear no "Porto de São Vicente", dando início à colonização ampla e regular da sua Capitania, em combinação e boa paz com Antônio Rodrigues e João Ramalho, o pioneiro da baixada e do planalto, figuras importantes da nova História que se iniciava.

Deu-se aí o que já conhecemos: a criação da Vila de São Vicente e o início-fundação do povoado de Enguaguaçu, a futura Santos, cujo crescimento havia de ser muito rápido, a ponto de tornar-se Vila também, apenas treze ou quinze anos após.

Pouco depois, quando o crescimento da população local e da expansão dos colonizadores (agricultores e industriais plantadores, criadores e donos de engenhos), englobado o aparecimento das primeiras gerações santistas, trouxe a necessidade de ocupação das terras de Bertioga e da sua defesa efetiva ou permanente [2], começaram os tupiniquins ou tamoios, senhores do litoral Leste (chamado Norte pelo vulgo), desde Cabo Frio a S. Sebastião, a sentir a presença numerosa e constante do branco português (dos Peros - adulteração do Perro espanhol, que eles não podiam pronunciar - "cão", "cães) e também a sua irritação, passando eles a exercer uma vigilância relativamente passiva, e, finalmente, a organizar expedições de vulto de extrema agressividade, contra a Ilha de Santo Amaro e os sítios de Bertioga, ameaçando as duas vilas de Santos e São Vicente.

Dentro de pouco tempo, eram constantes as invasões operadas pelas hordas brasílicas de Ubatuba e S. Sebastião, em gritos, horrissonâncias selváticas, que aterrorizavam ainda mais do que os seus arcos de guerra.

Imaginavam os tamoios, e imaginavam certo, que os brancos em breve tomariam também as suas terras e os expulsariam dos seus antigos domínios, e, assim, era preciso intimidá-los, afastá-los dali, ou exterminá-los.

Abrindo-se os documentos iniciais da história santista e vicentina, verificamos que eram muitos os pioneiros da penetração agrícola bertiogana, que viam em suas terras aluvionais do continente e à beira-rio glebas ideais para a produção de cana, de arroz, de feijão, de milho e até de algodão, e para a localização de engenhos, maiores ou menores, ou de grandes monjolos, para fornecimento às duas vilas e aos navios que ali fundeavam, no porto da Capitania, a pouca distância deles.

Não tardou que no próprio sítio de Bertioga, junto à barra e depois dela, alguns colonos mais audaciosos obtivessem terras e lançassem estabelecimentos, como Diogo Rodrigues e José Adorno (desde 1545; terras confirmadas em 1557 por Antônio Rodrigues de Almeida) [3], como Estevam Raposo Bocarro, como Gonçalo Afonso (o bombardeiro de João de Sousa), Cristóvão Monteiro, Pedro Fernandes, Simão Machado, Domingos Carocho, Jorge Ferreira, Pascoal Fernandes, o ferreiro Rodrigues, Jerônimo Rodrigues (o despenseiro de João de Sousa), Jorge Pires, e outros ainda entre 1545 e 1557.

Gonçalo Afonso logo desistira da sua gleba de Bertioga, passando-a a Jorge Pires, para fundar o seu Engenho (o de "Nossa Senhora da Apresentação" - ao fim do rio Curumau, zona central da Ilha de Guaíbe, com saída para o rio de Bertioga, e em parceria com um Pires "Gago").

Semelhante audácia dos portugueses, reunida à idéia de que eles raptavam as virgens tamoias (explorada pelos franceses, que a incutiam e divulgavam entre os selvagens seus aliados), promoveu uma verdadeira fúria tupinambá, arrastando legiões imensas de Ubatuba e S. Sebastião, contra Bertioga e as pequenas fortificações ali existentes.

Em conseqüência da fúria tamoia despenhada sobre a região, pela altura de 1557, quase todos os sitiantes e povoadores de Bertioga e Ilha de Santo Amaro haviam desertado, receosos de um possível e breve ataque em massa, pelos terríveis antropófagos.

Em 1557 exatamente, quando o alemão Hans Staden já havia sofrido, junto à Fortaleza de pedra (de S. Felipe) a captura e cativeiro pelos invasores tamoios, os portugueses nomearam Pascoal Fernandes, o mais antigo fundador de Santos (o primeiro agricultor), para Condestável da Barra e Sítio de Bertioga, comandando as duas fortificações então existentes, lá indo meter-se ele com uma pequena guarnição, sua mulher e seus filhos, na Fortaleza de pedra (a de São Felipe), a cavaleiro das rochas extremas da Ilha de Guaíbe.

É o que se vê pela escritura de doação de 1º de junho de 1562, passada pelo Capitão Antônio Rodrigues de Almeida, em favor de Pascoal Fernandes, que dava aos demais o seu exemplo de coragem e destemor:

"Por elle (Pascoal Fernandes) estar e residir na dita Fortaleza de S. Felippe com sua mulher e filhos, sem haver outro morador nem Povoador na dita ilha, senam elle dito supplicante" [4].

Raros foram aqueles que se animaram a acompanhar Pascoal Fernandes, mas, entre esses raros, pôde a Civilização vicentina contar com a figura extraordinária de José Adorno, sempre presente, em todas as fases e em todos os momentos e movimentos de guerra, de ameaça e de perigo, assim como em todas as ações externas de conveniência régia ou local. A melhor prova disso é aquela Igreja enorme para a época e para o lugar, construída no ano de 1557, o mesmo da nomeação do Condestável.

Só em 1556 é que observamos as primeiras tendências para o retorno às terras de Bertioga e Ilha de Santo Amaro (extremo Leste), de todos aqueles que, amedrontados ante a fúria tamoia, dali haviam fugido anos atrás, ameaçando de pobreza e insuficiência de alimentação as duas Vilas: de Santos e de São Vicente.

Documento importante a tal respeito é a Sesmaria concedida naquele ano (1556) a Cristóvão Monteiro: [5].

"E porque até agora como estaa dito he notorio a dita Ilha esteve e estaa despovoada, e inhabitável por respeito das muitas guerras succedidas nestas Capitanias de S. Vicente e Santo Amaro, pelo qual respeito havendo este impedimento, o supplicante nam ouzou de fazer sua Fazenda nas ditas terras, sem embargo de nellas trazer muito gado vacúm, tempos atraz passados fez cannaveaes e roçaria de mantimentos nas ditas terras, e ora com ajuda de Nosso Senhor tem ordenado com seus cunhados e parentes, e alguns Índios principaes da terra, tornarem a roçar, e fazer Fazenda nas ditas terras, etc." [6].

Foi nesse lugar e nesse ambiente de luta e de morte, em que se chocavam permanentemente a barbárie e a civilização, ameaçando, a cada dia e a cada hora, o aniquilamento de toda a obra colonizadora dos portugueses, e logo ao princípio da expansão do branco, que surgiram os famosos irmãos Braga, os primeiros santistas nominalmente conhecidos, precursores da grei bandeirante e primeiros mártires espontâneos daquela Civilização (nem todos).

Surgiram aqueles cinco irmãos espartanos quando mais acesa ia a fúria assoladora dos tamoios, decididos a trancar a passagem dos bárbaros no único ponto em que isso era possível: a barra e sítio de Bertioga.

Vamos deixar que Hans Staden, o artilheiro germânico contratado para dirigir as primeiras baterias do Forte de S. Felipe, fale por eles, com a autoridade de quem, com eles, viveu os mesmos perigos e as mesmas horas de angústia [7].

"As cinco milhas de S. Vicente há um lugar denominado Brikioka, onde os inimigos selvagens primeiro chegam, para daí seguirem por entre uma ilha chamada Santo Amaro e a terra firme.

"Para impedir este caminho aos índios, havia uns irmãos mamelucos, oriundos de pai português e mãe brasileira, todos cristãos e tão versados na língua dos cristãos, como na dos selvagens. O mais velho chamava-se Johan de Praga (João de Braga), o segundo, Diego de Praga (Diogo de Braga), o terceiro, Domingo de Praga (Domingos de Braga), o quarto, Francisco de Praga (Francisco de Braga), o quinto, Andrea de Praga (André de Braga), e o pai chamava-se Diego de Praga (Diogo de Braga).

"Cerca de dois anos antes da minha vinda[8], os cinco irmãos tinham decidido, com alguns índios amigos, edificar ali uma casa forte para deter os contrários, o que já tinha executado [9].

"A eles se ajuntaram mais alguns portugueses, seus agregados porque era a terra boa. Os inimigos Tuppin-Inbás, logo que isso descobriram, se prepararam na sua terra, dali distante cerca de 25 milhas, e vieram uma noite com 70 canoas, e, como de seu costume, atacaram de madrugada. Os mamelucos e os portugueses correram para uma casa, que tinham feito de pau a pique, e aí se defenderam. Os outros selvagens fugiram para suas casas e resistiram quanto puderam. Assim, morreram muitos inimigos, mas por fim venceram estes e incendiaram o sítio da Brikioka; capturaram todos os selvagens, mas os cristãos, que eram uns oito mais ou menos, e os mamelucos, nada puderam fazer porque Deus quis salvá-los. Aos outros selvagens, porém, que tinham capturado, esquartejaram-nos e repartiram-nos os entre si, depois do que voltaram para sua terra (São Sebastião)".

COMO OS PORTUGUESES REEDIFICARAM BRIKIOKA E DEPOIS FIZERAM UMA CASA FORTE NA ILHA DE SANTO AMARO

"Depois disto pensaram as autoridades e o povo que era bom não abandonar este lugar, mas que cumpria fortificá-lo, pois que deste ponto todo o país podia ser defendido. E assim o fizeram.

"Quando os inimigos perceberam que o lugar lhes oferecia grandes dificuldades de ataque, vieram de noite, mas por água, e aprisionaram a quantos encontraram em S. Vicente. Os que moravam mais longe pensavam não correr perigo, visto existir uma casa forte na vizinhança, pelo que sofreram muito.

"Por causa disso, deliberaram os moradores edificar outra casa ao pé da água, e bem defronte de Brikioka, e aí colocar canhões e gente para impedir os selvagens. Assim, tinham começado um forte na Ilha; mas não o tinham acabado, à falta de artilheiro português que se arriscasse a morar ali. Fui ver o lugar. Quando os moradores souberam que eu era alemão e que entendia de artilharia, pediram-me para ficar no forte e ajudá-los a vigiar o inimigo. Prometiam dar-me companheiros e um bom soldo. Diziam também que se eu o fizesse seria estimado pelo Rei, porque este costumava ver com bons olhos aqueles que, em terras assim novas, contribuíam com seu auxílio e seus conselhos.

"Contratei com eles para servir 4 meses na casa, depois do que um oficial devia vir por parte do Rei, trazendo navios, e edificar ali um forte de pedra, para maior segurança; o que foi feito [10].

"....

"Depois de alguns meses, chegou um oficial por parte do Rei, pois que lhe tinham escrito quão grande era o atrevimento dos selvagens e o mal que os mesmos lhes faziam. Também tinham escrito, quão bela era esta terra e não ser prudente abandoná-la. Para então melhorar essas condições, veio o governador Tomé de Susse (Thomé de Sousa) para ver o país e o lugar que queriam fortificar.

"Fizeram a casa de pedras, puseram dentro alguns canhões e ordenaram-me que zelasse bem da casa e das armas".

Este trecho de Hans Staden restaura a verdade de Bertioga, mostrando quem eram os irmãos Braga, e como, quando e por que foram feitas as primeiras fortificações daquela barra histórica.

Por aqui se vê que Martim Afonso de Souza, em sua provável estada na Bertioga, de passagem para o Sul e para S. Vicente, instalou ali somente uma estacada ou pequena casa forte, para refúgio e abrigo provisório de alguma gente que deixaria naquele ponto, casa esta que ele mesmo fez abandonar no ano seguinte, não se podendo contar, dali, a existência real da Fortaleza.

Frei Gaspar exagerou alguma coisa, quando atribuiu a ereção da Fortaleza de Sant'Iago a Martim Afonso, sendo ele o autor dessa versão sem consistência. A verdade aí está; ela só passou a existir mesmo em 1547 e desde então nunca mais deixou de ser conservada, restaurada, reconstruída e reaparelhada, partindo dessa casa-forte dos Irmãos Braga.

A última vez que vemos os irmãos Braga em exercício da heróica missão de sentinelas da barra de Bertioga é pela altura de 1554, em companhia de outros dois filhos da terra, sacrificados ao canibalismo do gentio litorâneo - Jerônimo e Jorge Ferreira.

É ainda Hans Staden que nos vai contar a ação assistida por ele, já como prisioneiro da tribo de Ubatuba:

"Alguns dançaram em homenagem aos seus ídolos, e quiseram neste mesmo dia ir à terra dos seus inimigos, a um chamado Boywassukange (Boissucanga), esperando aí até que anoitecesse.

"Ao deixarmos o lugar onde tínhamos pernoitado, chamado Maynbipe (Ilha de S. Sebastião, etc.... .."

"Quando perlongávamos a terra, avistamos, por detrás de uma ilha, umas canoas que se dirigiam a nós. Gritaram então - 'Aí vêm os nossos inimigos, os Tuppin Ikins'. Quiseram ainda assim esconder-se com as suas canoas por detrás de um rochedo, para que os outros passassem sem os ver. Mas foi debalde, viram-nos e fugiram para a sua terra. Remamos com toda a força atrás deles, talvez umas quatro horas, e os alcançamos. Eram cinco canoas cheias, todas de Brikioka. Conheci-os a todos. Vinham seis memelucos em uma dessas canoas, e dois eram irmãos. Chamava-se um Diego de Praga (Diogo de Braga) e o outro Domingo de Praga (Domingos de Braga). Defenderam-se estes valentemente, um com um tubo (espingarda) e o outro com um arco. Resistiram na sua canoa, durante duas horas, a trinta e tantas canoas nossas. Acabadas as suas flechas, os Tuppin-Inbá os atacaram e os aprisionaram, e alguns foram logo mortos a tiro. Os dois irmãos não saíram feridos, mas dois dos seus mamelucos ficaram muito maltratados, bem como alguns dos Tuppin-Ikin, entre os quais havia uma mulher.

.........

"Entre os que foram assados de noite, havia dois mamelucos, que eram cristãos. Um era português, filho de um capitão e se chamava George Ferrero (Jorge Ferreira), cuja mãe era índia (filha de João Ramalho).

"O outro, chamava-se Hièronymus (Jerônimo); este ficou prisioneiro de um selvagem morador na mesma cabana em que eu estava e cujo nome era Parwaa (Parauá). Assou a Hièronymus de noite, mais ou menos à distância de um passo do lugar onde eu estava deitado. Esse Hièronymus era parente consangüíneo de Diego Praga (Diogo de Braga)."

Fica, assim, devidamente reconstituído o ambiente heróico de Bertioga, primeiro ponto civilizado da Capitania, assolado pela gente antropófaga de Aimberê e Cunhambebe, atalaia das primeiras vilas paulistas.

Quem seriam porém, verdadeiramente, esses Braga?

Pela época atribuída por Hans Staden ao seu primeiro aparecimento em Bertioga, com a construção da casa-forte por ele citada (1547/1548), somos levados a supor que o mais moço, por efeito da ação exigida de cada um deles, naquela vida de guerra que levavam, tivessse no mínimo dezoito anos de idade e o mais velho dos cinco, vinte e cinco ou vinte e seis. Assim, recuado no calendário o tempo eqüivalente às idades máximas e mínimas desses irmãos, temos que o nascimento de todos eles fora anterior à chegada de Martim Afonso, visto que o mais moço teria nascido em 1529, e o mais velho em 1521/1522.

Admitida a certeza com que se expressou Hans Staden, jamais posta em dúvida por qualquer dos historiadores que trataram do mesmo assunto e repetiram as cenas por ele descritas, somos obrigados a aceitar que Diogo de Braga, o velho, progenitor destes primeiros santistas, foi também um dos misteriosos e esquecidos da primeira colonização, ao lado de João Ramalho e Antônio Rodrigues, ocupante, talvez, de terras adjacentes ao lugar da futura Santos, companheiro ainda do "Bacharel" Mestre Cosme, de Gonçalo da Costa, de Francisco de Chaves, de Pero Capico e Henrique Montes (estes dois vindos em retorno com Martim Afonso de Souza, como práticos da região e escrivão da Armada).

O essencial é sabermos que os Braga existiram e que foram, até às proximidade do acordo de Iperoig, as figuras exponenciais, abroqueladoras de toda a obra de Martim Afonso, o fundador do Brasil, título que cabe melhor do que o de fundador de São Vicente, com mais direito e com mais verdade, dando a Bertioga a posição privilegiada de Colunas de Hércules da primeira Civilização brasileira.

Se os gregos aprenderam a venerar as suas Termópilas e o seu Leônidas, lendário ou não, deviam os paulistas, pelo menos, aprender a amar e venerar as suas Termópilas e os seus Leônidas (cinco) do sítio e barra de Bertioga, representados naquele momento que a idade não conseguiu vencer, e que contêm toda uma grande História, de São Paulo e do Brasil.

Afinal, todo o heroísmo dos Braga e toda a coragem de Pascoal Fernandes, aceitando o posto de Condestável naquele reduto avançado mas não inexpugnável de Bertioga em 1557, teria sido inútil se não sobreviesse, coroando toda aquela longa página de esforços, heroísmo e sacrifício, o Armistício de Iperoig, que foi mais, em verdade, um perfeito tratado de paz, começado apenas com o armistício de 1563.

Anunciava-se a Confederação dos Tamoios, isto é, a reunião de todas as tribos sujeitas a Coaquira, Aimberê, Cunhambebe e Pindobussu, num total de quinze a vinte mil guerreiros, para uma descida de extermínio sobre a Bertioga, Santos, São Vicente, para que nada ficasse ali dos "peros" ou portugueses. Afirmava-se que a onda humana visava não só à reconquista da terra como à punição de alguns apresamentos de tupinambás, especialmente mulheres, levados a efeito por caçadores reinóis.

Soavam lugubremente, nas solidões de Maiembipe e Ubatuba, os trocanos de guerra; e as danças selvagens, as poracés prenunciadoras de batalhas, já se realizavam em torno das grandes tabas ubatubanas.

A notícia terrível caíra em Santos e S. Vicente como um dobre de finados, alarmando os arraiais cristãos com a tempestade selvagem que se armava sobre as suas cabeças. Bertioga seria o primeiro ponto arrasado pela onda irresistível e barbaresca.

Para conjugar a ameaça anunciada, organizou-se às pressas em Santos uma embaixada de paz destinada a Ubatuba. Voluntários da morte deviam integrar essa embaixada, que, pela melhor das suposições, nunca mais voltaria.

Manuel da Nóbrega e José de Anchieta foram os iniciadores desse movimento. E quem senão eles? Mas encontraram num civil, José Adorno, o nobre rico e genovês, senhor do Engenho de São João, que tão ativamente participara da fundação de Santos, o secundador e companheiro, o condutor destemeroso para Ubatuba.

E foi numa clara manhã, após o ato religioso celebrado na Capela dos Adornos ou de Santo Antônio de Guaíbe, em Bertioga, que partiram os barcos de José Adorno, conduzindo a pequena expedição de paz para o terrível ambiente de guerra. Os fatos são conhecidos e até hoje rememorados.

Um mês depois, José Adorno voltava trazendo apenas Manuel da Nóbrega, mas vinham alguns tamoios dos mais classificados. Soube-se de tudo então. José de Anchieta ficara como refém, garantindo a volta de Nóbrega e dos próprios tamoios, afiançando o cumprimento do armistício combinado das pazes entre indígenas e portugueses e seus descendentes, nas bases estabelecidas em Iperoig (que era o nome da praia de Ubatuba).

Tudo saiu bem. Os emissários tamoios foram bem recebidos e festejados, em Santos e São Vicente. Estava salva a obra de Martim Afonso e seus continuadores, Anchieta voltaria glorificado.

E só daquele ano de 1563 em diante puderam os portugueses e brasileiros de Santos tornar às antigas glebas da região, para a nova fase agrícola industrial da marinha, que deveria dar vitalidade e força à penetração do planalto e dos sertões.

Pouco depois, de 1565 a 1568, novos acontecimentos extraordinários tinham palco em Santos e Bertioga. Aprestavam-se as expedições de socorro ao Rio de Janeiro, onde Estácio de Sá pretendia fundar a cidade de São Sebastião, em cumprimento às ordens do Rei.

Grande papel têm, nessas páginas cívicas e militares da região e do Brasil, Manuel da Nóbrega e Bertioga, onde a Armada, reforçada por todos os barcos de José Adorno e toda a gente do seu Engenho, escravos e colaboradores, incluindo seu gerente, o alemão Eleodoro Eobano (nomeado comandante da força particular), aguardava a ordem de partida, da qual resultaria, afinal, a fundação da primeira São Sebastião, na antiga praia de Martim Afonso.

Foi na manhã de 27 de janeiro de 1565 que partiu de Bertioga a Armada estaciana, em que seguia a flor da população da Vila santista, para cumprimento da grande missão civilizadora. Homens como Francisco Velho venderiam suas casas de Santos, para poderem povoar a nova cidade da Guanabara, e a este mesmo caberia dar o primeiro nome à Enseada (o seu próprio nome) que mais tarde passaria a denominar-se de "Botafogo". O próprio juiz de Santos - Pedro Martins Namorado - seria, pouco depois, o primeiro juiz de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Na fundação da futura capital brasileira, uma notícia alegrava os santistas, mais do que todas as outras. Dois daqueles heróis de Bertioga - Diogo de Braga e Domingos - não haviam morrido; exatamente aqueles que Hans Staden vira os tamoios aprisionarem, descrevendo-os e destacando-os entre os seis mamelucos, que durante duas horas haviam lutado contra trinta e tantas embarcações tamoias, representando uma força de seiscentos guerreiros indígenas.

Domingos e Diogo de Braga, os dois irmãos remanescentes dos cinco, apareciam ao lado de Estácio de Sá, combatendo os franceses de Villegagnon, e a indiada feroz da Guanabara, e prosseguindo combate ao lado de Mem de Sá após aquele glorioso embate de 20 de janeiro de 1867 (N.E.: ano correto é 1567) (batalha de Uruçumirim) em que seria ferido de morte o chefe Estácio de Sá.

Diogo de Braga, o renascido do cativeiro tamoio, apareceria depois, como um dos três primeiros vereadores do Conselho da Câmara de São Sebastião do Rio de Janeiro [11].

Era a história de Bertioga heróica, a se estender pela nova história que Diogo e Domingos de Braga ajudavam a criar.

Bertioga hoje é o grande e único Distrito do Município de Santos (N.E.: o texto é anterior à criação do Município de Bertioga). A história do seu desenvolvimento através dos séculos, apesar da sua sede santista e do abandono em que por muitos e muitos anos esteve, é rica de detalhes, de pitoresco e de poesia. A partir do século XVII a vida do antigo núcleo do continente extinguiu-se quase de todo. A falta de água limitou o desenvolvimento de Bertioga, que foi passando para a Ilha de Santo Amaro, onde havia um núcleo antigo, água pura e abundante, terras para cultivo, fortaleza de pedra para defesa, grande igreja para orações, bom porto de calado, material de construção, madeira, barro, pedra e cal de sambaqui e haveria, ainda, uma grande indústria: a de pesca das baleias e produção de óleo para iluminação pública e particular, com a instalação do Real Contrato da Armação.

Bertioga em 1700 transfere-se totalmente para o outro lado e transforma-se numa Vila, que por pouco seria oficializada.

Era essa a sua situação, ainda em 1807, quando por ali transitou o mineralogista inglês John Mawe, saído de Santos de canoa, cujo depoimento descrevemos [12].

"Assim desenganados, resolvemos não aguardar navio em Santos, mas seguir para o Rio de Janeiro numa canoa, margeando a costa. Alugada uma, embarcamos; depois de remarmos toda a noite num estreito que separa o continente da Ilha de Santo Amaro, que constitui uma das passagens para Santos, chegamos ao nascer do sol a Bertioga, situada no extremo daquela Ilha. É pequena a cidade, com algumas construções toleráveis e boas, erguidas por conveniência do Capitão-mor e seus ajudantes que superintendiam um estabelecimento de pesca, similar ao das proximidades de Santa Catarina, pertencente à mesma Companhia, mas muito inferior em tamanho e capacidade. Em ambos, os negros mais hábeis ocupavam-se no preparo de barbatanas de baleia, produto de considerável comércio, embora sejam menores e de menor valor que as da Groenlândia. O litoral que costeamos, possui várias e belas baías, onde, na estação piscosa, apanha-se, anualmente, grande número de baleias. Os edifícios para derreter a gordura e armazenar o óleo estão convenientemente instalados.

"O famoso porto de Bertioga é bem abrigado dos ventos, e a própria cidade, situada no topo da colina, acha-se protegida das inclemências do tempo e, às vezes, bastante quente. A base da colina é de granito primitivo, composto de anfibólio, feldspato, quartzo, e mica. Belas nascentes de água, jorrando de vários pontos, dão grande variedade ao cenário, e uma agradável frescura ao ar. Embora o lugar apresente aspecto pobre, não se observam indícios de miséria; o mar fornece grande quantidade e variedades de peixes comestíveis, e o solo produz leguminosas de todas as qualidades, e arroz que, em grande porção, é transportado em barcos para Santos. As  pessoas com quem tratamos mostraram-se corteses, parecendo ansiosas por adivinhar e satisfazer os nossos desejos. Doente, o Capitão-mor não pôde auxiliar-nos na procura de passagem para São Sebastião, fomos portanto obrigados a alugar uma canoa, a fim de prosseguir, etc...." [13].

O depoimento é importante, como vemos, e aponta a existência de uma cidade - pequena mas com algumas construções toleráveis e boas, instalações industriais, edifício para derreter gorduras e armazéns de óleo, e um famoso porto bem abrigado dos ventos, cercada de produções de legumes e de arroz exportáveis; fontes de excelentes águas, e outras coisas mais [14].

NOTAS:

[1] O estudo do topônimo Bertioga, inicialmente ligado ao único morrinho local de Buriquióca - mais tarde "de São Lino" e atualmente da Senhorinha, consta do capítulo especial e apropriado: "Toponímia Santista". Para ele enviamos o leitor.

[2] É sabido que Martim Afonso, logo após sua entrada em São Vicente e sua posse da Capitania, mandara os soldados e defensores de Bertioga abandonarem o Fortim e se recolherem à Vila capital, convencido de que ninguém iria molestar a sua obra e a sua gente.

[3] Foi nesta aventura agrícola de José Adorno que o ilustre fidalgo genovês, o maior dos fundadores de Santos, construiu a Igreja ou grande Capela de Santo Antônio de Guaíbe (documentada no mapa setecentista existente no Museu Naval de Madri, de autor anônimo), ainda hoje uma das mais belas ruínas históricas de Bertioga (lado da Ilha de Guaíbe ou Santo Amaro).

Também esta ruína é hoje (N.E.: texto escrito originalmente em 1937) assistida pelo Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga, evitando-se, desse modo, a sua destruição pelo tempo.

Anos atrás, seu abandono era completo e as figueiras brancas, com suas poderosas raízes, como tentáculos enormes, tanto protegiam algumas partes dela como destruíram e ameaçavam destruir outras partes, deslocando os blocos de pedra e cal de sambaqui.

Certa vez, um grande embaixador de país europeu, ao visitar esta ruína, onde lhe servíamos de "cicerone", contemplando-a, ao lado do prefeito de Santos, não conteve estas palavras:

 "- Em meu país esta ruína seria um monumento nacional, e aqui, pelo que vejo, não chega a ser nem mesmo uma ruína zelada!"

Nessa ocasião, tirando do bolso a carteira, dela sacou uma nota de 500$000, convidando o prefeito a fazer o mesmo:

"- Senhor prefeito, vamos casar aqui um dinheiro, para mandar limpar este monumento?"

Foi uma grande lição dada pelo embaixador estrangeiro ao alcaide santista, a que assistimos entre envergonhados e satisfeitos.

Consta que o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a pedido daquele mencionado Instituto Histórico, vai restaurar a célebre igreja bertiogana.

[4] Cartório da Provedoria da Fazenda Real de S. Paulo - Livro de Registro de Sesmarias - Lit. 1562 até 1580, fl. 11, verso - Transcrição em Frei Gaspar da Madre de Deus, Memórias para a História da Capitania de São Vicente, 3ª ed., p. 289.

[5] Este Cristóvão Monteiro era exatamente sogro de José Adorno e fazia parte do conselho da Vila de Santos.

[6] Cartório da Provedoria da Fazenda Real de S. Paulo - Livro de Registro de Sesmarias - Lit. 1562 até 1580, fl. 45, verso - Transcrição em Frei Gaspar - obra citada p. 289.

[7] Hans Staden - Viagem ao Brasil - Versão do texto de Marpurgo, de 1557, por Alberto Lofgren - Edição da Academia Brasileira de Letras, 1930, p. 55/57.

[8] Ele viera em 1549/1550. A construção indicada era de 1547.

[9] A casa-forte era o primeiro forte de São Tiago (Sant'Iago), sem levar-se em conta aquela primeira estacada construída por Martim Afonso em 1531, destruída e abandonada por ele mesmo em 1532. Assim, o ano de 1547 deve ser considerado como o da fundação ou ereção desta Fortaleza, que em 1947 completou quatro séculos de existência, ocasião em que publicamos um opúsculo em homenagem à efeméride (e ao mesmo tempo ao 10º aniversário de fundação do Instituto Histórico e Geográfico de Santos), sob o título de Bertioga Histórica e Legendária - 1531/1947 - Edição Armando Lichti, 51 págs.

[10] Documenta-se desta forma a construção do Forte de pedra "São Felipe", mais tarde "São Luís" (a partir da restauração de D. Luís Antônio de Sousa). Ordens de Tomé de Sousa; execução de Brás-Cubas, Capitão-mor.

[11] A primeira Câmara da cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro tinha a seguinte composição: Aires Fernandes (Juiz Ordinário), Francisco Dias Pinto, Cristóvão Monteiro (sogro de José Adorno), e Diogo de Braga (vereador), Gomes Ennes (ou Eanes?) - procurador do Conselho. Funcionava esta Câmara ou Conselho em casa do juiz Aires Fernandes, enquanto a casa da Câmara estava ocupada pelo Governador Geral.

[12] John Mawe - Viagens ao Interior do Brasil principalmente aos distritos do Ouro e dos Diamantes, 1807/1808 - Tradução de Solena Benevides Viana - Introdução e notas de Clado Ribeiro Lessa - Rio, ed. Zélio Valverde, 1944.

John Mawe é o autor também da obra publicada em Londres, no ano de 1812: The Mineralogy of Debershire.

[13] O viajante não se refere ao outro lado do rio (a Bertioga de hoje), às Fortalezas e à secular Igreja de Santo Antônio de Guaíbe, ali mesmo junto à cidade que ele descrevia, e junto aos tanques ou depósitos iniciais do óleo saído das caldeiras. Também não faz um cálculo dos habitantes ali sediados nem do número dos escravos e trabalhadores de Contrato de Armação ou da produção, o que devemos fazer, por indução e analogia, calculando que, entre chefes, soldados, técnicos de fabricação, escravos, operários especializados, arpoadores, remeiros, marinheiros, canoeiros, cordoeiros, famílias, agricultores, pescadores e outros, a cidade de Bertioga, encontrada por John Mawe, não podia ter menos de 500 ou 600 habitantes.

[14] Que resta hoje do famoso porto de Bertioga. Transferindo-se a vida bertiogana para a terra firme (o outro lado do rio, baixo, doentio, paludoso, sem água, sem matéria-prima para construções) após a extração da indústria da pesca das baleias (cerca de 1830), foi Bertioga decaindo, transformada em sítio e chácaras pobres e de veraneio das famílias abastadas de Santos, parecendo uma tapera ao princípio do século XIX, apenas cercada de belezas naturais, tranqüilidade, pitoresco e poesia. Até o porto antigo (famoso em 1807), e tão rico de história, onde fundeara Martim Afonso em fins de 1531, foi abandonado, restando dele apenas um pequeno trecho de cais em ruína. Suas fontes de águas minerais, magnesianas, alcalinas e talvez oligometálicas, foram abandonadas ao mato, e, assim, o pouco que restou da sua antiga grandeza.

Hoje, já nem peixe, quase, se encontra em Bertioga, sendo necessário que seus hotéis e suas pensões se abasteçam de pescado e crustáceos em outras praças para atender à preferência de seus hóspedes. Outrora, com uma horticultura domiciliar, porém bem diversificada, suficiente para o seu consumo, hoje, também, depende das verduras e legumes de fora para a alimentação da vila. Até as frutas desapareceram... a carambola, o jambo, a goiaba, o cambucá, o cambuci, a laranja, o caqui e a tangerina... tudo desapareceu, restando apenas algumas poucas árvores isoladas. Só a banana resistiu por mais tempo, em algumas áreas, mas já está sendo dizimada, e não subsistirá muitos anos.

Sob esse aspecto o progresso arruinou Bertioga. As áreas, ontem, de cultura, foram transformadas em loteamentos. Lamentavelmente, os pescadores e os pequenos lavradores não tiveram nenhuma proteção.

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