Ruínas de uma construção de pedras com amarração de conchas de sambaquis, preservadas
há anos, datam dos séculos 17 ou 18, quando religiosos estavam na região
Foto: Raimundo Rosa, publicada com a matéria
Sexta-feira, 4 de Agosto de 2006, 10:52
HISTÓRIA
Ruínas podem ser da época de jesuítas
Local foi cercado e protegido de atos de vandalismo pela Fosfértil
Manuel Alves Fernandes
Da Reportagem
Trezentos anos depois de serem
obrigados a abandonar Cubatão, os jesuítas que deram origem à cidade ainda geram controvérsias: diretores do Conselho de Defesa do Patrimônio
Cultural da cidade desconfiam que as ruínas de uma construção de pedras com amarração de conchas de
sambaquis, preservada há anos pela Fosfértil (sucessora da Ultrafértil) datam dos séculos 17 ou 18, quando os religiosos exploravam o posto de
pedágio em Piaçagüera.
Cercada por correntes e protegida de atos de vandalismo pela empresa - a ponto de
merecer elogios da arqueóloga Eliete Pythagoras Britto Maximino - a área de pedra indica que ali existia uma capela ou igreja. Se as pesquisas
comprovarem as hipóteses levantadas, esta seria - além dos sambaquis da Cosipa e da Companhia
Santista de Papel e da Calçada do Lorena - uma das poucas ruínas, ainda preservadas, do passado do município.
Jesuítas - A hipótese de que a construção de pedra (em alguns trechos com
alterações de tijolos, mais recentes) seja do tempo dos jesuítas está sendo aventada pelo presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de
Cubatão, Wellington Ribeiro Borges.
As primeiras referências à existência dessas ruínas partiram do ex-presidente do
Instituto Histórico e Geográfico de Cubatão, Arlindo Ferreira. Ele e o paisagista Marcelo Onuki fizeram fotos do local há dois
anos. "Entramos em contato com o gerente do complexo, Waldir Caobianco, e ele disse que a Fosfértil tinha
interesse em pesquisar a origem da construção e comprovar o seu valor histórico", afirma Borges.
Como a empresa manifestou esse interesse, Borges pediu ajuda à doutora Eliete
Pythagoras Britto Maximino, coordenadora do Instituto de Pesquisas em Arqueologia (Iparq) da Universidade Católica de Santos (UniSantos).
Cuidados - Acompanhado pela pesquisadora, ele fez nova visita à área onde ficam
as ruínas, e disse que o conselho e o Iparq estão dispostos a prosseguir com a pesquisa, se a diretoria da Fosfértil concordar com o trabalho de
campo que será realizado na área.
Por se tratar de terreno particular, localizado no trecho ajardinado da empresa
situada de frente para a estrada de acesso à região do Vale do Mogi, essa autorização é essencial.
A coordenadora do Iparq, Eliete Pythagoras, adota os devidos cuidados científicos para
falar sobre as ruínas. Não há condição de adiantar se são da época dos jesuítas, sem realizar pesquisas, inclusive, na área.
Segundo Eliete, trata-se de uma ruína histórica. "Mas
o que é preciso saber é a resposta concreta do que ela representa. É uma construção antiga, sem dúvida". Mas o problema,
segundo ela, é que a ruína está em área de propriedade particular.
Elogio - Por se tratar de uma indústria, há também questões de segurança a
serem resolvidas para saber a extensão do patrimônio cultural e o que ele realmente representa para a história de Cubatão. "Mas
a empresa teve o cuidado de cercar a área. O monumento está preservado, o que é motivo de orgulho para os cubatenses".
Por solicitação de Borges, será elaborado um projeto técnico com indicação de custos
para que o conselho apresente uma proposta oficial de pesquisa à Fosfértil. Como a empresa tem, tradicionalmente, financiado pesquisas culturais
através da Lei Rouanet, é possível que o instituto se habilite a receber esses recursos para promover os estudos. "Estamos prontos para isso".
Patrimônio |
"É preciso saber a resposta concreta do que ela representa.
É uma construção antiga, sem dúvida"
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Eliete Pythagoras
Arqueóloga
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Sexta-feira, 4 de Agosto de 2006, 10:56
Moradores contam casos interessantes sobre a edificação
Antonio Costa Novo tinha dez anos quando seu pai, José da Costa, comprou a área
vizinha à atual Fosfértil. Aos 70 anos, lembra desse tempo no sítio, hoje ocupado pela Bunge (na área da antiga Manah). A compra foi em 1946, e um
ano depois todos se mudaram para lá.
Todas as terras em volta, onde hoje estão as fábricas de fertilizantes e a Cosipa,
eram sítios de bananas, atravessados pelo Rio Mogi, segundo os memorialistas Antonio Carlos Cruz e Joaquim Miguel Couto.
Couto chegou a escrever em uma das suas obras que no local havia ruínas do tempo dos jesuítas.
Segundo Antonio, seu pai conheceu o dono das terras onde ficavam as ruínas que diziam
ser do tempo dos jesuítas. "O dono era um gringo, que segundo meu pai era cônsul da Noruega em Santos.
Nós atravessávamos o rio e brincávamos na área desse vizinho, com autorização dele. Ele conservava a área".
Fantasmas - Antonio fala das histórias que circulavam na região. Uma delas
relata que no local não havia apenas a capela. Tinha também muros com um metro de altura e que, diziam, separava a capela do cemitério dos jesuítas.
"Contavam que havia fantasmas. Andei por lá com meus irmãos, inclusive à noite. Nunca vi nenhuma alma de
jesuíta. Mas cacei muitos tatus".
Antonio é sobrinho de José da Costa, que dá
nome a uma escola na Vila Nova e pai de Carlos Augusto Costa, o Buda, funcionário da Câmara há 20 anos e membro do
Instituto Histórico e Geográfico de Cubatão (N.E.: na verdade, Antonio é primo-irmão, segundo
informou a Novo Milênio, em 24/4/2010, Regina Célia Moura da Costa).
Wellington Ribeiro Borges, ex-aluno de Eliete, é autor do livro O que você precisa
saber sobre Cubatão, escrito em parceria com Francisco Rodrigues Torres (que vem fazendo pesquisas sobre a presença dos jesuítas em Cubatão) e
João Carlos Braga Júnior. A obra foi editada em 2002 pela Design & Print, de Cubatão, com apoio do Arquivo Histórico Municipal.
Eliete Pythagoras: pedra indica existência de capela ou igreja
Foto: Raimundo Rosa, publicada com a matéria
Sexta-feira, 4 de Agosto de 2006, 10:55
Religiosos cobravam pedágios e construíam capelas na cidade
A hipótese de serem ruínas da época dos jesuítas encontra indicativos na pesquisa do
Acervo Histórico da Administração Fiscal da Receita Federal (www.receita.fazenda.gov.br/memoria/administracao/reparticoes/passagens).
Na região onde estão as ruínas da provável capela houve, na época dos jesuítas, um
posto de pedágio para passagem no Rio Mogi. Segundo os autores da pesquisa, "de velho tributo, dos mais
antigos que se conhecem, o pedágio chegou ao Brasil no começo do século 18, embora tenham havido tentativas para implantá-lo na Bahia, a fim de
privilegiar Lourenço Correia de Brito, herói da guerra contra os holandeses".
A partir de 1700, porém, as "passagens sobre os rios" começaram a ser cobradas e se
multiplicaram com incrível rapidez. As necessidades geradas pelo intenso tráfego para as minas e a rentabilidade desse tributo foram as causas de
sua criação.
Em Cubatão, coube aos jesuítas administrar a cobrança do imposto
para a Fazenda do Reino. O tributo continuou a ser cobrado até depois da Independência, mas aos poucos entrou em decadência. No Segundo Império, as
ferrovias deram o golpe final na sua existência. Curiosamente, o tributo em pontes ressurgiu na ponte Rio-Niterói, com o nome genérico de "pedágio".
As passagens dos rios comportavam três modalidades de arrecadação: a) direta, por
agentes do fisco; b) arrematada, através de licitação, a contratadores; e, c) concedida, como recompensa a serviços prestados à Coroa. É o caso das
passagens dos rios Jaguari, Mogi-Guaçu, Grande e Corumbá, conferidas a Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhangüera.
O tributo incidia sobre os passageiros e as cargas transportadas, segundo tabelas
variáveis de lugar para lugar. As passagens poderiam ser feitas através de pontes ou de embarcações e não podiam ser estabelecidas em rios que
pudessem ser atravessados, mas só nos chamados rios caudais. A arrematação das passagens era uma licitação promovida pelas Provedorias da Fazenda
Real e, depois, pelas Juntas da Real Fazenda.
O vencedor da licitação se comprometia a pagar uma quantia fixa à Fazenda,
ressarcindo-se através da cobrança de uma taxa aos viajantes que usassem as pontes ou barcas postas à sua disposição na passagem. Existiram
passagens em quase todas as capitanias do Sul do Brasil e em algumas do Nordeste.
Mogi do Pilar - Em Cubatão, houve duas passagens com pedágio na época dos
jesuítas. Uma delas é a passagem Cubatão de Mogi do Pilar, que ficava em Piaçagüera, na estrada que ligava Santos a Mogi das Cruzes, ao pé da Serra
do Mar. Segundo a pesquisa, foi mencionada em 1786 e em 1792: "Só se conservarão abertos os dois portos
intitulados Cubatão Geral de Santos e Cubatão de Mogy das Cruzes, a que chamam o porto do Pilar". Era uma das passagens
exploradas primitivamente pelos jesuítas e depois confiscada pela Fazenda Real.
E a segunda passagem, mais conhecida, é a de Cubatão de Santos. Já existia em 1717,
quando foi objeto de uma demanda judicial entre os Jesuítas e a Fazenda Real. Ainda existia em 1786 e em 1795, quando foi arrematada por
contratadores particulares. Ela se localizava sobre o Rio Cubatão (ou largo do Canéu, um braço de mar no estuário santista). Isso provocou grandes
discussões, pois as passagens só podiam ser estabelecidas sobre água doce. Os jesuítas alegavam que tinham uma concessão régia para tal, mas nunca a
exibiram.
Quando Pombal os expulsou, a passagem foi confiscada para a Fazenda Real, sem que a
questão da sua legalidade houvesse sido decidida. |