HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
Jesuítas brigaram pelo seu monopólio
Eles controlavam a receita das travessias em canoas entre Santos e Cubatão
Texto incluído na obra Antologia Cubatense, selecionada
e organizada pela professora Wilma Therezinha Fernandes de Andrade e publicada em 1975 pela Prefeitura Municipal de Cubatão, nas páginas 159 a 160:
A expulsão dos Jesuítas da Capitania de São Paulo em 1640
A expulsão dos jesuítas foi provocada pela forte oposição
que esses padres faziam à escravização dos índios. Essa oposição foi acirrada pelo Breve de Urbano VIII, de 22 de abril de 1639, que proibia o
cativeiro dos índios, e pela lei régia de 31 de março de 1640, que ia além e mandava restituir os cativos. Inconformados, os procuradores das Vilas
de Santos, S. Paulo, Mogi-Mirim, Parnaíba e Iguape reuniram-se em São Vicente e decidiram pela expulsão dos jesuítas da Capitania de S. Paulo.
De 13 de julho de 1640 foi a sentença da expulsão pela junta das Vilas. Tiraram os das
vilas e cidades vizinhas e os ajuntaram na cidade de S. Paulo, de onde foram expulsos.
LEITE, Serafim S.J. História da Cia. de Jesus no Brasil. 10 volumes. Lisboa,
Livraria Portugália, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1938, vol. VI, p. 258.
"E expulsos se vieram para o porto de
Santos, padecendo assaz de trabalhos por aqueles ásperos caminhos e montanhas, vindo-lhes nas costas quarenta homens apenados
[1] para que lhes impedissem o
caminho, se quisessem tornar atrás. Só sábado chegaram os Padres de São Paulo ao Porto de Cubatão, que dista do porto de Santos, por um rio acima, 4
léguas. O que sabido mandou a Câmara de Santos uma canoa de Voga (que é uma embarcação feita de um pau somente, de 4 ou 5 palmos de boca, e 60 mais
ou menos de comprido) para que nela se embarcassem os padres para Santos. Na vila estavam todos de vigia, e tanto que em uma ponta tiveram vista da
canoa, que foi ao domingo à tarde, se ajuntou a Câmara e mandou apenar o povo para todos se ajuntar em motim, e amotinados se irem todos de mão
armada à portaria da Cia., para nos lançarem a todos fora de nossa Casa. Junto o povo à porta da Câmara, leu de cima de uma janela o procurador do
povo, Lucas de Freitas, a final a sentença..." [3].
NOTAS EXPLICATIVAS:
[1] Apenados - isto é,
obrigados pela Câmara a irem, sob pena de multa ou prisão.
[2] Era superior da Casa de S. Miguel da Vila
de Santos, Capitania de S. Vicente o Pe. Jacinto de Carvalhais.
[3] O documento que narra a
expulsão foi um relatório feito pelo Superior da Casa de S. Miguel de Santos, datado de 11 de setembro de 1640, da Bahia.
[4] Como é sabido, os padres jesuítas voltaram
depois da intercessão de El-Rei junto aos paulistas. |
Mesmo livro, páginas 161 a 163:
Os jesuítas pretendem a passagem do Cubatão
CLETO, Marcelino Pereira. Dissertação a Respeito da Capitania de São Paulo, sua
Decadência e Modo de Restabelecê-la. In: Anaes da Biblioteca Nacional. Vol. XXI. Rio de Janeiro, Tipografia Leuzinger, 1900, p.
217 e seguintes.
UM DOCUMENTO DE D. JOÃO V
"No livro nº 4 do Registro da Câmara Vila de Santos a fl. 143, se acha registrada a
seguinte provisão, requerimento a resposta da Câmara da dita vila. "D. João por graça de Deus Rei de Portugal, e dos
Algarves daquem, e d'além mar, em África, Sr. de Guiné e.a, Faço saber a vós Governador, e Capitão Geral da Capitania de São Paulo, que
fazendo-se-me por parte do Pe. Belchior Mendes da Companhia de Jesus Reitor do Colégio de Santo Inácio dessa cidade a petição, de que vos remete
Cópia, Pede seja servido mandar, que tendo prontas os suplicantes, e seus Sucessores nos portos de Santos e Cubatão as embarcações necessárias para
transporte dos passageiros, e seus trastes, e fazendas, ninguém possa preferir-lhes no aluguel, das que assim estiverem prontas, ou mandar, que se
tome o Porto por Minha Real Fazenda, ficando só livre ao Colégio do Suplicante, e as suas Residências, para o que for em Ordem à condução dos seus
provimentos, e em recompensa lhe dê anualmente, o que bastar para congrua [1].
Sustentação de dezesseis Religiosos residentes no seu Colégio, que serão até quatro mil cruzados, fazendo-me seu Fundador. Ordenando-vos por
Provisão de 4 de abril de 1743, informasses neste particular com vosso parecer, ouvindo o Provedor da Fazenda Real, e os Oficiais da Câmara desse
distrito, que responderiam por escrito, satisfizes-te em carta de 5 de dezembro do dito ano, remetendo as respostas do Provedor de Santos, e Câmara
de São Paulo, o que sendo visto me pareceu dizer-vos, que sobre este requerimento deveis ouvir os oficiais da Câmara da Vila de Santos, e à vista da
sua resposta informarei novamente com vosso parecer, procurando not.a de uma demanda, que consta ter já havido sobre esta matéria, e da
Sentença, que se proferiu a final, sobre o que fareis também responder por escrito ao Provedor da fazenda. El Rei Nosso Senhor o mandou por
Alexandre de Gusmão e Thomé Joaquim da costa Corte Real e.a em Lisboa a 7 de setembro de 1745.".
A PETIÇÃO DOS JESUÍTAS
"Petição - Senhor - Diz o Pe. Belchior Mendes da Companhia de Jesus, Reitor atual do
Colégio de Santo Inácio na Cidade de São Paulo do Brasil, que entre os poucos bens patrimoniais, que administra, e rege com excessivo trabalho à
falta de fundador, e de fundação para manter os seus súditos assistentes no mesmo Colégio, e Residências a ele anexas, como têm no mesmo Brasil os
Colégios da Bahia, e Rio de Janeiro e Pernambuco no Sereníssimo Rei D. Sebastião de gloriosa memória seu fundador. Um deles é o das terras do
Cubatão, que está da Vila de Santos em distância de quatro léguas rio acima, e compreende o Porto geral da dita cidade, Vila, e Povoações da sua
Capitania, onde de tempos imemoriais se conservam pelos Rendeiros do Suplicante as canoas necessárias para descerem pelo rio à dita Vila de Santos,
e nas mesmas voltarem dela, pagando os passageiros de seu transporte um estipêndio racionável, com o qual principalmente se sustentavam os
Religiosos, que trabalhavam na vinha do Senhor com alento proporcionado ao seu espírito, assim, e da mesma sorte, que ainda hoje trabalham pela
misericórdia de Deus, não só ensinando aos meninos rudes os primeiros elementos, e a outros a Gramática, e Filosofia, e Moral; mas pregando, e
confessando dentro, e fora do Colégio, e saindo freqüentemente já às ruas, já a outras povoações e vilas desta Capitania em repetidas missões, e
finalmente acudindo a todo o gênero de pessoas já com o conselho, aos que o procuram, já com a sua intercessão, e mediação, quando a pede a
necessidade do próximo, em cuja utilidade se empregam todos à medida dos seus talentos, por promover a glória de Deus, que é o fim total do seu
instituto. E porque, ou por penúria dos tempos, ou pela indústria, a que estimula a mesma penúria, a exemplo dos Reitores deste colégio tem hoje
vários moradores da dita Vila de Santos suas canoas, em que transportam aos passageiros, e as fazendas, com que sobem, e se consomem por toda a
Capitania, e Minas da sua repartição, e muitas vezes as põem à espreita no porto do Cubatão, que está em terras do Colégio do Suplicante, para daí
conduzirem os Passageiros a Santos, e depois os reporem no mesmo porto. Desta sorte vêm as canoas, que o Suplicante tem prontas, a estar pela maior
parte ociosas, e sem frete, e por conseqüência sem lucro considerável daquele porto para melhor se empregarem no bem do próximo, e utilidades de
suas almas, sendo sólida verdade, que fora do rendimento do Cubatão, não têm outros bens alguns estáveis, e permanentes, de que possam sustentar-se
comodamente, porque das mais terras, que possuem, como direitos Senhores (excetas somente aquelas, em que estão alojadas um par de Aldeias, apenas
têm de ânnua pensão seis centos e quarenta réis em dinheiro, ou em eqüivalente de seus Rendeiros. Portanto, pede a V. a M. que como Rei
tão católico pela piedade e zelo das almas, que se tem encabeçado em V. a M. mais que seus zelosos, e piedosos Predecessores, seja
servido, ou mandar, que tendo prontas o Suplicante, e seus sucessores, nos portos de Santos, e Cubatão as embarcações necessárias para transporte
dos passageiros, e seus trastes, e fazendas ninguém possa preferir-lhes no aluguel, das que assim estiverem prontas, ou mandar, que se tome o Porto
por Sua Real Fazenda, ficando somente livre ao Colégio do Suplicante, para a que for em ordem à condução dos seus provimentos, e em recompensa se
lhe dê anualmente de Sua Real Fazenda. O que bastar para congrua sustentação de dezesseis religiosos residentes no seu Colégio, que serão até quatro
mil cruzados [2]
fazendo-se V.a Real Majestade, seu ínclito Fundador. E.R.M. [3]"
NOTAS EXPLICATIVAS:
[1] Côngrua - pensão que
se dava aos padres para sua conveniente sustentação.
[2] Cruzado - antiga
moeda de ouro portuguesa.
[3] E.R.M. - Espera
Receber Mercê. |
Nas páginas 164 a 166:
A Câmara de Santos contesta monopólio sobre o Porto do Cubatão
CLETO, Marcelino Pereira. Dissertação a Respeito da Capitania de São Paulo, sua
Decadência e Modo de Restabelecê-la. In: Anaes da Biblioteca Nacional. Vol. XXI. Rio de Janeiro, Tipografia Leuzinger, 1900.
"Resposta da Câmara - Ilmo. e Exmo. Sr. - é S.M. servido
mandar-nos ouvir pela Sua Real Ordem, que V. Exa. nos participa, sobre a súplica, que ao mesmo Sr. fez o Reverendo Padre Reitor da Companhia do
Colégio de São Paulo, para se lhe conceder só a ele, e seus Sucessores o terem preferência nas canoas de aluguel no porto do Cubatão, ou tomar o
mesmo Senhor para a Sua Real Fazenda, como Passagem o dito Porto, dando aos Reverendos Suplicantes um eqüivalente.
Para satisfazer-nos, ao que S.M. nos ordena com aquela legalidade, que
pede negócio de tanta consideração, ouvimos também aos homens bons, e Republicanos desta Vila [1]
os quais responderam em ato de Câmara, o que consta do documento, que remetemos a V. Exa. por cópia, e nós da nossa parte o fazemos do modo
seguinte: A súplica do Reverendo Padre Reitor é alternativa, e contém duas partes entre si distintas, e opostas. Na primeira considera, e com razão,
o porto livre e navegação comum, e na segunda considera, esta navegação, como Passagem, propondo a S. M. que pode tomá-la para Sua Real Fazenda.
Enquanto à primeira parte é injusto, e contra direito
expresso o requerimento do Reverendo Suplicante; pois sendo cousa sabida de todos (e mesmo de V. Exa., que tantas vezes tem passado por ele) que o
Porto Geral do Cubatão dista quatro léguas rio acima desta Vila, donde para ele se navega sempre por mar salgado; pois ao dito Porto, e ainda mais
acima chegam os fluxos, e refluxos das marés, e na enchente podem navegar Sumacas [2]
e embarcações grandes, e em todo o tempo o fazem escaleres, canoas e barcos, mal podem os
Reverendos Suplicantes pretender preferência em uma ressaca [3]
de mar navegável, que de sua natureza é, e foi sempre comum, e livre a todos os navegantes desde a
povoação desta Capitania há perto de dois séculos, e pelo direito das gentes estabelecidas entre todas as Repúblicas, ainda entre aquelas, que a
nossa presunção chama bárbaras, o uso dos rios navegáveis, e muito mais das ressacas do mar, como esta, é público e comum a todos, os que por elas
querem navegar, por cuja causa senão pode nelas impor servidão, nem condição alguma de aluguel de canoas somente este, ou aquele indivíduo; mas o
podem livremente fazer, sem que obste, o que alega o Reverendo Suplicante de serem suas, ou do seu Colégio as terras do dito Porto; pois ainda que
essa alegação é verdadeira não conclue para o caso; porque o alveo, ou ribanceira do rio, e a praia do mar são, conforme ao direito primeiro das
gentes, da mesma natureza que o rio, e o mar, que as inunda, e sendo o uso daqueles público, também o fica sendo o destas, e corre a mesma paridade,
que nas estradas públicas, as quais não podem impedir aos viandantes os senhores das terras, por onde passarão.
Pouco pendor faz a ociosidade das canoas do Reverendo Suplicante, que na sua súplica
se aponta, contrapesada com o gravíssimo ônus, que teriam os navegantes de um Porto tão freqüentado, obrigados a embarcar nas canoas do Reverendo
Suplicante podendo-o fazer em outras próprias, emprestadas ou alugadas com incomparável comodidade, tirando-se-lhes desta sorte a natural liberdade,
que lhes faculta o direito, e a natureza.
Se o Reverendo Suplicante quer que as suas canoas não estejam ociosas, em
as alugando mais baratas terá sem violência o mesmo, que requer contra justiça, pois o bem público dos povos deve prevalecer ao bem particular do
Reverendo Suplicante. É certo, que o Reverendo Suplicante, e os mais religiosos da sua douta, e exemplar Religião são beneméritos, e poderá muito
suceder que não tenham rendas suficientes para a sua sustentação, o que nós sabemos. Mas, nem por isso se lhe devem fazer, ou estipendiar à custa
dos povos desta Vila, de São Paulo, das de Serra acima, e das Minas de Goiases, Cuiabá, Pernampanema, e finalmente de toda esta Capitania com
conhecido prejuízo do povo, e dos interesses da Fazenda de S.M., que terá muita diminuição nas Entradas
[4] para as Minas.
Enquanto à segunda parte também é cousa indubitável, que a navegação desta Vila de
Santos para o Porto do Cubatão não é, nem pode ser Passagem, porquanto as mesmas Leis de S.M., e entre elas a Ord. do Liv. 2º tit. 26 § 12 chamam
passagem somente, quando algum rio caudal se atravessa de uma para outra parte, e como navegando-se desta Vila para o Cubatão se faz viagem direta
cortando-se vários rios, e navegando-se ao longo deles em distância de quatro léguas rio acima, claro fica, que não é Passagem esta navegação, mas
comum, e livre, por ser comum o uso dos rios navegáveis pelo direito das gentes.
Nesta posse imemorial se tem conservado, e conservam os moradores desta Vila, e Serra
acima à vista, e face dos Senhores Governadores, Ouvidores, e Provedores da Fazenda Real desta Capitania, e não é de presumir, que havendo sido
todos estes tão zelosos da Fazenda de S.M. deixassem de fazer rematar esta navegação, se a considerassem Passagem, tendo-a tanto à vista dos olhos,
não se lhe ocultando outras, que estão pelo meio desses Sertões. E para que melhor se conheça a liberdade dessa navegação, a declararemos com
exemplos idênticos neste Brasil, e Reino de Portugal.
É pois a navegação desta Vila para o Cubatão do mesmo modo e figura, que em Pernambuco
a do Recife para Olinda, da Bahia a desta Cidade para a cachoeira pelo rio Peroaçu, para Sergipe do Conde pelo seu rio, para a Pitanga pelo seu rio,
e para Jaguaripe pelo seu rio; no Rio de Janeiro desta Cidade para Macacu pelo seu rio, para Irajá pelo seu rio, e para Agoaçu pelo seu rio, e
finalmente no Reino de Portugal como a de Lisboa para Benavente, Salvaterra, Castanheira, ou Vila Franca pelo Tejo acima. Como nenhhuma destas
navegações nomeadas é Passagem, por se navegar ao longo destes rios algumas léguas, da mesma sorte a não é desta Vila ao Cubatão, para onde se
navega ao longo de vários rios de água salgada por espaço de quatro léguas, como se confessa na mesma súplica.
À vista do que, nenhum receio nos fica, de que S.M. haja de reduzir a Passagem, o que
não é. Por ser indubitável, que os Príncipes Soberanos não costumam inibir a liberdade da navegação dos rios navegáveis sem justa causa, e esta
relativa ao bem dos seus Povos, a qual aqui se não pode dar, antes um irreparável prejuízo, que faria chorar, e gemer aos pobres Vassalos com uma
novidade tão estranha, e nunca vista em um Porto tão freqüentado, e sempre livre a perto de dois séculos. Isto é o que podemos informar, S.M.
mandará o que for servido. Santos em Câmara de julho de 1746 - Manoel da Cunha de Andrade e Souza, Presidente - José Ribeiro de Andrade
- Antonio Martins de Aguiar - Francisco Vicente Ferreira - Manoel Jorge."
NOTAS EXPLICATIVAS:
[1] homens bons e
republicanos eram aqueles que, nos tempos coloniais, não tinham ofícios manuais, podendo por isso fazer parte das Câmaras. Estar a serviço das
Câmaras era estar a serviço da coisa pública, isto é, da república. Portanto, os homens bons eram chamados também de repúblicos ou republicanos.
[2] sumaca - pequena
embarcação de dois mastros (Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Hollanda).
[3] ressaca - porto
formado pela maré cheia (Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Hollanda).
[4] entradas - tributo
cobrado sobre produtos que se destinavam à região das Minas Gerais. |
Continua a Antologia Cubatense, registrando nas páginas 167 a 169:
A Fazenda do Cubatão
COSTA E SILVA SOBRINHO. O Cubatão e seus Povoadores. In: Romagem pela terra dos
Andradas. Rio de Janeiro, Livraria Freitas Bastos, 1957, p. 124 e seguintes.
"Das três primeiras sesmarias
concedidas por Martim Afonso de Souza, figura logo em segundo lugar a de Rui Pinto, cuja carta, passada na vila de São Vicente, data de 10 de
fevereiro de 1533.
Essa concessão foi feita, segundo diz o próprio Martim Afonso, porque
"Rui Pinto, cavaleiro da Ordem de Cristo, serviu cá nestas partes Sua Alteza e assim ficou para povoador nesta terra, que com
ajuda de Nosso Senhor ficou povoando".
Continua depois ele: "Hei por bem de lhe dar as terras do
Porto das Almadias, onde desembarcam quando vão para Piratinim quando vão desta ilha de São Vicente, que se chama Apiaçaba, que
agora novamente se chama o "porto de Santa Cruz... e hoje Cubatão de Santos".
Segue-se a descrição dos limites da sesmaria.
E finaliza declarando que faz a doação "com a condição de
que ele dito Rui Pinto aproveite as ditas terras nestes dois anos primeiros e seguintes".
Era Rui Pinto casado em Lisboa com D. Ana Pires Missel. Quando faleceu, foram tais
terras herdadas por seu pai Francisco Pinto, que as mandou vender em 1550.
Adquiriram então uma parte delas os avós do mestre de campo Diogo Pinto do Rego.
Nascido em Santos, em 1709, era este filho de André Cursino de Matos e Ana Pinto da
Silva. Era neto por parte materna do capitão-mor governador de S. Vicente e S. Paulo, Diogo Pinto do Rego.
Casou o mestre de campo com Isabel Maria Caetana de Araújo, filha do provedor Timoteo
Corrêa de Góis e de Maria Leme das Neves, e faleceu em Parnaíba, em 1768.
Pertencia pois uma parte da antiga sesmaria de Rui Pinto a esse mestre de campo Diogo
Pinto do Rego quando, em virtude de uma permuta, passou ela aos jesuítas.
Extinta a Companhia de Jesus pela lei de 19 de janeiro de 1759, foram confiscados os
seus bens e incorporados à Coroa.
D. Luís Antonio de Souza Botelho Mourão, Morgado de Mateus, em 22 de janeiro de 1767,
fez baixar uma portaria ordenando ao doutor Juiz de Fora da Vila de Santos que fizesse inventário da fazenda do Cubatão, que pertencera aos padres
da Companhia, e depois o entregasse junto com a mencionada fazenda ao tenente Antonio José de Carvalho, o qual estava encarregado de administrá-la.
Na Fazenda do Cubatão, diz o padre Serafim Leite, ergueram os jesuítas um
sobrado, de que tomava conta em 1759 o irmão Antonio de Freitas. Depois de passar para o Fisco, arrendou-se algumas vezes, englobada com o vizinho
Mogi, Cubatões de Santos e Mogi em 1781, ao coronel Joaquim da Silva Castro, e dois anos depois, o contratador Bonifácio José de Andrada
entrou para o tesouro, por esses mesmos dois Cubatões, com 124$360 réis. (Hist. da Comp. de Jesus no Brasil, 6, 366).
Da relação dos bens confiscados aos jesuítas, que se encontra no vol. 44, pág. 337 e
seguintes, dos Docs. Interessantes, consta o seguinte:
"A Fazenda do Cubatão, situada no caminho que vai para São
Paulo, não tem legado algum; mas a esta fazenda se anexaram umas terras aí místicas, que se trocaram por uma fazenda chamada da Lapa, a qual tinha
sido deixada com a obrigação de uma missa cantada cada ano à Senhora da Lapa, cuja missa se diz na capela da mesma Senhora, na dita fazenda do
Cubatão, como tudo diz o padre reitor Belchior Mendes, aos 30 de setembro de 1745, a fls. 118, do livro velho em que se assentava o estado em que
ficava o Colégio quando acabavam os reitores, cuja declaraçao é pelo teor seguinte:
"A fazendinha chamada da Lapa, porque já o meu antecessor a quis vender, e não ter
serventia no Colégio, falto de gente para arrumar tantos buracos, se trocou por umas terras no Cubatão com o mestre de campo Diogo Pinto do Rego,
que foram de seus avós. Parece-me que melhorou o Colégio com a troca, pois a Lapa era um sítio ridículo, exposto a gado e de pouco proveito, e as do
Cubatão são terras em que esteve um engenho de água, e a vista fará fé a quem disser o contrário. E como este sítio foi dado ao Colégio com a
condição de se cantar uma missa cada ano à Virgem Santíssima com o título da Lapa, essa mesma missa se lhe canta na capela do Cubatão, em que se
colocou a imagem da Senhora com o mesmo título. E diz este reitor mais adiante que trocara este sítio e comprara mais dois outros por evitar as
canoas dos moradores do rio acima.
Todo o rendimento desta fazenda é a navegação das canoas pelo rio que passa pelo meio
dela, e por isso todo o projeto destes padres era que pessoa alguma tivesse mais canoas do dito rio, por ser navegação geral para S. Paulo e Santos.
Esta fazenda se acha arrendada a 100$000 por ano, mas as terras desta troca que a elas se anexaram nada rendem".
A capela de N. Senhora da Lapa ficava à margem direita do rio Cafesal, chamado
antes rio da Lapa, no centro do sítio ultimamente denominado Cafesal, no Cubatão.
Há vinte e cinco anos atrás a lâmpada já não tremeluzia ali no altar da Virgem, mas
existiam os alicerces da capelinha desfeita". |
Na mesma Antologia, páginas 170 e 171:
A expulsão dos jesuítas em 1759
FERNANDES, Pe. Antonio Paulo Ciríaco S.J.. Missionários Jesuítas no Brasil no tempo de Pombal. 2ª
edição. Porto Alegre, Ed. da Livraria do Globo, 1941.
EM SANTOS
"O Desembargador Custódio Araújo Salazar (...) foi encarregado de prender os Jesuítas
de Santos.
Logo que aí chegou cercou
[1] na mesma noite o pequenino Colégio antes que os habitantes tivessem
cientes da sua presença na Cidade. Ordenou em seguida ao Juiz de Fora que fosse imediatamente prender o Irmão Coadjutor, Antonio de Freitas, que
tinha a seu cuidado a propriedade dos Jesuítas, chamada Cubatão. O Irmão, porém, já estava de caminho para o Colégio, poupando assim boa parte de
trabalho aos oficiais do governo".
EM CUBATÃO
"No dia seguinte, continuando o seu caminho de exílio, atravessaram a última serra de
Paranapiacaba, coberta de nuvens, e desceram para a quinta dos Jesuítas em Cubatão.
Os três representantes do governo alojaram-se no sobrado, onde tiveram o seu lauto
banquete, ao passo que os donos da casa foram mandados para o rés-do-chão sem cama nem cadeira. O guardião dos Franciscanos, convidado para o jantar
pelo Governador, foi despedir-se ocultamente dos seus Irmãos em Cristo. E qual não foi a sua comoção diante da cena dolorosa que ofereciam aqueles
homens tão respeitáveis a tomarem a sua refeição, uns de pé, outros assentados no chão e os terceiros de joelhos! Não pôde conter as lágrimas. Mas,
se foi grande a sua mágoa, não foi menor a admiração ao contemplar a santa alegria que brilhava no rosto de todos os confessores de Cristo, no meio
de tantas calamidades.
Durante esta jornada, num dia de festa de guarda, os presos pediram licença para
celebrar o Santo Sacrifício, mas Salazar respondeu que havia no lugar pessoas, a quem era vedada a comunicação com os Jesuítas, e portanto, se
assistissem a missa celebrada por qualquer deles, incorreriam na violação da ordem régia!!!"
EM SANTOS E RIO
"Terminado o almoço, reencetaram a marcha debaixo de uma trovoada horrenda
e chuva abundantíssima. Chegados à praia entraram nos barcos em demanda do navio de guerra, que os aguardava no porto de Santos, onde permaneceram
ainda dois dias fixando o seu olhar consternado sobre o Colégio" [2].
NOTAS EXPLICATIVAS:
[1] O cerco do
Colégio de Santos durou três dias até o dia 26 de novembro de 1759 em que 11 jesuítas foram levados para um
navio que foi para o Rio de Janeiro. Em São Paulo, 22 membros da Cia. de Jesus foram reuinidos vindos alguns de Albrei, Itapecerica, Carapicuíba. De
São Paulo saem a 21 de janeiro de 1760. Passam a noite na quinta que os beneditinos tinham a umas milhas da cidade, a convite do abade D. Bento da
Graça Gurjão.
[2] No navio de guerra
partiram para o Rio de Janeiro, onde desembarcaram a 2 de fevereiro de 1760, dia Na. Sra. das Candeias. Daí foram levados para Lisboa e de lá para a
Itália. |
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