Vila Parisi
Celma do Carmo de Souza Pinto
Francisco Rodrigues Torres (*)
Apresentação
Redescobrir a história de Cubatão e preservá-la é questão de urgência. Com esse intuito, foi
implantado, no Arquivo Histórico Municipal, o projeto de resgate da memória histórica do município, que pretende, também reunir todo o material
escrito e iconográfico sobre nossa história.
Dentro deste projeto, apresentamos este breve trabalho sobre a
controvertida Vila Parisi, em vias de extinção definitiva; objetivando não somente apresentar informações, mas também
suscitar o interesse para futuras investigações.
1 - Aspectos históricos
Deixe sua imaginação trabalhar, vamos apresentar-lhe um lugar bucólico. Imagine um local com
muito verde onde sabiás, beija-flores, tiés voam livremente. Imagine mais um pouco e comece a percorrer este ambiente. Você depara com cachos de
bananas, tangerinas maduras e rosadas mangas; pegue algumas frutas, aproveite as riquezas desta terra!
Prossigamos no nosso passeio. Você mira e, um pouco distante, há árvores enormes; sim,
sua vontade é estar perto delas, vê-las e apalpá-las; por isso, caminha mais rápido, mas detém-se, pois um córrego de águas límpidas impede o
caminhar. Você fica um pouco decepcionado, mas tudo bem, desfrute a ocasião e beba desta água cristalina, pura. Então, comece a sentir o doce olor
proveniente das flores, enquanto os passarinhos cantam suavemente. Puxa! No horizonte, o sol vai se pondo num espetáculo de rara beleza; realmente,
a natureza foi pródiga neste portentoso lugar.
No entanto, vem à mente que já é tarde e precisamos voltar. Dói o coração deixar tão
belo lugar. Ocorre que você é curioso e quer saber o nome deste pequeno paraíso e, no limiar do local, lê, numa modesta placa: "Sítio Mendes".
A narrativa acima, com os enxertos literários, descreve a antiga
área que compreende, hoje, a Vila Parisi.
Ilustração de André Luiz, publicada com o texto
1.1 - Antecedentes da área
O Sítio Mendes era uma parte da enorme extensão de terras denominada Fazenda
Piaçagüera, cuja menção de sua existência data, aproximadamente, do século XVIII. Os últimos donos desta fazenda, segundo escritura lavrada no 1º
Tabelião de Santos, foram Manoel Augusto de Oliveira Alfaya e d. Olímpia Porchat Alfaya, que a adquiriram de Henrique
Porchat. Nas primeiras décadas deste século (N.E.: século XX), a Companhia Imobiliária
Cubatão-Piaçagüera procedeu o loteamento desta fazenda, o que resultou em vários lotes e sítios.
Foi nesta região que se instalou, em 1922, um imigrante chamado Silvestre Perez
Esteves, proveniente da Espanha. Estabelecido, Silvestre tornou-se proprietário de alguns lotes e, como os outros moradores, dedicava-se ao cultivo
da banana, além de explorar uma carvoaria e um banco de areia.
Por volta de 1952, com a morte de Antonio Mendes Costa, sogro, e Olinda Mendes Perez,
a esposa, Silvestre recebeu como herança a faixa de terras que compreendia o Sítio Mendes.
Este sítio era utilizado, basicamente, como os demais, para a bananicultura; até que,
em 1956, os irmãos Helládio e Celso Parisi, agentes imobiliários com escritório na cidade de Santos, tendo notícia do projeto de construção de uma
siderúrgica em Piaçagüera, adquiriram o Sítio Mendes e, rapidamente, iniciaram um projeto de loteamento. Na visão dos irmãos Parisi, Cubatão se
transformaria, com o tempo, em uma nova Volta Redonda (N.E.: cidade formada no Estado do Rio de Janeiro em função da
Siderúrgica de Volta Redonda).
Ocorre que os planos não correspondem, muitas vezes, à realidade.
Esclareceremos isto no decorrer deste opúsculo.
Ilustração de André Luiz, publicada com o texto
2 - Loteamento
Em 20 de junho de 1956, os irmãos Helládio e Celso Parisi deram entrada, junto à
Prefeitura Municipal de Cubatão, a um memorial descritivo. Neste documento constava o projeto de transformar a área do Sítio Mendes em um bairro
residencial. Os dados levantados foram realizados pela Sociedade Técnica de Cálculos e Construções Ltda., firma com sede em Santos. O loteamento
contaria com 823 lotes, numa área total de 474.280 m²; possuindo 14 vias de comunicação, onde as ruas ocupariam 127.1225,89 m² e, os lotes,
275.002,67 m². Ficou, ainda, estabelecido que 127.125,89 m² seriam doados ao Poder Público e 72.151,44 m² destinados a espaços livres e edifícios
públicos.
No tópico "Melhoramentos a Promover" havia o seguinte: "Instalações, em acordo com os
poderes competentes, das redes de água potável, iluminações pública e particular".
A 22 de outubro do mesmo ano, Helládio Parisi, a pedido da Prefeitura, assina um termo
de compromisso, em complementação ao memorial descritivo, propondo-se a "...promover a abertura e acerto das ruas e valas para o escoamento de águas
superficiais (cf. Memorial) e o encascalhamento da faixa carroçável numa espessura de mais ou menos 0,10 (dez centímetros), de modo a deixá-la
transitável".
Fica claro, pelas citações apresentadas, que os loteadores tencionavam efetuar os
melhoramentos básicos para o futuro bairro. Porém, em outro documento datado de 9 de janeiro de 1957, o mesmo procurador cita que "... o requerente
propôs o prazo de oito anos para a execução das benfeitorias que serão feitas segundo o memorial descritivo, já aprovado. O prazo para instalações
de rede de água e luz não pode ser fixado por depender a sua execução das empresas concessionárias dos mesmos serviços". Assim estabelecido, a 18 de
janeiro de 1957, a Prefeitura aprovou o projeto de loteamento denominado "Vila Parisi".
Na verdade, o que foi efetuado pelos loteadores foi apenas a abertura das ruas. Os
compromissos, as instalações de água e eletricidade, ficaram apenas no papel.
Cabe ressaltar que é questionável a atitude dos irmãos Parisi
perante o loteamento, uma vez que o sr. Helládio Parisi punha-se, em todos os documentos apresentados à Prefeitura para efetivação do projeto, como
procurador de Silvestre Perez Esteves, quando, na verdade, este já havia vendido as terras para o primeiro.
Ilustração de André Luiz, publicada com o texto
3 - Infra-estrutura
A partir da aprovação, e a conseqüente venda dos lotes, as dificuldades principiam.
Com a chegada de pessoas à Vila, as necessidades vão ficando mais e mais evidentes. Segundo uma moradora do bairro dessa época, as roupas eram
lavadas num córrego que circundava a Vila e a água potável era retirada de uma bica.
Como as promessas e os prazos não foram cumpridos por parte dos loteadores, a
municipalidade houve por bem tomar para si os encargos, pois dezenas de pessoas estavam residindo em um ambiente hostil. Valas, em frente às casas,
recebiam as águas servidas, focos de esquistossomose e enchentes tornaram-se o cotidiano dos moradores.
A primeira menção que encontramos de Vila Parisi em jornais locais é datada de 1965,
apontando as dificuldades vividas pelos moradores. Entretanto, as melhorias ocorreram de forma lenta. Vejamos abaixo:
Em 1969, doze
anos após a aprovação do loteamento, as redes de água e eletricidade são instaladas;
Em 1976,
dezenove anos após a aprovação do loteamento, houve o calçamento de duas ruas.
Um problema, entre tantos, persistiu durante toda a existência da Vila: a enchente.
Façamos um breve histórico. Antes da instalação efetiva do loteamento, o antigo Sítio Mendes possuía um sistema de drenagem elaborado pelo antigo
proprietário. O sistema consistia de um muro ao redor de toda a propriedade, com comportas que eram abertas e fechadas conforme a maré. Era um
sistema rústico, mas bastante eficaz. No entanto, a propriedade fora vendida e não houve preocupação na conservação do referido sistema. Pelo fato
da Vila localizar-se em terreno de marinha, numa situação geográfica propensa ao acúmulo de águas, a elaboração prévia de um plano de drenagem era
indispensável.
Enchentes como as de 1971 e 1975 estão gravadas na mente das
pessoas que as presenciaram, pois a água chegava a dois metros. As pessoas perdiam praticamente todos os bens materiais. Quando as águas baixavam, a
esquistossomose era outro problema que estava à espreita. Os surtos eram constantes, com alta incidência na população. Em uma pesquisa efetuada pela
Faculdade de Ciências Médicas de Santos, em 1969, foram coletados 358 caramujos e 48 deram resultado positivo quanto à cercária.
Ilustração de André Luiz, publicada com o texto
4 - Aspectos sociais
Nos primeiros três anos de existência, poucas famílias viviam em Vila Parisi. O clima
era de muita simplicidade. Comércio quase não existia, fato que obrigava seus moradores irem a Santos, por via férrea, ou
a Cubatão, a pé, para fazerem suas compras. A iluminação era através de lamparina ou lampião.
A partir de 1962, com a construção da Companhia Siderúrgica
Paulista (Cosipa), ocorreu uma procura desenfreada pelos terrenos. Muitos compradores de lotes utilizavam-se da madeira
que envolvia os materiais da Cosipa para construir suas casas. Nesse momento, o bairro perdeu, para sempre, a tranqüilidade dos primeiros tempos e
passou a ser um dos núcleos mais populosos de Cubatão.
A população de Vila Parisi, embora fosse heterogênea, em relação ao seu local de
origem, possuía traços comuns quanto aos aspectos sociais e, principalmente, econômicos. Os moradores eram, em sua maioria, operários que procuravam
estar próximos do seu local de trabalho; fosse para economizar no transporte ou para fugir dos altos preços dos aluguéis em Cubatão. Vindos de
vários estados do país, sobretudo os da região Nordeste e de Minas Gerais, ansiavam por melhores condições de vida. Esse anseio, muitas vezes, era
ilusório, pois os trabalhadores forneciam, em geral, mão-de-obra temporária e desqualificada para as empreiteiras da construção civil. Isto,
invariavelmente, provocava uma má remuneração.
Segundo pesquisa sócio-econômica, realizada pela Secretaria de Planejamento da
Prefeitura Municipal de Cubatão, em 1984, 64,44% das famílias recebiam até três salários mínimos; deste percentual, 37,12% recebiam de um a dois
salários mínimos.
Como agravante, Vila Parisi era detentora de um dos maiores índices de analfabetismo,
em comparação aos outros bairros. Este problema era mais acentuado na faixa etária de 11 a 35 anos. Merece ser ressaltado que a população era
extremamente jovem. A maioria variava entre 20 e 29 anos.
Consubstanciado como um bairro operário, sofreu, a partir da década de 60, um enorme
afluxo populacional. Segundo estimativa, na década de 70, chegou a contar com 15.000 habitantes. Essa alta densidade demográfica repercutiu
diretamente na questão de moradia. Embora houvesse grande número de famílias que residiam em casas próprias, a plena maioria, inclusive
trabalhadores solteiros, habitavam em casas conjugadas. Para se ter uma idéia, em um terreno de proporções 10x30 metros, havia cerca de dezesseis
quartos ou apartamentos alugados, geralmente, por pessoas que possuíam muitas propriedades.
Em decorrência do grande contingente populacional, a Vila possuía espaços para pontos
de drogas, prostituição e criminalidade (furtos e assassinatos), aliás, aspectos comuns aos núcleos urbanos.
No entanto, devido a esse tipo de atuação, por parte de alguns
indivíduos, a Vila Parisi se tornou conhecida como um lugar marginal. Todos esses fatores não passavam despercebidos à comunidade que ali residia. A
procura de integração e harmonização era preocupação de muitos.
4.1 - O lazer
Vila Parisi nunca ofereceu, aos seus moradores, muita variedade a nível de lazer. As
atividades que ali aconteciam eram frutos da criatividade de alguns. A programação de atividades recreativas se resumia nos bailes realizados,
geralmente, na sede da Sociedade de Melhoramentos, nas quermesses comunitárias e, principalmente, nos jogos de futebol entre os três times rivais do
bairro: Cruz e Malta, Atlético (Galo) e o Belmonte (Coral).
Nas décadas de 70 e 80 houve a atuação de um grupo de jovens, ligado à Igreja
Católica, enominado GeN – Geração Nova. Esse grupo reunia cerca de oitenta pessoas, assistidas pela Irmã Evangelina Papaterra Limonge. Esta irmã
atuou entre 1962 e 1977 realizando abrangente trabalho religioso e de assistência social junto àquela comunidade, respaldado pela Assistência do
Litoral Anchieta (ALA).
Embora por curto período, contou com um informativo chamado O
Parisi, lançado em 1977 por iniciativa de alguns moradores. Esse informativo era mensal, com distribuição gratuita; contava com a colaboração
dos comerciantes locais, orientação da ALA e de um jornalista.
4.2 - Instituições
Os moradores consideravam o bairro como qualquer outro, na medida que, após vários anos de
reivindicações, conseguiram progressos a nível de infra-estrutura. Havia escolas, pronto-socorro, posto de delegacia - que contava com uma pequena
cadeia -, posto de serviço social e a Sociedade de Melhoramentos.
Possuía, ainda, uma variedade de credos religiosos: igrejas Adventista, Assembléia de
Deus, Evangélica Pentecostal, Brasil para Cristo, Católica, Da Fé, Sinos de Belém, Congregação Evangélica Pentecostal e Casa da Bênção.
Os estabelecimentos comerciais eram bastante diversificados, atendendo, basicamente,
todas as necessidades dos moradores. A estrutura comercial era constituída de supermercados, lojas de calçados, restaurantes, depósitos de materiais
de construção, até oficinas e transportadores, sem contar os estabelecimentos menores.
Esta auto-suficiência produziu um certo isolamento dos moradores, pois muitas
famílias se dirigiam para a Vila e de lá não saíam, desconhecendo, muitas vezes, até os bairros mais próximos.
Se para as pessoas, que ali residiam, o bairro era comum, logo
perceberam que nem todos pensavam assim. A discriminação tornou-se patente devido às constantes notícias veiculadas sobre a poluição e más condições
de vida que, para muitos, só existia nos limites daquele núcleo. Todos receavam vir a Cubatão, pois, caso a polícia os detivesse para averiguação e
descobrisse de onde eram, já os tratava como marginais. Além deste fato, as pessoas de outras cidades, e mesmo de Cubatão, tinham expressões de
espanto e mal-estar quando alguém dizia ali residir.
Ilustração de André Luiz, publicada com o texto
5 - Poluição
O problema ambiental de Cubatão não é recente, remonta à instalação das primeiras
indústrias no município e, gradativamente, há um recrudescer dessa problemática. Nesse contexto, Vila Parisi torna-se o ponto nevrálgico da questão
devido à sua localização em meio às indústrias. Em 1969, o prefeito Aurélio Araújo decreta o bairro em extinção, alegando o excessivo índice de
poluição. Nesse momento, os índices eram alarmantes, e essa medida, de cunho imediatista, vinha de encontro aos interesses expansionistas das
indústrias, pois não havia sido questionada a possibilidade de se ter uma ação efetiva para coibir a poluição, em favor das áreas da Zona Industrial
como Vila Parisi, Jardim São Marcos e Vila Elizabeth.
Essa desatenção, por parte dos órgãos públicos federal, estadual e, especificamente,
municipal, acarretou graves conseqüências tanto para o bairro Vila Parisi, que se tornou conhecido mundialmente como "Vale da Morte", como para
Cubatão, que passou a deter a posição de cidade mais poluída do mundo.
A partir de 1970, houve um profundo aproveitamento político na situação que envolvia o
bairro. Situações fictícias, como supermercados comercializando máscaras, eram exploradas.
À primeira vista, sente-se, por haver muita publicidade envolvendo o caso, uma
intenção sub-reptícia de não se solucionar rapidamente o problema. Essa visão foi defendida por correntes jornalísticas que criticavam a letargia
para medidas saneadoras.
Através de depoimentos de alguns moradores, podemos notar até que ponto chegou a
poluição: os telhados das casas amanheciam completamente esbranquiçados; o odor de amoníaco, à noite, dominava; a partir das 21 horas, o "fog
industrial" era intenso: as roupas não poderiam ser postas para secar, pois a fuligem era emitida em grande quantidade. No entanto, tais fatores
eram rotineiros àquela população. Podemos citar, ainda, o vazamento de nafta em 1984, o vazamento de amônia em 1985 e os estados de alerta que, por
vezes, ultrapassavam o número de 10 ao ano.
A conscientização madura do problema ambiental é algo moroso. As
providências eventualmente tomadas foram frutos de pressão da comunidade e da imprensa, por darem enorme vulto ao assunto. Atualmente, a preocupação
com ecologia está em voga. Torçamos para que não seja mero modismo, mas que todos os esforços envidados nesse sentido sirvam para que a consciência
ecológica crie raízes em todos os segmentos da comunidade, pois só ela, comunidade, poderá colocar limites aos abusos cometidos contra o
meio-ambiente e, conseqüentemente, à pessoa humana.
Ilustração de André Luiz, publicada com o texto
6 - Extinção
O problema da extinção de Vila Parisi é caso antigo. Iniciou em 1969, quando da
promulgação da Lei Municipal nº 776/69 que, no artigo 13, declarava todas as áreas habitadas, dentro da Zona
Industrial, como aglomerados em extinção.
Em 1971, com a Vila considerada em extinção, o Plano Diretor do Município, em
elaboração naquele ano, pretendia transferi-la para outro local, com o intuito de transformar aquela área em uma zona para indústrias leves.
Uma das primeiras comissões especiais, para tratar do assunto, surgiu nesse mesmo ano,
formada por vereadores e moradores das vilas Parisi, Elizabeth, São José
e Saracura, também incluídas no artigo 13 da referida lei.
No ano seguinte, a Cohab noticiava a construção de 2 mil casas em frente ao Forte
Apache (N.E.: posto da Polícia Rodoviária), na Via
Anchieta, atual Vila Natal, visando a transferência específica dos moradores de Vila Parisi; entretanto, o plano não
foi adiante.
Em 1974, em emenda à lei nº 776/69, entra em vigor a lei nº 964, e, conforme alteração
no artigo 13, retirava apenas aquele núcleo das áreas em extinção, porém tal medida não alterou efetivamente o problema; ao contrário, tomou maior
vulto pela veiculação, quase que diária, em jornais.
Diante desse fato, em 1980 o governador Paulo Salim Maluf nomeou uma comissão de alto
nível para solucionar o problema; decidiram pela remoção dos moradores, contrariando, naquele momento, os interesses destes, que queriam o fim da
poluição e não da vila. Através do decreto estadual nº 18.525/82, o governador Paulo Salim Maluf decreta a extinção e estabelece a área como sendo
zona estritamente industrial, impondo ao Estado e ao Município a responsabilidade de transferir os aglomerados confinados na Zona Industrial para
Zona Urbana.
Comissões em níveis federal, estadual e municipal foram criadas para solucionar o
problema, que se arrastava sem solução. Em 1985, o prefeito nomeado de Cubatão, José Osvaldo Passarelli, através do
decreto municipal nº 4.045/85, inicia o processo de desapropriação dos terrenos, fundamentando-se em cadastramento realizado, em 1984, pela
Secretaria de Planejamento da Prefeitura.
Os motivos aludidos pela Administração, para a extinção da vila, foram:
o núcleo de
Vila Parisi não oferecer as mínimas condições de habitabilidade;
as cotas de seu
solo em função das marés;
os altos índices
pluviométricos da região;
a dificuldade de
medidas de implantação de saneamento básico;
os altos riscos
inerentes às instalações industriais;
os elevados
índices de poluição;
a necessidade de
controle do Parque Industrial.
Exonerado em janeiro do mesmo ano, o dr. José Osvaldo Passarelli é
substituído pelo dr. Nei Eduardo Serra que, dando continuidade ao plano de extinção, cria o Grupo Executivo para
Implantação do Projeto Habitacional de Cubatão (GEIPHAC). Esse grupo visava um estudo de todos os aglomerados em extinção, porém a prioridade era
Vila Parisi, por estar em zona industrial.
6.1 - Desapropriação e transferência
O processo de desapropriação é um capítulo a mais e inaugurou uma nova fase de conflitos.
Eleito por voto popular, em 1986, assume o dr. José Osvaldo Passarelli, que determina
os critérios para desapropriação dos moradores, determinando a seguinte ordem de prioridade para atendimento: primeiro, os imóveis onde residisse o
proprietário; em segundo lugar, os em que residisse apenas o proprietário e um inquilino cadastrado; em terceiro, os lotes comerciais.
Posteriormente, outras medidas foram tomadas nesse sentido.
Em maio de 1986, 95 famílias começaram a ser remanejadas para a área do Bolsão 8,
denominada Jardim Nova República, localizada no quadrilátero formado pelas rodovias Anchieta,
Imigrantes, Pedro Taques e o Jardim Casqueiro, com acesso pela interligação
Anchieta-Imigrantes. Essas famílias marcaram, oficialmente, o início da transferência, sendo que, no novo bairro, seriam acomodadas em casas
contendo dois quartos, sala, cozinha, banheiro e área para expansão de mais um quarto; esse imóvel seria financiado em 21 anos com prestações
mensais no valor de 10% do salário mínimo.
No entanto, a partir desse momento, ocorrem alguns problemas. As famílias eram
transferidas de forma muito lenta para o Bolsão 8, pois as casas foram construídas em número insuficiente, ora por falta de verba ou por atraso das
construtoras. Aliado a esses fatos, houve muito desencontro entre os moradores e o poder público. Os proprietários ansiavam por um projeto que
respondesse às suas necessidades de forma real.
Há que se considerar, também, os problemas que os moradores remanescentes passaram a
enfrentar. Ao ser iniciado o processo de transferência, o bairro caiu no esquecimento, sendo extintos os serviços essenciais. O lixo começou a
acumular, permitindo a proliferação de ratos e insetos. A energia elétrica foi cortada e as linhas de ônibus pararam de atender os populares. Tais
medidas foram tomadas para se evitar invasões; no entanto, afetaram muitos moradores que ali permaneciam no aguardo de suas casas.
Outro grave problema foi a vinda de amigos e parentes para o núcleo, na esperança de
serem beneficiados com uma casa. Esse fato dificultou sobremaneira o processo de desapropriação, tornando-se um ciclo quase interminável de entrada
e saída de famílias. Alguns proprietários sentiram-se injustiçados em relação aos valores propostos pela Prefeitura, optando por decidir a questão
judicialmente.
Em 1989, assume novamente a administração municipal o dr. Nei Eduardo Serra, que
estabelece os critérios para o desfecho final do processo, pois, embora em 1988 fosse anunciada a extinção definitiva, restaram cerca de 1.500
pessoas, entre famílias e solteiros, aguardando uma solução para sua situação. Os solteiros, especificamente, relutaram muito em aceitar o projeto
de extinção, uma vez que se priorizava apenas as famílias.
Os critérios para esses casos ficaram assim estabelecidos:
as famílias
que estavam na Vila antes de 1985 serão beneficiadas com casas financiadas, na Ilha Nhapium;
as famílias que
chegaram à Vila entre 1985 e maio de 1990 receberão lote urbanizado mais uma cesta básica de materiais;
os solteiros
residentes antes de 1985 receberão Cr$ 200.000,00 (preço de janeiro/1991), mais 1.000 blocos (ou o equivalente em dinheiro), mais seis meses de
alojamento pela Prefeitura Municipal de Cubatão;
os solteiros
vindos entre 1985 e maio de 1990, serão beneficiados com Cr$ 100.000,00 (preço de janeiro/1991), mais seis meses de alojamento por parte da
Prefeitura Municipal.
Hoje, Vila Parisi praticamente não existe e, apesar das circunstâncias que levaram os
moradores a saírem dali, para os muitos que lá viveram 30 ou 20 anos será uma lembrança jamais esquecida, pelo apego à comunidade que lá residia.
Esse sentimento pode ser traduzido na letra de uma música, cantada por um morador quando soube que a Vila ia ser extinta:
Vila Parisi é vila de bamba
aonde existe o ritmo do samba
tem pandeiro, cavaquinho e violão
Vila Parisi mora no nosso coração
Se a Vila Parisi acabar
de tristeza nós vamos chorar
choraremos com razão
Vila Parisi mora no nosso coração.
6.2 - Projeto Piaçagüera
Concretizada a total desocupação da Vila, programada para fins de julho de 1991, será
implantado o Projeto Piaçagüera. As normas que regulamentam esse projeto estão contidas na lei nº 1.923, de 8 de maio deste ano e visam,
basicamente, a venda total da área do bairro extinto para construção de um Terminal Intermodal de Cargas. As atividades desse terminal foram fixadas
após estudo e pesquisa abrangentes de mercado. Para a venda da área será efetuada um concorrência pública em nível nacional e o dinheiro da
transação será revertido na construção de casas populares.
A Companhia de Urbanização e Saneamento (Cursan), empresa encarregada de viabilizar o
projeto, prevê seu início para dezembro de 1991.
Com a efetivação deste projeto, pretende-se não só atender toda a
área industrial como coibir possíveis invasões naquela área que poderiam promover o aparecimento de um novo bairro sobre os despojos de Vila Parisi.
Considerações finais
Falar de Vila Parisi não é tarefa fácil, porque se torna quase certo observarmos os fatos
apartados do contexto da realidade vivida e, assim, cairmos no polemismo, encarando esses fatos pejorativamente.
Fica claro, porém, que o surgimento daquele núcleo, assim como seus problemas, foram
frutos da omissão, descaso e conveniência públicas, que trouxeram enormes conseqüências negativas, em nível social e, até mesmo, moral, para
inúmeras pessoas.
A Vila foi, durante quase toda a sua existência, um "jogo político"
usado no momento certo. Nosso anelo é que situações como essas jamais se repitam, pois, quando se trata da pessoa humana, não se deve medir esforços
para procurar promovê-la, uma vez que os traumas são indeléveis.
Fontes pesquisadas
Processos
municipais nºs. 1.091/56, 536/57, 1.663/65, 2.757/65 e 5.679/77
Certidão nº 19.756 do
1º Cartório de Registro de Imóveis de Santos
Jornais: Cidade de
Santos - 1977/1979
A Tribuna - 1965/1990
Pesquisa
sócio-econômica realizada pela Seplan/PMC/1984
Entrevistas:
Antonio do Amor Divino Brasileiro (vereador e ex-morador de Vila Parisi);
Cipriano Rodrigues (ex-morador e comerciante de Vila Parisi);
João Ivaniel de França Abreu (vereador e ex-morador de Vila Parisi);
Maria de Lourdes Menezes Pereira (ex-moradora de Vila Parisi);
Dr. José Lopes dos Santos Filho (diretor-presidente da Cursan);
Silvestre Perez Esteves Filho (ex-morador de Vila Parisi).
(*) Celma do Carmo de Souza
Pinto e Francisco Rodrigues Torres: funcionários do Arquivo Municipal de Cubatão.
Na confluência da Avenida Nove de Abril com a Rua São Paulo, cidadãos usam lenços no rosto,
devido à poluição, no início da década de 1970
Foto do acervo do Arquivo Histórico
Municipal/Prefeitura Municipal de Cubatão
Porto da Cosipa, na década de 1970
Foto do acervo do Arquivo Histórico
Municipal/Prefeitura Municipal de Cubatão
O porto da indústria: em primeiro plano, os terminais marítimos da Cosipa e da Ultrafértil,
vendo-se ao fundo o vale do Rio Mogi
Foto do acervo do Arquivo Histórico
Municipal/Prefeitura Municipal de Cubatão
Pólo Industrial de Cubatão, na década de 1970
Foto do acervo do Arquivo Histórico
Municipal/Prefeitura Municipal de Cubatão |