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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SÍMBOLOS
Símbolos da cidade (2)

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Santos tem alguns ícones que se transformaram em símbolos ou logomarcas da cidade. O bonde, estilizado, já é reconhecido como um deles. Outro, é o desenho formado pelas muretas na Ponta da Praia, mais recentemente adotado também na decoração das muretas que cercam o terreno da ferrovia Sorocabana ou as que adornam as pontes sobre os canais - estes mesmos constituindo outro símbolo representativo de Santos. Sobre essas muretas características, o jornal santista A Tribuna registrou, em matéria nas páginas A-1 e A-8 de 31 de outubro de 2010:

Imagem: reprodução parcial da página A-8, com foto de Nirley Sena

Art déco à moda santista

As muretas da Ponta da Praia são uma manifestação 100% local do estilo arquitetônico surgido há 85 anos em Paris

 

Dario Palhares

Editor-executivo

É preciso alguma paciência, e muita perspicácia, para tentar identificar semelhanças entre o canal do estuário, na Ponta da Praia, e o Rio Sena, em Paris. A tarefa pode até parecer impossível para muitos, mas os arredores do Museu de Pesca, do Píer dos Pescadores e da Ponte Edgard Perdigão têm, sim, um elemento com inequívoco toque da terra de Auguste Rodin: as muretas do calçadão, também conhecidas como balaustradas, ou guarda-corpos.

A estrutura vazada - com aros tangenciados por travessões - é uma legítima manifestação nativa do art déco, estilo arquitetônico gestado na capital francesa no início da década de 1920 e surgido, oficialmente, a partir da Exposition International des Arts Décoratifs et Industriels Modernes (em tradução livre, Exposição Internacional das Artes Decorativas e Industriais Modernas), realizada na Cidade Luz há 85 anos, entre abril e outubro de 1925.

"As muretas conquistaram seu espaço no imaginário dos santistas. Tornaram-se um símbolo e a faceta mais visível do art déco na Cidade", constata o arquiteto Ney Caldatto Barbosa, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Santos (Faus) da Universidade Católica de Santos (UniSantos).

Onda decorativa - Com suas linhas simétricas, despojadas e elegantes, o art déco cruzou oceanos e abraçou o mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, virou distrito em Miami Beach (nos anos 1920) e ganhou as alturas em Nova Iorque, com o Chrysler Building (1931) e o Empire State Building (1931).

No Brasil, não foi diferente. Basta dizer que uma das sete novas maravilhas do planeta, o monumento ao Cristo Redentor (1931), no Rio de Janeiro, segue a escola. O mesmo se aplica ao Estádio do Pacaembu (1940), ao Monumento às Bandeiras, o Deixa que eu empurro (1954), à Biblioteca Mário de Andrade (1942) e à sede do Instituto Biológico (1945), em São Paulo.

Cidades mais jovens também aderiram à onda decorativa - casos de Goiânia (1933), Belo Horizonte (MG, 1897), Campo Grande (MS, 1872) e Londrina (PR, 1929) -, mas Santos, que não chega a contar com um relevante acervo arquitetônico da corrente (veja nesta página), talvez seja o único município do País, e um dos raros no mapa-múndi, onde o art déco segue na ordem do dia.

Que o diga o Departamento de Serviços Públicos (Deserp) da Prefeitura. Desde que a administração municipal decidiu deixar de lado fornecedores e colocar as próprias mãos na massa, há dois anos, todo mês saem da linha de produção do Deserp, na Rua São Bento, cerca de 100 módulos em concreto do miolo das muretas - ou seja, os aros e travessões. Com um metro de largura e 60 centímetros de altura, essas estruturas servem, tradicionalmente, à manutenção da "muralha" de guarda-corpos da orla da Ponta da Praia, das pontes dos canais e da antiga linha férrea, mas a Prefeitura está expandindo sua presença na paisagem local.

"Uma versão com apenas um círculo passou a ser usada como suporte lateral de bancos desde a inauguração do Parque Roberto Mário Santini (no José Menino), em janeiro do ano passado. Já o modelo tradicional começa a enfeitar as passarelas de pedestres sobre os canais e ganhará espaço no Orquidário, atualmente em reforma", revela Carlos Alberto Tavares Russo, secretário municipal de Serviços Públicos.

Os primeiros lotes do adorno saíram do forno entre 1942 e 1943. Em seu terceiro mandato, o prefeito Antônio Ribeiro Gomide dos Santos, responsável também pela construção do Aquário e do Orquidário municipais, deu início à urbanização da Ponta da Praia, empreitada que incluía a pavimentação da Avenida Saldanha da Gama e o erguimento das muretas à beira-mar.

"O operários da Prefeitura lutaram intensamente no último ano contra o mar, naquele trecho. Marés altas, que se repetiram por muitos dias, impediram o ritmo normal dos trabalhos, completando-se, afinal, depois de penosa tarefa, a construção do muro de arrimo", noticiou A Tribuna em 26 de janeiro de 1944.

Cartão-postal - O suor gasto até aquela data garantira novos ares ao corredor que se estendia da Rua Carlos de Campos até a Capitão João Salermo - algo em torno de 900 metros. Cerca de seis meses mais tarde, o projeto de urbanização atingiria o ferry-boat, seu ponto final. Assim, a Saldanha da Gama se tornou um cartão-postal da Cidade, mas o principal responsável pela valorização de sua silhueta, o criador dos guarda-corpos, permanecia e seguiria no anonimato.

"Não há registros a respeito. As muretas são uma obra curiosa, pois seu autor oficial não é um cidadão, e sim uma pessoa jurídica, a Prefeitura", comenta o historiador José Dionísio de Almeida, da Fundação Arquivo e Memória de Santos.

Quase 70 anos depois, as balaustradas seguem se reproduzindo pela Cidade, e não apenas por suas ruas, praças e avenidas. A Prefeitura ganhou a concorrência de vários artesãos, responsáveis pela produção, em escala reduzida, de réplicas em madeira, gesso e resinas plásticas. De quebra, os aros e travessões serviram de inspiração para portões, calçadas e até objetos mais sofisticados. A arquiteta Claudia Viana reproduziu-os em escala normal no tapete Muretas de Santos e a designer Sandra Ceolin tem, em seu catálogo, um pingente e um anel com as mais famosas formas geométricas da região.

A razão dessa febre? O arquiteto Ney Caldatto Barbosa a atribui à redescoberta de Santos pelos santistas. "A revitalização do Centro Histórico, estimulada pelo Poder Público, foi decisiva para a valorização dos marcos arquitetônicos de Santos, como os guarda-corpos, transformados em ícones", observa.

"Aos poucos, a população toma consciência do patrimônio cultural de sua cidade, que é o mais importante da Baixada e talvez só tenha paralelo no Litoral do Estado, em termos de arquitetura, em Iguape. É um processo de formação da identidade cultural que está dando bons resultados".

Colaboraram: Christiane Lourenço e Rosilene Flud

A oficina do Deserp produz cerca de 100 "miolos" de muretas por mês

Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria

 

Um triângulo artístico

Protagonistas do cenário artístico nas primeiras décadas do século 20, art nouveau, modernismo e art déco se encaixariam à perfeição em qualquer trama calcada em triângulos amorosos.

O primeiro, apesar dos arabescos, assimetrias e curvas sinuosas, deu sua contribuição ao terceiro, todo certinho e simétrico, mas foi rejeitado por este, que flertou descaradamente com o segundo, ao qual, apesar de alguns pontos em comum, incomodava a superficialidade do pretendente, creditada em boa parte à influência do primeiro.

Traduzindo: o art déco, que alguns críticos e historiadores consideram uma tentativa de rejuvenescimento do art noveau, guardava semelhanças com o modernismo - facilmente perceptíveis, por exemplo, na arquitetura -, só que este se constituiu em um movimento cultural pleno, lato sensu, e aquele apenas em um estilo, sem doutrina teórica e com abrangência limitada. Prova disso é que não há registro de literatura ou música art déco, ao passo que o modernismo mexeu com todas as artes.

"Como o seu próprio nome revela, o art déco tinha uma vocação decorativa, e valorizava também a monumentalidade, princípios que passavam longe do ideário das correntes modernistas. É o caso da escola Bauhaus, da Alemanha, berço do design, que prezava a forma, a funcionalidade e a reprodutividade", observa o arquiteto Ney Caldatto Barbosa. "A vocação industrial, aliás, era outro ponto em comum entre os modernistas de Bauhaus e os seguidores da art déco, além de um estilo muito mais limpo que o da art nouveau".

O prédio da Alfândega é um representante do art déco "monumental"

Foto: Luigi Bongiovanni, publicada com a matéria

 

Um acervo reduzido além das muretas

O art déco caiu no gosto dos brasileiros. Ganhou até uma versão local, a variante Marajoara, que buscava inspiração nos motivos geométricos dos antigos habitantes da Ilha de Marajó, no Pará. Foi graças ao Rio de Janeiro, entretanto, que o estilo fez história no País.

O Guia de Arquitetura Art Déco no Rio de Janeiro, lançado pela Prefeitura carioca há dez anos, lista nada menos do que 110 pontos de visitação e sugere seis roteiros aos leitores. O Cristo Redentor, o Palácio Duque de Caxias, a Estação da Central do Brasil e a antiga sede do extinto INPS são algumas das construções citadas na obra.

"Uma das vertentes do art déco no Brasil é a monumental, caracterizada principalmente por grandes edifícios públicos. Como o Rio era a capital federal à época em que o estilo chegou por aqui, entre os anos 30 e 40, acabou contemplado com um grande acervo do gênero", observa o arquiteto Ney Caldatto Barbosa. "Em São Paulo, também há muitos exemplos da corrente grandiosa, casos do Hospital das Clínicas e do Estádio do Pacaembu, e ainda restam alguns exemplares do art déco popular presente em conjuntos habitacionais e em detalhes geométricos nas fachadas de residências".

Santos, por sua vez, tem pouco do que se orgulhar nessas searas - à exceção, claro, das tradicionais muretas da Ponta da Praia, uma das raras manifestações do art déco, senão a única, que permanecem vivas no presente. O estilo deu ares modernos a cinemas locais, como o antigo Roxy, o Carlos Gomes e o São José, mas só o último da lista permanece de pé, agora travestido de armazém, na Rua Campos Mello.

Com respeito à vertente monumental, o principal exemplar é o edifício da Alfândega, na Praça Antonio Teles (N.E.: correto é Praça da República), concluído em 1934 e hoje tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos (Condepasa). De resto, o órgão também deu sua chancela ao prédio velho do Colégio Canadá, na Rua Mato Grosso, construído pela Prefeitura em 1935.

Fora da esfera pública, o destaque é o edifício de A Tribuna na Rua General Câmara. Inaugurado em 24 de dezembro de 1932, o imóvel, que chegou a ostentar quatro colunas de iluminação em sua fachada, é um dos raros pontos bem conservados na via, que liga o Porto à Praça Mauá.

Outro bom exemplo no setor privado é o casarão, na esquina da Rua Euclides da Cunha com a Praça Benedito Calixto, na Pompéia, restaurado e ocupado pela rede Esquina da Esfiha. Em compensação, bem à sua frente, há dois sobrados da mesma escola arquitetônica em estado muito precário. "Restou pouco desse estilo em Santos, o que é uma pena. Ainda em que temos as muretas", observa Caldatto Barbosa.

QUESTÃO DE ESTILO - Linhas simétricas, despojadas e elegantes. As muretas da Ponta da Praia, em Santos, são uma legítima manifestação nativa do art déco, estilo arquitetônico que nasceu em Paris há 85 anos

Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria, na página 1

Tapete "Muretas de Santos", da arquiteta Cláudia Vianna

Foto: site Kyowa Tapeçaria - 1ª Edição Tapetes Especiais - consulta em 30/12/2010

 

Jóias de Sandra Ceolin expostas na mostra Santos Arquidecor: à direita, réplicas das muretas

Foto: Blogue Giu Lopes- consulta em 30/12/2010

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