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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM...
1944 - por Guedes Coelho (7)

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Em 26 de março de 1944, o diário santista A Tribuna publicou uma edição especial comemorativa do cinqüentenário desse jornal (exemplar no acervo do historiador Waldir Rueda), que incluiu matéria de três páginas escrita pelo médico sanitarista e vereador Heitor Guedes Coelho (1879-1951), que também se destacou como filantropo e historiógrafo, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santos (grafia atualizada nesta transcrição):
 


Imagem: reprodução parcial da matéria original

A metamorfose de Santos

Panorama santista do último quartel do século passado (N.E.: século XIX) - O flagelo das epidemias que dizimavam a população adventícia - Obras de melhoramento urbano - Vultos notáveis que muito contribuíram para o saneamento e aformoseamento da atual "Cidade-Ninféia"

Guedes Coelho
(Especial para a edição do Cinqüentenário da A Tribuna)

[...]


Dois belos institutos de previdência

Com seus dedicados, valiosos impulsos de ampla filantropia, sua associação a todos os movimentos generosos da cidade, têm se imposto à admiração e à gratidão pública a Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio, fundada em 1879, e a Sociedade União Operária, criada em 1890.

A fé cristã

Nobilitante da alma santista foi, se não o é ainda, desmerecida no confronto embora, a profunda religiosidade que a impregnou, marcando-lhe vivamente as grandes manifestações morais e sociais. Então, era de ver-se a patente unção impressa na fisionomia dos fiéis quando procuravam as igrejas do Carmo, do Rosário, de Santo Antônio, da Velha Matriz, na Praça da República, nas missas dominicais ou nas novenas tão concorridas, que os cinemas ainda não lhes roubavam os freqüentadores.

Com que ansiedade se aguardavam as suntuosas festas da Semana Santa, do mês de Maria, solenizadas pela palavra fluente e convincente de Júlio Maria, Manoel Vicente, Senna Freitas e tantos outros grandes oradores sacros!

Como eram lindas, impressionantes, as procissões concorridas de tantos anjinhos e virgens ricamente vestidos pelas afamadas modistas francesas madame Genyu, da Rua 25 de Março, e madame Veronique, da Rua Antonina!

E no velho itinerário, pelo Largo do Rosário, por aquelas ruas, pelo Largo da Matriz, pela Rua da Alfândega, pela Rua Áurea, comprimia-se silenciosa, reverentemente, a pequena população de Santos, que toda vinha, em difícil viagem, da praia do Embaré, ou do Valongo aos Quartéis, para cumprir piedoso dever, e regalar-se na visão da tocante cerimônia, espetacular na indumentária, estranha e característica, dos figurantes; no fulgor luminoso dos enormes brandões empunhados pelos irmãos das ordens religiosas, envoltos nos ricos balandraus diversamente coloridos.

E assim eram as procissões: dos Passos ou do Encontro, de máxima concorrência e grandiosidade, com o comovente sermão, frente à igreja do Rosário, ao se defrontarem a "Mater Puella" e o "Divino Casto Filho"; do Depósito, a mais simples; do Senhor Morto, na sexta-feira Santa, silenciosa e triste; da Ressurreição, tão linda, tocada do rosicler auroral, aos últimos lampejos da Estrela d'Alva, ao bimbalhar álacre dos sinos de todas as igrejas, ao som de marchas alegres, sublime apoteose à vitória do Bem sobre o Mal, e assistida por toda Santos que, desde a véspera, sábado de Aleluia, não dormia, a dançar nos bailes familiares, ou no Clube XV tradicional, ou nos clubes carnavalescos - que os havia então - Bavards, Galopins, Meteoros, Carnavalesca Santista...

Grandes causas e seus paladinos

Berço de grandes vultos de alta intelectualidade, daqui partidos para brilhantes destinos, a engrandecerem e beneficiarem outros centros em atuações e realizações que se refletiram sobre nós, não aqui, meio escasso em fontes de ensino e saber, mas alhures, em S. Paulo, no Rio, na Bahia, em Pernambuco, e mesmo além-mar, em Coimbra, é que eles, santistas de valor, desenvolveram, aprimoraram, estabilizaram o Espírito, agindo, brilhante e fertilmente, na Política, na Administração, nas Ciências, nas Artes.

Nesta cidade, sem cultura agrícola, sem indústria, simples e modesto porto de mar, quase inaproveitado pela concorrência de S. Sebastião e Ubatuba, e por isso falto de recursos, só da instrução primária, exercida por leigos incompetentes, se cuidava. Não em sua terra, mas, fora, é que se alicerçou em fartos cabedais o monumento espiritual de um Fernandes Pinheiro, visconde de São Leopoldo (fundador dos cursos jurídicos do Brasil); de um Conselheiro Nébias, notável político do Império, de um barão de Aguiar Andrade, diplomata ilustre; dos três Andradas; dos dois Gusmões, o inventor do balão e o grande embaixador de d. João V perante a Santa Sé, e que recusou as honras de príncipe romano.

E só no último quartel do século passado é que se ensaiou ou se esboçou o ensino secundário, deficitário ainda; no Colégio Azurara; no do velho João Anta, sucedido pelo Externato Camargo, situado numa sala do Convento do Carmo; no Colégio Siqueira, à Rua do Rosário, em prédio vizinho ao atual Café Coliseu; no Colégio do dr. José Emílio Ribeiro Campos, situado no sobrado dos fundos do teatro Coliseu, onde hoje é o escritório da Cine Teatral, e moram alguns funcionários da mesma, como o chefe da eletricidade.

Posteriormente, adquirindo-o desse educador, que era também conceituado advogado do Fórum local, jovem colega seu, recentemente diplomado após brilhante curso, e de pouco estabelecido aqui, denominou-o escola José Bonifácio. O dr. Antonio da Silva Jardim, fluminense, que se aliara à família Andrada, no consórcio com uma senhora irmã do terceiro Martim Francisco, à força de dedicação e competência, iniciou em Santos o verdadeiro ensino secundário. Democrata ardoroso, em 1888 ele nos deixou para iniciar a formidável propaganda republicana, exercida entre inúmeros obstáculos através do litoral do Brasil e o interior de São Paulo, onde, como na Bahia, escapou da morte, nas insídias, emboscadas e conflitos armados pela celebérrima Guarda Negra.

Bravo, enérgico na execução de seus cometimentos, ele ousou, para difusão de seus ideais, em múltiplas conferências nas capitais do Norte, seguir no mesmo vapor em que viajava o conde d'Eu, esposo da princesa herdeira do trono imperial. Maior baluarte do combate à monarquia, foi menosprezado e esquecido pelos aproveitadores de sua sacrificada ação, inaproveitado na construção da República. Desgostoso de tamanha ingratidão, indo à Europa para se enriquecer mentalmente, na observação de novas civilizações e costumes, teve triste, precoce fim de vida, mas dramático e apoteótico - que um Titan como ele não poderia morrer como um "qualquer" - carbonizando-se no Vesúvio onde caiu, pisando mal-avisadamente, a despeito da advertência do "cicerone", extensa ao cônsul do Brasil em Gênova, Carneiro de Mendonça, a terra fofa e traiçoeira da "pozzolana" (lava solidificada), circundante da cratera.

Substituiu a Silva Jardim em seu Externato, denominando-o Escola Internacional, o professor Tarquínio Silva, com quem aprendi a ler, como a quase totalidade dos santistas da minha geração, dos quais muitos, pela retilínea direção que ele soube imprimir à sua educação, lhe deveram os sucessos colhidos na vida prática, como professores, médicos, advogados, engenheiros, negociantes, políticos, administradores.

Com justeza poder-se-ia chamar a esta época, no tocante ao aspecto pedagógico ou educativo - era de Tarquínio Silva. Anos correram até chegar, ao alvorecer do século XX, a fase do florescimento escolar e espiritual de Santos, na multiplicação de institutos, academias, colégios, liceus, que se sucediam e formavam a breves intervalos. Quase contemporâneos na fundação foram o instituto Escolástica Rosa, generosa doação de João Otávio, um filantropo santista, à sua terra, para o ensino profissional de crianças órfãs e desamparadas; o Liceu Feminino Santista, patrocinado pelo grande vulto de d. Robertina Cócrane Simonsen, e a Academia de Comércio Municipal, em 1907, e de cuja primeira turma de diplomados fez parte Valentim Bouças, grande financista brasileiro.

Particularizando-se, quando desoficializada, seus cursos continuaram, sob a denominação de Escola de Comércio José Bonifácio, cuja brilhante expansão muito deveu aos dedicados esforços do dr. Adolfo Porchat de Assis, provecto médico, literato, educador, dramaturgo; do saudoso farmacêutico Aristóteles Ramos de Menezes; do dr. Antenor de Moura, advogado competente, correto delegado de polícia no crítico período da greve de 1905, generalizada, e "Pai" do Asilo de Inválidos.

E depois vieram: do sexo feminino, o Colégio São José, para formação de professoras à feição da Escola Normal; o Colégio Stella Maris; o Colégio Coração de Maria; do sexo masculino, o Ginásio Santista, dos padres maristas; o Ginásio do Estado, para o bacharelado em letras; o Ginásio Tarquínio Silva; o Ginásio S. Paulo, o Liceu Coelho Neto e outros mais. Modernamente, a Sociedade Amiga da Instrução Popular, grandiosa criação do pranteado dr. Tomaz Catunda, e que lhe mereceu os últimos desvelos da generosa existência, em múltiplos rebentos viceja, irradiando a instrução nas classes pobres.

E, assim, quanto aos problemas do ensino secundário, Santos, superiormente dirigida, proficuamente aparelhada, paraleliza-se aos outros grandes centros nacionais.


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