Nazistas em Santos e São Vicente
Texto publicado em 07 de Fevereiro de 2006
por Adelto Gonçalves (*)
Em Crônica de uma guerra secreta (Record, 2005),
o embaixador Sérgio Correa da Costa (1919-2005) conta a história de um espião nazista, Josef Jacob Johannes Starziczny, doutor em engenharia
eletrônica, cujas atividades estenderam-se até Santos e São Vicente. A história também pode ser lida em A guerra secreta de Hitler (Nova
Fronteira, 1983), do historiador norte-americano Stanley Hilton.
Como se sabe, o Estado Novo, de Getúlio Vargas,
flertou durante um bom tempo com o nazismo, permitindo o livre trânsito de espiões nazistas pelo território brasileiro. Na Capital da República, por
exemplo, o trânsito de espiões não era dificultado. E, assim, Starziczny estabeleceu-se na cidade em 1941 e logo encontrou apoio da filial da
empresa Theodor Wille, que destacou um funcionário para lhe servir de intérprete. Afinal, o engenheiro chegara com uma
carta de recomendação da Theodor Wille, de Hamburgo.
Três dias depois, conta o diplomata, Starziczny veio a Santos para ver o cônsul Otto
Uebele, que seria seu chefe imediato. Embora nascido no Brasil, Uebele sempre estivera ligado a Alemanha, tendo colaborado com o império alemão
durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). E, assim, facilitou contatos para o engenheiro eletrônico estabelecer uma rede de espiões em Santos e
São Vicente.
Starziczny, segundo Correa da Costa, era um espião um tanto trapalhão, tendo se
envolvido com mulheres brasileiras, mas não é isto o que interessa aqui. Não seria mesmo uma pessoa muito arguta, a ponto de ter deixado incompleto
o trabalho que pretendia desenvolver, o que provocou muitos desentendimentos com seus superiores.
Em dezembro de 1941, o serviço de Starziczny chegava ao fim, pouco depois de ter
deixado um transmissor na casa de Gerard Schroeder, um simpatizante nazista que morava na Rua Ipiranga, 13, em São Vicente. O serviço de Starziczny
era fornecer informações sobre a entrada e saída de navios nos portos do Rio de Janeiro e de Santos. Com base em suas informações, muitos navios
aliados podem ter sido bombardeados por submarinos alemães.
Enquanto a polícia carioca, praticamente, ignorava as atividades dos agentes do Eixo,
o mesmo não acontecia em São Paulo, graças à atuação do delegado adjunto na Delegacia de Ordem Pública e Social, Elpídio Reali, pai do jornalista
Reali Júnior, correspondente de O Estado de S.Paulo em Paris, e avô da atriz Cristiana Reali.
Logo, Reali chegaria a Starziczny, que, um tanto desajeitado, facilitaria a ação da
polícia. Ao tentar comprar na firma Sayão & Sayão, na rua Dom Bosco, em São Paulo, um ondômetro para o transmissor que deixara em São Vicente, o
alemão, falando em inglês, iria apresentar-se como O. Mendes, deixando como endereço o Hotel Santos, em Santos. Tudo isso
iria despertar suspeitas no comerciante, que sabia muito bem que a peça que o estrangeiro queria era usada em transmissores potentes. E achou melhor
avisar a polícia.
Logo, a polícia chegou a Odélio Garcia, que, mais tarde, iria telefonar para a loja,
perguntando pelo ondômetro. Detido, Garcia não negou que havia adquirido não só a peça como uma estação radiotransmissora, fazendo-o por encomenda
de Ulrich Uebele, gerente da exportadora de café Theodor Wille e filho do cônsul alemão em Santos. Detido, Uebele entregou seu patrício Gerard
Schroeder, da seção de navegação da Theodor Wille, que confirmou que a estação havia sido passada a um funcionário do consulado alemão.
O delegado Reali não levou em conta imunidades diplomáticas e colocou em cana todos os
envolvidos, inclusive, um brasileiro, na casa de quem fora localizada a estação retransmissora. Só faltava o principal elo, o espião Starziczny. Com
o pai de Uebele, Oto, o delegado ainda iria encontrar filmes de navios ingleses e americanos e de pontos estratégicos do litoral de São Paulo e
ainda uma pista que o levaria ao Rio de Janeiro, mais especificamente a um sobrado no Leblon.
Lá, finalmente, iria encontrar Niels Christensen, engenheiro civil, nome atrás do qual
se escondia Starziczny. Na casa, a polícia iria descobrir muitos equipamentos e, dentro de uma caixa de madeira, informações que partiam diretamente
do Leblon para o almirantado alemão, em Hamburgo.
A ação rápida de Reali permitiu que o navio britânico Queen Mary,
que deixara havia poucos dias o Rio de Janeiro levando a bordo oito mil soldados canadenses, mudasse de rota e escapasse de um ataque. Eis aqui uma
história de nossa polícia pouco lembrada, mas que merece ser conhecida pelas novas gerações.
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Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de
São Paulo e autor de Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). |