HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
Nazistas queriam sabotar a hidrelétrica
Um episódio pouco citado referente à Segunda Guerra Mundial
teve Cubatão - na época um distrito de Santos - como protagonista e quase vítima: sua usina hidrelétrica Henry Borden, na época
a sétima maior do mundo em potência elétrica, seria alvo de uma operação de sabotagem nazista no início dessa guerra, em 1939.
O governo de Getúlio Vargas oscilava entre o apoio aberto
ao regime hitlerista, pressionado pelos integralistas, e o apoio enfim concedido aos Aliados (após a oferta de vantagens pelos Estados Unidos, como a
instalação da siderúrgica de Volta Redonda/RJ).
Em 28 de fevereiro de 1946, o jornal paulistano Folha da Manhã assim registrou, na página
2 (ortografia atualizada nestas transcrições, prejudicadas por falhas de impressão no original):
Imagem: reprodução parcial da Folha da
Manhã, edição de 28/2/1946, página 2
A denúncia oferecida contra os implicados na espionagem alemã na América do Sul
RIO, 27 (Da nossa sucursal) - O sr. Paulo Whitaker, promotor da 3ª Auditoria desta Capital,
ofereceu denúncia contra os alemães que dirigiram e tomaram parte no serviço de espionagem na América do Sul, a mandado do Alto Comando Alemão. O
chefe dos espiões, George Konrad Blass, engenheiro e diretor da Universidade de Colonia, veio especialmente
para a América do Sul a fim de instalar o serviço de espionagem. Permanecendo no Rio, daqui dirigia os diferentes setores que instalava nos diversos
países.
As penalidades para estes crimes são previstas no decreto 4.766 e no Código Penal Militar,
incluindo a sentença de morte.
A denúncia oferecida é a seguinte: "Com a presente venho expor e requerer o seguinte: Em meados de
1939 o Alto Comando Alemão, visando atender o interesse de suas Forças Armadas, resolveu instalar um serviço de espionagem na América do Sul. Assim
mandou chamar a Berlim o engenheiro alemão Karl Oto Gohl, residente em S. Paulo, que de lá voltou com a incumbência de chefiar o serviço no Brasil,
após haver feito um curso de especialização a este respeito e com poderes para aliciar sabotadores.
"Na mesma época foi instalado um grupo no Chile, sob a
orientação de Albert Julius von Oestann, e no Peru, sob a de Kurt Heuer, os quais também tiveram o curso de
especialização.
"Gohl utilizou-se dos seguintes brasileiros: José dos Santos, a fim de colocar uma bomba de tempo
no porão do navio Yonic Star, da Blue Star Line; Mário da Silva Arruda, a fim de danificar as máquinas
de um cruzador inglês, possivelmente o Ajax; Alberto Barone Francisco de Paula Barros, a fim de tentarem dinamitar a usina do Cubatão,
em S. Paulo. Isso tudo foi relatado por Gohl em suas primeiras declarações, esclarecidas por seus companheiros Blass e Thiele.
"Em fevereiro de 1940 o Alto Comando Alemão resolveu congregar os grupos de sabotadores da América
do Sul sob a chefia de George Friedrich Blass, engenheiro diretor da Universidade de Colonia, o qual recebeu a incumbência de instalar outros
grupos de sabotadores em outros países da América.
"Blass relatou suas atividades. Viajando como representante comercial, entrou logo em contato nesta
Capital com Richard Laudenheimer, incumbido de auxiliá-lo. Dispondo de uma carta de crédito contra o Banco Germânico, providenciou, por intermédio
de Johnny, da Embaixada Alemã, junto a Guilherme Moeser e Friedrich Wilhelm Moeser, o diretor do aludido estabelecimento, o levantamento de um
crédito de um milhão de cruzeiros a favor de Gohl. Esta quantia foi entregue a Hans Oto Meyer e era destinada ao financiamento da sabotagem.
"Blass recrutou também, para seus auxiliares, os alemães Boris Rubert Max Polit, Walter
Gustav Augustin e Albert Thiele. A 23 de junho de 1940, Blass, no Rio, reuniu Gohl e von Appen. do Chile, a fim de receber instruções e os planos de
ação.
"Logo após a invasão da França Blass deu por encerradas suas atividades. As identidades destes
personagens são as seguintes: George Konrad Blass foi classificado; Karl Otto Gohl é alemão, nascido em Jerusalém, engenheiro mecânico, casado e com
42 anos de idade; Hans Oto Meyer é alemão, solteiro, com 40 anos; Albert Thiele também alemão e solteiro e com a mesma idade; Walter Gustav
Augustin, mesma nacionalidade, casado, com 37 anos; Lissy Amberger, alemã, casada com Wilhelm Amberger, com 32 anos, retornada em meados de 1944;
Hans Oto Meyer, de 41 anos, chegado ao Brasil em 1926, indo trabalhar na firma Herm Stoltz, onde, em 1939, passou a ser sócio de indústria, já
condenado como espião pelo Tribunal de Segurança Nacional; Richard Laudenheimer, alemão, com 50 anos, casado, está no Brasil desde 1924, indo
trabalhar na Aliança Comercial de Anilinas; Walter Augustin, nascido na Alemanha em 1908, chegou ao Brasil em 4 de junho de 1939 e foi trabalhar na
firma Herm Stoltz.
"Relativamente aos brasileiros José dos Santos, Francisco de Paula Barros, Mário da Silva Arruda e
Alberto Barone, não puderam ser localizados. Os atos praticados pelos indiciados se acham previstos como crimes classificados no art. 276, do Código
Penal Militar, e pelos arts. 46 e 49, do decreto-lei 4.766.
"Nestas condições, o Ministério Público oferece denúncia aos indiciados George Friedrich Blass,
Karl Oto Gohl, Hans Oto Meyer, Albert Thiele, Walter Gustav Augustin, Lissy Amberger e Richard Laudenheimer, como incursos nas sanções penais dos
artigos acima, e pede o recebimento desta para fins de direito. Foram arroladas doze testemunhas".
Os volumosos autos destes processos foram presentes ao respectivo auditor daquele Juízo para
recebimento ou não da denúncia. |
Em 29 de outubro de 1948, a mesma Folha da Manhã registrava, na página 3:
Habeas-corpus impetrado por Karl Oto Gohl |
RIO, 28 - Karl Oto Gohl impetrou ao Supremo Tribunal Federal uma
ordem de habeas-corpus, alegando que fora denunciado por atos de sabotagem contra a usina de Cubatão, no Estado de São Paulo. Diz que o
Ministério Público o apontou como incurso na lei de guerra, pois servira ao Alto Comando Alemão que, em 1939, visando atender aos interesses de suas
forças armadas, resolvera instalar o serviço de espionagem na América do Sul. Declarou ainda
a denúncia, que o paciente fora chamado a Berlim e que de lá voltara com a incumbência de chefiar a sabotagem no Brasil, após ter feito curso de
especialização. Serviu-se, então, do concurso dos seguintes brasileiros: José Santos, que foi destacado para colocar uma bomba-relógio no porão do
navio Yonic; Mario da Silva Arruda, incumbido de danificar as máquinas de um cruzador inglês, provavelmente o Ajax; Alberto Paroni e
Francisco de Paula Bares, encarregados de sabotar a usina de Cubatão.
Alega o paciente que tais fatos constam do inquérito instaurado pela Delegacia de Ordem Política
para apurar crimes de sabotagem. Não se justifica, pois, a condenação que se lhe impôs, uma vez que a organização foi dispensada, sem que tivesse
praticado ato algum criminoso. |
Imagem: reprodução parcial da Folha da
Manhã, edição de 29/10/1948, página 3 |
O pedido de habeas-corpus foi distribuído ao ministro
Orozimbo Nonato, que o relatará na próxima sessão plena. |
O jornal paulistano Folha da Noite (do mesmo grupo do Folha da Manhã, que originariam a
Folha de São Paulo) publicou, em 18 de novembro de 1948, na pág. 3:
Imagem: reprodução parcial da Folha da
Manhã, edição de 18/11/1948, página 3
Anulada pelo STF a decisão que condenou um sabotador alemão
Fora envolvido na tentativa de sabotagem da usina do Cubatão
RIO, 18 (Sucursal) - No Supremo Tribunal Federal foi impetrada uma ordem de habeas-corpus,
em favor do eng. Karl Otto Gohl, alegando que o paciente se viu envolvido nos atos de sabotagem contra a Usina de Cubatão, quando, na realidade, não
praticou nenhuma ação nesse sentido.
Diz ainda que o processo o apontava como incurso na lei de segurança, porque, em 1939, o alto
comando alemão, visando atender ao interesse de suas forças armadas, resolvera instalar um serviço de sabotagem na América do Sul.
Assim, declara, ainda, mandou chamar o paciente, engenheiro, residente em São Paulo, a Berlim, que
de lá voltou com a incumbência de chefiar a sabotagem no Brasil, após haver feito o curso de especialização na Alemanha. Acrescentava mais a
denúncia que o paciente se utilizara de vários brasileiros a fim de colocar uma bomba-relógio no porão do navio Yonic Star e de sabotar a
Usina de Cubatão. Tais fatos, porém, foram arrolados no inquérito policial instaurado pela Delegacia Política e Social e não passaram de simples
organização, não chegando a ser tentada nenhuma ação de sabotagem.
Não se justificava, assim, a condenação que lhe fora imposta, por não se harmonizar com o preceito
legal. O Supremo, em sua sessão plena de ontem, sendo relator o min. Laudo de Camargo, concedeu a ordem para anular a decisão condenatória e
proferir o Tribunal Marítimo novo julgamento. |
Os arquivos do grupo Folha guardam ainda o exemplar de 30 de maio de 1949 do jornal paulistano Folha
da Noite, que na página 20 apresenta matéria sobre o tema, ilegível. A matéria apresenta a capa do dicionário usado pelo grupo sabotador para
camuflar seus códigos, a página VII desse dicionário, com as instruções para cifrar e uma foto de Karl Oto Gohl:
A capa do dicionário que escondia o
código
Imagem: reprodução parcial da Folha da
Noite, edição de 30/5/1949, página 20
Para sabotagem no Brasil
foi chamado a treinar na Alemanha
O código dos agentes estava num pequeno dicionário alemão-espanhol - Quem era Oto Gohl, o
homem que tentou dinamitar a usina do Cubatão - Seu trabalho, seus subordinados e seus chefes - Um milhão de cruzeiros para começar a agir
Em reportagem anterior a Folha da Noite tratou das atividades do engenheiro alemão George
Blass que [...]
Imagem: reprodução parcial da Folha da
Noite, edição de 30/5/1949, página 20 |
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em Santos e São Vicente
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de espionagem nazista na América do Sul |
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