Imagens: reprodução parcial da página 2 do
jornal de 28/4/1945
Rede de espionagem nazista na América do Sul
Prisão de espiões e sabotadores alemães que desenvolviam suas atividades no Brasil, sob
orientação do alto comando alemão – Plano para destruição da usina de Cubatão – Atentados contra navios aliados
RIO, 27 ("Estado" – Pelo telefone) – Reunindo hoje a reportagem, o ministro João Alberto
falou sobre o caso dos espiões e sabotadores alemães que agiam em toda a América do Sul sob a orientação direta do perigoso elemento George Conrad
Frederic Blass, conhecido por "Dr. Brauner", cuja prisão nesta Capital foi amplamente noticiada há dias, seguindo-se a captura em S. Paulo de Karll
Gohl, chefe do grupo que desenvolvia suas atividades no Brasil. A exposição do chefe de Polícia foi clara e detalhada, por ela se ode avaliar os
sinistros planos que o nazismo preparava e que estavam sendo postos em execução por indivíduos para isso preparados pelo próprio alto comando
alemão.
Há tempos, quando estavam sendo feitas investigações em torno dos espiões chefiados por Enguls, que
agiam nesta Capital, apareceu numa mensagem de estação clandestina captada e decifrada pela Rádio Escuta das Nações Aliadas o nome de um "Dr.
Brauner". Interrogado, Enguls adiantou nada saber, dizendo que a referida mensagem fora transmitida a pedido da embaixada alemã.
Em sua palestra, o ministro João Alberto esclareceu que de há muito as polícias de todas as nações
aliadas formam um só bloco de serviço de contraespionagem e sabotagem. Assim, o nome "Dr. Brauner" passou a ser obrigatório nos interrogatórios e
nas listas de presos em toda a América do Sul, tendo alcançado o melhor resultado essa união de esforços.
Dessa maneira, Boris Max Poliz, preso no Chile e demoradamente interrogado, acabou revelando que o
misterioso "Dr. Brauner" era George Frederico Blass, residente no Rio de Janeiro. A 31 do mês passado isso foi comunicado por telefone à Delegacia
de Segurança Política e dias depois o "Dr. Brauner" era preso. Submetido a vários interrogatórios, ele terminou por fazer uma confissão de suas
atividades. Já fora preso e processado anteriormente por sabotagem e agora era chefe do serviço alemão de sabotagem para a América do Sul.
Em consequência desse depoimento, importantes diligências foram efetuadas, sendo presos os seus
auxiliares, Valter Ludwig Augustin e Albert Thile e em S. Paulo o espião Karl Gohl, chefe do grupo que agia no Brasil. Ficou também esclarecido
pertencerem ao grupo Hans Mayer, que se encontra preso há três anos como envolvido no caso Enguls e Richar Lanhemher.
As autoridades de várias repúblicas sul-americanas esclareceram à Polícia que a vasta rede obedecia
diretamente à seção e sabotagem do "O. K. W." do alto comando do exército alemão, cujo chefe é Lothar Brandstein, estando ramificada no Brasil, na
Argentina, no Chile, Peru e Colômbia.
Um depoimento do "Dr. Brauner" – Em seu depoimento prestado na Segurança Política, Blass
declarou que se tornou amigo do antigo oficial do exército alemão Lothar Brandstein, chefe da seção do estado maior alemão incumbida de estudar,
planejar e executar atos de sabotagem no Exterior, sendo convidado pelo mesmo para superintender, na América do Sul, os grupos de sabotadores que
aqui existiam desde 1939 e ao mesmo tempo providenciar a organização de novos grupos em países que ainda não os possuíssem. Não deviam entretanto
praticar qualquer ato de sabotagem a não ser depois das respectivas declarações de guerra, e em cumprimento de alguma ordem especial.
Foi nessa ocasião que passou a usar o nome suposto de "Dr. Brauner", tendo recebido um código para
os seus telegramas. Em 15 de maio de 1940 embarcou em Roma, num avião Lati, com destino a esta Capital, onde chegou em junho. No Rio hospedou-se num
hotel de Copacabana, tendo imediatamente entrado em contato com Boris, ao qual pôs ao par de sua missão, dele obtendo a colaboração mediante
juramento. No dia 18 de junho Blass fez com aquele indivíduo uma viagem a S. Paulo, a fim de se avistar com Karl Gohl, já nesta época chefe da
organização de sabotagem no Brasil, instalado sob a sua chefia desde 1939.
No dia 5 de agosto de 1940 o "Dr. Brauner" iniciou uma viagem a vários países da América do Sul,
dando sempre ciência disso a Berlim. De regresso ao Rio, Blass passou a exercer grandes atividades, sendo apresentado a Albert Enguls,ficando
assentado que ele poderia valer-se das facilidades de correspondência para a Alemanha; para isso pôs-lhe Enguls à disposição dele a sua estação
radioemissora, bem como os meios de que possuía para enviar ao "Reich" mensagens em micro.
Iria pelos ares a represa de Cubatão – Continuando, disse o espião à polícia que Gohl,
auxiliado por dois brasileiros, cujos nomes ignora, pensava dinamitar os canos condutores de água da Usina de Cubatão, que fornece eletricidade às
cidades de S. Paulo e Santos, não levando a efeito em virtude da perfeita vigilância que ali havia.
A referida sabotagem consistia no emprego de grande quantidade de matérias químicas de alto poder
explosivo nos esteios de cimento armado que calçavam as quedas d'água da represa. Uma vez verificada a explosão, as mesmas cidades permaneceriam sem
luz elétrica por tempo indeterminado, sem possibilidade de qualquer reparo, isso porque não só todo o maquinismo da Usina, bem como os tubos, que
são de aço especial, só poderiam ser adquiridos na América do Norte, havendo ainda as naturais dificuldades de reconstrução que exigiriam um prazo
mínimo de um ano e seis meses.
Blass esteve algum tempo preso e, ao ser posto em liberdade em 1944, foi procurado por Gohl
diversas vezes, entrando ambos em confabulações para a destruição da Usina até que em certa época resolveram não mais levar a efeito o atentado,
porquanto não fora possível adquirir as matérias explosivas e pelas dificuldades das viagens entre Santos e esta Capital, não só de Gohl como também
de Blass, sabendo este, entretanto, que aquele espião chegara a ir à Usina de Cubatão, acompanhado de duas pessoas de sua organização, levando para
o local regular quantidade de dinamite a fim de, pelo menos, causar sérias avarias à Usina, e que, chegando ao local, na impossibilidade de, em
curto espaço de tempo, calçar a dinamite nos esteios, devido à rigorosa fiscalização, resolveu regressar a S. Paulo sem nada ter feito, tendo
deixado o explosivo enterrado no mato próximo àquele local.
Por ocasião da penúltima visita de Gohl que se verificou em fevereiro ou março do corrente ano,
como a guerra estivesse francamente perdida para os alemães, Blass combinou com o mesmo que não fossem mais praticados atos de sabotagem.
As atividades de Hans Otto Mayer – Hans Otto Mayer, um dos membros do movimento nazista de
sabotagem, acha-se condenado a 23 anos de prisão, estando cumprindo a pena no presídio da Ilha Grande. Foi ele condenado há 3 anos por estar
envolvido em outro rumoroso caso de espionagem. Era um dos agentes de Hans e que tinha como missão percorrer a Bahia de Guanabara numa lancha
pertencente a uma firma alemã a fim de conseguir informações sobre a entrada, saída etc. de navios em nosso porto.
Outro membro do perigoso grupo de sabotadores preso pela polícia carioca é o alemão Walter Ludwig
Agustin. Consistia seu trabalho em traduzir e datilografar os rascunhos de cartas escritas em alemão por Blass e destinadas aos agentes nos vários
países, inclusive Chile, Peru e Colômbia. Tinha esse indivíduo também a missão de fotografar os navios aliados que procuravam os nossos portos e que
se apresentavam com avarias resultantes da guerra submarina alemã. Essas fotografias eram enviadas a Berlim e dali irradiadas para o exterior como
prova da eficiência da marinha alemã e como advertência aos que relutavam em aderir à causa nazista.
Três navios dinamitados – Segundo apurou a nossa polícia, os agentes nazistas não chegaram a
tentar concretizar seus planos de sabotagem no Brasil, com exceção da Represa de Cubatão. No entanto, esses elementos levaram a efeito em outros
países atos de terrorismo, salientando-se entre eles os atentados contra navios aliados. Desse modo, foram dinamitados um navio de guerra e outro
mercante, nas costas do Peru, e um outro ainda, também mercante, dentro do porto de Valparaíso. |