VISÃO DA SIMPLICIDADE - Atento a tudo, Zezinho, além das grandes personalidades, também registrou
o trabalho de pessoas simples, que ajudavam na construção da história. No destaque, ele ao lado da foto de sua mãe.
"A fotografia foi um acaso em minha vida" - José Dias
Herrera
Foto-montagem com imagens de José Dias Herrera e Luiz Nascimento, publicada com a matéria
ZEZINHO HERRERA - 1920-2010
Um olhar é suficiente
A morte de José Dias Herrera, que sempre buscou simplicidade na vida, deixou um legado de
seriedade na profissão de repórter fotográfico
Luiz Nascimento
Da Redação
Quem teve o prazer de conversar com Seu Zezinho, que
nos deixou no último domingo (17), foi contagiado por seu bom humor e a sua vivacidade. Tive esta oportunidade única. Mais velho entre os cinco
filhos de imigrantes espanhóis, ele nasceu em São Paulo em 15 de abril de 1920 e veio para Santos ainda criança, com sete anos de idade. Aos 12, já
tinha o seu primeiro emprego numa loja na Rua do Comércio. Trabalhou em vários lugares, até que chegou às portas do que
seria sua profissão: uma loja de artigos fotográficos. Ele gostou do negócio.
"A fotografia foi um acaso em minha vida", contou. A partir daí, assumiu uma carreira que nem ele
sabia se ia dar certo, uma coisa inesperada, sem retorno. Nunca fez um curso de fotografia. Estudou no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, em Santos.
Quando se diplomou, começou a trabalhar numa casa de alemães onde fazia entregas. As entregas eram feitas de bonde e ganhava 50 mil réis por mês. Um
dia Herrera estava em frente a uma vitrine de artigos fotográficos, o dono da casa o viu e perguntou se ele gostava de fotografias. Ele disse:
"Muito!" "Você não quer ser fotógrafo?" "Poderia tentar!", respondeu. "Então você pode vir amanhã". "Vou falar para o meu pai", disse.
Uma semana depois Herrera estava fazendo todo o serviço de amador. Ele continuou: "O dono tinha
muito trabalho na rua, casamentos, aniversários, e não tinha tempo para ficar na loja. Eu acabei atendendo os clientes, vendendo e trabalhando no
laboratório. Os fotógrafos de A Tribuna iam lá e acabavam me chamando para fazer ampliações e me pagavam uma taxa. Foi assim que começou
minha carreira".
Em 1937, aos 17 anos, Herrera começou a trabalhar no Diário como
repórter fotográfico, depois de um episódio interessante: "Um dia o secretário do diário viu que eu não deixei um avião decolar para poder
fotografá-lo. Então ele disse: 'Esse garoto tem talento'".
Três anos mais tarde, recebeu o convite do jornal A Tribuna, que só aceitou depois de muita
insistência dos diretores. "A princípio eu escapei, indicando meu irmão Rafael, mas quem eles queriam mesmo era eu. Foi quando eu fiz algumas
exigências para ir para lá e eles aceitaram", lembrou.
Entre os anos 40 e 50, as estradas do litoral ainda estavam sendo abertas. Enfrentava sol e chuva,
subindo e descendo os morros, caminhando sobre pedregulhos e lama. Registrou fatos como a inauguração das rodovias Anchieta
e Imigrantes, a inauguração da Refinaria em Cubatão,
a chegada dos primeiros moradores do bairro da Areia Branca, os navios de guerra americanos ancorados no Porto de Santos.
Mas, certamente, nada marcou mais a sua carreira do que a proximidade com o ídolo máximo do futebol. Ele foi a primeira pessoa a registrar o
rei Pelé na Vila Belmiro. As fotos do rei foram cobiçadas e invejadas pelos colegas de profissão. "Eu não procurei nada
sobre o Pelé, nem sabia nada sobre ele, quando comecei a tirar fotos dele".
Acompanhando o time do Santos, Herrera conheceu vários países, deu a volta ao mundo.
Considerava-se um homem realizado. Teve duas filhas, cinco netos, nenhum deles fotógrafo, uma filha que é psicóloga e a outra artista plástica.
Morava em um belo apartamento em frente ao mar e me pediu que não colocasse o endereço dele na matéria.
Entre O Diário e A Tribuna, aposentou-se com mais de 40 anos de profissão. Mas
engana-se quem pensa que a carreira do Seu Zezinho parou por aí. Continuou na ativa, completou 23 anos como fotógrafo na Secretaria de
Comunicação da Prefeitura de Santos. Foram 72 anos dedicados à fotografia.
"Fotografei diversos presidentes como Café Filho,
Jânio Quadros, Washington Luiz, João
Goulart, Charles de Gaulle. Nunca nenhuma imagem me marcou, todos os trabalhos que fiz foram com muito prazer. No momento de apertar o botão, a
gente não pára para pensar, só sabe o que saiu quando a foto fica pronta", citava.
José Dias Herrera foi considerado o fotógrafo mais "antigo" em atividade no Brasil, segundo a
revista Veja. Mas definitivamente nada antigo no espírito jovial e na disposição para o trabalho. Não se pode mais separar Herrera da
fotografia. Quanto ao avanço da tecnologia, Seu Zezinho era sincero ao dizer que a máquina digital manda no fotógrafo. Ousava, inclusive,
criticar o trabalho de um dos mais conceituados fotógrafos do mundo: "Não agosto do trabalho de Sebastião Salgado, ele é muito específico".
Convidado de honra do governo francês para assistir a copa do Mundo na França, recusou o convite
sem cerimônias. "Comprei uma TV 29 polegadas e vi a Copa em casa". Mas os franceses puderam se deliciar com uma exposição com 200 fotos sobre Pelé,
fotografadas por ele, na cidade de Montellier, no Sul da França.
Nos momentos mais importantes da história do Brasil, e da cidade de Santos, este paulistano
nascido no Brás estava lá. Registrou tudo. Presidentes, movimentos, passeatas, revoluções, nada escapou aos olhos de sua lente. Falar dos seus
muitos trabalhos não é tarefa fácil, pois dá para perder a conta dos muitos que fez. Foi repórter fotográfico da Folha de São Paulo,
Última Hora, Gazeta Esportiva, correspondente da revista O Cruzeiro e ainda viajou à Europa clicando o Santos Futebol Clube. Um
fato curioso: ele era um ex-corinthiano que acabou santista de coração.
No início da década de 1940, José Dias Herrera teve uma participação política na formação da
entidade da categoria, na assembléia de 25 de julho de 1942, para composição da primeira diretoria regional da Baixada Santista. Na sede do
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo em Santos há uma placa com os nomes dos 38 membros fundadores da entidade e o nome do
Herrera é o de número 33.
Diz que hoje os movimentos sindicais estão muito mudados. Mais recentemente só acompanhava os
companheiros da entidade e tinha um bom relacionamento com a atual diretoria. "Quando precisam de mim estou sempre à disposição", afirmou com
firmeza. Herrera não hesitava em dizer: "Vivenciei toda a época da repressão e vi censuradas várias fotos, mas política não pode entrar na
fotografia e para se trabalhar para o governo o importante é cumprir sua obrigação, fazer tudo direitinho, independentemente da posição ou das
atitudes do governante e nunca esquecer que você é um fotógrafo".
Herrera só se arrepende de uma coisa: "Não ter tirado três vezes mais fotos", e, por isso,
garantiu que a melhor fotografia "é aquela que você não tira".
Quase no final da nossa entrevista, eu senti que ele queria pedir alguma coisa. "Seu Zezinho,
o que o incomoda", pergunto. "Eu gostaria que você tirasse uma foto minha mostrando todas as minhas rugas e como eu estou velho". Eu prontamente
atendi o seu pedido. Tirei várias fotos dele e uma que ele chamou de especial, segurando um quadro com a foto da mãe. "Minha grande heroína!". Ainda
conversamos por aproximadamente duas horas entre caixas de sapatos cheias de negativos, um momento raro que tive o grato prazer de viver. |