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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
O Diário funcionou aqui

As gerações mais antigas de santistas ainda lembram de um dos principais jornais locais, O Diário, mantido inicialmente pelos comissários de café e logo depois como órgão do grupo Diários Associados. Foi um dos vários jornais santistas com esse nome ou parecido (já existira um homônimo, de 1929), tendo existido de 1936 a 1967, como lembrou o jornalista Olao Rodrigues em sua História da Imprensa de Santos (publicado em 1979 como edição do autor e impresso na Gráfica A Tribuna):


Cabeçalho do jornal O Diário, na edição de 25 de dezembro de 1945

O Diário foi fundado em 1936 pelo Centro dos Comissários de Café de Santos. Era órgão essencialmente comercial, como usava no título, aparecendo como seu diretor o dr. Otávio de Andrade, principal acionista da empresa jornalística que se organizara.

Seu primeiro número saiu a 6 de janeiro de 1936, sob a responsabilidade jornalística, como diretor, de Otávio Veiga. Dois dias antes, foi procedido ao ato inaugural e bênção das instalações pelo bispo diocesano, pois de simples órgão comercial, o jornal passou a noticioso, enfocando temas gerais, com mais amplitude no campo da Comunicação.

Em 1937, O Diário tornou-se unidade dos Diários Associados, empresa dirigida por Assis Chateaubriand. Tinha redação, administração e oficinas na Rua do Comércio ns. 9 e 11. Foi matutino de prestígio e popularidade na vida da imprensa citadina, com profissionais aptos e dedicados, quer na redação, quer nas oficinas, quer ainda na administração.

Anúncio publicado na primeira contracapa do Guia Santista para 1956

Nas funções de diretores e gerentes, passaram pelo O Diário os srs. Mirandeira, Moisés Domingues de Azevedo, Armando de Oliveira, Oswaldo Aranha, Joaquim Leiva, Frederico Jacobsen, Jurandir Ferreira Neto, Laurindo Chaves e Paulo Freitas de Andrade.

Foram redatores-secretários os seguintes jornalistas: Otávio Veiga, José Laino Júnior, Wandick de Freitas, Antônio Barjas, P. Machado, Lima Sant'Ana, Moacir Dias Gnecco, Camilo, Geraldo Ferrone, Juarez Bahia, Eratóstenes Azevedo, Antônio Nunes, Jonas Priante, Aurelindo Teles, Antônio J. Brandão, Carlos Conde e Jorge Guerreiro.

O derradeiro número de O Diário rodou a 17 de janeiro de 1967. Quando suspendeu definitivamente a circulação, o matutino dos Diários Associados dispunha de 11 linotipos e 2 rotativas. O Diário, de força competitiva, estava bem servido de maquinaria e equipamento, assim como de mão-de-obra gráfica e gente idônea na redação. Deu destaque à vida da imprensa santense.

Nas proximidades, existiram dois outros jornais que também já fecharam: o Cidade de Santos (jornal local que era mantido pelo grupo Folha da Manhã/Folha de São Paulo, criado em 1º de julho de 1967, poucos meses após o fim de O Diário, e extinto em 15/9/1987, poucos anos depois dessa demolição), e o paulistano Diário de São Paulo, do grupo Diários Associados.

Eles são citados nesta matéria, publicada por A Tribuna em 29 de dezembro de 1984:


Dentro do antigo prédio, restam salões sujos e úmidos, 
um relógio corroído pelo tempo e uma Bandeira Nacional 
Foto: Anésio Borges, publicada com a matéria

Em março, a Cidade perde um pouco mais de sua história recente: o imóvel da Santa Casa que vai da Rua do Comércio à Rua Visconde de São Leopoldo, outrora ocupado em parte pelo jornal O Diário, vai abaixo, dando lugar ao estacionamento de um banco. A área, com aproximadamente 2 mil metros quadrados, sediou muitos estabelecimentos e escritórios, desde a época em que Santos vivia seu apogeu e a Rua do Comércio era movimentada pelos animados e prósperos comerciantes de café. Agora, apenas velhos livros e mesinhas de máquina de escrever, em meio a traças e limo, lembram as tardes tranqüilas com chá e orquestra.

Velho prédio de O Diário vai virar estacionamento

Quando o trem chegava, a rua se enchia de gente a caminho do ponto de bonde. Em frente, parava-se para um chá, ao som de orquestra. À noite, dezenas de máquinas de escrever preparavam mais uma vibrante edição do velho O Diário. A Rua do Comércio era, sem dúvida, síntese do apogeu santista na década de 30. Hoje, o prédio do jornal, nº 7 a 17, abriga pombas, às dezenas, que circulam em meio às tábuas que rangem, vencidas pela umidade, e as velhas mobílias do jornal. Em março, vai tudo abaixo, abrindo um rombo de 2 mil metros quadrados, da Rua do Comércio até a Visconde de São Leopoldo. E no lugar surgirá, durante três anos, um estacionamento do Banco Itaú.

O imóvel, com várias lojas e salões de escritório, já sediou muitos negócios, além do jornal, como o Partido Comunista, tipografia, liga de tamboréu, lojas e a sucursal do Diário de São Paulo. O tempo, porém, destruiu completamente o imóvel, com o madeirame estragado, problemas nas instalações elétricas e hidráulicas e risco à própria segurança.

Este ano, a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia, a proprietária, tomou uma decisão, depois de verificar que o custo de reforma era incompatível com a situação do hospital. Os aluguéis cobrados dos comerciantes na área eram baixos. Por isso, a Santa Casa alugou a área para o Banco Itaú. O contrato, segundo o provedor Antônio Manoel de Carvalho, é de três anos, e nesse meio tempo o banco deverá derrubar o prédio para instalação de um amplo estacionamento.

Irmão Geraldo deixa o prédio sem mágoa. Quer apenas tratar de sua saúde
Foto: Anésio Borges, publicada com a matéria
O banco fez acordo com os antigos locatários, indenizando-os e dando prazo para desocupação. Alguns imóveis, na Visconde de São Leopoldo, serão liberados até final de fevereiro. Mas na face da Rua do Comércio, o clima já é de abandono. Ontem à tarde restava apenas um pequeno negócio: a Fotocópia Bongiovanni, onde o proprietário, Constante Kosicio (67 anos), juntava papéis e equipamentos para deixar o ponto até segunda-feira, véspera do Ano-Novo.

"O que se vai fazer", comentava o comerciante, "é a juventude que surge, querem coisa nova no lugar". Mas ele dividia a expressão de desolamento com uma análise realista: "Está tudo podre, pode desabar a qualquer hora, e refazer o prédio custaria mais que construir um novo". Kosicio, também chamado de Irmão Geraldo, antigo marista, foi indenizado pelo banco. Mas não tem idéia do que será seu negócio a partir de agora: "Primeiro preciso tratar da saúde. Já não tenho mais força e energia".


Velho casarão que abrigava O Diário desaparece, na Rua do Comércio
Foto: Anésio Borges, publicada com a matéria

Lembranças - Ao lado da fotocópia, as portas arriadas mostravam que as demais lojas da Rua do Comércio já foram abandonadas. Os últimos a saírem do ponto foram a Cidade da Criança e a Gráfica e Papelaria Atlântica. Na face da R. Visconde de São Leopoldo, os comerciantes ainda aproveitam o tempo que lhes resta para livrar-se dos estoques.

Um prédio de muitas lembranças, o do antigo O Diário, tão importante que o desfile carnavalesco, na época realizado no Centro, acabava sendo desviado pelos blocos para homenagear os jornalistas. As maiores lembranças, ditas nas tradicionais rodinhas da velha Rua do Comércio, se referem à década de 30, quando a rua era verdadeira passarela de santistas que iam e vinham pela estrada de ferro, ao final da rua. Nessa época, o prédio de O Diário fazia vizinhança com o imponente edifício Pedro dos Santos, segundo recorda Alberto Vieira Fernandes (71 anos).

Em frente, o Empório Sul-Riograndense, no atual prédio ocupado pelo Cidade de Santos, chamava a atenção pela qualidade de suas mercadorias (cristais da Boêmia, tapetes persas e perfumes franceses). Mais adiante, a Galeria Odeon recebia grupos de amigos em mesas de chá, animados por orquestra. "Vejo a morte da Santos antiga", comenta o sr. Alberto, que veio do Rio para Santos em 1931, com 17 anos, para gerenciar a representação da Burroughs.

"Tudo que passa dá saudade", diz ele, "principalmente por ter sido a vida muito boa para todos naqueles tempos". São dessa época pilhas de livros contábeis que, em boa caligrafia, apontam receitas e despesas de O Diário, agora abandonados, com traças, nos salões do prédio. Junto dos livros, uma carcomida Bandeira Nacional, um velho relógio de parede e vários posters, do Diário de S. Paulo, mostrando grandes momentos na vida da Cidade, como homenagens ao rei Pelé e o socorro às vítimas do bondinho da Light.

Restos de um tempo espalhados com cupim e limo, sobre o assoalho que ainda sustenta as mesinhas de repórteres do Diário.

"Quem dá vida ao prédio é seu uso. Sem uso não representa nada, só história", comenta Antônio Rodrigues, proprietário do Café Paulista, que, em seus 73 anos de funcionamento, foi parada obrigatória de tanta gente que viveu e fez a história de uma Cidade que, em mais um pedacinho, começa a desaparecer.

Estas imagens foram obtidas pelo fotógrafo Wilson Melo, do jornal Cidade de Santos, em 28 de dezembro de 1984:





Fotos: Wilson Melo, do jornal Cidade de Santos - copião do filme 8699x84, de 28/12/1984
Pesquisa do historiador Waldir Rueda nos arquivos do jornal, mantidos no acervo da Unisantos

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